PARECER
nº: |
MPTC/9647/2012 |
PROCESSO
nº: |
SPE 07/00189521 |
ORIGEM: |
Instituto de Previdência do Estado de Santa
Catarina - IPREV |
INTERESSADO: |
Instituto de Previdência do Estado de Santa
Catarina - IPREV |
ASSUNTO: |
Aposentadoria de MARIA TAVARES DA SILVA |
1.
HISTÓRICO
Tratam-se os autos de requerimento
para registro do ato de aposentadoria da Senhora Maria Tavares da Silva,
ocupante do cargo de Analista Técnico em Gestão Previdenciária, lotado no Instituto
de Previdência do Estado de Santa Catarina - IPREV.
O processo fundamentou-se na concessão
de Aposentadoria por Invalidez Permanente com proventos integrais, nos termos
do art. 40, § 1º, I da CF/88, com redação dada pelo art. 1º da EC nº 41/03 e
c/c o art. 6º da EC nº 41/2003.
Na análise preliminar dos autos, o Corpo Técnico dessa Augusta Corte de Contas identificou incorreções tendentes a macular a concessão do ato aposentatório.
Fundamenta seu parecer aduzindo que a Secretaria de Estado da Administração, no ano de 2006, efetuou enquadramento de servidores, com fulcro em Leis Complementares, objetivando reestruturar carreiras de diversos segmentos do Poder Executivo Estadual.
Porém, assevera que tais leis instituíram cargo único para todos os servidores, infringindo preceito Constitucional. Que a inovação do inciso II, do art. 37 da Carta Constitucional veda qualquer tipo de provimento derivado, com exceção aos casos de mera transformação dos cargos.
Aduz que inicialmente a Requerente ocupava o Cargo de Telefonista. Que após a edição da Lei Complementar nº 328/2006, que instituiu o Plano de Carreira e Vencimentos daquela Pasta, passou a ocupar o Cargo de Analista Técnico em Gestão Previdenciária.
Que tal alteração configurou provimento derivado de cargo e, por conseguinte, caracterizou a inconstitucionalidade da Lei Complementar nº 328/2006. E, ainda, que as funções desempenhadas pelos servidores devem ser diferenciadas pelos níveis de admissão, não podendo ser suportadas por cargo unificado.
Ante tal conclusão, o Corpo Técnico assim se manifestou:
– Enquadramento da servidora Maria Tavares Silva, no cargo único de Analista Técnico em Gestão Previdenciária, considerado irregular por agrupar funções que indicam graus extremamente desiguais de responsabilidade e complexidade de atuação, já que essa situação agride o disposto no § 1º, incisos I, II, e III, do artigo 39, da Constituição Federal.
Nesse sentido, requereu-se à Audiência do Senhor Adriano Zanotto – Presidente do IPREV/SC.
Instado a se manifestar, o Responsável apresentou as devidas justificativas.
Alberga sua tese de defesa nas seguintes razões:
“A alteração promovida pela Lei Complementar 328/06 é verificada tão somente do ponto de vista formal, uma vez que a lei, objetivando dar cabo às diversas denominações anteriormente estabelecidas para os cargos públicos do Instituto de Previdência do Estado de Santa Catarina, unificou o nome do cargo, em sentido amplo, passando a chamá-lo de Analista Técnico de Gestão Previdenciária, entretanto, estabelecendo diferenciação evidente e não vedada pela ordem constitucional no tocante às COMPETÊNCIAS, que conforme percebe-se do Anexo II – B, passou a integrar o nome do cargo, sendo o designativo que permite perfeita diferenciação entre os mesmos.”
Cita ainda, Ações Diretas de Inconstitucionalidade, cujo objeto em discussão versava sobre a possibilidade na unificação de cargos, o qual restou pronunciada a constitucionalidade em razão da identidade de atribuições.
Assim, considerando as alegações apresentadas pela Unidade Gestora, o Corpo Técnico entendeu não estarem sanadas as incorreções, ora em que sugere denegar o registro do ato de concessão de aposentadoria.
Aduz que a criação da nomenclatura única afronta diretamente os arts. 37, II e 39, § 1º, I, II, III, da Carta Magna. Que a Lei Complementar nº 328/2006, especificamente nos arts. 15 e 16 possibilita a transposição de cargos, e confundiu as competências específicas com a denominação única de cargo.
Reforça a tese, citando a ADI 3966/2007, que questiona a constitucionalidade dos arts. 15 e 16 (Da Progressão por Nível de Formação) da LC nº 328/2006.
Entende que, em sendo declarada a inconstitucionalidade dos referidos artigos, estes refletirão diretamente na denominação do cargo único, mesmo que este não sendo objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade.
Que o Supremo Tribunal Federal, pela teoria da inconstitucionalidade por arrastamento, poderá declarar a inconstitucionalidade, também, do artigo que institui a denominação do cargo único.
Porém, o Corpo Instrutivo registra que a servidora cumpriu os requisitos constitucionais para a aposentadoria. Mas que não poder-se-á registrar o ato aposentatório pela inaplicabilidade do art. 41, do Regimento Interno da Corte de Contas.
2.
ANÁLISE
Do exposto, este Órgão Ministerial, no
propósito de auxiliar a Corte de Contas no julgamento da matéria em debate,
apresenta algumas considerações.
Partindo-se da premissa da
inconstitucionalidade normativa defendida pelo Corpo Instrutivo, e no intuito
de elucidar os efeitos advindos dessa possível declaração, subsumidos ao fato
concreto, destaca o seguinte:
I-) Efeitos decorrentes da declaração de
inconstitucionalidade de norma e o princípio da segurança jurídica na concessão
do ato aposentatório.
Considerando os limites temporais, os
efeitos da declaração de inconstitucionalidade podem ser retroativos (ex tunc) ou não retroativos (ex nunc).
a)
Declaração
de declaração de inconstitucionalidade, com efeito ex tunc
Adota-se essa premissa tanto para os
casos de declaração de inconstitucionalidade no
controle difuso quanto no controle concentrado.
Nesses casos, além da retroatividade,
a declaração de inconstitucionalidade de determinada lei torna aplicável legislação anterior ao caso existente, salvo expressa
manifestação em sentido contrário.
É o efeito
repristinatório da declaração de inconstitucionalidade.
Alexandre
de Moraes leciona:
"Declarada
a inconstitucionalidade da lei ou ato normativo federal ou estadual, a decisão
terá efeito retroativo (ex tunc) e
para todos (erga omnes), desfazendo,
desde sua origem, o ato declarado inconstitucional, juntamente com todas as
consequências dele derivadas, uma vez que os atos inconstitucionais são nulos e, portanto, destituídos de
qualquer carga de eficácia jurídica, alcançando a declaração de
inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo, inclusive os atos pretéritos
com base nela praticados (efeitos ex tunc)”
(MORAES, Alexandre de; Direito Constitucional, 25ª Edição, Editora Atlas, 2010,
p. 763)
O
Supremo Tribunal Federal se posiciona no seguinte sentido:
"A
declaração de inconstitucionalidade de uma lei alcança, inclusive, os atos pretéritos com base nela
praticados, eis que o reconhecimento desse supremo vício jurídico, que inquina
de total nulidade os atos emanados do Poder Público, desampara as situações
constituídas sob sua égide e inibe - ante a sua inaptidão para produzir efeitos jurídicos válidos - a possibilidade de invocação de
qualquer direito. - A declaração de inconstitucionalidade
em tese encerra um juízo de exclusão, que, fundado
numa competência de rejeição deferida ao Supremo Tribunal Federal, consiste em
remover do ordenamento positivo a manifestação estatal inválida e desconforme
ao modelo plasmado na Carta Política, com todas as consequências daí
decorrentes, inclusive a
plena restauração de eficácia das leis e das normas afetadas pelo ato
declarado inconstitucional" (STF - Pleno, Ac. un. ADIn
652-5-MA - Questão de Ordem - Rel. Min. Celso de Mello, DJU de 02.04.93, p.
5.615).
Nessa perspectiva, retroagindo-se os
efeitos à lei precedente, torna-se incontroverso o direito pleiteado pela
Requerente, devendo contabilizar-se, para fins de registro, o tempo laborado
sob a égide da norma inconstitucional.
b)
Declaração
de declaração de inconstitucionalidade, com efeito ex nunc
O Supremo Tribunal Federal vem
admitindo, por razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social,
poder-se-á restringir os efeitos da declaração de inconstitucionalidade ou
decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de
outro momento que venha a ser fixado.
Dessa forma, a regra do efeito
retroativo e repristinatório da declaração de inconstitucionalidade poderá ser
abrandada, desde que a segurança jurídica ou o interesse social o justifique.
Tem-se admitido a permanência dos efeitos da norma mesmo após ter sido ela
declarada inconstitucional.
Trata-se,
portanto, de interpretação excepcional fundada em razões de segurança jurídica
e interesse social, cuja finalidade é evitar a ocorrência de maiores danos
sociais em razão da retroatividade da declaração de inconstitucionalidade.
Ensina
o Ministro Gilmar Mendes:
“Razões de segurança jurídica podem
obstar à revisão do ato praticado com base na lei declarada inconstitucional.
Nessas hipóteses, avalia-se, igualmente, que, tendo em vista razões de
segurança jurídica, a supressão da norma poderá ser mais danosa para o sistema
do que a sua preservação temporária. Não há negar, ademais, que aceita a ideia
da situação “ainda constitucional”, deverá o Tribunal, se tiver que declarar a
inconstitucionalidade da norma, em outro momento, fazê-lo com eficácia
restritiva ou limitada”. (STF, AC 189/SP – Rel. Min. Gilmar Mendes, Diário da
Justiça, Seção I, 15 abril 2004, p.14)
É
importante frisar que o STF, ao examinar o tema da inconstitucionalidade em
tese, cuja decisão afetará a todos os jurisdicionados que se encontrem em
determinadas situações regidas pela norma cuja inconstitucionalidade esteja
sendo arguida, deverá considerar, também, as consequências que de sua decisão
advirão em relação a todas as situações jurídicas já criadas a partir do
controle difuso.
Sob
esse prisma, subjugando o caso concreto aos efeitos supervenientes de uma
possível declaração de inconstitucionalidade, e lembrando, ainda não declarada,
a subsunção ao direito permanece inalterado.
Ou
seja, não se pode tolher tal beneplácito em razão da mácula legislativa. Muito
menos, quando ainda não declarada, como se pode verificar no caso em tela.
O
que se visa estabelecer nesta análise é a tese de que, independentemente de
qualquer efeito advindo de uma possível declaração de inconstitucionalidade, o
direito resta inequívoco.
II – Art. 41 do Regimento Interno do
Tribunal de Contas
O
Corpo Técnico alinha sua tese pela prejudicialidade do registro do ato
aposentatório da Requerente, consubstanciado no artigo 41 do Regimento Interno
da Corte de Contas, que veda o registro nos casos em que a concessão for
considerada ilegal e por não preencher os requisitos estabelecidos na Carta
Constitucional.
Por
outro lado, assevera que tal preceito não pode afetar o direito da servidora.
Perfilhando-se
aos argumentos, esta Corte de Contas criou para si um imbróglio jurídico, em
que atesta o direito, mas nega o registro em razão de normativa interna
proibitiva.
No entanto, entende-se que o ato será
passível de registro se não houver irregularidade quanto ao mérito. Premissa
normativa capitulada no art. 40 do Regimento Interno.
Hely
Lopes Meirelles conceitua mérito administrativo:
O conceito de mérito administrativo é de difícil fixação, mas
poderá ser assinalada sua presença toda a vez que a Administração decidir ou
atuar valorando internamente as consequências ou vantagens do ato. O mérito
administrativo consubstancia-se, portanto, na valoração dos motivos e na
escolha do objeto do ato, feitas pela Administração incumbida de sua prática,
quando autorizada a decidir sobre a conveniência, oportunidade e justiça do ato
a realizar. (MEIRELLES, H. L. Direito Administrativo Brasileiro. 21. ed.
São Paulo: Malheiros, 1990)
José
Cretella Júnior Leciona:
Mérito
do ato administrativo é expressão de sentido especialíssimo, porque aqui, posta
de lado a tradicional noção processual do termo mérito, significa o conjunto: a
oportunidade e a conveniência do ato administrativo.
Nesta acepção, o mérito, não se confunde de modo algum com a legalidade, nem a esta se contrapõe pela própria natureza diversa e
específica de cada um dos campos. (JUNIOR, José Cretella, Curso de Direito
Administrativo, Editora Forense, 1997, p. 275)
Ora,
perceba-se no caso concreto, que não há vício quanto ao mérito, mas sim, em
questão puramente formal. Nesse norte, não há que se discutir questão
prejudicial. Resta patente, para tanto, a possibilidade do registro do ato
aposentatório.
III – Do julgamento da Ação Direta de
Inconstitucionalidade pelo STF x inconstitucionalidade declarada pelo TCE/SC;
No
ano de 2007, o Ministério Público ingressou com 24 (vinte e quatro) ADI´s questionando a constitucionalidade de
alguns artigos das Leis Complementares que instituíram os novos planos
de cargos e vencimentos para os servidores integrantes da Administração Pública
Estadual, incluindo-se nesse rol, a Lei Complementar nº 328/2006 (art. 15 e
16), ora em apreço.
Em
razão da matéria já ser alvo da Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta
pela Procuradoria Geral da República no Supremo Tribunal Federal (ADI nº 3966),
o Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina decidiu sobrestar o julgamento dessas ADI´s, até a apreciação
derradeira da Corte Máxima de Justiça.
Frisa
ainda, que embora a discussão acerca da inconstitucionalidade invocar apenas
dois artigos da Lei Complementar nº 328/2006 (arts. 15 e 16), a Instrução
utiliza-se dessa inferência para levantar a teoria da inconstitucionalidade por
arrastamento, objetivando tornar inconstitucional, também, o artigo 4º da mesma
norma.
Nesse
ínterim, a instrução se pronuncia:
Apenas para conhecimento, tramita no
Supremo Tribunal Federal Ação Direta de Inconstitucionalidade da Lei
Complementar nº 328/2006 (ADI 3966/2007) proposta pelo Procurador-Geral da
República questionando, dentre outras leis, a constitucionalidade dos art. 15 e
16 desta Lei. Frisa-se que apesar do art. 4º que criou a nomenclatura única não
ser objeto da ação, poderá vir a ser
considerado inconstitucional nesta mesma ação, em decorrência da teoria
criada pela Suprema Corte, conhecida como “teoria da inconstitucionalidade por
arrastamento”.
Este
Órgão Ministerial entende que tal ilação pode ser precipitada.
Supondo
que o Supremo Tribunal Federal julgue pela constitucionalidade da Lei
Complementar nº 328/2006 e o Tribunal de Contas, por seu turno, precedente ao
julgamento da ADIN, pugne pela inconstitucionalidade e denegue o registro do
ato de aposentação.
Ou
mais, supondo que o STF não acate a teoria do arrastamento. Quais efeitos
advirão da denegação do registro?
E
não se trata tão somente de denegar ou não o registro. Afetará diretamente a
credibilidade das decisões impostas por essa Corte de Contas.
Como
bem enumerado pelo Corpo Instrutivo, o Estado editou várias leis como idêntico
preceito normativo. Impende frisar que serão objeto de análise dessa Corte de
Contas inúmeros processos como o mesmo fundamento fático e jurídico.
Ter-se-á
como consequência direta, a necessidade de nova análise do todos os processos,
em caso de julgamento pela constitucionalidade das indigitadas normas.
A
denegação desses registros com base em uma possibilidade jurídica remota, entre
várias que o STF poderá vir a adotar, enseja julgamento temerário.
Não
se pode olvidar que com a denegação do registro, a administração pública
estadual estará impedida de efetuar a compensação financeira dessa
aposentadoria, entre os demais regimes da previdência social, importando em
prejuízo ao erário público.
Tal
preceito contraria ao propósito a que se destina essa Corte de Contas. É
permitir que o Estado seja lesado em razão de exceção normativa não prevista
pelo Tribunal.
Fica
a pergunta. A quem o Estado poderá cobrar tal prejuízo?
Considerando,
ainda, que o Tribunal de Contas entende clarividente o direito da requerente;
Considerando
caracterizada exceção não prevista no rol normativo instituído por essa Corte;
Considerando
imprescindível a prevalência da segurança jurídica nos casos concretos;
Este Órgão Ministerial pugna pelo
registro do ato de aposentação da Requerente.
Florianópolis,
em 07 de maio de 2012.
MARCIO
DE SOUSA ROSA
Procurador
Geral em exercício do Ministério
Público Junto
ao Tribunal de Contas ff