PARECER
nº: |
MPTC/10978/2012 |
PROCESSO
nº: |
SPE 07/00158219 |
ORIGEM: |
Secretaria de Estado da Saúde |
INTERESSADO: |
Instituto de Previdência do Estado de Santa
Catarina - IPREV |
ASSUNTO: |
Ato de Aposentadoria de Laurete Maurina Santos
Amaral |
1. HISTÓRICO
Tratam-se os autos de
requerimento para registro do ato de aposentadoria da Senhora Laurete Maurina
Santos Amaral, ocupante do cargo de Analista Técnico em Gestão e Promoção de
Saúde, lotada no Hospital Infantil Joana de Gusmão.
O processo fundamentou-se na
concessão de Aposentadoria Voluntária, com proventos integrais, nos termos do
art. 8º da Emenda Constitucional 20/98.
Na análise preliminar dos autos, o Corpo Técnico dessa
e. Corte de Contas identificou incorreções tendentes a macular a concessão do ato
aposentatório.
Fundamenta seu parecer aduzindo que a Secretaria de
Estado da Administração, no ano de 2006, efetuou enquadramento de servidores,
com fulcro em Leis Complementares, objetivando reestruturar carreiras de
diversos segmentos do Poder Executivo Estadual.
Porém, assevera que tais leis instituíram cargo único
para todos os servidores, infringindo preceito Constitucional. Que a inovação
do inciso II, do art. 37 da Carta Constitucional veda qualquer tipo de
provimento derivado, com exceção aos casos de mera transformação dos cargos.
Que tal alteração configurou provimento derivado de
cargo e, por conseguinte, caracterizou a inconstitucionalidade da Lei
Complementar nº 323/2006. E, ainda, que
as funções desempenhadas pelos servidores devem ser diferenciadas pelos níveis
de admissão, não podendo ser suportadas por cargo unificado.
Ante tal conclusão, o Corpo Técnico assim se
manifestou:
– Enquadramento da servidora Laurete
Maurina Santos Amaral no cargo único de Analista Técnico em Gestão e Promoção
da Saúde, considerado irregular por agrupar funções que indicam graus
extremamente desiguais de responsabilidade e complexidade de atuação, já que
esta situação agride o disposto no §1º, incisos I, II e III, do artigo 39, da
Constituição Federal.
Nesse sentido, requereu-se à Audiência do Senhor
Adriano Zanotto – Presidente do IPREV/SC.
Instado a se manifestar, o Responsável apresentou as
devidas justificativas.
Alberga sua tese de defesa nas seguintes razões:
“Percebe-se que a unificação ocorreu tão
somente em relação ao nome do cargo em sentido amplo, permanecendo todos os
cargos anteriormente existentes, designados por meio das COMPETÊNCIAS,
atendendo rigorosamente às chamadas linhas de correlação entre cargos, que
consistem na identificação do cargo do Servidor quando da sua antiga situação e
na indicação do novo cargo que resulta da transformação.”
Cita ainda, Ações Diretas de Inconstitucionalidade,
cujo objeto em discussão versava sobre a possibilidade na unificação de cargos,
o qual restou pronunciada a constitucionalidade em razão da identidade de
atribuições.
Assim, considerando as alegações apresentadas pela
Unidade Gestora, o Corpo Técnico entendeu que as incorreções não restaram
sanadas, ora em que sugere denegar o
registro do ato de concessão de aposentadoria.
Aduz que a criação da nomenclatura única afronta
diretamente os arts. 37, II e 39, § 1º, I, II, III, da Carta Magna. Que a Lei
Complementar nº 323/2006, especificamente nos arts. 14 e 15 possibilita a
transposição de cargos, e confundiu as competências específicas com a
denominação única de cargo.
Reforça a tese, citando a ADI 3966/2007, que questiona
a constitucionalidade dos arts. 14 e 15 (Da Progressão por Nível de Formação)
da LC nº 323/2006.
Entende que, em sendo declarada a inconstitucionalidade
dos referidos artigos, estes refletirão diretamente na denominação do cargo
único, mesmo que este não sendo objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade.
Que o Supremo Tribunal Federal, pela teoria da
inconstitucionalidade por arrastamento, poderá declarar a
inconstitucionalidade, também, do artigo que institui a denominação do cargo
único.
Porém, o Corpo Instrutivo registra que a servidora
cumpriu os requisitos constitucionais para a aposentadoria. Mas que não
poder-se-á registrar o ato aposentatório pela inaplicabilidade do art. 41, do
Regimento Interno da Corte de Contas.
2. ANÁLISE
Do exposto, este Órgão Ministerial, no propósito de
auxiliar a Corte de Contas no julgamento da matéria em debate, apresenta
algumas considerações.
Partindo-se da premissa da inconstitucionalidade
normativa defendida pelo Corpo Instrutivo, e no intuito de elucidar os efeitos
advindos dessa possível declaração, subsumidos ao fato concreto, destaca o
seguinte:
I-) Efeitos decorrentes da declaração de
inconstitucionalidade de norma e o princípio da segurança jurídica na concessão
do ato aposentatório.
Considerando os limites temporais, os efeitos da
declaração de inconstitucionalidade podem ser retroativos (ex tunc) ou não retroativos (ex
nunc).
a)
Declaração de declaração
de inconstitucionalidade, com efeito ex
tunc
Adota-se essa premissa tanto para os casos de
declaração de inconstitucionalidade no controle difuso
quanto no controle concentrado.
Nesses casos, além da retroatividade, a declaração de inconstitucionalidade de determinada lei
torna aplicável legislação anterior ao caso existente,
salvo expressa manifestação em sentido contrário.
É o efeito repristinatório da
declaração de inconstitucionalidade.
Alexandre de Moraes leciona:
"Declarada a inconstitucionalidade da
lei ou ato normativo federal ou estadual, a decisão terá efeito retroativo (ex tunc) e para todos (erga omnes), desfazendo, desde sua
origem, o ato declarado inconstitucional, juntamente com todas as consequências
dele derivadas, uma vez que os atos
inconstitucionais são nulos e, portanto, destituídos de qualquer carga de
eficácia jurídica, alcançando a declaração de inconstitucionalidade da lei ou
do ato normativo, inclusive os atos pretéritos com base nela praticados
(efeitos ex tunc)” (MORAES, Alexandre
de; Direito Constitucional, 25ª Edição, Editora Atlas, 2010, p. 763)
O Supremo
Tribunal Federal se posiciona no seguinte sentido:
"A declaração de inconstitucionalidade
de uma lei alcança, inclusive, os atos pretéritos com
base nela praticados, eis que o reconhecimento desse supremo vício jurídico,
que inquina de total nulidade os atos emanados do Poder Público, desampara as
situações constituídas sob sua égide e inibe - ante a sua inaptidão para
produzir efeitos jurídicos válidos - a possibilidade
de invocação de qualquer direito. - A declaração de inconstitucionalidade
em tese encerra um juízo de exclusão, que, fundado
numa competência de rejeição deferida ao Supremo Tribunal Federal, consiste em
remover do ordenamento positivo a manifestação estatal inválida e desconforme
ao modelo plasmado na Carta Política, com todas as consequências daí
decorrentes, inclusive
a plena restauração de eficácia das leis e das normas afetadas pelo ato
declarado inconstitucional" (STF - Pleno, Ac. un. ADIn
652-5-MA - Questão de Ordem - Rel. Min. Celso de Mello, DJU de 02.04.93, p.
5.615).
Nessa perspectiva, retroagindo-se os efeitos à lei
precedente, torna-se incontroverso o direito pleiteado pela Requerente, devendo
contabilizar-se, para fins de registro, o tempo laborado sob a égide da norma
inconstitucional.
b)
Declaração de
declaração de inconstitucionalidade, com efeito ex nunc
O Supremo Tribunal Federal vem admitindo, por razões de
segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poder-se-á restringir os
efeitos da declaração de inconstitucionalidade ou decidir que ela só tenha
eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a
ser fixado.
Dessa forma, a regra do efeito retroativo e
repristinatório da declaração de inconstitucionalidade poderá ser abrandada,
desde que a segurança jurídica ou o interesse social o justifique. Tem-se
admitido a permanência dos efeitos da norma mesmo após ter sido ela declarada
inconstitucional.
Trata-se, portanto,
de interpretação excepcional fundada em razões de segurança jurídica e
interesse social, cuja finalidade é evitar a ocorrência de maiores danos
sociais em razão da retroatividade da declaração de inconstitucionalidade.
Ensina o Ministro
Gilmar Mendes:
“Razões
de segurança jurídica podem obstar à revisão do ato praticado com base na lei
declarada inconstitucional. Nessas hipóteses, avalia-se, igualmente, que, tendo
em vista razões de segurança jurídica, a supressão da norma poderá ser mais
danosa para o sistema do que a sua preservação temporária. Não há negar,
ademais, que aceita a ideia da situação “ainda constitucional”, deverá o
Tribunal, se tiver que declarar a inconstitucionalidade da norma, em outro
momento, fazê-lo com eficácia restritiva ou limitada”. (STF, AC 189/SP – Rel.
Min. Gilmar Mendes, Diário da Justiça, Seção I, 15 abril 2004, p.14)
É importante frisar
que o STF, ao examinar o tema da inconstitucionalidade em tese, cuja decisão
afetará a todos os jurisdicionados que se encontrem em determinadas situações
regidas pela norma cuja inconstitucionalidade esteja sendo arguida, deverá
considerar, também, as consequências que de sua decisão advirão em relação a
todas as situações jurídicas já criadas a partir do controle difuso.
Sob esse prisma,
subjugando o caso concreto aos efeitos supervenientes de uma possível
declaração de inconstitucionalidade, e lembrando, ainda não declarada, a
subsunção ao direito permanece inalterado.
Ou seja, não se
pode tolher tal beneplácito em razão da mácula legislativa. Muito menos, quando
ainda não declarada, como se pode verificar no caso em tela.
O que se visa
estabelecer nesta análise é a tese de que, independentemente de qualquer efeito
advindo de uma possível declaração de inconstitucionalidade, o direito resta
inequívoco.
II – Art. 41 do Regimento Interno do Tribunal de Contas
O Corpo Técnico
alinha sua tese pela prejudicialidade do registro do ato aposentatório da
Requerente, consubstanciado no artigo 41 do Regimento Interno da Corte de
Contas, que veda o registro nos casos em que a concessão for considerada ilegal
e por não preencher os requisitos estabelecidos na Carta Constitucional.
Por outro lado,
assevera que tal preceito não pode afetar o direito da servidora.
Perfilhando-se aos
argumentos, esta Corte de Contas criou para si um imbróglio jurídico, em que
atesta o direito, mas nega o registro em razão de normativa interna proibitiva.
No entanto, entende-se que o ato será passível de
registro se não houver irregularidade quanto ao mérito. Premissa normativa
capitulada no art. 40 do Regimento Interno:
Art. 40. O
Tribunal decidirá pela ilegalidade e recusará o registro do ato de concessão de
aposentadoria, reforma, transferência para a reserva ou pensão que apresentar
irregularidade quanto ao mérito.
O Corpo Instrutivo
assevera que embora irregular o enquadramento, os requisitos normativos para
concessão da aposentadoria foram cumpridos.
O mérito, neste
caso, é abarcado pelo preenchimento dos requisitos normativos inerentes à
aposentação, e não à irregularidade perpetrada pela Administração Estadual.
Hely Lopes
Meirelles conceitua mérito administrativo:
O conceito de mérito administrativo é
de difícil fixação, mas poderá ser assinalada sua presença toda a vez que a
Administração decidir ou atuar valorando internamente as consequências ou
vantagens do ato. O mérito administrativo consubstancia-se, portanto, na
valoração dos motivos e na escolha do objeto do ato, feitas pela Administração
incumbida de sua prática, quando autorizada a decidir sobre a conveniência,
oportunidade e justiça do ato a realizar. (MEIRELLES, H. L. Direito
Administrativo Brasileiro. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 1990)
José Cretella
Júnior Leciona:
Mérito
do ato administrativo é expressão de sentido especialíssimo, porque aqui, posta
de lado a tradicional noção processual do termo mérito, significa o conjunto: a
oportunidade e a conveniência do ato administrativo.
Nesta acepção, o mérito, não se confunde de modo algum
com a legalidade, nem a esta se
contrapõe pela própria natureza diversa e específica de cada um dos campos. (JUNIOR, José Cretella, Curso de
Direito Administrativo, Editora Forense, 1997, p. 275)
Ora, perceba-se que
no caso concreto não há vício quanto ao mérito, mas sim, incorreção legislativa
oriunda da inépcia do Poder Administrativo. Nesse norte, não há que se discutir
questão prejudicial. Resta patente, para tanto, a possibilidade do registro do
ato de pensão.
III – Do julgamento da Ação Direta de
Inconstitucionalidade pelo STF x inconstitucionalidade declarada pelo TCE/SC;
No ano de 2007, o
Ministério Público ingressou com 24 (vinte e quatro) ADI´s questionando
a constitucionalidade de alguns artigos das Leis Complementares que instituíram os novos planos de cargos e
vencimentos para os servidores integrantes da Administração Pública Estadual,
incluindo-se nesse rol, a Lei Complementar nº 323/2006 (art. 14 e 15), ora em
apreço.
Em razão da matéria
já ser alvo da Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pela Procuradoria
Geral da República no Supremo Tribunal Federal (ADI nº 3966), o Tribunal de
Justiça do Estado de Santa Catarina decidiu sobrestar o julgamento dessas ADI´s, até a apreciação derradeira
da Corte Máxima de Justiça.
Frisa ainda, que
embora a discussão acerca da inconstitucionalidade invocar apenas dois artigos
da Lei Complementar nº 323/2006 (arts. 14 e 15), a Instrução utiliza-se dessa
inferência para levantar a teoria da inconstitucionalidade por arrastamento,
objetivando tornar inconstitucional, também, o artigo 4º da mesma norma.
Nesse ínterim, a
instrução se pronuncia:
Importa
ressaltar, que tramita no Supremo Tribunal Federal Ação Direta de
Inconstitucionalidade da Lei Complementar em apreço, proposta pelo
Procurador-Geral da República.
Frisa-se
que apesar da nomenclatura única não ser objeto direto da ação, a lei em
questão poderá vir a ser considerada inconstitucional, em decorrência da teoria
criada pela Suprema Corte, conhecida como “teoria da inconstitucionalidade por
arrastamento”.
Este Órgão
Ministerial entende que tal ilação pode ser precipitada.
Supondo que o
Supremo Tribunal Federal julgue pela constitucionalidade da Lei nº 323/2006 e o
Tribunal de Contas, por seu turno, precedente ao julgamento da ADIN, pugne pela
inconstitucionalidade e denegue o registro do ato de aposentação.
Ou mais, supondo
que o STF não acate a teoria do arrastamento. Quais efeitos advirão da
denegação do registro?
Como bem enumerado
pelo Corpo Instrutivo, o Estado editou várias leis como idêntico preceito
normativo. Impende frisar que serão objeto de análise dessa Corte de Contas
inúmeros processos como o mesmo fundamento fático e jurídico.
Ter-se-á como
consequência direta, a necessidade de nova análise do todos os processos, em
caso de julgamento pela constitucionalidade das indigitadas normas.
A denegação desses
registros com base em uma possibilidade jurídica remota, entre várias que o STF
poderá vir a adotar, enseja julgamento temerário.
Não se pode olvidar
que com a denegação do registro, a administração pública estadual estará
impedida de efetuar a compensação financeira dessa aposentadoria, entre os
demais regimes da previdência social, importando em prejuízo ao erário público.
Considerando,
ainda, que o Tribunal de Contas entende clarividente o direito da Requerente;
Considerando
imprescindível a prevalência da segurança jurídica nos casos concretos;
Este Órgão Ministerial pugna pelo
registro do ato de aposentadoria da Requerente.
Florianópolis, em 26 de junho de 2012.
MÁRCIO DE
SOUSA ROSA
Procurador Geral – em Exercício
Ministério Público Junto ao Tribunal de Contas
af