Parecer no:

 

MPTC/ 19.062/2013

 

 

 

Processo nº:

 

REP 10/00574978

 

 

 

Origem:

 

Município de Anchieta

 

 

 

Assunto:

 

Irregularidades atinentes à supressão por decreto de benefícios remuneratórios concedidos por lei.

 

Trata-se de representação formulada às fls. 02-03 pelos Srs. Ivo Schaeffer e Ari Prestes de Oliveira, vereadores da Câmara Municipal de Anchieta, em razão de suposta ilegalidade consubstanciada na supressão, por via de decreto, de benefícios remuneratórios concedidos aos docentes do magistério público municipal pelas Leis Complementares n.º 11/2009 e n.º 15/2010.

Foram juntados documentos de suporte às fls. 04-29.

A Diretoria de Controle de Atos de Pessoal emitiu Relatório Técnico às fls. 30-35 e manifestou-se pelo conhecimento da Representação, entendendo presentes os requisitos de admissibilidade e o amparo legal necessário. Ao final, sugeriu:

4.1 Em preliminar conhecer da Representação formulada pelos Srs. Ivo Schaeffer e Ari Prestes de Oliveira – Vereadores da Câmara Municipal de Anchieta, nos termos dos arts. 100, 101 e 102, do Regimento Interno desta Casa (Resolução n° TC-06/2001), com nova redação dada pelo art. 5º, da Resolução n° TC-05/2005 c/c artigos 65, § 1º e 66 da Lei Complementar n. 202/2000;

4.2 Promover DILIGÊNCIA, com fulcro no artigo 3º da Lei Complementar nº 202/2000, com ofício à Prefeitura Municipal de Anchieta, para que encaminhe documentos e esclarecimentos necessários à instrução dos autos, no prazo de 30 (trinta) dias, conforme segue:

- Relação das despesas efetuadas com cargos comissionados e funções de confiança anteriormente à expedição da Lei Complementar Municipal n. 011/2009, e das despesas efetuadas posteriormente à promulgação desta Lei;

- Lei de Diretrizes Orçamentárias do Município de Anchieta para o ano de 2010;

- Lei Orçamentária Anual do Município de Anchieta para o ano de 2010;

- Decreto Municipal n. 093/10;

- Esclarecimentos quanto às medidas tomadas para redução de despesas com pessoal, nos termos do art. 23 da Lei Complementar n. 101 – Lei de Responsabilidade Fiscal.

4.3 Determinar à Diretoria de Controle de Atos de Pessoal – DAP deste Tribunal que sejam adotadas as demais providências, inclusive diligências, inspeções e auditorias que se fizerem necessárias junto à Prefeitura Municipal de Anchieta, com vistas à apuração do fato apontado como irregular nos presente autos.

O Ministério Público de Contas manifestou-se à fl. 38 pelo acolhimento integral da representação e pela determinação das diligências sugeridas pela Instrução Técnica.

O Auditor Relator emitiu decisão às fls. 39-40, no sentido de conhecer a representação e determinar a adoção de providências pela Diretoria de Controle de Atos de Pessoal para a apuração das irregularidades apontadas na representação.

Foram prestadas informações às fls. 43-49 e acostados documentos às fls. 50-172.

Prestados os esclarecimentos, a Diretoria Técnica emitiu o relatório n. 06990/2010 (fls. 174-183), ao final do qual sugeriu:

Ante o exposto, sugere-se que seja procedida AUDIÊNCIA, nos termos do art. 29, § 1º, combinado com o art. 35 da Lei Complementar nº 202/00, do responsável Sr. ANTÔNIO LUIZ MARIANI – Prefeito Municipal de Anchieta no período de 01/01/2009 a 20/10/2010, para apresentação das justificativas a este Tribunal de Contas, em observância ao princípio do contraditório e da ampla defesa, no prazo de 30 (trinta) dias a contar do recebimento desta, a respeito da irregularidade constante do presente relatório, conforme segue:

3.1 - Supressão dos benefícios remuneratórios concedidos a servidores públicos municipais pela Lei Complementar n. 001/2009 – Plano de Cargos e Carreira do Magistério Público de Anchieta, em infração ao art 37, XV, da Constituição Federal e à Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (Recurso em Mandado de Segurança n. 20.915/MA. Relatora Ministra Laurita Vaz, da Quinta Turma do STJ. Julgado em 04/12/2009)

Em atenção a mesma, o prefeito à época dos fatos, Sr. Antonio Luiz Mariani, apresentou suas justificativas às fls. 188-231.

Após as justificativas, a DAP emitiu Relatório Final às fls. 234-240, onde conclui por:

3.1 Considerar irregular, com fundamento no art. 36, § 2º, alínea “a”, da Lei Complementar n. 202/2000, a supressão dos benefícios remuneratórios concedidos a servidores públicos municipais pela Lei Complementar n. 011/2009 – Plano de Cargos e Carreira do Magistério Público de Anchieta, em infração ao art. 37, inciso XV, da Constituição Federal, e à Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (Recurso em Mandado de Segurança n. 20.915/MA. Relatora Ministra Laurita Vaz, da Quinta Turma do STJ. Julgado em 04/12/2009);

3.2 Aplicar multa ao Sr. Antônio Luiz Mariani, CPF n. 299.356.790-04, Prefeito Municipal de Anchieta de 01/01/2005 a 20/10/2010, na forma do disposto no art. 70, inciso II, da Lei Complementar n. 202/2000, e art. 109, inciso II, do Regimento Interno, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação do acórdão no Diário Oficial Eletrônico do Tribunal de Contas, para comprovar a este Tribunal o recolhimento da multa ao Tesouro do Estado, sem o que fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, inciso II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000, pela irregularidade explicitada no item 3.1 desta conclusão.

3.3 Determinar à Prefeitura Municipal de Anchieta que se abstenha em suprimir benefícios remuneratórios concedidos por lei, em cumprimento ao previsto no art. 37, inciso XV, da Constituição Federal, e que proceda a concessão e/ou alteração de benefícios remuneratórios somente por lei, em respeito ao inciso X do mesmo artigo constitucional.

3.4 Dar conhecimento da competente decisão plenária ao responsável Srs. Antônio Luiz Mariani, Prefeito Municipal de Anchieta no período da irregularidade apontada, e aos senhores Ivo Schaeffer e Ari Prestes de Oliveira, que interpuseram a presente representação, e à Prefeitura Municipal de Anchieta.

É o relatório.

A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da entidade em questão está inserida entre as atribuições dessa Corte de Contas, consoante os dispositivos constitucionais, legais e normativos vigentes (art. 31 da Constituição Federal, art. 113 da Constituição Estadual, art. 1º, inciso III, da Lei Complementar Estadual nº. 202/2000, arts. 22, 25 e 26, da Resolução TC nº. 16/1994 e art. 8° c/c art. 6° da Resolução TC nº. 6/2001).

 

 

Da supressão por meio de decreto de benefícios remuneratórios concedidos aos docentes do magistério público municipal

 

O apontamento restritivo tratado neste feito refere-se à supressão dos benefícios remuneratórios concedidos aos professores por meio da Lei Complementar n.º 11/2009.

A referida lei instituiu um novo Plano de Cargos e Carreira para o Magistério Público de Anchieta e disciplinou, em seu anexo II, a alteração do piso salarial dos professores, variável conforme o nível de formação do docente e nunca inferior ao estipulado na Lei Federal n.º 11.738/2008.

O diploma – que passou a viger em 17/12/2009, na data de sua publicação (art. 51) – previu que o novo piso fixado passaria a vigorar a partir de janeiro de 2010 (art. 49), como de fato se sucedeu.

Em maio de 2010 fora expedido o Decreto n.º 92/2010 (fls. 95-96), que suspendeu os efeitos do Anexo II da Lei Complementar n.º 11/2009 no concernente ao “cômputo de forma replicada” (art. 1º), bem como determinou o levantamento dos valores pagos a maior aos professores a partir de janeiro de 2010 (art. 2º).

No mesmo dia, foi publicado o Decreto n.º 93/2010 (fls. 85-87), que estabeleceu a aplicação gradativa do Plano de Cargos e Carreira do Magistério Público Municipal, dentro dos limites previstos pela Lei Orçamentária Anual de 2010 (art. 1º) e conforme a nova porcentagem de acréscimo pecuniário estipulada pelo Decreto acima mencionado (art. 2º).

A expedição de tais decretos acarretou uma redução dos vencimentos conferidos por lei aos docentes municipais, como demonstrado pelos contracheques de uma servidora anexos às fls. 28-29 e conforme as informações prestadas pelo próprio responsável.

O Sr. Antônio Luiz Mariani – prefeito à época da promulgação dos três diplomas normativos citados – apresentou suas justificativas nos seguintes termos:

[…]

Implantamos um Plano de Carreira para os servidores do magistério público municipal, o qual, infelizmente, em alguns pontos não atendeu adequadamente aos ditames da Constituição Federal e da Constituição do Estado de SC, incorrendo em efeito cascata no cálculo das vantagens constantes do referido plano.

[...]

Justifica-se.

Excelências, através do Decreto n. 092/2010, que DISPÕE SOBRE A SUSPENSÃO DOS EFEITOS DO CÔMPUTO DE FORMA REPLICADA DOS ACRÉSCIMOS PECUNIÁRIOS DE QUE TRATA O ANEXO II DA LEI COMPLEMENTAR N°. 011 /2009, E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS, O Município suspendeu os efeitos da inconstitucionalidade existente no Anexo II da Lei Complementar n° 011/2009, ou seja, o efeito cascata na remuneração dos professores municipais efetivos, já que o art. 37, XIV da Constituição Federal e o art. 28, IV da Constituição do Estado de Santa Catarina determinam que os acréscimos pecuniários percebidos por servidor público não podem ser computados e nem acumulados para fins de concessão de acréscimos ulteriores.

Ocorre que o Anexo II da Lei Complementar n. 011/2009, ao estabelecer os pisos e porcentagens de acréscimo, de acordo com a formação do professor municipal, instituiu um efeito cascata na remuneração dos servidores do magistério público municipal, tendo em vista que os acréscimos ali previstos de mais 25% sobre o Nível I, para o Professor de Nível II; de mais 20% sobre o Nível II, para o Professor de Nível III e, de mais 15% sobre o Nível III, para o Professor de Nível IV, contemplam a replicação de um percentual sobre o outro, em confronto com o disposto no art. 37, XIV da Constituição Federal, o mesmo ocorrendo em relação ao art. 28, IV da Constituição do Estado de Santa Catarina.

Ressalta-se que diante do quadro emoldurado era necessário corrigir a inconstitucionalidade, razão pela qual foi editado o Decreto n. 092/2010, mesmo que transitoriamente ou preventivamente.

[...]

Com relação ao Decreto n. 093/2010, temos que o mesmo foi editado pela Administração Municipal visando a APLICAÇÃO GRADATIVA DO PLANO DE CARGOS E CARREIRA DO MAGISTÉRIO PÚBLICO MUNICIPAL DE ANCHIETA, com o objetivo de buscar preservar o Plano de Carreira naquilo em que o mesmo é legal e constitucional e, ainda, garantir a aplicação dos benefícios de forma gradativa, conforme vier a determinar a LDO, tendo em vista os inquestionáveis determinantes do art. 169, § 1°, I e § 2° e 3° da Constituição Federal e as exigências dos arts. 21 e 22, §§ e incisos da Lei Complementar n°. 101, de 04 de maio de 2000, detalhados no tópico anterior destas informações, uma vez que a LDO de 2009 não previu o aumento de despesa com pessoal e as alterações trazidas pelo Plano de Carreira, conforme foi constatado pelo setor de Contabilidade do Município.

[...]

Assim, visando garantir a continuidade e a manutenção do Plano de Carreira, fundamentado no art. 48 da Lei Complementar Municipal 011/2009, foi determinada a implantação gradativa da lei, considerando o respeito ao interesse público municipal, razoabilidade, proporcionalidade e continuidade, princípios estes que recomendavam a tomada de medidas administrativas urgentes e inadiáveis, razão fundamental do Decreto n. 093/2010. (grifo do autor)

Sustentou, ainda, que a Lei n.º 11/2009 (fls. 09-19) era inconstitucional, por ter implantado acréscimo de salário sem a previsão orçamentária respectiva, bem como por estar superando os limites estabelecidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal. 

A Instrução Técnica, quanto ao mencionado efeito cascata, aduziu:

Primeiramente, para efeito de esclarecimento, cabe afirmar que o “efeito cascata” alegado pelo responsável na aplicação do Anexo II da Lei Complementar Municipal n. 011/2009 não se dá no presente caso, tendo em vista que não há incidência de “vantagens sobre vantagens” na remuneração dos professores abarcados pelo Plano de Cargos previsto na Lei Complementar supracitada, já que o Anexo II fixa, tão somente, o vencimento básico da carreira do cargo de professor com base em seus níveis de formação, conforme já vislumbrado anteriormente, utilizando-se como referência o piso vinculado ao “nível I” da carreira do magistério municipal.

[...]

Se o vencimento, no singular, se refere ao padrão remuneratório do cargo, não aludindo a outras vantagens a serem recebidas pelos servidores ocupantes do cargo de professor, não há que se falar em “efeito cascata” no caso em tela.

Quanto à regularidade dos Decretos expedidos pelo responsável, sustentou:

Com relação à edição dos Decretos n. 092/2010 e 093/2010, também não prospera a alegação do responsável, pois os referidos dispositivos, além de suspenderem a aplicação de lei válida, reduzindo o vencimento dos ocupantes do cargo de provimento efetivo de professor, em descumprimento ao previsto no inciso XV do art. 37 da Constituição Federal[1], alteraram a remuneração de servidores por meio de instrumento normativo inadequado, no que se refere o inciso X do art. 37 da Carta Magna[2].

[...]

Mesmo que a aplicação do novo Plano de Cargos do Magistério Municipal de Anchieta, previsto na Lei Complementar n. 011/2009, pudesse trazer algum desequilíbrio nas contas públicas do Erário do Município em tela, esta redução brusca do vencimento dos cargos do magistério ensejaria, como já dito, infração ao princípio da irredutibilidade de vencimentos, previsto no art. 37, inciso XV, da Constituição Federal.

Ressaltou, ainda, que “a redução dos vencimentos dos cargos do Magistério de Anchieta não veio a ajudar na efetiva redução do comprometimento da receita do Poder Executivo de Anchieta com as despesas de pessoal”, consoante informações obtidas junto ao site Portal do Cidadão[3].

Aduziu, por fim:

Por fim, a título de informação, é necessário destacar que a Lei Complementar Municipal n. 011/2009 foi sancionada pelo Prefeito Municipal de Anchieta à época dos fatos, que vem a ser o responsável Sr. Antônio Luiz Mariani, o que comprova que o referido tinha conhecimento dos efeitos financeiros que o mencionado dispositivo legal iria suscitar no exercício de 2010. Por tal motivo, entende esta instrução que não parece razoável que o administrador público sancione uma lei que prevê alterações remuneratórias para uma categoria de servidores municipais sabendo que não poderia aplicá-la devidamente, suspendendo sua implementação cinco meses depois de sua vigência por meio inadequado (por Decreto), em desacordo com o previsto no inciso X do art. 37 da Carta Magna, e possibilitando a redução de vencimentos firmados em lei, em descumprimento ao inciso XV do mesmo artigo constitucional.

Razão cabe ao Corpo Técnico.

Em que pese a gravidade do desrespeito à Lei de Responsabilidade Fiscal – por meio da criação e ampliação de acréscimos pecuniários não previstos na Lei de Diretrizes Orçamentárias –, a expedição de decreto municipal não é o meio apto a afastar a aplicação de lei válida, tal como já arfimado pela Instrução Técnica.

Portanto, mesmo que o intuito do responsável fosse a compatibilização das despesas públicas ao orçamento anual previsto para o ano de 2010, não estava este autorizado a reduzir os vencimentos concedidos aos servidores do Magistério Público de Anchieta.

A Administração Municipal deveria ter adotado as precauções necessárias, como o correto planejamento de gastos e sua compatibilização com a realidade do município, bem como pela prévia inclusão dos mesmos na Lei de Diretrizes Orçamentárias e na Lei Orçamentária Anual, de forma a verificar a disponibilidade financeira e evitar o desequilíbrio das contas municipais.

A falta de atenção do gestor não justifica a expedição de instrumento normativo inadequado para sanar a irregularidade.

Ressalta-se que a jurisprudência pátria tem firmado entendimento no sentido de afastar a possibilidade de redução salarial mesmo quando esta tenha sido concedida sem o atendimento aos ditames da Lei de Reponsabilidade Fiscal.

Nessa esteira, já decidiu o Supremo Tribunal Federal:

INCIDENTE DE DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE - MUNICÍPIO DE GUARATUBA - DECRETO 4.875/2003 - OFENSA AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE - REGULAMENTO QUE NÃO PODE INOVAR NO MUNDO JURÍDICO (ART. 84, VI, DA CF)- ARTIGOS 1º, 2º, 5º E 6º DA LEI MUNICIPAL Nº 1050/2003 - OFENSA À IRREDUTIBILIDADE DE VENCIMENTOS DO SERVIDOR PÚBLICO (ART. 35, XV, DA CF)- INFUNDADA JUSTIFICATIVA DE APLICAÇÃO DA LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL - NECESSIDADE DE EXAME DE LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL QUANTO À ADEQUAÇÃO DO ORÇAMENTO PÚBLICO - INCIDENTE PROCEDENTE PARA DECLARAR A INCONSTITUCIONALIDADE DO DECRETO 4.875/2003 E DOS ARTIGOS 1º, 2º, 5º E 6º DA LEI MUNICIPAL Nº 1050/2003 DO MUNICÍPIO DE GUARATUBA. Suposta violação à Lei de Responsabilidade Fiscal não pode albergar a edição de um Decreto firmado pelo Chefe do Poder Executivo Municipal com o condão de "revogar" aplicação da Lei Municipal nº 1041/2003, sob pena de ferir o princípio da legalidade. "... invocação de situação possivelmente configuradora de incapacidade financeira do Estado-membro não se reveste de aptidão exoneradora da obrigação estatal, imposta validamente por lei, de pagar integralmente os vencimentos devidos, por título jurídico legítimo, aos servidores públicos estaduais."(STF, ADIn nº 482, voto do Ministro Celso de Mello)[4]

E ainda:

Servidores públicos contratados pelo regime da Consolidação das Leis do Trabalho. Direito aos reajustes concedidos pela legislação federal aos trabalhadores em geral. - O Plenário desta Corte já firmou o entendimento de que, se o Estado-membro admite servidores sob o regime da legislação trabalhista, fica ele sujeito à legislação federal sobre os reajustes salariais (RE 164.715, Pleno, 13.06.96). - Por outro lado, tem razão o aresto ora atacado, ao salientar que a limitação constitucional com relação aos gastos com o pessoal (o "caput "do artigo 169 da Constituição e 38 do seu ADCT) visa a que o Poder Público tome providências no sentido de não ultrapassar essa limitação como não aumentar o número de servidores e extinguir cargos públicos vagos. Não impede, porém, ela a percepção pelos servidores dos direitos que lhes são assegurados pela lei. Recurso extraordinário não conhecido.[5]

Tecendo considerações quanto ao tema, já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça:

ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PROFESSORES ESTADUAIS. CORREÇÃO SALARIAL CONCEDIDA POR MEIO DA LEI ESTADUAL N.º 7.885/2003, A SER IMPLEMENTADA PARCELADAMENTE. REVOGAÇÃO PELA MEDIDA PROVISÓRIA N.º 01/2004. DIREITO ADQUIRIDO À IMPLEMENTAÇÃO INTEGRAL DO REAJUSTE. OFENSA À LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL. NÃO-OCORRÊNCIA. 
1. A teor do entendimento consolidado na Suprema Corte, o servidor público não tem direito adquirido a regime jurídico, sendo-lhe assegurada, apenas, pelo ordenamento constitucional pátrio, a irredutibilidade de vencimentos. Nessa esteira, não há impedimento que a Administração promova alterações na composição dos seus vencimentos, retirando vantagens, gratificações e reajustes ou, ainda, modificando a forma de cálculo de parcela da remuneração, desde que não acarrete decesso remuneratório. Precedentes.
2. Na hipótese, a Lei Estadual n.º 7.885, de 29 de maio de 2003, fixou, em seu art. 3.º, a tabela de vencimentos para o Grupo Ocupacional Magistério de 1.º e 2.º Graus, concedendo reajuste aos respectivos servidores, a ser implementado parceladamente, a partir de junho de 2003 até dezembro de 2004.
3. Assim, na data de publicação da aludida lei, o reajuste passou a integrar o patrimônio jurídico dos professores, razão pela qual não poderia a Administração tê-lo revogado, por meio da Medida Provisória n.º 01/2004, em desrespeito aos princípios do direito adquirido e da irredutibilidade de vencimentos.
4. A orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal é no sentido de que a Lei Complementar n.º 101/2000, que regulamentou o art. 169 da Constituição Federal de 1988, ao fixar os limites de despesas com pessoal dos entes públicos, não pode servir de fundamento para elidir o direito dos servidores públicos. Precedentes.
5. Ordem concedida, para que seja assegurado aos servidores públicos integrantes do Grupo Ocupacional Magistério de 1.º e 2.º Graus do Estado do Maranhão o direito à implementação integral do reajuste concedido pela Lei n.º 7.885/2003, deduzindo-se as parcelas já adimplidas[6].

Nesse sentido, já decidiu a 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná:

APELAÇÃO CÍVEL - "AÇÃO DE COBRANÇA DE INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS" JULGADA PROCEDENTE - RECURSO - PLEITO DE RECONHECIMENTO DA INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI MUNICIPAL Nº 1.041/2003 POR NÃO ATENDER O DISPOSTO NA LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL - IMPOSSIBILIDADE - ALEGAÇÃO DE QUE O DECRETO MUNICIPAL Nº 4.875/2003 NÃO FERIU O PRINCÍPIO DA IRREDUTIBILIDADE DOS VENCIMENTOS, TAMPOUCO VIOLOU DIREITO ADQUIRIDO DA AUTORA, JÁ QUE A LEI MUNICIPAL QUE REFORMULOU O QUADRO PRÓPRIO DOS SERVIDORES PÚBLICOS MUNICIPAIS DE GUARATUBA, É NULA - NÃO CONSTATAÇÃO - SENTENÇA MANTIDA. Os decretos constituem atos administrativos de competência exclusiva dos chefes do Executivo, cujo conteúdo, geralmente, destina-se a promover situações gerais ou individuais, desde que abstratamente previstas em lei, para a sua fiel execução. Ainda que se considerasse as condições anteriores de pagamento dos servidores públicos municipais, com posterior alteração por lei e não por decreto, obedecendo-se o princípio da legalidade e hierarquia das normas, estar-se-ia violando direito adquirido dos servidores. A declaração de nulidade do Decreto tem seus efeitos retroativos à origem do ato, ou seja, produz o chamado efeito ex tunc, fazendo com que sequer o ato tenha existido, obrigando o restabelecimento da situação anterior. A edição e promulgação de Leis que visam o reenquadramento ou reorganização de novo plano de cargos e salários de funcionários correrão por conta da dotação orçamentária específica do Poder Executivo, donde se deduz que haveria previsão orçamentária para tanto. RECURSO DESPROVIDO. [7]

Do corpo do acórdão, extrai-se:

Nas razões recursais (fls. 458/169), pleiteou a reforma da sentença, ao argumento de que, no caso em apreço, a decisão monocrática deixou de levar em consideração a Lei de Responsabilidade Fiscal, especialmente seus artigos 16, 17 e 21.

Disse que a Lei Municipal nº 1.041/2003 é nula, já que previu aumento de despesa com pessoal sem atender o disposto nos artigos supra mencionados, bem como, que o decreto nº 4.875/2003 não feriu a hierarquia das leis, já que tão somente negou eficácia a essa legislação municipal.

Asseverou, que não restou ferido o princípio da irredutibilidade de vencimento, uma vez que o aumento concedido pela Lei Municipal nº 1.041/2003 é ilegal. Da mesma forma aduziu que não há que se falar em direito adquirido, já que tal lei é nula.

[...]

Inicialmente, cumpre esclarecer que, em razão do princípio da hierarquia das normas, um decreto não pode contrariar os efeitos de normas de grau superior, como leis ordinárias. No caso em tela, vê-se que o Decreto Municipal nº 4.875/2003 dispõe-se a obstar os efeitos da Lei Municipal nº 1.041/2003.

[...]

Não obstante as argüições do Apelante quanto a suposta limitação orçamentária do Estado, a edição e promulgação de Leis que visam o reenquadramento ou reorganização de novo plano de cargos e salários de funcionários públicos correrão por conta da dotação orçamentária específica do Poder Executivo, donde se deduz que haveria previsão orçamentária para tanto. Presumir o contrário, ou seja, alegar violação a Lei de Responsabilidade Fiscal, não é possível, pois não há como admitir que o Município promova seus servidores, estabelecendo a data para a incidência financeira, e depois alegue a torpeza de atos elaborados pela própria Administração.

No mesmo sentido, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. AUTORIDADE COATORA. LEGITIMIDADE RECURSAL NA QUALIDADE DE TERCEIRO PREJUDICADO. ART. 499 DO CPC. INTERESSE NA SOLUÇÃO DO MANDAMUS DEMONSTRADO. PRECEDENTES DESTA CORTE. RECURSO CONHECIDO. MÉRITO. PROGRESSÃO FUNCIONAL. REQUISITOS LEGAIS COMPROVADOS. NEGATIVA DA AUTORIDADE IMPETRADA CONSUBSTANCIADA NA AUSÊNCIA DE PREVISÃO ORÇAMENTÁRIA E SUPERAÇÃO DOS LIMITES DE DESPESAS COM PESSOAL ESTABELECIDO NO ART. 169 DA CF E ART. 19, III, DA LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL. ILEGALIDADE DO ATO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO E REMESSA DESPROVIDOS.

A limitação relativa aos gastos com pessoal estabelecida na Constituição Federal e Lei de Responsabilidade Fiscal, visa a que o Poder Público tome providências no sentido de adequar seus gastos à lei, extinguindo cargos público vagos e não criando despesas extras, por exemplo; em nada impedindo, porém, a concessão de direitos assegurados em lei aos servidores, o que, aliás, está expressamente ressalvado no art. 22, parágrafo único, I, da Lei de Responsabilidade Fiscal (Precedentes do STF, STJ e deste Tribunal).[8]

Consoante se depreende dos julgados acima, fora dada uma interpretação constitucional à Lei de Responsabilidade Fiscal[9], visando adequá-la aos princípios da legalidade e irredutibilidade salarial, bem como evitar que a desídia de alguns gestores venha a comprometer direito reconhecido por lei a determinado setor da população. 

Quanto ao alegado efeito cascata – objeto da ação de inconstitucionalidade proposta perante o Tribunal de Justiça catarinense –  não se verifica no presente feito.

                   O art. 23, VII, da Constituição Estadual[10] não se aplica à situação em comento. O referido dispositivo veda que a gratificação já incorporada à remuneração de um servidor passe a integrar a base de cálculo para futuros acréscimos[11], em sucessivas cumulações, ao mesmo beneficiado pelo acréscimo antecedente.

                   A previsão de percentagem estatuída no anexo II da Lei Complementar 011/2009, refere-se ao aumento salarial em comparação ao nível de formação imediatamente inferior, não se constituindo em cumulação vedada, tal como já abordado pela instrução técnica.

                   Desta feita, incabíveis os argumentos levantados pelo gestor para afastar, mediante decreto, a aplicação de lei válida sancionada pelo mesmo poucos meses antes da expedição do mencionado decreto.

 

Ante o exposto, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, incisos I e II da Lei Complementar 202/2000, manifesta-se:

1)           Pela aplicação de multa ao Sr. Antônio Luiz Mariani, Prefeito Municipal de Anchieta, nos termos do art. 70, II da Lei Complementar 202/2000 c/c o art. 109, II, do Regimento Interno, em virtude da supressão dos benefícios remuneratórios concedidos a servidores públicos municipais pela Lei Complementar n. 011/2009, em infração ao art. 37, inciso XV, da Constituição Federal;

2)    Pela comprovação perante a Corte do recolhimento da multa ao Tesouro do Estado, sem o que fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos art. 43, inciso II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000;

3)    Pela determinação à Prefeitura Municipal de Anchieta que se abstenha de suprimir benefícios remuneratórios concedidos por lei, em cumprimento ao previsto no art. 37, inciso XV, da Constituição Federal;

4)           Pela comunicação do acórdão, relatório e voto ao Responsável, Sr. Antônio Luiz Mariani, e aos representantes, Srs. Ivo Schaeffer e Ari Prestes de Oliveira.

 

Florianópolis, 5 de agosto de 2013.

 

Diogo Roberto Ringenberg

Procurador do Ministério

Público de Contas

 

 

 

 



[1] “O subsídio e os vencimentos dos ocupantes de cargos e empregos públicos são irredutíveis, ressalvado o disposto nos incisos XI e XIV deste artigo nos arts. 39, § 4º, 150, II, 153, III e 153, § 2.º, I”.

[2] “A remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4.º do art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices” (grifo nosso)

[3] http://portaldocidadao.tce.sc.gov.br/home.php?id=420080&idmenu=municipio&menu=limite-lrf-despesa-com-pessoal

[4] PARANÁ. TJ - Incidente Decl Inconstitucionalidade: 587442001 PR 0587442-0/01, Relator: Paulo Roberto Vasconcelos, Data de Julgamento: 01/10/2010, Órgão Especial, Data de Publicação: DJ: 510

[5] STF, RE 201.866/PR, 1ª Turma, Relator Ministro MOREIRA ALVES, Data de Julgamento: 30/04/1999, Diário de Jusitça: DJ 30-04-1999.

[6] STF. RMS 20.915/MA, Raltora Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, Data de Julgamento: 04/12/2009, Diário de Justiça eletrônico: 08/02/2010

[7] TJ-PR - AC: 6335084 PR 0633508-4, Relator: Idevan Lopes, Data de Julgamento: 11/05/2010, 1ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ: 398

[8] TJ-SC, MS: 364841 SC 2004.036484-1, Primeira Câmara de Direito Público, Relator: Vanderlei Romer, Data de Julgamento: 17/03/2005. No mesmo sentido: Apelação n.º 100.015.2009.000820-4 (TJRO, relator Juiz Francisco Prestello de Vasconcellos) e TJ-RN - Apelação Cível n.º 2010.001317-0 (TJRN, Desembargador Cláudio Santos).

[9] Nesse sentido: PARANÁ. TJ - APCVREEX: 3920347 PR 0392034-7, 5ª Câmara Cível, Relator: Jurandyr Reis Junior, Data de Julgamento: 09/10/2007, DJ: 7479. Extrai-se da ementa: [...] NECESSIDADE DE INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL DA LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL. Tendo em vista a garantia constitucional da irredutibilidade nominal dos vencimentos, não pode o legislador municipal reduzir os salários dos servidores públicos, sem prévia anuência destes, para atender a contenção de gastos com pessoal prevista na Lei de Responsabilidade Fiscal, ainda que haja redução da jornada de trabalho [...].

[10] Correspondente ao art. 37, XIV, da CRFB/88.

[11] Nesse sentido: AI 392.954-AgR, Relator Ministro Cezar Peluso, julgamento em 4/11/2003. Plenário. Diário de Justiça: 5/3/2004 / RE 130.960, Relator Ministro Octavio Gallotti, julgamento em 12/12/1995. 1ª Turma. Diário de Justiça: 8/3/1996. / TJ-SC - AC: 54468 SC 2007.005446-8, Relator: Jânio Machado, Data de Julgamento: 03/04/2009, Quarta Câmara de Direito Público.