Parecer no:

 

MPTC/23.274/2014

                       

 

 

Processo nº:

 

REC 13/00599437

 

 

 

Origem:

 

Prefeitura Municipal de Gaspar

 

 

 

Assunto:

 

Recurso de Reexame (art. 80, da LCE/SC nº. 202/2000).

 

Trata-se de Recurso de Reexame formulado pelo Sr. Pedro Celso Zuchi, com fundamento no art. 80, da Lei Complementar nº. 202/2000, em face da Decisão Plenária prolatada na Sessão Ordinária de 30-08-2013 (Acórdão 0833/2013 – Processo PDI-00/06741681).

O Gestor insurgiu-se contra referida decisão nos termos da petição de fls. 03-17. Aduz em sua defesa que:

“Pedro Celso Zuchi, exaustivamente qualificado nos autos do procedimento alhures mencionado, vem, com espeque na Lei Complementar nº 202, de 15 de dezembro de 2000, Regimento Interno e demais dispositivos legais pertinentes à espécie, interpor Recurso de Reexame da Decisão nº 1778/2013 (Reiterada no corpo do Acórdão nº 0833/2003, de fls. 217-verso), em sessão realizada no dia 31/07/2013, pelos seguintes motivos que passa a expor:

Idéia-Núcleo.

Impossibilidade de providências necessárias visando retorno de servidor ao serviço pela ocorrência do Instituto da Decadência e Inaplicabilidade da pena de multa em decorrência dela (decadência).

Argumentação.

1. Compulsando os autos, é forçoso reconhecer que a pena de multa aplicada em desfavor da pessoa do Recorrente não encontra superfície que legitime sua pretensão.

2. Na esteira desse raciocínio, é insofismável que a pena de multa aplicada tem sua vertente no fato de que o Recorrente não tomou providências necessárias no retorno do servidor ao serviço, conforme decisão proferida pelo Tribunal Pleno de fls. 170, dos autos.

3. Pois bem.

Nesse diapasão, é imperioso observar que quando o Recorrente foi oficialmente notificado – e isso se deu no dia 22/05/2009, conforme fls. 189-verso – para tomar às providências necessárias – retorno imediato do servidor ao serviço -, o ato de aposentadoria concedido havia sido fulminado pelo instituto da decadência (autotutela da Administração Pública em anular o referido ato de aposentadoria), conforme vislumbrado, reconhecido, consignado e subscrito pela Auditora Fiscal de Controle Externo Ana Paula da Costa, o que se depreende pela simples leitura de fls. 200 usque 202, dos presentes autos.

4. Não menos relevante, é fácil constatar que, indiscutivelmente, mesmo que o Recorrente quisesse tomar as providências necessárias nos moldes da decisão proferida pelo Tribunal Pleno, o artigo 54, da Lei nº 9.784/99 o impede de fazer, haja vista a consumação do prazo decadencial de 05 (cinco) anos que tem que ser observadoem estrita observância ao princípio da legalidade.

5. Nessa conjuntura, é de bom alvitre ter em mente a redação do artigo 54, da Lei Federal nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, in verbis:

“Art, 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé”.

6. Corroborando com os argumentos até aqui expostos, consigna-se, de oportuno que, segundo reiteradas decisões oriundas do Superior Tribunal de Justiça, a Lei em comento (Lei Federal nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999) tem aplicabilidade tanto no âmbito da Administração Pública Federal, Estadual e no plano Municipal, em relação aos entes federativos que não disponham de legislação específica a respeito da matéria – é o que ocorre no presente caso, haja vista que o Município de Gaspar não tem legislação específica a respeito da matéria examine. Nesse sentido (AgRg no AI nº 506.167, Min. Maria Thereza de Assis Moura; REsp nº 645.856, Min. Laurita Vaz).

7. Assim, a jurisprudência reconhece que os atos administrativos realizados até o advento da Lei supracitada estão igualmentesujeitos ao prazo decadencial quinquenal de que trata seu art. 54, ressaltando, entretanto, quedentro de uma lógica interpretativa, esse lapso temporal há de ser contado da vigência do dispositivo e não da data em que o ato foi praticado, sob pena de se emprestar efeito retroativo à citada Lei”.

Destaca-se que esse entendimento baseia-se no princípio da segurança jurídica, conforme esclarece Almiro do Couto e Silva:

“A regra do art. 54 da Lei nº 9784/99, como normalmente acontece com as regras jurídicas, tem, por certo, vocação prospectiva, isto é, sua aplicação visa ao futuro e não ao passado. Quer isso dizer, portanto, que o prazo de cinco anos fixado naquele preceito tem seu termo inicial na data em que a Lei nº 9784/99 começou a viger, até porque a atribuição de eficácia retroativa à norma legal instituidora do prazo de decadência muito possivelmente atingiria situações protegidas pela garantia constitucional dos direitos adquiridos.

Entretanto, a vigência do princípio constitucional da segurança jurídica é bem anterior à Lei nº 9784/99 e é ele que torna compatível com a Constituição o art. 54 daquele mesmo diploma, quando confrontado com o princípio da legalidade. Na verdade, se inexistisse, como princípio constitucional, o princípio da segurança jurídica, não haveria como justificar, em face do princípio da legalidade, a constitucionalidade do art. 54 da Lei nº 9784/99, valendo o mesmo raciocínio para as demais regras de decadência ou de prescrição existentes em nosso ordenamento jurídico” (O Princípio da Segurança Jurídica (proteção à confiança) no Direito Público Brasileiro e o Direito da Administração Pública de Anular seus Próprios Atos Administrativos: o Prazo Decadencial do art. 54 da Lei do Processo Administrativo da União (Lei n. 9.784/99), Revista Brasileira de Direito Público 6/53).

Portanto, tendo em vista que o artigo 54 da lei em comento veio positivar o princípio da segurança jurídica previsto na Constituição da República Federativa do Brasil, sua redação alcança os atos ocorridos anteriormente à sua vigência, abrangendo, evidentemente, o ato de aposentadoria, objeto do presente procedimento.

8. Ademais, é sabido que a Administração Pública tem o dever de anular os atos ilegais ou revogar os atos inconvenientes ou inoportunos.

Entremente, o artigo 54 da Lei nº 9.784/99 estabelece que, repita-se à exaustão “O direito de a Administração anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, saldo comprovada má-fé”.

No mesmo sentido, nos ensina, ainda, Hely Lopes Meirelles:

“(...) A nosso ver, a prescrição administrativa, que, tecnicamente, é uma decadência, e a judicial impedem a anulação do ato no âmbito da Administração ou pelo Poder Judiciário. E justifica-se essa conduta porque o interesse da estabilidade das relações jurídicas entre o administrado e a Administração ou entre esta e seus servidores é também interesse público, tão relevante quanto os demais. Diante disso, impõe-se a estabilização dos atos que superem os prazos admitidos para sua impugnação, qualquer que seja o vício que se lhes atribua. Quando se diz que os atos nulos podem ser invalidados a qualquer tempo, pressupõe-se, obviamente, que tal anulação se opere enquanto não prescritas as vias impugnativas internas e externas, pois, se os atos se tornaram inatacáveis pela Administração e pelo Judiciário, nãocomo pronunciar-se sua nulidade. (...)

6.1.3. Anulação pela própria Administração – A anulação dos atos administrativos pela própria Administração constitui a forma normal de invalidação de atividade ilegítima do Poder Público. Essa faculdade assenta no poder de autotutela do Estado. É uma justiça interna, exercida pelas autoridades administrativas em defesa da instituição e da legalidade de seus atos. Em casos excepcionais, por força do princípio da segurança jurídica e respeito à boa-fé, o ato poderá deixar de ser anulado, o que exige motivação que demonstre a prevalência daqueles frente ao princípio da legalidade (...)” (Direito Administrativo Brasileiro, 32ª ed., São Paulo: Malheiros, 2006, p.205/206).

Assim, inexistindo má-fé por parte da Administração Pública, até porque em favor dela milita a presunção de legitimidade, o ato administrativo de aposentadoria deve ser mantido, tendo em vista a decadência operada.

9. A título de ilustração, e servindo como fundamentação para que Vossas Excelências tenham segurança jurídica para decidir, o Poder Judiciário, com sustentação nos princípios da segurança jurídica e dignidade da pessoa humana, tem decidido, in verbis:

Administrativocassação de aposentadoria de servidor municipal – cômputo do tempo de serviço em atividade rural sem recolhimento da contribuição previdenciáriadecadênciarecurso provido.

1. Havendo conflito entre princípios constitucionais, cumpre ao juiz optar por aquele de ‘maior peso diante das circunstâncias concretas’ (Humberto Bergmann Ávila); na ponderação, ‘deve sempre levar em conta o princípio da dignidade humana, valor máximo da tábua axiológica da Constituição da República’ (Alexandre Freitas Câmara).

2. ‘O tempo domina o homem, na vida biológica, na vida privada, na vida social e nas relações civis. Atua nos seus direitos. Particularmente quanto a estes, pode exercer relevante papel. Umas vezes é requisito do seu nascimento; outras vezes é condição de seu exercício, seja em decorrência da declaração de vontade, quando essa circunstância assenta na convenção entre partes ou na imposição do agente, seja em decorrência de determinação legal, quando é a lei que institui o momento inaugural da relação jurídica; outras vezes, ainda é causa da sua extinção’ (Caio Mário da Silva Pereira).

Decorridos cinco anos de sua publicação, o ato aposentatório de servidor público se consolida por força dos princípios da dignidade humana e da segurança jurídica (CR, arts. 1º, III, e 5º, XXXVI), ainda que recusado o registro pelo Tribunal de Contassaldo se comprovada a má-fé do beneficiário (Lei nº 9.784/1999, art. 54)”. (AC nº 2007.048151-7, Rel. Newton Trisotto, j. em 08/01/2009).

10. Ademais, é muito bem-vindo, ainda, em prol de meus argumentos e de observância e arrazoado singular, o fato de que o principal – impossibilidade de tomar providências necessárias visando o retorno do servidor ao serviço pela ocorrência da decadência – traz consigo o acessóriopena de multa aplicada.

Logo, pelo fato de ser indiscutível a ocorrência do instituto da decadência nos moldes que se apresenta o ato de aposentadoria, ilógico é, datíssima máxima vênia, em decorrência dela (decadência), a aplicação de multa.

Conclusão.

11. Do exposto acima, é fácil concluir que nãorazão alguma que justifique a aplicação da pena de multa. O Recorrente, ao analisar todo o procedimento, pautou-se no princípio da legalidade, moralidade e segurança jurídica, não encontrando, portanto, a pena de multa, guarida no ordenamento jurídico que sustentação para legitimar sua pretensão.

Ex positis, o Recorrente requer a Vossas Excelências dignem-se conhecer do presente recurso e, ao final, dar-lhe provimento reformando a decisão proferida pelos Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, afastando a pena de multa aplicada.”

A Consultoria Geral elaborou o Parecer Técnico de fls. 18-20, concluindo:

“3.1. Conhecer do Recurso de Reexame interposto nos termos do art. 80 da Lei Complementar nº 202, de 15 de dezembro de 2000, contra o Acórdão nº 0833/2013, exarado na Sessão Ordinária de 31/07/2013, nos autos do Processo nº PDI 00/06741681, e no mérito, ratificar na íntegra a decisão recorrida.

3.2. Dar ciência da Decisão, do Relatório e Voto do Relator e do Parecer da Consultoria Geral ao Sr. Pedro Celso Zuchi e à Prefeitura Municipal de Gaspar.”

É o relatório.

A sugestão da Consultoria Técnica, pelo conhecimento do Recurso de Reexame, merece ser acolhida, tendo em vista preencher os requisitos de admissibilidade.

Especificamente quanto à tempestividade, a Decisão recorrida foi publicada no DOTC nº. 1301 de 30-08-2013 (sexta-feira), e o recurso protocolizado em 24-09-2013 (terça-feira), portanto, dentro do prazo máximo de 30 dias estabelecido pelo art. 80 da Lei Complementar nº 202/2000.

Não merece reparos a conclusão a que chegou a Douta Consultoria da Corte. O recorrente não logrou demonstrar a injustiça da decisão que combate.

A tese da prescrição sustentada pelo Gestor não pode ser acolhida, conforme ampla jurisprudência firmada pela Corte.

O Ministério Público entende que a decisão contra a qual se insurge o recurso bem resguardou o interesse público, razão pela qual deve permanecer intacta.

                          Ante o exposto, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, inciso II, da Lei Complementar no 202/2000, manifesta-se:

1) pelo conhecimento do Recurso de Reexame interposto pelo Sr. Pedro Celso Zuchi, por atender os requisitos da Lei Complementar nº. 202/2000 (art. 80);

2) no mérito, pela negativa de provimento, para manter-se na integra a decisão recorrida;

3) pela determinação à Diretoria de Controle de Atos de Pessoal – DAP da instauração de tomada de contas especial destinada a apurar os valores pagos pelo Município de Gaspar, a título de aposentadoria, após o período de implemento da decisão recorrida, visando o ressarcimento ao erário pela autoridade responsável.

4) pela ciência da decisão ao recorrente.

Florianópolis, 10 de março de 2014.

 

Diogo Roberto Ringenberg

Procurador do Ministério

Público de Contas