PARECER nº       :

MPTC/26719/2014

PROCESSO nº    :

TCE 11/00340316    

ORIGEM              :

Fundo Estadual de Incentivo ao Turismo - FUNTURISMO

INTERESSADO   :

Francisco Vieira Pinheiro

ASSUNTO           :     

Tomada de Contas Especial relativa ao empenho n°499/000 de 23/10/2008, no valor de R$ 100.000,00, repassado à Associação Comercial e Industrial de Chapecó – ACIC.

 

1. DO PROCESSO

Tratam os autos de Tomada de Contas Especial, referente ao repasse de recursos à ACIC – Associação Comercial e Industrial de Chapecó para realização do projeto “Feira Internacional do Setor Lácteo – MERCOLÁCTEA Milk Fair 2008”, conforme nota de empenho nº 499/000, de 23/10/2008, com pagamento no dia 30/10/2008, no valor de R$ 100.000,00.

Em cumprimento ao que determina os artigos 58 e 59 da Constituição Estadual, art. 106, III, da Lei Complementar nº 202/2000 e o Regimento Interno desse Tribunal (Resolução TC-06/01), a Diretoria de Controle da Administração Estadual realizou auditoria no Fundo Estadual de Incentivo ao Turismo - FUNTURISMO.

 

2. DA INSTRUÇÃO

 Após tramitação dos presentes autos em todas as suas fases preliminares no Tribunal de Contas, incluindo análise dos órgãos técnicos, juntada de documentos e/os esclarecimentos, a Diretoria de Controle da Administração Estadual, elaborou Relatório nº 00376/2013, fls. 1602/1614-v, ao concluir, sugere ao Relator em seu Voto propugne ao Tribunal Pleno para julgar irregulares com imputação de débito, na forma do art. 18, inciso III, alíneas “c” e “d”, c/c art. 21, caput, da Lei Complementar nº 202/2000, as contas de recursos transferidos ACIC – Associação Comercial e Industrial de Chapecó, no valor total de R$ 100.000,00, referente à nota de empenho nº 499/000, para a realização do projeto Feira Internacional do Setor Lácteo – MERCOLÁCTEA Milk Fair 2008, condenando solidariamente o Sr. Itacyr Centenaro (gestão 2006-2007), Sr. Vincenzo Francesco Mastrogiacomo, Presidente da Associação Comercial e Industrial de Chapecó (gestão 2008-2009) e a pessoa jurídica da Associação Comercial e Industrial de Chapecó - ACIC, conforme itens 3.2.1.1, 3.2.1.2, 3.2.1.3, 3.2.1.4, 3.2.1.5, 3.2.1.6, 3.2.1.7, 3.2.1.8, 3.2.2.5, 3.3 e 3.4 e o Sr. Gilmar Knaesel nos itens 3.2.2.1, 3.2.2.2, 3.2.2.3, 3.2.2.4 e 3.2.2.5 do relatório acima citado.

 

3. DO MINISTÉRIO PÚBLICO JUNTO AO TRIBUNAL DE CONTAS

Este Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, ao analisar os documentos que compõe o presente feito, passa a se manifestar acerca das irregularidades apontadas pelos Auditores da Diretoria de Controle de Administração Estadual - DCE.

Sendo assim, acompanho o entendimento dispendido pela Área Técnica em relação aos responsáveis Sr. Itacyr Centenaro (gestão 2006-2007), Sr. Vincenzo Francesco Mastrogiacomo, Presidente da Associação Comercial e Industrial de Chapecó (gestão 2008-2009) e a pessoa jurídica da Associação Comercial e Industrial de Chapecó - ACIC, uma vez que as irregularidades apontadas não foram corrigidas, conforme Relatório nº 00376/2013, fls. 1602/1614-v.

Entretanto, no que tange a sugestão de imputação de débito e aplicação de multas ao Sr. Gilmar Knaesel ouso discordar, sendo que faço pelos fundamentos a seguir expostos.

No que tange a sugestão do Corpo Técnico em condenar solidariamente o Sr. Gilmar Knaesel em face da aprovação de projeto com parecer contrário quanto ao seu enquadramento no Plano Estadual da Cultura, do Turismo e do Desporto do Estado de Santa Catarina – PDIL, ausência de parecer técnico e orçamentário do SEITEC, ausência de parecer do Conselho Estadual do Turismo e ausência de termo ou ajuste.

Em sede de Tomada de Contas Especial, o Fundamento jurídico para o reconhecimento da responsabilidade solidária do administrador público perante a administração, no âmbito do Tribunal de Contas, está prevista no artigo 10 da Lei Complementar nº 202/2000, in verbis:

Art. 10. A autoridade administrativa competente, sob pena de responsabilidade solidária, deverá imediatamente adotar providências com vistas à instauração de tomada de contas especial para apuração de fatos, identificação dos responsáveis e quantificação do dano, quando não forem prestadas as contas ou quando ocorrer desfalque, desvio de dinheiro, bens ou valores públicos, ou ainda se caracterizada a prática de qualquer ato ilegal, ilegítimo ou antieconômico de que resulte prejuízo ao erário.

 

Pela leitura da norma transcrita, pode-se verificar que o legislador não estipulou prazo para a Autoridade Administrativa competente instaurar a tomada de contas especial.

Considerando que não há lei em sentido estrito a sustentar a solidariedade apregoada pela Instrução Técnica, entende-se que tal sanção não tem aplicabilidade ao mencionado como sujeito a ela, qual seja: o administrador.

Entretanto, ainda que se considere a sua pertinência, certamente tal dispositivo deve ser interpretado com certa parcimônia, uma vez que, nem sempre, a burocracia administrativa permite reconhecer com facilidade, ou mesmo estimar a data em que o Gestor Público, no caso ora em análise o Sr. Gilmar Knaesel conheceu os fatos, ou que, em virtude de suas obrigações, deveria conhecer. A boa ou má-fé do responsável também deve ser sopesada.

Ademais, a autoridade administrativa competente não poderá ter ciência formal e efetiva dos fatos se não for comunicada por seus subordinados.

Insta consignar, inicialmente que o Sr. Gilmar Knaesel, na condição de Secretário de Estado exercia cargo de natureza política, portanto, caracterizado como agente político, e o vínculo que tais agentes entretêm com o Estado não é de natureza profissional, mas de natureza política. Exercem um múnus público.

Em virtude da natureza especial do cargo, por eles ocupados, o agente político exerce parcela de soberania do Estado e por causa, atuam com a independência inextensível aos servidores em geral, que estão sujeitos às limitações hierárquicas e ao regime comum de responsabilidade.

Corroborando com este entendimento, reproduzo, aqui, trecho do voto proferido pelo então Min. Luiz Fux, no RESP nº 456649/MG, in verbis:

"Os agentes políticos exercem funções governamentais, judiciais e quase-judiciais, elaborando normas legais, conduzindo os negócios públicos, decidindo e atuando com independência nos assuntos de sua competência. São as autoridades públicas supremas do Governo e da Administração, na área de sua atuação, pois não são hierarquizadas, sujeitando-se apenas aos graus e limites constitucionais e legais da jurisdição. Em doutrina, os agentes políticos têm plena liberdade funcional, equiparável à independência dos juízes nos seus julgamentos, e, para tanto, ficam a salvo de responsabilização civil por seus eventuais erros de atuação, a menos que tenham agido com culpa grosseira, má-fé ou abuso de poder. (...) Realmente, a situação dos que governam e decidem é bem diversa da dos que simplesmente administram e executam encargos técnicos e profissionais, sem responsabilidade de decisão e opções políticas. Daí por que os agentes políticos precisam de ampla liberdade funcional e maior resguardo para o desempenho de suas funções. As prerrogativas que se concedem aos agentes políticos não são privilégios pessoais; são garantias necessárias ao pleno exercício de suas altas e complexas funções governamentais e decisórias. Sem essas prerrogativas funcionais os agentes políticos ficariam tolhidos na sua liberdade de opção e decisão ante o temor de responsabilização pelos padrões comuns da culpa civil e do erro técnico a que ficam sujeitos os funcionários profissionalizados (cit. p. 77)" (Direito Administrativo Brasileiro, 27ª ed., p. 76).

 

Da leitura do Voto acima transcrito, vê-se que a responsabilidade do Secretário de Estado não decorre da mera qualidade de Gestor Público. Trata-se de responsabilidade subjetiva que exige sua participação pessoal no ato ilegal por ação ou omissão e, em caso de violação a princípios que regem a atividade administrativa, a conduta dolosa do Secretário de Estado.

Ademais, a responsabilidade civil é a de ordem patrimonial, decorrente da norma de direito civil, segundo a qual todo aquele que causar dano a outrem é obrigado a indenizá-lo. Nesta responsabilidade é relevante a investigação do elemento subjetivo (culpa ou dolo). Também, para a sua perfeita configuração, é indispensável investigar a relação de causalidade entre o dano e o comportamento do agente.

No caso dos autos, verifica-se que a Instrução Técnica imputa responsabilidade solidária ao Sr. Gilmar Knaesel, por entender que na condição de Secretário de Estado de Turismo, Cultura e Esporte deve zelar pelo cumprimento das formalidades legais do repasse de recursos, averiguando possíveis falhas no procedimento de concessão.

Ausente prova de indícios de que tenha o Sr. Gilmar Knaesel, dolosamente, infringido os princípios ínsitos à Administração Pública é de ser rejeitada a responsabilidade solidariedade.

Ademais, não se evidencia, pois, qualquer dano ao erário que justifique a sanção de ressarcimento, máxime porque não se apercebe conduta (omissa ou comissiva) que traduza, propriamente, qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida, importando enriquecimento ilícito do Sr. Gilmar Knaesel. Conforme dito alhures, a jurisprudência não condena a inércia, inexperiência ou ingenuidade, do gestor público, haja vista que o que caracteriza o ato ilícito é a má-fé, o dolo ou a culpa, a contrariedade à lei e a mora por parte do agente, que não foi o caso.

Conforme salientado acima, a caracterização do dever de indenizar pressupõe a existência de AÇÃO negligente, com má-fé, dolo ou culpa grave, situação que não se verifica nestes autos, com destaque para o fato de que sequer foi demonstrado prejuízo real ao Erário e seu respectivo valor mediante prova técnica, que não é suprida apenas pelo levantamento numérico constante dos autos às fls. 1602/1614-v.

É preciso verificar se existe indício de má-fé que revele a presença de um comportamento desonesto do agente público, pois não basta a prática de um ATO ilegal, tendo em vista que, se for inconsistente, não será caracterizador do dano, eis que a Lei de regência visa punir o agente público desonesto, não o que comete erro ou ilegalidade.

Dentro do raciocínio exposto acima, entendo plenamente aplicável ao caso presente a manifestação do eminente Conselheiro Salomão Ribas Júnior nos autos do processo nº TCE 05/00519625, acatada pelo e. Tribunal Plenário na sessão de 26/10/2009, cujo Acórdão nº 1.379, assim dispõe:

(...)

O pressuposto jurídico da obrigação de indenizar é o dano resultante do dolo ou culpa. A regra geral está inserida no art. 186, do Código Civil: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete o ilícito”. E é complementada pelo art. 927 do mesmo diploma: “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187) causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.”

 

Decorre daí que a imputação de débito – que importa a geração de um título executivo extrajudicial, consequentemente, a obrigação de indenizar – reclama a presença, no mínimo, de culpa, seja por negligência, seja por imprudência. Sem culpa ninguém pode ser obrigado a indenizar. Este raciocínio harmoniza-se com o art. 21 da Lei Complementar n. 202/2000, quando diz: “Julgadas irregulares as contas, e havendo débito, o Tribunal Condenará o responsável ao pagamento da dívida atualizada monetariamente, acrescida dos juros de mora devidos, podendo, ainda aplicar-lhe a multa prevista no art. 68 desta Lei”. Veja-se que a lei coloca duas premissas, para efeito de condenação ao ressarcimento: a existência do débito e a responsabilidade (culpa) do agente.

 

Cabe registrar que na sessão realizada em 30/11/2009, o Tribunal Pleno, apreciando o processo nº TCE 01/00798314, convalidou a interpretação acima exposta que orientou a decisão então adotada, julgando irregular sem imputação de débito com fundamento no art. 18, inciso III, alíneas “c” e “d”, c/c o art. 21, parágrafo único da Lei Complementar nº 202/2000 as contas pertinentes à Tomada de Contas.

Desse modo, entendo que não cabe a responsabilidade ao Sr. Gilmar Knaesel, ao pagamento da quantia sugerida pela Instrução Técnica, ante a ausência de comprovação de dano ao erário proveniente de ato de festão ilegítimo ou antieconômico injustificado, desfalque, desvio de dinheiros, bens ou valores públicos, renúncia ilegal da receita, conforme estabelece o art. 17 do Regimento Interno desta Corte de Contas (Resolução nº TC-06/2001).

 

 

4. DA CONCLUSÃO

Ante o exposto, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, incisos I e II, da Lei Complementar nº 202/2000, ao apreciar a documentação que compõe os autos, manifesta-se no sentido de que sejam JULGADAS IRREGULARES as contas pertinentes a presente Tomada de Contas Especial, na forma do artigo 18, inciso III, alíneas “c” e “d” c/c art. 21, da Lei Complementar nº 202/2000, com imputação de débito e aplicação de multa proporcional ao dano ao Sr. Itacyr Centenaro (gestão 2006-2007), Sr. Vincenzo Francesco Mastrogiacomo, Presidente da Associação Comercial e Industrial de Chapecó (gestão 2008-2009) e a pessoa jurídica da Associação Comercial e Industrial de Chapecó - ACIC condenando-o a recolher ao Tesouro do Estado, os valores descritos nos itens 3.2.1.1, 3.2.1.2, 3.2.1.3 e 3.2.1.4, 3.2.1.5, 3.2.1.6, 3.2.1.7, 3.2.1.8, 3.2.2.5, 3.3 e 3.4 conforme Relatório nº 00376/2013, fls. 1602/1614-v.

Destarte, difiro do referido Relatório quanto à imputação de débito em razão dos fatos descritos nos itens 3.2.2.1, 3.2.2.2, 3.2.2.3 e 3.2.2.4 ao Sr. Gilmar Knaesel, por não restar comprovado nos autos que o responsável agiu de má-fé, dolo ou culpa.

No que se refere à proposição de multa proporcional ao dano, descrita no item 3.2.2.5, ao ex-Secretário de Estado de Turismo, Cultura e Esporte sugiro restar prejudicada em razão da não incidência da responsabilidade solidária.

É o parecer.

 

Florianópolis, 17 de julho de 2014.

 

 

 

MÁRCIO DE SOUSA ROSA

Procurador-Geral