Despacho no:

 

GPDRR/57/2015

                       

 

 

Processo nº:

 

TCE 11/00487929

 

 

 

Origem:

 

Município de Biguaçu

 

 

 

Assunto:

 

Tomada de Contas Especial referente ao Processo REP 11/00033901 – Dano causado ao erário pela omissão no dever de adotar providências para cobrança da dívida ativa no período de 2001 a 2008.

 

Trata-se de Tomada de Contas Especial instaurada pelo Município de Biguaçu, por meio da Portaria nº 1.464/2011 (anexa às fls. 46 e 47), versando acerca da omissão em adotar providências para cobrança dos créditos da fazenda pública inscritos em dívida ativa, permitindo sua prescrição e caracterizando dano à fazenda municipal, no período de 2001 a 2008.

Foram anexados documentos às fls. 03-278.

A Comissão nomeada para apuração dos fatos elaborou o Relatório Conclusivo de Tomada de Contas Especial nº 07/2011 (anexo às fls. 9-13), no qual identificou como responsável o Sr. Vilmar Astrogildo Tuta de Souza, Prefeito Municipal de Biguaçu no período de 01/01/2001 a 01/04/2008, concluindo que houve dano ao erário no montante de R$ 14.578.804,91, valor este atualizado até o mês de dezembro de 2010.

Analisando o rol de documentos acostado, constatou-se que, embora notificado (54-56), o Responsável não se manifestou, nem houve ressarcimento do valor devido aos cofres públicos.

Consta ainda do rol de documentos a Informação nº 32/2011, elaborada pela DMU no âmbito do processo REP 11/00033901 (fls. 279-281), considerando que não foram identificados desvios que pudessem comprometer a validade dos autos que culminaram no Relatório Conclusivo da Comissão de Tomada de Contas Especial.

Consta, também, o Despacho Singular GC-JG/2011/0087 (fls. 282 e 283), emitido no âmbito do processo REP 11/00033901, determinando ao Município a instauração de tomada de contas especial para identificação dos responsáveis e quantificação do dano, decisão esta que culminou na formação destes autos.

A Instrução emitiu o Relatório 6.119/2011, às fls. 285-289, no qual concluiu pela citação do Sr. Vilmar Astrogildo Tuta de Souza para apresentação de defesa a respeito da irregularidade constatada, posicionamento este acolhido pelo Relator em seu Despacho, à fl. 291.

O Responsável foi notificado através do Ofício 675/2012, à fl. 292, apresentando justificativas às fls. 293-341.

A DMU emitiu novo Relatório 4.373/2014, às fls. 343-346, no qual sugeriu julgar irregulares, sem imputação de débito, as contas pertinentes à presente Tomada de Contas Especial, aplicando-se multa ao Responsável, em razão da não adoção de providências para cobrança judicial de créditos tributários constituídos há mais de cinco anos, ocasionando a prescrição dos mesmos.

É o relatório.

A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da entidade em questão está inserida entre as atribuições dessa Corte de Contas, consoante os dispositivos constitucionais, legais e normativos vigentes (art. 31 da Constituição Federal, art. 113 da Constituição Estadual, art. 1º, inciso III, da Lei Complementar Estadual nº. 202/2000, arts. 22, 25 e 26, da Resolução TC nº. 16/1994 e art. 8° c/c art. 6° da Resolução TC nº. 6/2001).

 

1.              Omissão no dever de adotar providências para cobrança dos créditos da fazenda pública inscritos em dívida ativa, permitindo a sua prescrição e caracterizando renúncia de receita, no montante de R$ 14.578.804,91

 

O Responsável alegou ser parte ilegítima para figurar nos autos, uma vez que a obrigação de promover as execuções fiscais no âmbito do Município de Biguaçu seria da Procuradoria Geral do Município.

Segundo ele, nada impediria que o Município exercesse a exigibilidade dos créditos, visto não ter ocorrido o fenômeno da decadência. Não seria possível precisar os prazos prescricionais em virtude da ausência de todas as inscrições em dívida ativa, ou a data de emissão de cada uma das certidões de dívida ativa.

Elucidou que a Procuradoria Geral do Município realizou todas as execuções referentes aos créditos tributários e, se algum débito não foi exigido judicialmente, ocorreu por representarem valores inexpressivos, à luz da Súmula nº 22 do Tribunal de Justiça de Santa Catarina.

A Diretoria considerou que o Responsável possui legitimidade para figurar nos autos, uma vez que, como representante máximo do Município, exerce a direção superior do mesmo.

 

Com o intuito de comprovar o entendimento que prevalece no Tribunal de Contas da União e no Poder Judiciário, colacionam-se decisões a respeito do tema:

 

ACÓRDÃO TCU Nº 1247/2006 ATA 16 - PRIMEIRA CÂMARA [texto original]

Relator: GUILHERME PALMEIRA - TOMADA DE CONTAS ESPECIAL. RECURSO DE RECONSIDERAÇÃO. IRREGULARIDADES NA EXECUÇÃO DE CONVÊNIO. NEGADO PROVIMENTO. 1. A delegação de competência não transfere a responsabilidade para fiscalizar e revisar os atos praticados. 2. O Prefeito é responsável pela escolha de seus subordinados e pela fiscalização dos atos por estes praticados. Culpa in eligendo e in vigilando. Diário Oficial da União: 22/05/2006 página: 0.16/05/2006.

 

APELAÇÃO CÍVEL N.º 146.341-4, DA 2ª VARA ÚNICA DA COMARCA DE CARLÓPOLIS.

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. SENTENÇA QUE CONDENOU PREFEITO E SECRETÁRIO MUNICIPAL DA AGRICULTURA AO PAGAMENTO DE PREJUÍZO CAUSADO AO ERÁRIO. RECURSO INTERPOSTO APENAS PELO PREFEITO. DEVER DE SUPERVISÃO RELATIVAMENTE À SUA EQUIPE TÉCNICA. OMISSÃO. IMPROCEDÊNCIA; VI - APELO DESPROVIDO.

Ainda que, de fato, o Sr. Prefeito não tivesse ciência dos atos ímprobos efetuados por um de seus Secretários, o que se faz por amor ao debate, nem mesmo isso poderia isentá-lo de ser responsabilizado, haja vista ter sido negligente.

Assim, tem-se que, não obstante a necessidade de descentralizar a administração do município, para melhor atender à população e aos serviços públicos dos quais ela se utiliza, as atividades do Executivo são de responsabilidade do Prefeito, direta ou indiretamente, quer pela sua execução pessoal, quer pelo dever de direção ou supervisão de sua equipe de trabalho.

Segundo a Instrução, não há que se falar em decadência do valor cobrado, visto que o lançamento se deu de ofício, no primeiro dia do exercício em que devido o tributo. Os créditos em análise estariam, em verdade, prescritos, pois transcorreram mais de cinco anos do lançamento destes e não foram adotadas medidas visando à interrupção da referida prescrição.

Ainda, em análise à documentação acostada aos autos, constataram-se débitos superiores a um salário mínimo, não abarcados pela Súmula 22 do TJSC, como alegado pelo responsável.

A Diretoria concluiu pela cominação de multa, em consonância com o entendimento proferido no processo nº RLA 10/00615089, sendo Relator o Sr. Gerson dos Santos Sicca.

Discordarei do entendimento exposto, por restar clara a caracterização do dano ao erário, sendo, portanto, caso de imputação do débito correspondente, para ressarcimento dos cofres municipais.

A Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101/00) estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal.

Ela objetiva aprimorar a gestão dos recursos públicos, por meio de ações planejadas e transparentes que previnam riscos e corrijam desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, conforme definido em seus artigos 11 e 14, I e II:

Art. 11. Constituem requisitos essenciais da responsabilidade na gestão fiscal a instituição, previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos de competência constitucional do ente da Federação.

No caso dos autos, houve renúncia de receita em decorrência da omissão do Responsável em adotar providências para cobrança dos créditos da fazenda pública - sua obrigação como agente público - configurando-se o ato de improbidade administrativa.

Esta consiste na infringência inescusável dos princípios que regem a administração pública, acarretando enriquecimento ilícito, dano ao erário ou violação de deveres do cargo. No caso, houve infringência especificamente dos artigos 10, X, e 11, II da Lei nº 8.429/92:

Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente:

[...]

X - agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que diz respeito à conservação do patrimônio público;

 

Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:

[...]

II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;

Ilegalidades já abarcadas pela Ação Civil que tramita no Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, impetrada pelo Município de Biguaçu, contra o Sr. Vilmar Astrogildo Tuta de Souza, sob nº 007.11.001760-5.

No que tange aos créditos prescritos, versa o artigo 174 da Lei nº 5.172/66, Código Tributário Nacional:

Art. 174. A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva.

O não ajuizamento da ação para a cobrança judicial do crédito no referido lapso temporal importa em prescrição da pretensão executiva e consequente extinção do crédito. Temos uma relação jurídica de direito material, na qual o direito encontra-se exaurido pela inércia do autor em ajuizar a ação competente no prazo legal.

O Poder Executivo tem como obrigação exigir dos contribuintes o pagamento dos tributos e propor as execuções fiscais correspondentes aos débitos não adimplidos.

A referida função constitui, ainda, uma competência da Procuradoria Geral do Município, definida pelo art. 22 da Lei Municipal 771/93:

Art. 22 - A Procuradoria-Geral do Município é o órgão encarregado de representar a Prefeitura Municipal nos feitos em que ela seja ré ou autora, oponente ou assistente; receber citações; emitir pareceres sobre questões jurídicas, minutas de leis, decretos, portarias, contratos e outros atos normativos; proceder à cobrança amigável ou judicial de dívida ativa; promover desapropriações amigáveis ou judiciais; orientar e preparar processos administrativos; prestar assessoramento jurídico ao Prefeito e aos demais órgãos da Prefeitura Municipal.

Igualmente, detém responsabilidade a Secretaria de Finanças, nos termos do art. 30 da mesma Lei:

Art. 30 - A Secretaria de Finanças é o órgão encarregado de exercer as atividades referentes a lançamento, arrecadação e fiscalização dos tributos e demais rendas municipais; recebimento, pagamento, guarda e movimentação dos dinheiros e outros valores do município; registro e controle contábil da administração orçamentária, financeira e patrimonial do Município.

Portanto, a responsabilidade também deve recair sobre os agentes que ocuparam os cargos de procurador-geral do município e de secretário de finanças, durante o período de 2001 a 2008.

O Município de Biguaçu possui estrutura adequada para assegurar a cobrança da dívida ativa, não havendo justificativas - além da negligência - para o apurado nestes autos, nos oito anos durante os quais deveriam ter sido adotadas providências a respeito da irregularidade.

Resta evidente a responsabilidade dos agentes públicos pelo dano ao erário decorrente da negligência dos mesmos no exercício de suas funções. 

Impõe-se, assim, a citação também dos agentes públicos que atuaram como Procurador-Geral e Secretário de Finanças do Município de Biguaçu no período de 2001 a 2008, para que, querendo, apresentem justificativas e documentos pertinentes.

Ante o exposto, o Ministério Público de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, inciso I e II, da Lei Complementar n.º 202/2000, manifesta-se:

1.              pela citação dos agentes públicos que atuaram como Procurador-Geral e Secretário de Finanças do Município de Biguaçu no período de 2001 a 2008, facultando-lhes o exercício do contraditório, sobre a seguinte irregularidade:

1.1.  omissão no dever de adotar providências para cobrança dos créditos da fazenda pública inscritos em dívida ativa, permitindo a sua prescrição e caracterizando renúncia de receita, no montante de R$ 14.578.804,91, em descumprimento à Constituição Federal/88, artigo 30, inciso III e Lei Complementar n.º 101/2000, artigo 11, caput.

2.              pelo retorno dos autos a esta Procuradoria, em momento oportuno, para fins de emissão da opinião de mérito.

Florianópolis, 26 de fevereiro de 2015.

 

Diogo Roberto Ringenberg

Procurador do Ministério

Público de Contas