PARECER
nº: |
MPTC/35145/2015 |
PROCESSO
nº: |
REP 11/00450766 |
ORIGEM: |
Prefeitura Municipal de Major Vieira |
INTERESSADO: |
Helio Schroeder |
ASSUNTO: |
Irregularidades em despesas com a
realização de festa em comemoração ao Dia da Mulher. |
Trata-se de representação encaminhada
pelos Srs. Hélio Schroeder, João Schroeder e Natálio Pauliski Sobrinho,
Vereadores do Município de Major Vieira, a qual relatam supostas
irregularidades com despesas para a realização de festividade em comemoração ao
Dia Internacional da Mulher (fls. 2-91).
A Diretoria de Controle dos Municípios - DMU
apresentou relatório técnico (fls. 92-96), por meio do qual opinou pelo
conhecimento da representação e determinação para apuração dos fatos apontados
como irregulares.
Este
Ministério Público de Contas ratificou a sugestão da instrução (fls. 98-99).
O Relator conheceu a representação e
determinou à DMU providências junto à Prefeitura Municipal de Major Vieira para
apuração dos fatos (fls. 100-101).
A Diretoria de Controle dos
Municípios – DMU, através de relatório de instrução plenária (fls. 103-109v)
sugeriu a audiência do responsável, para apresentação de justificativas acerca
das irregularidades apontadas, o que restou ratificado pelo Relator (fl. 109v).
O responsável apresentou suas justificativas
(fls. 117-123),
Por fim, a Diretoria de Controle dos
Municípios - DMU apontou a irregularidade dos atos praticado pelo responsável, listados
no relatório conclusivo e sugeriu a aplicações de multas.
As
hipóteses descritas na representação são passíveis de fiscalização pelo
Tribunal de Contas, consoante atribuições previstas nos dispositivos legais e
normativos vigentes (art. 59, da Constituição Estadual, art. 1º, inciso XVI, da
Lei Complementar Estadual n. 202/2000 e art. 1°, inciso XVI, da Resolução
TCE/SC n. 6/2001 - Regimento Interno) e a representante trouxe elementos hábeis
a deflagrar o processo fiscalizatório nessa Corte de Contas.
Passo à análise das irregularidades
apontadas pela instrução.
2.1.1 – Despesas realizadas com o
evento alusivo ao “Dia Internacional da Mulher”, no montante de R$ 6.695,16,
superior ao limite máximo autorizado, em desacordo com o previsto nos artigos
1º e 2º da Lei Municipal nº 2.043/2011.
Das informações e documentos
colacionados pelos representantes no presente processo, bem como da pesquisa ao
e-Sfinge realizada pela DMU, constatou-se de maneira cabal que houve excedente
no limite de despesa com a realização da festa em comemoração ao “Dia
Internacional da Mulher” (fls. 02-91 e 104-105v).
Com relação ao presente ponto, diz a
Lei Municipal nº 2.043/2011:
“AUTORIZA O PODER EXECUTIVO A CUSTEAR DESPESAS
COM A REALIZAÇÃO DA FESTA EM COMEMORAÇÃO AO DIA INTERNACIONAL DA MULHER E DÁ
OUTRAS PROVIDÊNCIAS”
Israel Kiem, Prefeito Municipal de Major Vieira,
Estado de Santa Catarina no uso de suas atribuições legais, faz saber a todos
que a Câmara Municipal aprovou, e eu sanciono a presente:
LEI
Art. 1º - Fica o Poder Executivo autorizado a
realizar no dia 16 de março de 2011 a festa em comemoração ao Dia Internacional
da Mulher e igualmente autorizado a realizar despesas com esse evento.
Art. 2º - As despesas com a realização do presente
evento podem chegar ao valor de R$ 50.000,00 (cinco mil reais).
Parágrafo único – Fica vedada a destinação dos
recursos previstos neste artigo, para eventos privados que visam lucros.
Art. 3º - As despesas com a execução da presente
Lei correrão por conta de dotações orçamentárias vigentes para o exercício de
2011.
Art. 4º - Esta Lei entra em vigor na data de sua
publicação, revogadas as disposições em contrário.
ISRAEL KIEM
Prefeito Municipal
Como se vislumbra, a Lei Municipal
nº 2.043/2011 autorizou a realização de despesas com a realização do evento
“Dia Internacional da Mulher” na importância de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais).
De acordo com consulta
realizada no sistema e-Sfinge (fls. 104-105v) a despesa total do evento foi de
R$ 56.695,16, ultrapassando assim, R$ 6.695,16 (seis mil seiscentos e noventa e
cinco reais e dezesseis reais).
Diante de todo exposto, considerando
que houve efetivo descumprimento do limite financeiro imposto por lei
específica para gastos com o evento em questão, a irregularidade ora debatida
merece ser mantida.
2.2.1 –
Ausência de processo licitatório referente ao fornecimento de almoços e lanches,
no valor de R$ 16.814,90, em descumprimento ao art. 37, XXI, da CF/88 c/c o
art. 2º da Lei Federal nº 8.666/93.
O Município de Major Vieira
realizou despesas com gêneros alimentícios para realização de festividades (Dia
do Município – 23/01 e Dia Internacional da Mulher – 16/03) sem o devido
processo licitatório, contrariando o disposto no art. 37, XXI da Constituição
Federal e art. 2º da Lei nº 8.666/93.
Havia proximidade entre os
dois eventos para os quais foram realizadas as despesas, o Dia do Município
comemorado em 23/01 e o Dia Internacional da Mulher em 16/03, todavia, a
administração municipal deixou de realizar licitação para aquisição de gêneros
alimentícios, pois conforme se vislumbra pelo sistema e-Sfinge, os gastos com
almoço e lanches, perfazem um total de R$ 16.814,90 (dezesseis mil oitocentos e
quatorze reais e noventa centavos) (fls. 129-129v).
O Representado justifica-se
aduzindo em suma que almoço e lanche são objetos distintos, razão pelo qual a
licitação não era exigível (fl. 120).
A DMU rechaça o argumento
apresentado pelo representado pois, somando as despesas realizadas com lanches
chega-se à importância de R$ 8.819,90, valor este acima do limite legal
estabelecido para a dispensa de licitação, ou seja, R$ 8.000,00, de acordo com
o art. 24, inciso II, da Lei nº 8.666/93 (fl.129v).
Assim, tendo em vista que havia
proximidade dos referidos eventos e que houve realização das despesas diretas com
aquisição de gêneros alimentícios para ambos acima do valor permitido para a
dispensa de licitação – ressaltando-se que, como dito pela instrução, ainda que
se considerasse somente os gastos para lanches separados do almoço, o gasto
também estaria acima do limite legal – manifesto-me pela manutenção da
restrição.
2.3.1 –
Ausência de prévio empenho na realização de despesas com o evento alusivo ao
“Dia Internacional da Mulher”, no montante de R$ 42.350,16, em desacordo ao
artigo 60 da Lei nº 4.320/64.
Evidenciou-se que foram realizadas despesas sem o prévio empenho,
pois de acordo com a Lei Municipal nº 2.043/2011, a festa intitulada “Dia
Internacional da Mulher” foi realizada em 16/03/2011 e inúmeras despesas[1] ocorreram após essa data, em afronta ao art. 60 da Lei nº
4.320/64.
Em suas alegações de defesa, o Sr. Israel Kiem afirmou que os
empenhamentos das despesas ocorreram na data em que foram realizadas as compras
e contratações, concluindo que houve prévio empenho (fls. 120-121).
Não assiste razão ao responsável, pois a festa fora realizada no
dia 16/03/2011 e não teria ocorrido se as compras e contratações não tivessem
acontecido, obviamente, lembrando que, segundo constatou a instrução, o
pagamento das despesas na importância de R$ 42.350,16 ocorreu após a realização
da festa.
O que se pode concluir é que houve, de fato, inversão nas fases
atinentes à realização de despesas públicas, em clara violação ao art. 60 da Lei n. 4320/64.
Sobre o assunto, trago o comentário de J. Teixeira Machado
Jr. e Heraldo da Costa Reis[2], os quais esclarecem a importância da emissão do prévio
empenho na realização de despesas:
O empenho
constitui instrumento de programação, pois, ao utilizá-lo racionalmente, o
Executivo tem sempre o panorama dos compromissos assumidos e das dotações ainda
disponíveis. Isto constitui uma garantia para os fornecedores, prestadores de serviços
e empreiteiros, contratantes em geral, como já foi dito.
O conceito de empenho pressupõe anterioridade. O empenho é ex-ante. Daí o receio de ter
uma definição legal de empenho meramente formal. No entanto, a prática
brasileira é a do empenho ex-post, isto é, depois de executada a despesa,
apenas para satisfazer ao dispositivo legal, ao qual o Executivo não quer
obedecer, por falta de capacidade de programação [grifei].
Ressalto,
ainda, que tal irregularidade tem sido objeto de aplicações de sanções em
diversos julgados no âmbito dessa Corte de Contas, conforme se extrai das
seguintes decisões:
O TRIBUNAL PLENO, diante das razões
apresentadas pelo Relator e com fulcro no art. 59 c/c o art. 113 da
Constituição do Estado e no art. 1º da Lei Complementar n. 202/2000, decide:
6.1. Converter o presente processo em "Tomada de Contas
Especial", nos termos do art. 32 da Lei Complementar n. 202/2000, [...]
6.2. Determinar a citação do Sr.
Balduíno Radavelli - Prefeito
Municipal de Vargem Bonita, [...] apresentar alegações de defesa:
6.2.1. acerca das seguintes irregularidades, passíveis de imputação
de débito e/ou aplicação de multa prevista nos arts. 68 a 70
da Lei Complementar n. 202/2000:
6.2.2.3. realização de despesas, no montante de R$ 5.149,80 sem prévio
empenho, em descumprimento aos arts. 60 c/c 65 e 68 da Lei n. 4320/64. (TCE
03/00436548, Rel. Luiz Roberto Herbst, sessão de 18.3.2009) [grifei].
ACORDAM os Conselheiros do Tribunal de
Contas do Estado de Santa Catarina, reunidos em
Sessão Plenária, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro no
art. 59 c/c o art. 113 da Constituição do Estado e no art. 1° da Lei
Complementar n. 202/2000, em:
[...]
6.2. Aplicar ao Sr. CLÓVIS JOSÉ DA
ROCHA - anteriormente qualificado, com fundamento nos arts. 70, II, da Lei
Complementar n. 202/00 e 109, II, c/c o 307, V, do Regimento Interno instituído
pela Resolução n. TC-06/2001, com base nos limites previstos no art. 239, III,
do Regimento Interno (Resolução n. TC-11/1991) vigente à época da ocorrência da
irregularidade, as multas abaixo relacionadas [...]:
6.2.13. R$ 1.000,00 (mil reais), em face da execução de obra sem
prévio empenho, contrariando o art. 60 da Lei (federal) n. 4.320/64.
(TCE 03/00539606, Rel. Luiz Roberto Herbst, sessão de 8.12.2008) [grifei].
Dessa forma, uma vez não emitidos empenhos anteriormente à
realização de despesas, caracterizada está a irregularidade, para a qual também
proponho a imposição de sanção pecuniária, na linha dos precedentes desse
Tribunal.
2.4.1 –
Empenhamento indevido na Função 12 – Educação, Subfunção 361 – Ensino
Fundamental, de despesas que não se referem à manutenção e desenvolvimento do
ensino, no valor de R$ 2.574,00, em desacordo com o art. 85 da Lei nº 4.320/64
c/c a Portaria nº MOG 42/99 e artigo 212 da CF c/c o art. 70 da Lei nº
9.394/96.
A instrução constatou ainda
que foram realizadas despesas para o evento do “Dia Internacional da Mulher”,
no montante de R$ 2.574,00[3], porém empenhadas indevidamente na
Função 12 – Educação, Subfunção 361 – Ensino Fundamental, que possui origem na
Fonte de Recursos 1 – Receita de Impostos e Transferências de Impostos:
Educação, pois tais despesas não possuem correlação alguma com manutenção e
desenvolvimento do ensino fundamental (fls. 131v-132v).
As despesas que
podem ser consideradas para manutenção e desenvolvimento do ensino encontram-se
elencadas no art. 70 da Lei nº 9.394/96, conforme segue:
Art. 70. Considerar-se-ão como de
manutenção e desenvolvimento do ensino as despesas realizadas com vistas à
consecução dos objetivos básicos das instituições educacionais de todos os
níveis, compreendendo as que se destinam a:
I - remuneração e aperfeiçoamento do
pessoal docente e demais profissionais da educação;
II - aquisição, manutenção, construção
e conservação de instalações e equipamentos necessários ao ensino;
III – uso e manutenção de bens e
serviços vinculados ao ensino;
IV - levantamentos estatísticos,
estudos e pesquisas visando precipuamente ao aprimoramento da qualidade e à
expansão do ensino;
V - realização de atividades-meio
necessárias ao funcionamento dos sistemas de ensino;
VI - concessão de bolsas de estudo a
alunos de escolas públicas e privadas;
VII - amortização e custeio de
operações de crédito destinadas a atender ao disposto nos incisos deste artigo;
VIII - aquisição de material
didático-escolar e manutenção de programas de transporte escolar.
O Sr. Israel Kiem, em
resposta a esse Tribunal de Contas, afirmou que o empenhamento das despesas na função
Educação deu-se devido à coparticipação da Secretaria de Educação no evento
“Dia Internacional da Mulher”. Argumentou ainda que, no exercício de 2011,
foram cumpridos acima do limite constitucional exigido, os gastos com
manutenção e desenvolvimento do ensino, concluindo que as referidas despesas
não comprometeram o resultado final do cumprimento dos limites constitucionais,
não podendo ser compreendida como despesa irregular (fls. 121-122).
Em análise ao sistema
e-Sfinge, observa-se que os objetos dos empenhos nº 359, 557 e 558, referem-se
a aquisições de produtos para brindes para realização de bingo no alusivo
evento, e compra de passes e crachás, portanto, não possuem qualquer relação
com a função Educação, motivo pelo qual tais despesas devem ser consideradas
irregulares.
Diante desses fatos, sugiro
a manutenção a restrição aqui apontada.
Ante o exposto, o Ministério
Público junto ao Tribunal de Contas, com amparo na competência conferida pelo
art. 108, inciso II, da Lei Complementar n. 202/2000, manifesta-se pela IRREGULARIDADE,
com fundamento no art. 36, § 2º, alínea “a” da Lei Complementar nº 202/2000, dos
atos descritos nos itens 1.1 a 1.4 da conclusão do relatório de instrução e
pela APLICAÇÃO de MULTAS ao responsável, Sr. Israel Kiem,
Prefeito Municipal no exercício de 2011, em face das irregularidades acima
descritas, nos termos do art. 70, II, da Lei Complementar nº 202/2000.
Florianópolis, 25 de junho de 2015.
Cibelly Farias Caleffi
Procuradora
[1]
Despesas sem o prévio empenho,
no montante de R$ 42.350,16, conforme sistema e-Sfinge, Relatório nº1632/2014,
fl. 106v-108.
[2] MACHADO JR., J. Teixeira, REIS, Heraldo da Costa. A lei 4.320 comentada. 31ª ed. Rio de Janeiro, IBAM, 2002/2003, p. 144.
[3] Empenhos nºs 359, 557 e 558, fls. 131v-132.