PARECER nº:

MPTC/35517/2015

PROCESSO nº:

REC 13/00385046    

ORIGEM:

Prefeitura Municipal de Santa Helena

INTERESSADO:

Gilberto Giordano

ASSUNTO:

Recurso de Reconsideração da decisão exarada no processo - REP-10/00090342

 

 

 

Versam os autos sobre Recurso de Reconsideração (fls. 3-8) interposto pelo Sr. Gilberto Giordano, Prefeito Municipal de Santa Helena na gestão 2009-2013, em face do Acórdão n. 448/2013, dessa Corte de Contas, com o seguinte teor:

ACORDAM os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro no art. 59 c/c o art. 113 da Constituição do Estado e no art. 1° da Lei Complementar n. 202/2000, em:

6.1. Julgar procedente a Representação em análise haja vista a constatação de irregularidades praticadas no âmbito do Poder Executivo municipal de Santa Helena no exercício de 2009, constante dos itens 6.2.1 a 6.2.3 desta deliberação.

6.2. Aplicar ao Sr. Gilberto Giordano - Prefeito Municipal de Santa Helena, CPF n. 814.482.369-91, as multas a seguir relacionadas, na forma do disposto nos arts. 70, inciso II, da Lei Complementar n. 202/2000 e 109, II, do Regimento Interno, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico deste Tribunal de Contas, para comprovar a esta Corte de Contas o recolhimento das multas ao Tesouro do Estado, sem o quê, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos art. 43, inciso II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000:

6.2.1. R$ 800,00 (oitocentos reais), em face da inobservância da Súmula Vinculante n. 13 do Supremo Tribunal Federal, que disciplina a nomeação de parentes para cargo em comissão na Administração Pública, haja vista que os cargos comissionados de Chefe de Gabinete do Executivo (Mauro Rodrigo Sehnem) e o Cargo de Coordenação do Controle Interno (Daiane Sehnem) são ocupados por parentes consanguíneos de terceiro grau (o Chefe de Gabinete é tio da Coordenadora de Controle Interno);

6.2.2. R$ 400,00 (quatrocentos reais), em razão do desvio de função detectado na irregular designação que altera as atribuições do cargo de Pedreiro mediante a Portaria n. 2388/2009, de 1º/09/2009, de servidor efetivo, no cargo de Pedreiro, para exercer atribuições do cargo de provimento efetivo de Agente de Apoio Operacional, sem que tenha sido classificado em novo concurso público, além da falta de qualificação para ocupar o referido cargo, em desconformidade com o art. 37, inciso II, da Constituição da República, configurando burla ao concurso público no período de 1°/09/2009 a 13/06/2011;

6.2.3. R$ 1.600,00 (mil e seiscentos reais), devido às contratações temporárias irregulares abaixo descritas, tendo em vista a ausência de concurso público ou processo seletivo, requisito constitucional indispensável ao preenchimento de cargos ou emprego público, em desconformidade com o art. 37, incisos II e IX, da Constituição Federal:

6.2.3.1. Contratação temporária irregular da Sra. Neli Célia Petry, no período de 19/01 a 06/06/2009, amparada por Lei municipal que alberga hipóteses genéricas e sem processo seletivo, em desconformidade com os parâmetros constitucionais;

6.2.3.2. Contratação temporária irregular do Sr. Fábio Ambrósio Perotto (fisioterapeuta), no período de 21/01 a 21/07/2010, sem processo seletivo;

6.2.3.3. Contratação temporária irregular da Sra. Disaura Regina Lorenski (psicóloga) no período de 21/01 a 21/07/2010, em razão de que no Processo Seletivo n. 002/2009, acostados aos autos, de fs. 247 e 248, restou comprovado que a contratação ocorreu em preterição à candidata classificada em primeiro lugar - Marciane Barella;

6.2.3.4. Contratação temporária irregular da Sra. Fabíola Folmmann Maldaner (nutricionista) no período de 21/01 a 21/07/2010, em razão de que no Processo Seletivo n. 002/2009, em que havia candidatos aprovados para a função de nutricionista e a servidora sequer foi classificada.

6.3. Dar ciência deste Acórdão, do Relatório e Voto do Relator que o fundamentam, bem como do Relatório DAP/Insp.1/Div.1 n. 03977/2012, ao Sr. Gilberto Giordano - Prefeito Municipal de Santa Helena, aos Representantes e ao responsável pelo Controle Interno do Município de Santa Helena.

A Diretoria de Recursos e Reexames dessa Corte de Contas emitiu o Parecer n. 155/2015 (fls. 9-13), opinando pelo conhecimento da peça como Recurso de Reexame e, no mérito, pelo seu desprovimento, ratificando os termos do acórdão recorrido.

O Recurso de Reexame[1], com amparo no art. 79 da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, é o adequado em face “de decisão proferida em processos de fiscalização de ato e contrato”, sendo a parte legítima para a sua interposição, uma vez que figurou como responsável pelos atos de gestão irregulares descritos na decisão recorrida.

O acórdão recorrido foi publicado na imprensa oficial em 07/06/2013 e a peça recursal protocolizada nessa Corte de Contas no dia 28/06/2013, sendo, portanto, tempestiva.

Logo, encontram-se presentes os requisitos de admissibilidade deste recurso.

Passo, assim, à análise de mérito.

1. R$ 800,00 (oitocentos reais), em face da inobservância da Súmula Vinculante n. 13 do Supremo Tribunal Federal, que disciplina a nomeação de parentes para cargo em comissão na Administração Pública, haja vista que os cargos comissionados de Chefe de Gabinete do Executivo (Mauro Rodrigo Sehnem) e o Cargo de Coordenação do Controle Interno (Daiane Sehnem) são ocupados por parentes consanguíneos de terceiro grau (o Chefe de Gabinete é tio da Coordenadora de Controle Interno).

Com relação à referida irregularidade, o recorrente alega que as nomeações do Sr. Mauro e da Sra. Daiane não caracterizariam nepotismo, uma vez que não haveria relação de parentesco entre a autoridade nomeante e os servidores nomeados, não havendo, ainda, relação de subordinação entre tais servidores, sendo assim respeitada a orientação do Prejulgado n. 2072, dessa Corte de Contas.

Acerca da matéria, a Súmula Vinculante n. 13 do Supremo Tribunal Federal dispõe que:

A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal (grifei).

Dessa forma, resta claro que não necessariamente a relação de parentesco, para se caracterizar a prática de nepotismo, deve ser entre a autoridade nomeante e o servidor nomeado, mas também entre servidores de um mesmo Órgão, como no caso em apreço.

Na verdade, o equívoco do recorrente reside no fato de ter interpretado a antiga redação do item 3 do Prejulgado n. 2072[2] como sendo a regra, quando se tratava tão somente da descrição pormenorizada de uma das inúmeras possibilidades da prática de nepotismo. Não bastasse a clareza do Prejulgado, entendê-lo de forma alternativa seria colocar tal orientação desse Tribunal de Contas em dissonância ao entendimento vinculante do Supremo Tribunal Federal, o que não teria o menor cabimento.

Logo, a presente irregularidade merece ser mantida.

2. R$ 400,00 (quatrocentos reais), em razão do desvio de função detectado na irregular designação que altera as atribuições do cargo de Pedreiro mediante a Portaria n. 2388/2009, de 1º/09/2009, de servidor efetivo, no cargo de Pedreiro, para exercer atribuições do cargo de provimento efetivo de Agente de Apoio Operacional, sem que tenha sido classificado em novo concurso público, além da falta de qualificação para ocupar o referido cargo, em desconformidade com o art. 37, inciso II, da Constituição da República, configurando burla ao concurso público no período de 1°/09/2009 a 13/06/2011.

O recorrente confirma que houve equívoco na nomeação do servidor em questão; postula o cancelamento da multa, entretanto, pelo fato de o referido ato já ter sido revogado, com o consequente retorno do servidor ao seu cargo de origem, conforme evidencia a Portaria n. 2787/2011, acostada à fl. 241 do processo n. REP 10/00090342.

Apesar de ter o recorrente corrigido a situação irregular, a grave situação manteve-se por aproximadamente dois anos, não havendo na peça recursal qualquer justificativa para tamanha demora na adoção de providências para reverter a irregularidade.

Assim, restrição em comento também merece ser conservada.

3. R$ 1.600,00 (mil e seiscentos reais), devido às contratações temporárias irregulares abaixo descritas, tendo em vista a ausência e concurso público ou processo seletivo, requisito constitucional indispensável ao preenchimento de cargos ou emprego público, em desconformidade com o art. 37, incisos II e IX, da Constituição Federal.

No que se refere às contratações temporárias dispostas no presente item da decisão recorrida, o responsável afirma, inicialmente, que as situações irregulares já teriam sido corrigidas pela Administração, o que, como visto no item anterior, não é capaz de afastar a restrição.

Aduz, ainda, o recorrente que a Sra. Neli Célia Petry foi contratada – com base em lei municipal que alberga hipóteses genéricas de contratação sem concurso público – para o cargo de Assistente Social, no período de 19/01/2009 a 06/06/2009, diante da licença maternidade e férias da servidora titular, Sra. Alzira de Pellegrin.

Como já exaustivamente frisado no decorrer do processo que originou o presente recurso, salienta-se que a contratação temporária não deve ser utilizada para preencher lacunas provenientes de afastamento de servidor titular de cargo efetivo.

Acerca da possibilidade de contratação temporária de excepcional interesse público, veja-se o que diz a CRFB/88:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

[...].

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;

[...].

IX - a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público (grifei).

Destaca-se, assim, que a presença de uma função de caráter permanente na administração pública impõe a realização de concurso público para o provimento de cargos efetivos, sendo a contratação por tempo determinado a exceção para situações extremamente peculiares, a exemplo de catástrofes, guerras e epidemias (casos descritos pela Lei n. 8.745/93 para o âmbito federal), o que não corresponde, evidentemente, ao caso ora analisado.

No mesmo sentido, as demais contratações debatidas pelo recorrente, relacionadas à área da saúde, também foram efetivadas para o exercício de atividades permanentes e previsíveis, em completo desrespeito à exigibilidade de prévio concurso público e sem a comprovação do caráter emergencial que pudesse justificá-las, na linha do que restou bem destacado pela Área Técnica às fls. 12-12v:

Ou seja, não tendo o Recorrente comprovado se tratar de situações de necessidade temporária de excepcional interesse público, tais contratações deveriam observar o respectivo concurso público, destacando-se, nesse ponto a contratação de candidatos que sequer foram classificados nos processos seletivos realizados pela Municipalidade, ou o chamamento de candidato em detrimento de outro melhor colocado, como se viu acima, tal situação viola os princípios da moralidade e legalidade estampados no caput do art. 37 da Constituição Federal.

A justificativa do Recorrente de que tais contratações se deram porque “equivocadamente, não constou no processo seletivo nº 002/2009 a previsão de prorrogação do prazo de vigência e havia a necessidade urgente dos serviços desses profissionais [...]”  configura antes a falta de planejamento na administração municipal. Não se admitindo dessa forma que o Recorrente se vallha de sua própria torpeza para afastar a aplicação das multas.

Portanto, as justificativas apresentadas pelo responsável não possuem o condão de afastar a restrição a ele atribuída referente às contratações irregulares, as quais não encontram amparo na hipótese constitucional de contratação temporária, restando violada, dessa forma, a regra do prévio concurso público para investidura em cargos e empregos públicos, em afronta ao artigo 37, incisos II e IX, da CRFB/88.

Ante o exposto, o Ministério Público de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, inciso II, da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, manifesta-se pelo CONHECIMENTO do Recurso de Reexame, e, no mérito, pelo seu DESPROVIMENTO, mantendo-se hígido o teor do Acórdão n. 448/2013.

Florianópolis, 7 de julho de 2015.

 

 

 

Cibelly Farias Caleffi

Procuradora

 



[1] Muito embora tenha o recorrente nomeado a peça como Recurso de Reconsideração, o presente recurso, diante do princípio da fungibilidade recursal, pode ser recebido como Recurso de Reexame sem quaisquer prejuízos, mormente se considerando a identidade de prazo entre tais expedientes.

[2] 3. Restará caracterizada situação de nepotismo caso haja relação de subordinação hierárquica entre os agentes, independentemente do momento da investidura da autoridade política no cargo e da nomeação do agente público ao cargo em comissão ou da designação para função de confiança.