Parecer
no: |
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MPC/35.831/2015 |
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Processo
nº: |
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REC
13/00679546 |
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Origem: |
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Município
de Laguna |
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Assunto: |
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Recurso de Reconsideração da decisão exarada
no processo TCE – 10/00567794 (art. 77, da LCE/SC nº. 202/2000). |
Trata-se de
Os recorrentes
insurgiram-se
A Diretoria de
Recursos e Reexames apresentou o Parecer nº DRR – 132/2015, às fls.
14-21, manifestando-se pelo conhecimento e não provimento do presente Recurso
de Reconsideração, conforme segue:
3.1. Em respeito ao princípio da
instrumentalidade das formas, conhecer como Recurso de Reconsideração o Recurso
de Reexame, interposto nos termos do art. 80 da Lei Complementar nº 202, de 15
de dezembro de 2000, interposto contra o Acórdão nº 0918/2013 exarado na Sessão
Ordinária de 21/08/2013, nos autos do processo - TCE 10/00587794 e, no mérito,
negar-lhe provimento, ratificando na íntegra a Decisão recorrida.
3.2. Dar ciência da Decisão, bem como do Parecer e Voto
do Relator que a fundamentam, aos Srs. Célio Antônio e Diolcenir Domingos
Milanez e à Prefeitura Municipal de Laguna.
É o relatório.
A
Em respeito ao
princípio da instrumentalidade das formas, mostra-se pertinente conhecer da
peça como Recurso de Reconsideração.
Especificamente
quanto à tempestividade, a
1. Da identificação do
responsável
A alegação de
improcedência na identificação do responsável busca tão somente afastar a responsabilidade
no que tange ao Sr. Célio Antônio, Prefeito Municipal de Laguna à época dos
fatos.
O recorrente alegou que caso a autoridade
competente fosse responsável por tudo de errado que ocorre na Administração,
seria inócuo o art. 10 da Lei Complementar nº 202/2000 se referir à
“responsabilidade solidária”, pois, desde logo, só se caracteriza
responsabilidade direta dessa autoridade – independentemente de ela não ter
praticado a ilicitude.
A Diretoria alegou que, para os fins legais, responsável é todo
aquele que atua na administração ou no gerenciamento do dinheiro público, vale
dizer, é o gestor da coisa pública.
Trata-se de responsabilização ex
lege, não exigindo a participação direta do administrador na conduta
ilegal. Basta que a irregularidade tenha ocorrido sob a égide de sua gestão,
sem que a autoridade tenha tomado providências para a sua correção.
É obrigação do ordenador de despesas
supervisionar todos os atos praticados pelos membros de sua equipe, a fim de
assegurar a legalidade e a regularidade das despesas, pelas quais é sempre o
responsável inafastável.
Com razão a Instrução.
Cabe trazer à baila
o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, renomado administrativista e autor da
obra “Direito Municipal Brasileiro”, onde trata das atribuições do Prefeito:
As atribuições do prefeito são de natureza
governamental e administrativa: governamentais são todas aquelas de condução dos
negócios públicos, de opções políticas de conveniência e oportunidade na sua
realização - e, por isso mesmo, insuscetíveis de controle por qualquer outro
agente, órgão ou Poder; administrativas
são as que visam à concretização das atividades executivas do Município,
por meio de atos jurídicos sempre controláveis pelo Poder Judiciário e, em
certos casos, pelo Legislativo local. Claro
está que o prefeito não realiza pessoalmente todas as funções do cargo,
executando aquelas que lhe são privativas e indelegáveis e traspassando as
demais aos seus auxiliares e técnicos da Prefeitura (secretários municipais,
diretores de departamentos, chefes de serviços e outros subordinados). Mas
todas as atividades do Executivo são de sua responsabilidade direta ou
indireta, quer pela sua execução pessoal, quer pela sua direção ou supervisão
hierárquica. (grifei)
Corroborando a explanação acima, tem-se o
entendimento que prevalece no Tribunal de Contas da União e no Poder
Judiciário, a respeito do tema:
ACÓRDÃO TCU Nº 1247/2006 ATA 16 - PRIMEIRA CÂMARA [texto original]
Relator: GUILHERME PALMEIRA - TOMADA DE
CONTAS ESPECIAL. RECURSO DE RECONSIDERAÇÃO. IRREGULARIDADES NA EXECUÇÃO DE
CONVÊNIO. NEGADO PROVIMENTO. 1. A delegação de competência não transfere a
responsabilidade para fiscalizar e revisar os atos praticados. 2. O Prefeito é
responsável pela escolha de seus subordinados e pela fiscalização dos atos por
estes praticados. Culpa in eligendo e in vigilando. Diário Oficial da União:
22/05/2006 página: 0.16/05/2006.[1]
APELAÇÃO CÍVEL N.º 146.341-4, DA 2ª VARA ÚNICA DA COMARCA
DE CARLÓPOLIS.
APELAÇÃO CÍVEL.
DIREITO ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. SENTENÇA QUE
CONDENOU PREFEITO E SECRETÁRIO MUNICIPAL DA AGRICULTURA AO PAGAMENTO DE
PREJUÍZO CAUSADO AO ERÁRIO. RECURSO INTERPOSTO APENAS PELO PREFEITO. DEVER DE
SUPERVISÃO RELATIVAMENTE À SUA EQUIPE TÉCNICA. OMISSÃO. IMPROCEDÊNCIA; VI -
APELO DESPROVIDO.
Ainda que, de fato, o
Sr. Prefeito não tivesse ciência dos atos ímprobos efetuados por um de seus
Secretários, o que se faz por amor ao debate, nem mesmo isso poderia isentá-lo
de ser responsabilizado, haja vista ter sido negligente.
Assim, tem-se que,
não obstante a necessidade de descentralizar a administração do município, para
melhor atender à população e aos serviços públicos dos quais ela se utiliza, as
atividades do Executivo são de responsabilidade do Prefeito, direta ou
indiretamente, quer pela sua execução pessoal, quer pelo dever de direção ou
supervisão de sua equipe de trabalho. [2]
E
ainda o Agravo de Instrumento, sob a relatoria do Ministro Celso de Melo:
Os
Secretários exercem cargos de confiança para praticarem atos delegados pelo
Prefeito, que os escolhe direta e imediatamente e tem a responsabilidade não
somente pela escolha, mas também de fiscalizar diretamente seus atos. Por
consequência, mostra-se inaceitável que, pelas dimensões da máquina
administrativa e relacionamento direto, o Prefeito desconhecesse a liberação
ilegal de pagamentos”.[3]
Não merece prosperar, pois, a tese
apresentada de que ao Prefeito não poderia ser atribuída a responsabilidade que
lhe fora. O Tribunal de Contas da União e o Poder Judiciário possuem decisões
reiteradas responsabilizando o Prefeito Municipal, tendo em vista que a ele
cabe a escolha dos seus subordinados de confiança.
A responsabilização está respaldada nas
atribuições e competências estabelecidas na legislação municipal e não pode o
Prefeito eximir-se das suas obrigações sob o pretexto da confiança
institucional creditada à atuação legal dos agentes públicos, pois sobre ele
recai a direção e supervisão da Administração Municipal.
Por todo o exposto, deve ser mantida a multa
cominada.
2. Do julgamento de contas pelo
Tribunal
Segundo os Recorrentes, restou
demonstrado nos autos que não houve dano ao erário no pagamento da remuneração
à empresa contratada, e que, portanto, a despesa foi considerada como regular.
Por tal razão, aduzem que não houve apreciação de contas ou despesas, e, tão
somente, análise de atos jurídicos.
Sustentaram que relatora
"presumiu" que o Vereador Cleosmar Fernandes era proprietário da
empresa Fema.
Aduziram que a contratação com a
empresa teria se dado por dois motivos: pelo fato de a mesma ter sido
legalmente habilitada e classificada na Concorrência nº 056/2006; e devido à
determinante rescisão do contrato com a empresa Wambassa Transportes Ltda,
então vencedora do certame.
A Diretoria, por sua vez, alegou que
o Acórdão e Voto são claros ao informar que a aplicação das multas decorreu do
fato de a Prefeitura Municipal de Laguna ter celebrado o contrato com empresa
ligada ao Vereador Cleosmar Fernandes, e por tal razão houve a infração do art.
54, I, "a", II, "a", c/c art. 29, IX, da Constituição
Federal.
Acrescentou que o vínculo entre o
Vereador e a empresa contratada ficou devidamente demonstrado nos autos, que
pode ser ilustrado pelas razões assim expostas no Voto da Conselheira Relatora
(fl. 1385v/1386v):
Analisando os
autos, destaco inicialmente que quando foram ofertadas as propostas relativas à
Concorrência Pública nº 56/2006, lançada em 18/08/2006, constavam como sócios
da empresa o Sr. Rafael Duarte Fernandes, que é filho do Sr. Cleosmar, e a Sra.
Osmara Fernandes, irmã do Sr. Cleosmar, conforme 5ª alteração contratual (fl.
927).
Posteriormente, por
meio da 6ª alteração contratual (31/07/2007), o Sr. Cleosmar Fernandes retornou
à sociedade, tendo se retirado na 7º alteração, ocorrida em 13/02/2008 (fl.
927).
Ressalto que a Sra.
Denilde de Oliveira Vieira, autora da presente Representação, passou a fazer
parte da sociedade da empresa Fema - Fernandes Meio Ambiente Ltda. a partir da
7º alteração, tendo se retirado em 26/06/2008, por meio da 8ª alteração
contratual (fls. 780/786).
Acrescento ainda
que no Contrato nº 01/09 - PML, assinado em 02/01/2009, o Sr. Cleosmar
Fernandes constou como representante legal da empresa Fema - Fernandes Meio
Ambiente Ltda., a despeito de não ter sido aposta a sua assinatura no
referido contrato, e sim a da Sra. Dilmara Fernandes, sua irmã (fls. 767/773).
Na data da
assinatura do contrato constavam como sócios da empresa a Sra. Dilmara
Fernandes, irmã do Sr. Cleosmar, e a Sra. Dilma Rosa Fernandes, mãe do Sr.
Cleosmar, conforme se extrai da 8ª alteração contratual (fl. 780/786).
No caso em tela,
verifico também que vários documentos demonstram que o Sr. Cleosmar Fernandes
teve participação ativa na empresa Fema - Fernandes Meio Ambiente Ltda.,
inclusive na época da apresentação das propostas e da efetivação do contrato,
como segue:
- Procuração
conferida em 31/03/2009 pela empresa, representada pela Sra. Osmara Fernandes,
ao Sr Cleosmar Fernandes,
conferindo-lhe poderes para a representar a sociedade perante agências
bancárias, o INSS, repartições públicas, juízo de direito e ministério do
trabalho (fls. 788/789);
- Procuração
conferida em 31/03/2009 pela empresa, representada pela Sra. Denilde Vieira de
Oliveira, ao Sr Cleosmar Fernandes, conferindo-lhe poderes para a representar a sociedade perante agências
bancárias, o INSS, repartições públicas, juízo de direito, ministério do
trabalho, estabelecimentos comerciais, industriais etc. (fls. 790/793);
- Procuração
conferida em 02/04/2009 pela Sra. Dilma Rosa Fernandes ao Sr. Cleosmar
Fernandes, conferindo-lhe
poderes para representar a sociedade perante agências bancárias, o INSS,
repartições públicas, juízo de direito e ministério do trabalho (fl. 794/795);
- Resumo da sessão
da Câmara Municipal de Laguna, ocorrida em 08/08/2006, na qual o Sr. Cleosmar
Fernandes é parabenizado pelos trabalhos prestados pela empresa Fema -
Fernandes Meio Ambiente Ltda., de sua propriedade (fls. 796/797);
- Reportagem do site
Laguna em foco, datada de 28/09/2007), que traz orientações do proprietário
da empresa Fema - Fernandes Meio Ambiente Ltda., Sr. Cleosmar Fernandes, à
população de Laguna (fls. 798/799); e
- Ofício datado de
10/08/2006, encaminhado pelo Presidente da Câmara Municipal de Laguna ao
proprietário da empresa Fema - Fernandes Meio Ambiente Ltda., Sr. Cleosmar
Fernandes (fl. 800).
Há, portanto, diversas evidências que demonstram
que o Sr. Cleosmar Fernandes tinha participação ativa na referida empresa,
atuando inclusive durante a sua contratação pelo Município de Laguna.
O vínculo,
portanto, restou demonstrado.
Evidente a
tentativa de descaracterizar
a participação ativa do Vereador Cleosmar Fernandes no controle da empresa Fema - Fernandes Meio
Ambiente Ltda; todavia, nesse contexto, o princípio da verdade material assume suma importância para a consagração
do interesse público, na medida em que reflete o comprometimento da
administração na busca da verdade irrefutável.
Especificamente
no âmbito dos processos dos Tribunais de Contas, o princípio da verdade
material adquire uma peculiar importância ao traduzir o dever das Cortes de
Contas em proceder a uma fiscalização efetiva e verdadeira.
Quanto ao tema,
Odete Medauar[4] afirma
que:
O princípio da verdade material exprime que a
Administração deve tomar decisões com base nos fatos tais como se apresentam na
realidade, não se satisfazendo com a versão oferecida pelos sujeitos. Para
tanto, tem o direito e o dever de carrear para o expediente todos os dados,
informações, documentos a respeito da matéria tratada, sem estar jungida aos
aspectos suscitados pelos sujeitos.
Ressalta-se
que o Tribunal de Contas
catarinense possui competência para fiscalizar todos os atos concernentes ao
uso de dinheiro público, tanto estadual quanto municipal, assim como aplicar
sanções aos responsáveis por irregularidades constatadas nas referidas
fiscalizações, de acordo com a Constituição Estadual, em seu art. 59.
Ademais, em caso de possível dano ao
erário, mostra-se cabível a conversão do feito em Tomada de Contas Especial, ao
final da qual se procederá à imputação ou não do débito (a depender de sua
efetiva constatação), podendo, neste último caso, haver julgamento pela regularidade
ou irregularidade das contas, tal como se deu no caso dos autos originários,
não havendo qualquer mácula ao procedimento adotado.
Assim, a aplicação da multa mostra-se
de acordo com o disposto no art. 69 da Lei Complementar nº 202/2000.
Por fim, foi dada a oportunidade aos
responsáveis para se manifestarem nos autos quanto aos apontamentos restritivos
elencados e que, posteriormente, ensejaram as multas cominadas, não havendo
fundamento válido para arguir prejuízo à formulação de defesa.
Ante o exposto,
o Ministério Público de Contas, com amparo na competência conferida pelo art.
108, inciso II, da Lei Complementar no 202/2000, manifesta-se por:
1. Conhecer como
Recurso de Reconsideração o Recurso de Reexame, interposto contra o Acórdão nº
0918/2013 e, no mérito, negar-lhe provimento, ratificando na íntegra a Decisão
recorrida.
2. Dar ciência da Decisão, bem como do Parecer e Voto
do Relator que a fundamentam, aos Srs. Célio Antônio e Diolcenir Domingos
Milanez e à Prefeitura Municipal de Laguna.
Florianópolis,
24 de julho de 2015.
Diogo
Roberto Ringenberg
Procurador
do Ministério
Público de Contas
[1]TCU,
Tomada de Contas Especial n.º 001.796/2000-4, de Cuiabá/MT, Primeira Câmara,
Relator: Ministro Guilherme Palmeira. Brasília, DF. Data da sessão: 16/05/2006.
Diário Oficial da União: 22/05/2006
[2]TJPR, Apelação Cível
n.º 146.341-4, de Carlópolis, rel. Des. Bonejos Demchuk, j. 29-09-2004
[3]STF, Agravo de
Instrumento n.º 631841, de São Paulo, rel. Min. Celso de Melo. J. 24/04/2009.
DJe 082 de 5/5/09.
[4] MEDAUAR, Odete;
SCHIRATO, Vitor Rhein. (Org.) Atuais rumos do processo administrativo. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.