Parecer no:

 

MPC/35.831/2015

                       

 

 

Processo nº:

 

REC 13/00679546

 

 

 

Origem:

 

Município de Laguna

 

 

 

Assunto:

 

Recurso de Reconsideração da decisão exarada no processo TCE – 10/00567794 (art. 77, da LCE/SC nº. 202/2000).

 

 

Trata-se de Recurso recebido como Reconsideração, formulado pelos Sr. Célio Antônio, Prefeito Municipal de Laguna, e Sr. Diolcenir Domingos Milanez, Presidente da Comissão Permanente de Licitações em 2006, com fundamento no art. 77 da Lei Complementar nº. 202/2000, em face do Acórdão nº 918/2013, exarado no processo TCE-10/00587794.

Os recorrentes insurgiram-se contra referida decisão nos termos da petição de fls. 03-11.

A Diretoria de Recursos e Reexames apresentou o Parecer nº DRR – 132/2015, às fls. 14-21, manifestando-se pelo conhecimento e não provimento do presente Recurso de Reconsideração, conforme segue:

3.1. Em respeito ao princípio da instrumentalidade das formas, conhecer como Recurso de Reconsideração o Recurso de Reexame, interposto nos termos do art. 80 da Lei Complementar nº 202, de 15 de dezembro de 2000, interposto contra o Acórdão nº 0918/2013 exarado na Sessão Ordinária de 21/08/2013, nos autos do processo - TCE 10/00587794 e, no mérito, negar-lhe provimento, ratificando na íntegra a Decisão recorrida.

3.2. Dar ciência da Decisão, bem como do Parecer e Voto do Relator que a fundamentam, aos Srs. Célio Antônio e Diolcenir Domingos Milanez e à Prefeitura Municipal de Laguna.

É o relatório.

A sugestão da Consultoria Técnica, pelo conhecimento do Recurso de Reconsideração, merece ser acolhida.

Em respeito ao princípio da instrumentalidade das formas, mostra-se pertinente conhecer da peça como Recurso de Reconsideração.

Especificamente quanto à tempestividade, a Decisão recorrida foi publicada em 20/09/2013 e o recurso protocolizado em 30/09/2013, portanto, dentro do prazo máximo de 30 dias estabelecido pelo art. 77 da Lei Complementar nº 202/2000.

 

1. Da identificação do responsável

 

A alegação de improcedência na identificação do responsável busca tão somente afastar a responsabilidade no que tange ao Sr. Célio Antônio, Prefeito Municipal de Laguna à época dos fatos.

O recorrente alegou que caso a autoridade competente fosse responsável por tudo de errado que ocorre na Administração, seria inócuo o art. 10 da Lei Complementar nº 202/2000 se referir à “responsabilidade solidária”, pois, desde logo, só se caracteriza responsabilidade direta dessa autoridade – independentemente de ela não ter praticado a ilicitude.

A Diretoria alegou que, para os fins legais, responsável é todo aquele que atua na administração ou no gerenciamento do dinheiro público, vale dizer, é o gestor da coisa pública.

Trata-se de responsabilização ex lege, não exigindo a participação direta do administrador na conduta ilegal. Basta que a irregularidade tenha ocorrido sob a égide de sua gestão, sem que a autoridade tenha tomado providências para a sua correção.

É obrigação do ordenador de despesas supervisionar todos os atos praticados pelos membros de sua equipe, a fim de assegurar a legalidade e a regularidade das despesas, pelas quais é sempre o responsável inafastável.

Com razão a Instrução.

Cabe trazer à baila o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, renomado administrativista e autor da obra “Direito Municipal Brasileiro”, onde trata das atribuições do Prefeito:

As atribuições do prefeito são de natureza governamental e administrativa: governamentais são todas aquelas de condução dos negócios públicos, de opções políticas de conveniência e oportunidade na sua realização - e, por isso mesmo, insuscetíveis de controle por qualquer outro agente, órgão ou Poder; administrativas são as que visam à concretização das atividades executivas do Município, por meio de atos jurídicos sempre controláveis pelo Poder Judiciário e, em certos casos, pelo Legislativo local. Claro está que o prefeito não realiza pessoalmente todas as funções do cargo, executando aquelas que lhe são privativas e indelegáveis e traspassando as demais aos seus auxiliares e técnicos da Prefeitura (secretários municipais, diretores de departamentos, chefes de serviços e outros subordinados). Mas todas as atividades do Executivo são de sua responsabilidade direta ou indireta, quer pela sua execução pessoal, quer pela sua direção ou supervisão hierárquica. (grifei)

 

Corroborando a explanação acima, tem-se o entendimento que prevalece no Tribunal de Contas da União e no Poder Judiciário, a respeito do tema:

 

ACÓRDÃO TCU Nº 1247/2006 ATA 16 - PRIMEIRA CÂMARA [texto original]

Relator: GUILHERME PALMEIRA - TOMADA DE CONTAS ESPECIAL. RECURSO DE RECONSIDERAÇÃO. IRREGULARIDADES NA EXECUÇÃO DE CONVÊNIO. NEGADO PROVIMENTO. 1. A delegação de competência não transfere a responsabilidade para fiscalizar e revisar os atos praticados. 2. O Prefeito é responsável pela escolha de seus subordinados e pela fiscalização dos atos por estes praticados. Culpa in eligendo e in vigilando. Diário Oficial da União: 22/05/2006 página: 0.16/05/2006.[1]

 

APELAÇÃO CÍVEL N.º 146.341-4, DA 2ª VARA ÚNICA DA COMARCA DE CARLÓPOLIS.

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. SENTENÇA QUE CONDENOU PREFEITO E SECRETÁRIO MUNICIPAL DA AGRICULTURA AO PAGAMENTO DE PREJUÍZO CAUSADO AO ERÁRIO. RECURSO INTERPOSTO APENAS PELO PREFEITO. DEVER DE SUPERVISÃO RELATIVAMENTE À SUA EQUIPE TÉCNICA. OMISSÃO. IMPROCEDÊNCIA; VI - APELO DESPROVIDO.

Ainda que, de fato, o Sr. Prefeito não tivesse ciência dos atos ímprobos efetuados por um de seus Secretários, o que se faz por amor ao debate, nem mesmo isso poderia isentá-lo de ser responsabilizado, haja vista ter sido negligente.

Assim, tem-se que, não obstante a necessidade de descentralizar a administração do município, para melhor atender à população e aos serviços públicos dos quais ela se utiliza, as atividades do Executivo são de responsabilidade do Prefeito, direta ou indiretamente, quer pela sua execução pessoal, quer pelo dever de direção ou supervisão de sua equipe de trabalho. [2]

 

E ainda o Agravo de Instrumento, sob a relatoria do Ministro Celso de Melo:

Os Secretários exercem cargos de confiança para praticarem atos delegados pelo Prefeito, que os escolhe direta e imediatamente e tem a responsabilidade não somente pela escolha, mas também de fiscalizar diretamente seus atos. Por consequência, mostra-se inaceitável que, pelas dimensões da máquina administrativa e relacionamento direto, o Prefeito desconhecesse a liberação ilegal de pagamentos”.[3]

 

Não merece prosperar, pois, a tese apresentada de que ao Prefeito não poderia ser atribuída a responsabilidade que lhe fora. O Tribunal de Contas da União e o Poder Judiciário possuem decisões reiteradas responsabilizando o Prefeito Municipal, tendo em vista que a ele cabe a escolha dos seus subordinados de confiança.

A responsabilização está respaldada nas atribuições e competências estabelecidas na legislação municipal e não pode o Prefeito eximir-se das suas obrigações sob o pretexto da confiança institucional creditada à atuação legal dos agentes públicos, pois sobre ele recai a direção e supervisão da Administração Municipal.

Por todo o exposto, deve ser mantida a multa cominada.

 

2. Do julgamento de contas pelo Tribunal

 

Segundo os Recorrentes, restou demonstrado nos autos que não houve dano ao erário no pagamento da remuneração à empresa contratada, e que, portanto, a despesa foi considerada como regular. Por tal razão, aduzem que não houve apreciação de contas ou despesas, e, tão somente, análise de atos jurídicos.

Sustentaram que relatora "presumiu" que o Vereador Cleosmar Fernandes era proprietário da empresa Fema.

Aduziram que a contratação com a empresa teria se dado por dois motivos: pelo fato de a mesma ter sido legalmente habilitada e classificada na Concorrência nº 056/2006; e devido à determinante rescisão do contrato com a empresa Wambassa Transportes Ltda, então vencedora do certame.

A Diretoria, por sua vez, alegou que o Acórdão e Voto são claros ao informar que a aplicação das multas decorreu do fato de a Prefeitura Municipal de Laguna ter celebrado o contrato com empresa ligada ao Vereador Cleosmar Fernandes, e por tal razão houve a infração do art. 54, I, "a", II, "a", c/c art. 29, IX, da Constituição Federal.

Acrescentou que o vínculo entre o Vereador e a empresa contratada ficou devidamente demonstrado nos autos, que pode ser ilustrado pelas razões assim expostas no Voto da Conselheira Relatora (fl. 1385v/1386v):

Analisando os autos, destaco inicialmente que quando foram ofertadas as propostas relativas à Concorrência Pública nº 56/2006, lançada em 18/08/2006, constavam como sócios da empresa o Sr. Rafael Duarte Fernandes, que é filho do Sr. Cleosmar, e a Sra. Osmara Fernandes, irmã do Sr. Cleosmar, conforme 5ª alteração contratual (fl. 927).

Posteriormente, por meio da 6ª alteração contratual (31/07/2007), o Sr. Cleosmar Fernandes retornou à sociedade, tendo se retirado na 7º alteração, ocorrida em 13/02/2008 (fl. 927).

Ressalto que a Sra. Denilde de Oliveira Vieira, autora da presente Representação, passou a fazer parte da sociedade da empresa Fema - Fernandes Meio Ambiente Ltda. a partir da 7º alteração, tendo se retirado em 26/06/2008, por meio da 8ª alteração contratual (fls. 780/786).

Acrescento ainda que no Contrato nº 01/09 - PML, assinado em 02/01/2009, o Sr. Cleosmar Fernandes constou como representante legal da empresa Fema - Fernandes Meio Ambiente Ltda., a despeito de não ter sido aposta a sua assinatura no referido contrato, e sim a da Sra. Dilmara Fernandes, sua irmã (fls. 767/773).

Na data da assinatura do contrato constavam como sócios da empresa a Sra. Dilmara Fernandes, irmã do Sr. Cleosmar, e a Sra. Dilma Rosa Fernandes, mãe do Sr. Cleosmar, conforme se extrai da 8ª alteração contratual (fl. 780/786).

No caso em tela, verifico também que vários documentos demonstram que o Sr. Cleosmar Fernandes teve participação ativa na empresa Fema - Fernandes Meio Ambiente Ltda., inclusive na época da apresentação das propostas e da efetivação do contrato, como segue:

- Procuração conferida em 31/03/2009 pela empresa, representada pela Sra. Osmara Fernandes, ao Sr Cleosmar Fernandes, conferindo-lhe poderes para a representar a sociedade perante agências bancárias, o INSS, repartições públicas, juízo de direito e ministério do trabalho (fls. 788/789);

- Procuração conferida em 31/03/2009 pela empresa, representada pela Sra. Denilde Vieira de Oliveira, ao Sr Cleosmar Fernandes, conferindo-lhe poderes para a representar a sociedade perante agências bancárias, o INSS, repartições públicas, juízo de direito, ministério do trabalho, estabelecimentos comerciais, industriais etc. (fls. 790/793);

- Procuração conferida em 02/04/2009 pela Sra. Dilma Rosa Fernandes ao Sr. Cleosmar Fernandes, conferindo-lhe poderes para representar a sociedade perante agências bancárias, o INSS, repartições públicas, juízo de direito e ministério do trabalho (fl. 794/795);

- Resumo da sessão da Câmara Municipal de Laguna, ocorrida em 08/08/2006, na qual o Sr. Cleosmar Fernandes é parabenizado pelos trabalhos prestados pela empresa Fema - Fernandes Meio Ambiente Ltda., de sua propriedade (fls. 796/797);

- Reportagem do site Laguna em foco, datada de 28/09/2007), que traz orientações do proprietário da empresa Fema - Fernandes Meio Ambiente Ltda., Sr. Cleosmar Fernandes, à população de Laguna (fls. 798/799); e

- Ofício datado de 10/08/2006, encaminhado pelo Presidente da Câmara Municipal de Laguna ao proprietário da empresa Fema - Fernandes Meio Ambiente Ltda., Sr. Cleosmar Fernandes (fl. 800).

Há, portanto, diversas evidências que demonstram que o Sr. Cleosmar Fernandes tinha participação ativa na referida empresa, atuando inclusive durante a sua contratação pelo Município de Laguna.

 

O vínculo, portanto, restou demonstrado.

Evidente a tentativa de descaracterizar a participação ativa do Vereador Cleosmar Fernandes no controle da empresa Fema - Fernandes Meio Ambiente Ltda; todavia, nesse contexto, o princípio da verdade material assume suma importância para a consagração do interesse público, na medida em que reflete o comprometimento da administração na busca da verdade irrefutável.

Especificamente no âmbito dos processos dos Tribunais de Contas, o princípio da verdade material adquire uma peculiar importância ao traduzir o dever das Cortes de Contas em proceder a uma fiscalização efetiva e verdadeira.

Quanto ao tema, Odete Medauar[4] afirma que:

O princípio da verdade material exprime que a Administração deve tomar decisões com base nos fatos tais como se apresentam na realidade, não se satisfazendo com a versão oferecida pelos sujeitos. Para tanto, tem o direito e o dever de carrear para o expediente todos os dados, informações, documentos a respeito da matéria tratada, sem estar jungida aos aspectos suscitados pelos sujeitos.

 

Ressalta-se que o Tribunal de Contas catarinense possui competência para fiscalizar todos os atos concernentes ao uso de dinheiro público, tanto estadual quanto municipal, assim como aplicar sanções aos responsáveis por irregularidades constatadas nas referidas fiscalizações, de acordo com a Constituição Estadual, em seu art. 59.

Ademais, em caso de possível dano ao erário, mostra-se cabível a conversão do feito em Tomada de Contas Especial, ao final da qual se procederá à imputação ou não do débito (a depender de sua efetiva constatação), podendo, neste último caso, haver julgamento pela regularidade ou irregularidade das contas, tal como se deu no caso dos autos originários, não havendo qualquer mácula ao procedimento adotado.

Assim, a aplicação da multa mostra-se de acordo com o disposto no art. 69 da Lei Complementar nº 202/2000.

Por fim, foi dada a oportunidade aos responsáveis para se manifestarem nos autos quanto aos apontamentos restritivos elencados e que, posteriormente, ensejaram as multas cominadas, não havendo fundamento válido para arguir prejuízo à formulação de defesa.

 

Ante o exposto, o Ministério Público de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, inciso II, da Lei Complementar no 202/2000, manifesta-se por:

1. Conhecer como Recurso de Reconsideração o Recurso de Reexame, interposto contra o Acórdão nº 0918/2013 e, no mérito, negar-lhe provimento, ratificando na íntegra a Decisão recorrida.

2. Dar ciência da Decisão, bem como do Parecer e Voto do Relator que a fundamentam, aos Srs. Célio Antônio e Diolcenir Domingos Milanez e à Prefeitura Municipal de Laguna.

Florianópolis, 24 de julho de 2015.

 

Diogo Roberto Ringenberg

Procurador do Ministério

Público de Contas

 



[1]TCU, Tomada de Contas Especial n.º 001.796/2000-4, de Cuiabá/MT, Primeira Câmara, Relator: Ministro Guilherme Palmeira. Brasília, DF. Data da sessão: 16/05/2006. Diário Oficial da União: 22/05/2006

[2]TJPR, Apelação Cível n.º 146.341-4, de Carlópolis, rel. Des. Bonejos Demchuk, j. 29-09-2004

[3]STF, Agravo de Instrumento n.º 631841, de São Paulo, rel. Min. Celso de Melo. J. 24/04/2009. DJe 082 de 5/5/09.

[4] MEDAUAR, Odete; SCHIRATO, Vitor Rhein. (Org.) Atuais rumos do processo administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.