Parecer no:

 

MPC/36.186/2015

                       

 

 

Processo nº:

 

RLI 15/00066165

 

 

 

Origem:

 

Município de Nova Trento

 

 

 

Assunto:

 

Inspeção referente a Registros Contábeis e Execução Orçamentária – Formação de autos apartados do processo PCP – 14/00102380 – Prestação de Contas do Prefeito referente ao exercício de 2013.

 

A Prefeitura Municipal de Nova Trento, sujeita ao regime de fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial do Tribunal de Contas, encaminhou para exame o Balanço Anual do exercício de 2013 – autuado como Prestação de Contas do Prefeito (Processo PCP 14/001022380), por meio eletrônico e, bimestralmente, os dados e informações conforme Instrução Normativa 04/2004, alterada pela Instrução Normativa n°. 01/2005.

Acostou-se documentação às fls. 02-13.

O Tribunal Pleno, em Sessão Ordinária, decidiu determinar à Diretoria de Controle dos Municípios a formação de autos apartados, com a finalidade de apurar possíveis irregularidades:

 

1. Processo n.: PCP-14/00102380

2. Assunto: Prestação de Contas referente ao exercício de 2013

3.Responsável: Gian Francesco Voltolini

4. Unidade Gestora: Prefeitura Municipal de Nova Trento

5. Unidade Técnica: DMU

6. Parecer Prévio n.: 0227/2014

O TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SANTA CATARINA, reunido nesta data, em Sessão Ordinária, com fulcro nos arts. 31 da Constituição Federal, 113 da Constituição do Estado e 1º e 50 da Lei Complementar n. 202/2000, tendo examinado e discutido a matéria, acolhe o Relatório e a Proposta de Parecer Prévio do Relator, aprovando-os, e:

[...]

6.3.Determina a formação de autos apartados para fins de exame acerca das seguintes restrições:

6.3.1.não houve a remessa do Plano de Ação referente ao Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (FIA), caracterizando a ausência de elaboração do mesmo, em desacordo ao disposto o art. 260, §2º, da Lei (federal) n. 8.069/90 c/c o art. 1º da Resolução do CONANDA n. 105/2005 (subitem 6.3.1, item 2, do Relatório DMU n. 1774/2014);

6.3.2.não houve a remessa do Plano de Aplicação dos recursos do FIA, caracterizando a ausência de elaboração do mesmo, contrariando o disposto no art. 260, §2º, da Lei (federal) n. 8.069/90 c/c o art. 1º da Resolução do CONANDA n. 105/2005 (subitem 6.3.1, item 3, do Relatório DMU n. 1774/2014);

6.3.3.pagamento, manutenção e funcionamento do Conselho Tutelar representa 40,17% da despesa total do Fundo Municipal da Infância e Adolescência, e está sendo financiada com recursos do referido Fundo, em desacordo ao art. 16 da Resolução CONANDA n. 137/2010 e em descumprimento ao art. 34 da Lei (municipal) n. 1.284/93, alterado pela Lei (municipal) n. 1.574/97 (subitem 6.3.1, item 4, do Relatório DMU n. 1774/2014);

6.3.4.remuneração dos Conselheiros Tutelares paga com recursos do Fundo Municipal Assistência Social (FMAS), em descumprimento ao art. 34 da Lei (municipal) n. 1.284/93, alterado pela Lei (municipal) n. 1.574/97 (subitem 6.3.1, item 5, do Relatório DMU n. 1774/2014).

[...]

 

A Diretoria de Controle dos Municípios elaborou o Relatório Técnico n° 944/2015, às fls. 14-16, sugerindo a audiência do responsável no que tange às restrições apontadas nos itens 6.3.1 a 6.3.4, mencionados na decisão acima.

O Sr. Gian Francesco Voltolini colacionou justificativas e documentação pertinente, às fls. 18-27.

A Diretoria de Controle dos Municípios apresentou Relatório Técnico n° 1.618/2015, às fls. 28-32, por meio do qual sugeriu: formular recomendação para que o Município adote as providências quanto à elaboração dos Planos de Ação e Aplicação do FIA; aplicar a devida multa em razão das demais irregularidades constatadas.

É o relatório.

A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da entidade em questão está inserida entre as atribuições dessa Corte de Contas, consoante os dispositivos constitucionais, legais e normativos vigentes (art. 31 da Constituição Federal, art. 113 da Constituição Estadual, art. 1º, inciso III, da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, arts. 22, 25 e 26 da Resolução TC nº. 16/1994 e art. 8° c/c art. 6° da Resolução TC nº. 6/2001).

 

1. Ausência de remessa dos Planos de Ação e Aplicação do FIA, caracterizando ausência de elaboração destes, em afronta ao art. 206, §2º, da Lei Federal nº 8069/90 c/c art. 1º da Resolução do CONANDA nº 105/2005

 

O presente apontamento surge em afronta ao disposto no art. 260, §2º da Lei Federal nº 8069/90 c/c art. 1º da Resolução do CNANDA nº 105/2005:

 

Lei 8.069/90

Art. 260. §2° Os Conselhos Municipais, Estaduais e Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente fixarão critérios de utilização, através de planos de aplicação das doações subsidiadas e demais receitas, aplicando necessariamente percentual para incentivo ao acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente, órfãos ou abandonado, na forma do disposto no art. 227, § 3° VI. da Constituição Federal.

 

Resolução do CONANDA N° 105/2005:

Art. 1° - Ficam estabelecidos os Parâmetros para a Criação e Funcionamento dos Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente em todo o território nacional, nos termos do art.88, inciso Il, do Estatuto da Criança e do Adolescente, e artigos. 227, §70 da Constituição Federal, como órgãos deliberativos da política de promoção dos diretos da criança e do adolescente, controladores das ações em todos os níveis no sentido da implementação desta mesma política e responsáveis por fixar critérios de utilização através de planos de aplicação do Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente, incumbindo-lhes ainda zelar pelo efetivo respeito ao princípio da prioridade absoluta à criança e ao adolescente, nos moldes do previsto no art.4°, caput e parágrafo único, alíneas "b", "c" e "d" combinado com os artigos 87, 88 e 259, parágrafo único, todos da Lei n° 8.069/90 e art.227, caput, da Constituição Federal.

 

O responsável, visando afastar o apontamento, sustentou que o Município de Nova Trento é de pequeno porte e não apresenta problemas relacionados a crianças em situação de risco. Alegou, ainda, que a exigência de encaminhamento do Plano de Ação e Plano de Aplicação foi estabelecida pelo Tribunal de Contas em abril de 2013, através da Resolução n° 77/2013.

Por fim, defendeu que a ausência de Plano de Ação e Plano de Aplicação dos recursos do FIA não prejudicou os serviços de proteção e assistência de crianças em situação de risco.

Segundo a Diretoria, a elaboração dos referidos Planos deve ser realizada pelo Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente – CMDCA, cabendo ao Prefeito a sua remessa ao Tribunal de Contas. Concluiu, assim, pela recomendação ao Prefeito Municipal que adotasse providências para que os Planos em questão fossem elaborados e para que as ações e distribuição de recursos fossem incluídos na LDO e na LOA.

Entendo que a medida sugerida pela Instrução mostra-se extremamente branda, ante a importância da elaboração de tais planos no que tange à implementação de políticas efetivas de proteção a crianças e adolescentes.

Quanto à argumentação trazida pelo gestor cabem algumas observações.

Primeiro, no que tange à exigência de encaminhamento dos referidos Planos ao Tribunal de Contas, esta ocorre desde 2011, como já apontado pela Diretoria. Segundo, independentemente da data a partir da qual sua remessa à Corte passou a ser obrigatória, o fato é que referidos planos constituem peças fundamentais para a concretização das políticas ligada à infância e juventude.

Não há como aceitar, portanto, o argumento de que o ilícito – que caracteriza a omissão do CMDCA em uma das atividades prioritárias do Conselho – não representou qualquer prejuízo aos serviços de proteção e assistência às crianças em situação de risco.

A própria definição de metas e prioridades do FIA restou prejudicada com tal omissão e, por consequência, a implementação de medidas práticas também sofreu o impacto decorrente da referida inércia.

Nesse sentido, cabe ressaltar:

 

O acompanhamento orçamentário para definição e execução das ações e programas da política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente é uma das atribuições prioritárias dos Conselhos dos Direitos. Até junho de cada ano deve-se implementar a elaboração do plano de ação anual contendo as estratégias, ações de governo e programas de atendimento a serem implementados, mantidos e/ou suprimidos pelo ente federado ao qual o Conselho estiver vinculado administrativamente, que deverá ser encaminhado para inclusão, no momento oportuno, nas propostas do PPA (Plano Plurianual), LDO (Lei de Diretrizes Orçamentária) e LOA (Lei Orçamentária Anual) elaborados pelo Executivo e aprovados pelo Poder Legislativo.

 

Cabe ainda à administração pública local, por intermédio do órgão de planejamento e sob estrito acompanhamento dos Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente, incorporar as metas definidas no plano de ação anual e na previsão orçamentária dos diversos órgãos e setores responsáveis por sua posterior execução, que deverão ser incluídas na Proposta de Lei Orçamentária Anual, observado o caráter prioritário e preferencial, conforme o que dispõe o art. 227, caput, da Constituição Federal combinado com o art. 4º, parágrafo único, alíneas «c» e «d», do Estatuto da Criança e do Adolescente.[1]

 

O Tribunal de Contas também dedicou todo um capítulo destinado às interações do FIA no orçamento municipal, em cartilha publicada em 2011:

A relação do Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente com o orçamento público é direta, ou seja, o primeiro faz parte do segundo. A execução das ações de responsabilidade do FIA devem passar necessariamente pelo planejamento, ou seja, incluídas no Plano Plurianual (PPA), Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e Lei Orçamentária Anual (LOA).[2]

 

Na mesma obra, enfatizam-se as obrigações do CMDCA:

O planejamento a cargo do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA), com a participação da sociedade em geral e da Administração Pública, é dividido em duas etapas: o plano de ação e o plano de aplicação.[3]

 

O Plano de Ação constitui peça pré-orçamentária, preparatória à elaboração da LDO. Como consequência da omissão do CMDCA, a própria Lei de Diretrizes Orçamentárias resultou maculada pelo vício e, assim, toda a despesa executada pelo FIA.

Logo, considero que a ausência da remessa dos Planos de Ação e Aplicação evidenciou fragilidade na administração dos recursos do Município.

Cabe ressaltar que na qualidade de Chefe do Poder Executivo e tendo a obrigação de remeter os referidos Planos ao Tribunal de Contas, deveria o responsável ter adotado as medidas pertinentes para assegurar sua elaboração.

Entendo, pelo exposto, que somente a recomendação ao Prefeito para que adote as providências que já deveriam ter sido implementadas não se mostra o encaminhamento mais adequado ao caso.

Por tal razão, para além da medida sugerida pela área técnica, manifesto-me pela cominação de multa ao responsável.

 

2. Manutenção e funcionamento do Conselho Tutelar representa 40,17% da despesa total do Fundo Municipal da Infância e Adolescência

 

O Responsável alegou que a classificação institucional da despesa com manutenção do Conselho Tutelar e Manutenção do FIA observou o que foi estabelecido na Lei Municipal n° 610/2012 (Lei Orçamentária Anual para 2013) e que o parágrafo único e caput do artigo 16 da Resolução n° 137/2010 sugere que seja vedada a utilização dos recursos do FIA para pagamento das despesas com manutenção do Conselho Tutelar.

Acrescentou ainda que as despesas com a Manutenção do Conselho Tutelar e Manutenção do FIA, apesar de classificadas institucionalmente no Fundo Municipal de Assistência Social - FMAS e no FIA, foram financiadas com Recursos Ordinários.

Por fim, concluiu que no exercício de 2013 nenhum recurso ingressou no caixa com vinculação ao Fundo da Infância e Adolescência, logo, o Município não utilizou recursos vinculados ao FIA (como transferências de pessoas físicas ou jurídicas) para pagamento das despesas com o Conselho Tutelar.

Deve-se destacar que durante a análise do Processo de Prestação de Contas do Prefeito constatou-se a utilização de recursos provenientes do FIA com despesas relacionadas ao Conselho Tutelar, recursos estes que, ordinários ou não, deveriam destinar-se exclusivamente às ações voltadas ao efetivo atendimento da criança e do adolescente.

Quanto ao tema, versa o Prejulgado TCE/SC n° 1.832:

 

3. Os recursos do Fundo de Direitos da Criança e do Adolescente devem ser empregados exclusivamente em programas projetos e atividades de proteção sócio- educativos voltados ao atendimento da criança e do adolescente.

 

 

A Resolução n° 137/2010 do CONANDA é taxativa em seu art. 16, parágrafo único, ao definir as despesas que não devem ser custeadas com recursos do FIA, incluindo entre outras as despesas relativas ao Conselho Tutelar:

 

Art. 16 (...)

Parágrafo Único. Além das condições estabelecidas no caput, deve ser vedada ainda a utilização dos recursos do Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente para:

II - pagamento, manutenção e funcionamento do Conselho Tutelar;

 

Por todo o exposto, acompanho o entendimento exarado pela área técnica e manifesto-me pela manutenção do apontamento restritivo, com a devida aplicação de multa ao Responsável.

 

3. Remuneração dos Conselheiros Tutelares com recursos do Fundo Municipal de Assistência Social (FMAS)

 

Quanto ao presente apontamento, o Responsável apresentou os argumentos já rebatidos no item anterior.

A Instrução concluiu pela aplicação de multa ao gestor, considerando que a lei orçamentária proposta pelo Executivo deve consignar a dotação relativa às despesas com a manutenção do Conselho Tutelar, conforme regulamenta a legislação municipal.

O art. 34 da Lei Municipal nº 1.284/93, alterado pela Lei n°. 1.574/97, versa:

 

Art. 34. - Os recursos pra manutenção do Conselho Tutelar e remuneração de seus membros serão provenientes dos recursos orçamentários da Secretaria Municipal da Administração, sem que tal implique em qualquer subordinação entre tal órgão público e seus membros, não gerando vínculo empregatício com a municipalidade.

 

Opino em consonância com o entendimento exarado pela área técnica, por restar configurada, novamente, a utilização de recursos para pagamento diverso de seu fim.

 

Ante o exposto, o Ministério Público de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, incisos I e II, da Lei Complementar no 202/2000, manifesta-se por:

1. Considerar irregulares, na forma do artigo 36, § 2°, "a" da Lei Complementar n° 202/2000, os atos abaixo relacionados, aplicando multa ao Sr. Gian Francesco Voltolini - Prefeito Municipal, prevista no artigo 70, II, da Lei Complementar n° 202/2000, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias a contar da publicação do acórdão no Diário Oficial Eletrônico da Corte de Contas para comprovar ao Tribunal o recolhimento da multa ao Tesouro do Estado, sem o que fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos artigos 43, 11 e 71 da Lei Complementar n° 202/2000:

1.1. Ausência de remessa do Plano de Ação e Aplicação de recursos referentes ao Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (FIA), caracterizando a ausência de elaboração do mesmo, em desacordo ao disposto o art. 260, § 2°, da Lei Federal n° 8.069/90 c/c o art. 1° da Resolução do CONANDA n° 105/2005;

1.2. Manutenção e funcionamento do Conselho Tutelar representando 40,17% da despesa total do Fundo Municipal da Infância e Adolescência, em desacordo ao art. 16 da Resolução CONANDA n° 137/2010 e em descumprimento ao art. 34 da Lei Municipal n° 1.284/93, alterado pela Lei Municipal n° 1.574/97;

1.3. Remuneração dos Conselheiros Tutelares paga com recursos do Fundo Municipal Assistência Social (FMAS), em descumprimento ao art. 34 da Lei Municipal n° 1.284/93, alterado pela Lei Municipal n° 1.574/97.

2. Dar ciência da Decisão ao responsável.

Florianópolis, 07 de agosto de 2014.

 

 

Diogo Roberto Ringenberg

Procurador do Ministério

Público de Contas

 



[1] Resolução Conanda no 105/2005. Anexo - Das questões orçamentárias da política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente e do acompanhamento pelos Conselhos dos Direitos. Disponível em:

http://www.mpdft.gov.br/portal/pdf/unidades/promotorias/pdij/Conselhos/Res105.pdf. Acesso em: 11/10/2012.

[2] GOMES, Geraldo José. TAVARES, Eduardo Corrêa e VIANA, Luiz Cláudio. Orçamento Público e o fundo dos direitos da criança e do adolescente. Florianópolis: TCE/ACON, 2011. p.17.

[3] Ibid Idem. p.23.