Parecer nº: |
MPC/38.683/2015 |
Processo nº: |
REC 13/00767755 |
Origem: |
Município de
Itajaí |
Assunto: |
Recurso de
Reexame da decisão exarada no processo RLA 11/00393606 |
Trata-se de Recurso
de Reexame interposto pela Sra. Rosalir Demboski de Souza, ex-Secretária
Municipal de Administração da Prefeitura Municipal de Itajaí/SC, contra o
Acórdão nº 1.020/2013, proferido nos autos da RLA 11/00393606, publicado no
DOTC nº 1344 de 30/10/2013.
A recorrente trouxe
alegações às fls. 03-23.
A Diretoria de
Recursos e Reexames, mediante Relatório nº 247/2015 (fl. 158), concluiu por:
3.1. Conhecer do Recurso de Reexame
interposto nos termos do art. 80 da Lei Complementar nº 202, de 15 de dezembro
de 2000, contra a Deliberação nº 1020, exarada na Sessão Ordinária de 30/09/2013,
nos autos do Processo nº RLA 11/00393606 e no mérito dar provimento parcial
para:
3.1.1. Cancelar a multa de R$ 400,00
(quatrocentos reais), aplicada a Recorrente, constante do item 6.2.2.2, da
Deliberação Recorrida.
3.1.2. Cancelar a multa de R$ 400,00
(quatrocentos reais), aplicada a Sra. Ana Paula Bittencourt, constante do item
6.2.4, da Deliberação Recorrida.
3.1.3. Ratificar os demais termos da
Deliberação Recorrida.
3.2. Dar ciência da
Decisão à Sra. Rosalir Demboski de Souza e à Prefeitura Municipal de Itajaí.
É o relatório.
A fiscalização contábil,
financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da entidade em questão está
inserida entre as atribuições do Tribunal de Contas, consoante os dispositivos
constitucionais, legais e normativos vigentes (art. 31 da Constituição Federal,
art. 113 da Constituição Estadual, art. 1º, inciso III, da Lei Complementar
Estadual n. 202/2000, arts. 22, 25 e 26 da Resolução TC nº. 16/1994 e art. 8°
c/c art. 6° da Resolução TC nº. 6/2001).
1. Admissibilidade
O Acórdão nº
1.020/2013, proferido nos autos da RLA 11/00393606, foi publicado no DOTC nº
1344 de 30/10/2013, e o presente
À recorrente foi aplicada multa nos termos do item 6.2.2 do referido
acórdão, restando observado seu interesse em recorrer.
A legitimidade da recorrente também encontra guarida no art. 80 da Lei
Complementar Estadual nº 202/00.
Entende-se, desta forma,
2. Das preliminares de mérito: impropriedade do
julgamento em face do objeto, ilegitimidade passiva e aplicação de multa sem
amparo legal
A impetrante
alega que ao Tribunal de Contas compete apenas atos de julgamento de contas
públicas, o que não se coadunaria ao presente caso, por se tratar de Relatório
de Auditoria na origem.
Para
justificar sua assertiva, a recorrente elencou os incisos I a IV do art. 1º da
Lei Complementar Estadual nº 202/00 que, diferentemente do alegado, não
encerram o rol de competências da Corte.
O art. 1º
prossegue para além dos primeiros quatro incisos, refletindo idênticas
disposições constitucionais (art. 71, incisos IV e VIII):
Art. 1º Ao Tribunal de Contas do Estado de Santa
Catarina, órgão de controle externo, compete, nos termos da Constituição do
Estado e na forma estabelecida nesta Lei:
V — proceder,
por iniciativa própria ou por solicitação da Assembléia Legislativa, de
comissões técnicas ou de inquérito, inspeções
e auditorias de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e
patrimonial nas unidades administrativas dos Poderes Legislativo, Executivo
e Judiciário e nas demais entidades referidas no inciso III;
XI — aplicar
aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de
contas, as sanções previstas nesta Lei.
Fiscalizar
atos do Poder Público por meio de inspeções e auditorias e aplicar aos
Responsáveis a respectiva penalidade pecuniária, quando houver irregularidades
administrativas, encontram-se, de acordo com a ordem vigente, dentre as tarefas
de incumbência do Tribunal de Contas, não merecendo prosperar a presente preliminar.
Por meio do
Acórdão nº 1.020/2013 (fl. 1.716 do processo RLA
11/00393606), aplicou-se multa à recorrente
devido à constatação de exigência, em edital de pregão, limitadora do caráter
competitivo do certame, em descumprimento aos arts. 3º, §1º, I, e 23, I, da Lei
Federal nº 8.666/93, e em razão da insuficiência da demonstração de
exclusividade de prestador de serviço, pressuposto da inexigibilidade de
licitação, desobedecendo aos arts. 2º e 25, I, da mesma Lei.
Como visto,
trata-se de irregularidades referentes à legalidade dos atos atribuídos à
recorrente, tendo-se procedido à análise do conteúdo de cada um deles para se
comprovarem as ilegalidades que comprometem a ordem vigente.
A recorrente
alega ainda que o parecer emitido pela assessoria jurídica nos termos do art.
38, parágrafo único, da Lei de Licitações, é vinculativo, cabendo ao gestor
seguir suas conclusões e se eximir de responsabilidade. Trouxe jurisprudência
para embasar a tese.
Na decisão do
Supremo Tribunal Federal proferida nos autos do Mandado de Segurança nº
24.584/DF, afirma-se que existem pareceres jurídicos que não se limitam a
simples opinião, sendo, portanto, vinculativos, cuja maior consequência é a
responsabilização solidária dos consultores/procuradores envolvidos, de modo a
não afastar, por si só, a responsabilidade do gestor que aperfeiçoou o ato
administrativo que o procedeu.
Na decisão
exarada no Mandado de Segurança nº 24.631/DF, esclarece-se que o parecer
vinculante é somente aquele assim definido pela lei e que, não o sendo,
estar-se-ia diante de parecer opinativo, do qual não cabe a responsabilização
do advogado público, salvo comprovado erro grosseiro ou culpa.
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CONTROLE EXTERNO. AUDITORIA PELO TCU.
RESPONSABILIDADE DE PROCURADOR DE AUTARQUIA POR EMISSÃO DE PARECER
TÉCNICO-JURÍDICO DE NATUREZA OPINATIVA. SEGURANÇA DEFERIDA. I. Repercussões da
natureza jurídico-administrativa do parecer jurídico: (i) quando a consulta é
facultativa, a autoridade não se vincula ao parecer proferido, sendo que seu
poder de decisão não se altera pela manifestação do órgão consultivo; (ii)
quando a consulta é obrigatória, a autoridade administrativa se vincula a
emitir o ato tal como submetido à consultoria, com parecer favorável ou
contrário, e se pretender praticar ato de forma diversa da apresentada à
consultoria, deverá submetê-lo a novo parecer; (iii) quando a lei estabelece a
obrigação de decidir à luz de parecer vinculante, essa manifestação de teor
jurídica deixa de ser meramente opinativa e o administrador não poderá decidir
senão nos termos da conclusão do parecer ou, então, não decidir. II. No caso de
que cuidam os autos, o parecer emitido pelo impetrante não tinha caráter
vinculante. Sua aprovação pelo superior
hierárquico não desvirtua sua natureza opinativa, nem o torna parte de ato
administrativo posterior do qual possa eventualmente decorrer dano ao erário,
mas apenas incorpora sua fundamentação ao ato. III. Controle externo: É
lícito concluir que é abusiva a responsabilização do parecerista à luz de uma
alargada relação de causalidade entre seu parecer e o ato administrativo do
qual tenha resultado dano ao erário. Salvo
demonstração de culpa ou erro grosseiro, submetida às instâncias
administrativo-disciplinares ou jurisdicionais próprias, não cabe a
responsabilização do advogado público pelo conteúdo de seu parecer de natureza
meramente opinativa. Mandado de segurança deferido. (STF - MS: 24631 DF ,
Relator: Min. JOAQUIM BARBOSA, Data de Julgamento: 09/08/2007, Tribunal Pleno,
Data de Publicação: DJe-018 DIVULG 31-01-2008 PUBLIC 01-02-2008 EMENT
VOL-02305-02 PP-00276 RTJ VOL-00204-01 PP-00250)
O acórdão
afirma que se a lei exige o exame prévio do órgão jurídico, sem expressamente
prever que sua conclusão é determinante, o parecer técnico-jurídico em nada
vincula o ato administrativo a ser praticado e dele não faz parte, reiterando
que, para o parecer ser vinculativo, deve a lei estipular que o administrador
deve “decidir à luz de parecer vinculante”, caso em que não se pode decidir de
modo diverso da conclusão.
Do parecer
vinculativo decorre a partilha do poder decisório e, consequentemente, da
responsabilidade. Como se vê, ambas as
decisões não isentam o administrador de responsabilidade, apenas o tornam
solidariamente responsável junto ao advogado público.
A recorrente
questiona também sua responsabilização solidária pelos atos ilegais a ela
imputados, considerando que não incorreu na prática de ato ilícito.
Verificando
as cópias do Pregão nº 84/2010 (fls. 493-504 RLA
11/00393606) e do processo de inexigibilidade de licitação (fls. 724-738 RLA
11/00393606), atos pelos quais a recorrente foi
responsabilizada, consta a assinatura da recorrente em todos os documentos, dos
quais se concluiu pela infração aos arts. 2º, 3º, §1º, I, 23, I, e 25 da Lei
Federal nº 8.666/93, de modo a comprovar sua participação e anuência.
Diante desta evidência não subsiste a alegação de que a Diretoria
Técnica “não apresentou prova de que a
Recorrente tenha cometido atos ilícitos, ou que ingeriu para sua prática –
situação tipificada pela legislação, necessária ao processo de
responsabilização” ou “acabou, a
partir de presunção formal incerta, designando a ex-Secretária como
‘responsável’, mesmo sem ter provas de ela ter praticado ato ilícito, ou se
omitido frente a ilicitude constatada”.
A participação ou anuência na forma final do ato administrativo enseja
responsabilização do gestor à medida que os termos constantes do ato sejam
ilícitos ou tragam prejuízos ao erário, significando dizer que não se está atribuindo responsabilidade ao
gestor por aquilo que não conste do ato que ele corroborou. Isto, sim,
romperia o nexo de causalidade, pressuposto de qualquer responsabilização,
civil ou administrativa.
Não foi o que aconteceu nos autos, já que a recorrente participou
efetivamente dos atos a ela imputados e sua assinatura comprova o fato.
Ao receber os documentos sujeitos à ratificação, necessário que se
tivesse atentado a seus termos, sob pena de se responsabilizar por aquilo que
rubricou sem ter lido.
Entende-se,
portanto, pelo desprovimento das preliminares levantadas.
3. Da inexigibilidade de licitação nº 110/2010
A
inexigibilidade de licitação nº 110/2010 refere-se à contratação de empresa
para oferecer suporte ao Sistema de Administração de Recursos Humanos Vetorh,
objetivando a centralização das informações e automatização dos processos
(processo de inexigibilidade e contrato respectivo às fls. 725-738 da RLA
11/00393606).
Anteriormente
a esta contratação, o serviço era fornecido pela empresa Digisys Informática
Ltda., revendedora do Sistema Vetorh e contratada inicialmente por meio do
Convite nº 87/2005 (fls. 739-754).
O sistema
tornou-se o único utilizado pela Administração Municipal para auxiliar na
gestão de Recursos Humanos, ensejando a renovação do contrato com a empresa
Digisys – que passou a ser a revendedora exclusiva da tecnologia (fl. 755) –
por meio de inexigibilidade de licitação e do Contrato nº 137/2006 (fl. 757),
prorrogado até 2010 por necessidade de serviço (fl. 762).
Como dito, a
empresa Digisys era fornecedora do sistema Vetorh, assim como o eram outras
antes dela ser exclusiva, sistema este de propriedade da Sênior Sistemas S/A
(fls. 67-72 deste recurso).
O Certificado
de Aprovação do sistema foi conferido à Sênior em 2004, pelo BVQI do Brasil
Sociedade Certificadora Ltda (fl. 69 do recurso), e a Declaração de Produtora
Exclusiva fornecida em 2010 pela Associação das Empresas Brasileiras de
Tecnologia da Informação, Regional Santa Catarina – ASSESPRO/SC (fl. 105-106 do
recurso).
Os documentos
arrolados nos autos apontam para a exclusividade de domínio do Sistema Vetorh
por parte da Sênior Sistemas S/A, empresa contratada por inexigibilidade de
licitação em 2010, após término do contrato com a Digisys, detentora apenas do
direito de uso do sistema.
Em suas
assertivas, a gestora informa que o sistema implantado implicou adoção de
cultura e metodologia únicas no trato das informações a que se destinaram,
exigindo treinamento e transmissão de conhecimentos à equipe de trabalhadores
responsável pelo uso do software.
Entende-se,
por outro lado, que a exclusividade no manuseio do software e a manutenção por
tempo indeterminado da utilização de um único sistema impede que a
Administração local busque alternativas mais competitivas e vantajosas
existentes no mercado, como aquelas oferecidas por empresas que podem dar
suporte a este sistema ou até mesmo prestar o mesmo serviço através de outro
sistema com migração viável a partir deste.
As empresas
que participaram do certame licitatório em 2005 dispunham do direito de uso do
sistema (conforme fls. 67-72 deste recurso) e potencialmente podem oferecer
tecnologias com ele compatíveis, ou dispor de sistema para gerir dados do setor
de recursos humanos equivalentes ao instalado na Prefeitura.
Em última
análise, se por força da argumentação exposta pela recorrente for considerado
regular o procedimento licitatório adotado, estaríamos permitindo que os
efeitos de contratações originárias de software perdurem por tempo
indeterminado, vinculando futuras contratações e fulminando qualquer
competitividade e adoção de acordos mais vantajosos à administração pública.
Não se
desconsideram as despesas que poderiam advir da migração de sistemas e da nova
capacitação dos seus usuários, apenas se entende que não resta inviabilizada a
realização de licitação em tais casos, podendo-se incluir, inclusive, os custos
destas variáveis no instrumento convocatório.
Diante das
considerações, entende-se pela permanência do apontamento restritivo constatado
no feito originário e pela manutenção da responsabilidade da recorrente.
4. Da exigência constante do Pregão nº 84/2010
que restringiu o caráter competitivo do certame
O item
editalício impugnado, que traz descrição de máquina a ser adquirida pela
Prefeitura no certame, dispõe da seguinte forma:
Anexo I, item
5 do Pregão nº 84/2010 (fl. 506 RLA 11/00393606)
Retro escavadeira, novo, de fabricação nacional, ano de fabricação 2010, com motor diesel turbo
alimentado, com potência mínima de 85HP, com tração 4x4, capota ROPS com para
brisa e limpador, ângulo negativo do
braço de elevação da retro, duplos cilindros de basculamento da caçamba
frontal, planetários externas ao eixo traseiro, capacidade mínima de levantamento da carregadeira de 3.000 KGS,
peso operacional do conjunto mínimo de 6.500 Kg, pneus traseiros de 19.5x25, 12
lonas, profundidade de escavação mínima de 4,35m, força de escavação no
cilindro da caçamba de no mínimo 4.900 KGF.
Verifica-se,
de pronto, a exigência de que a máquina fornecida deve ser de fabricação
nacional, o que fere o princípio da isonomia nas disputas licitatórias. A
exigência, porém, não foi objeto de responsabilização nos autos originários,
passando-se à análise restrita das exigências que o foram.
A empresa
Copar Comercial de Peças Ltda., que impugnou administrativamente o item, alegou
que a máquina por ela apresentada tinha 2.853 KGF, menos do que os 3.000
exigidos, e não dispunha do “ângulo negativo do braço de elevação da retro”,
mas que poderia igualmente atender às funções buscadas pela Administração
Pública (fls. 523-526 RLA 11/00393606).
Trouxe tabela
com quatro modelos de máquinas que também poderiam executar de maneira plena o
serviço almejado pela Prefeitura, mas que devido às especificações técnicas do
edital seriam recusadas.
A impugnação
não foi conhecida por apresentar vício de representação, considerando-se que
fora assinada por pessoa sem identificação ou mesmo autorização para fazê-lo
(fl. 527).
A recorrente
se refere à diferença de 150kg de capacidade de carregamento como suficiente
para justificar a adoção do critério imprescindível de 3.000kg, estabelecido
pelo edital, para a regular a execução dos serviços pela Prefeitura.
Não se
questiona, porém, a diferença de pesos suportados pelas máquinas que poderiam
ser licitadas, mas a diferença da função por elas exercida, isto é, em que
aspecto prático exatamente elas se diferenciam para justificar a contratação de
um modelo em detrimento de outro.
Este
questionamento não foi esclarecido pelos responsáveis, de modo a permanecer o
caráter restritivo da exigência do certame realizado em 2010, no qual foram
eliminadas 6 das 7 empresas participantes interessadas, sendo que no mínimo uma
delas em razão da especificação técnica em tela (fl. 513 RLA
11/00393606).
Ante o exposto, o
Ministério Público de Contas, com amparo na competência conferida pelo art.
108, incisos I e
II, da Lei Complementar no 202/2000, manifesta-se:
1) pelo conhecimento do
2) no mérito, pela negativa de provimento;
3) por dar ciência da decisão à recorrente e ao Município
de Itajaí.
Florianópolis,
20
de novembro de
2015.
Diogo
Roberto Ringenberg