PARECER nº:

MPTC/41593/2016

PROCESSO nº:

TCE 10/00824591    

ORIGEM:

Departamento Estadual de Infra-Estrutura - DEINFRA

INTERESSADO:

 

ASSUNTO:

Tomada de Contas Especial - conversão do Processo n. RLA-10/00824591 - Auditoria em Licitações e Contratos - Fiscalização na execução dos contratos de prestação de serviços terceirizados

 

 

 

Trata-se de Tomada de Contas Especial decorrente da Decisão n. 3644/2011 (fls. 2610-2612), a qual procedeu à conversão do processo RLA n. 10/00824591, relativo à auditoria na execução dos contratos de prestação de serviços terceirizados pelo Departamento Estadual de Infraestrutura (DEINFRA), nos exercícios de 2009 e 2010, vazada a referida Decisão nos seguintes termos:

O TRIBUNAL PLENO, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro nos arts. 59 da Constituição Estadual e 1° da Lei Complementar n. 202/2000, decide:

6.1. Converter o presente processo em “Tomada de Contas Especial”, nos termos do art. 32 da Lei Complementar n. 202/2000, tendo em vista as irregularidades apontadas pelo Órgão Instrutivo, constantes do Relatório de Instrução DCE/Insp.1/Div.2 n. 1351/2010.

6.2. Determinar a citação do Sr. ROMUALDO THEOPHANES DE FRANÇA JÚNIOR - ex-Presidente do Departamento Estadual de Infraestrutura - DEINFRA, CPF n. 486.844.499-91, nos termos do art. 15, II, da Lei Complementar n. 202/2000, para, no prazo de 30 (trinta) dias, a contar do recebimento desta deliberação, com fulcro no art. 46, I, b, do mesmo diploma legal c/c o art. 124 do Regimento Interno, apresentar alegações de defesa:

6.2.1. acerca das irregularidades abaixo relacionadas, ensejadoras de imputação de débito e/ou aplicação de multa prevista nos arts. 68 a 70 da Lei Complementar n. 202/2000:

6.2.1.1. R$ 482,31 (quatrocentos e oitenta e dois reais e trinta e um centavos), decorrente da indevida dispensa do uso de uniforme e crachá, contrariando o Edital de Concorrência n. 204/05, Anexo III, o Contrato PJ n. 101/06, item 04, a Lei n. 4.320/64, art. 63, §2º, I, e a Lei n. 8.666/93, art. 58, III, c/c os arts. 67 e 68;

6.2.1.2. R$ 281.952,73 (duzentos e oitenta e um mil, novecentos e cinquenta e dois reais e setenta e três centavos), referente a despesas com pagamento de serviços sem comprovação da sua efetiva prestação, contrariando as normas previstas no Contrato PJ 101/2006 e nos arts. 60, 62 e 63 da Lei n. 4.320/64 e 66 da Lei n. 8.666/93.

6.2.2. acerca das irregularidades abaixo relacionadas, ensejadoras de imputação de multas, com fundamento nos arts. 69 ou 70 da Lei Complementar n. 202/2000:

6.2.2.1. Irregularidade parcial do objeto contratado, em razão de previsão de serviço de digitação que não deve ser executado na forma terceirizada, contrariando a Constituição Federal, art. 37, caput, a Constituição Estadual art. 16, a Lei Complementar n. 330/06, Anexo II – B, e a Lei Complementar (estadual) n. 381/2007, de 07/05/2007, art. 173;

6.2.2.2. Descaracterização do contrato de terceirização, em face de execução de atividades finalísticas e previstas em cargo próprio do Órgão, descumprindo a Constituição Federal, art. 37, caput e II, a Constituição Estadual, art. 21, I, e a Lei Complementar (estadual) n. 330/06, Anexo II-B;

6.2.2.3. Existência irregular de pessoalidade, habitualidade e subordinação entre os terceirizados e a Administração Pública, contrariando a Constituição Federal, art. 37, caput, a Constituição Estadual, art. 16, o Enunciado n. 331 do TST, os Prejulgados ns. 1084 e 1891 deste Tribunal de Contas e o Decreto (estadual) n. 556/2003, art. 2º;

6.2.2.4. Ausência de fiscalização da execução dos serviços terceirizados, contrariando o Contrato PJ n. 101/06, Cláusula sexta, item 2, 02, da Lei n. 4.320/64, art. 63, §2º, I, e a Lei n. 8.666/93, arts. 67 e 68;

6.2.2.5. Descumprimento do contrato em relação ao uso dos uniformes e crachás de identificação por parte dos empregados terceirizados, contrariando o Edital de Concorrência n. 204/05, Anexo III, o Contrato PJ n. 101/06, item 04, a Lei n. 4.320/64, art. 63, §2º, I, e a Lei n. 8.666/93, art. 58, III, c/c os arts. 67 e 68;

6.2.2.6. Irregularidades relacionadas aos documentos enviados posteriormente, contrariando o disposto no Contrato PJ n. 101/06, item 2, subitens 02 e 07, e nos arts. 66 e 67, §1º, da Lei n. 8.666/93 e 74, §2º, da CLT.

6.3. Dar ciência desta Decisão, bem como do Relatório e Voto do Relator que a fundamentam, ao Responsável nominado no item 3 desta deliberação e ao Departamento Estadual de Infraestrutura - DEINFRA.

Devidamente citado por meio de edital (fl. 2636), o Sr. Romualdo Theophanes de França Júnior, ex-Diretor Presidente do DEINFRA, apresentou resposta por meio da petição de fls. 2638-2640 e 2643-2650.

A Diretoria de Controle da Administração Estadual expediu o relatório de instrução de fls. 2652-2656v, em cuja conclusão sugeriu a definição da responsabilidade e a citação do Sr. Romualdo Theophanes França Júnior, ex-Diretor Presidente do DEINFRA, e da empresa Profiser – Serviços Profissionais Ltda., na pessoa de seu representante legal, para que apresentassem defesa com relação ao pagamento de serviços terceirizados sem a comprovação da sua efetiva prestação, irregularidade passível de imputação de débito e cominação de multa, bem como assinou prazo para que o DEINFRA, na pessoa de seu representante legal, juntasse aos autos os documentos mencionados nos itens 3.2.1 a 3.2.4 da conclusão do relatório.

O Ministério Público de Contas (fls. 2657-2662), por sua vez, divergiu quanto à definição de responsabilidade passível de imputação de débito ao Sr. Romualdo Theophanes França Júnior, por não restar caracterizado o dolo, e acompanhou a instrução nos demais apontamentos. Já a Relatora (fls. 2663-2666v) e o Tribunal Pleno (fls. 2667-2667v) acataram a sugestão da Área Técnica.

Efetuadas as citações e deferidos os pedidos de prorrogação do prazo (fls. 2669-2671 e 2748), após a juntada dos documentos de fls. 2672-2679 e 2681-2745, foram acostadas alegações de defesa às fls. 2754-2876 e 2878-2907 pela empresa Profiser – Serviços Profissionais Ltda. e pelo Sr. Romualdo Theophanes de França Júnior, respectivamente.

Em seguida, a Diretoria de Controle da Administração Estadual apresentou relatório de instrução (fls. 2910-2930v, anexo de fls. 2931-2957), propondo o julgamento irregular das contas, com imputação de débito ao Sr. Romualdo Theophanes de França Júnior, já qualificado, pela irregularidade descrita no item 4.2.1, e, de forma solidária, ao Sr. Romualdo Theophanes de França Júnior e à empresa Profiser – Serviços Profissionais Ltda., em face da irregularidade mencionada no item 4.3, assim como a aplicação de multa ao Sr. Romualdo Theophanes de França Júnior, já qualificado, perante as irregularidades elencadas nos itens 4.4.1 a 4.4.5, e as determinações contidas nos itens 4.5 e 4.6 da conclusão do relatório de instrução em questão.

A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da entidade em questão está inserida entre as atribuições dessa Corte de Contas, consoante os dispositivos constitucionais, legais e normativos vigentes (arts. 70 e 71, inciso II da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988; arts. 58 e 59, inciso II da Constituição Estadual; art. 1º, inciso III da Lei Complementar Estadual n. 202/2000; e art. 8° c/c art. 6° da Resolução n. TC-06/2001).

Passo, assim, à análise das restrições apontadas pela Diretoria de Controle da Administração Estadual.

1. Irregularidade parcial do objeto contratado, em razão de previsão de serviço de digitação que não deve ser executado na forma terceirizada, contrariando o art. 37, caput da CRFB/88, o art. 16 da Constituição Estadual, o Anexo II – B da Lei Complementar Estadual n. 330/06 e o art. 173 da Lei Complementar Estadual n. 381/2007.

Com relação às contratações terceirizadas do serviço de digitação, por meio do Contrato PJ n. 101/2006, cumpre registrar que tal função integra cargo efetivo existente no âmbito do Departamento Estadual de Infraestrutura, devendo, por conseguinte, ser preenchido mediante concurso público.

Dessa forma, a realização de concurso público para o provimento destes cargos é medida que se impõe, de acordo com o disposto no art. 37, inciso II da CRFB/88:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [...]

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração.

Conforme constatado pela auditoria, em 02/03/2006, anteriormente à data de celebração do contrato entre o Departamento Estadual de Infraestrutura e a empresa Profiser – Serviços Profissionais Ltda. (17/04/2006), foi editada a Lei Complementar n. 330/2006, que criou o cargo de Analista Técnico em Gestão de Infraestrutura, cujas funções englobariam, dentre outras, a execução de “serviços relativos à atualização de registros funcionais, digitação, cadastramento de dados, manutenção e organização de arquivos” (fl. 104 - grifei).

Deste modo, diante da contratação de trabalhadores terceirizados para realização de atribuições típicas de cargo exclusivamente provido mediante concurso público, o órgão descumpriu o mandamento constitucional previsto no art. 37, inciso II, da CRFB/88.

O responsável, em sede de defesa, não contestou a irregularidade, limitando-se a questionar sua responsabilidade e aduzir a ausência de dolo em sua conduta.

A atribuição de responsabilidade ao Sr. Romualdo Theophanes de França Júnior, Diretor Presidente do DEINFRA à época, decorre do seu dever de supervisão e fiscalização dos serviços executados no órgão de sua competência.

Nesse sentido, deve-se deixar claro que cabe ao gestor a responsabilização em face das chamadas culpa in eligendo e culpa in vigilando, significando esta a ausência de fiscalização das atividades de seus subordinados, ou dos bens e valores sujeitos a esses agentes, ao passo que aquela representa a responsabilidade atribuída a quem deu causa à má escolha de seu representante ou preposto.

A responsabilidade do gestor, destarte, decorre de seu comportamento omissivo quanto ao dever de fiscalizar, o que se tornou, no caso em comento, uma das causas determinantes da irregularidade assinalada.

Acrescenta-se que toda a já referida legislação que define a competência desse Tribunal de Contas pode ser resumida, no presente caso, pelo teor do art. 1º, inciso III, da Lei Complementar Estadual n. 202/2000:

Art. 1º Ao Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, órgão de controle externo, compete, nos termos da Constituição do Estado e na forma estabelecida nesta Lei: [...].

III - julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público do Estado e do Município, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário.

Na condição de Diretor Presidente, o então gestor enquadrava-se exatamente no conceito de responsável “por dinheiros, bens e valores da administração direta e indireta”, consoante inclusive a seguinte norma da Resolução n. TC-06/2001 (Regimento Interno dessa Corte de Contas):

Art. 133. Em todas as etapas do processo de julgamento de contas, de apreciação de atos sujeitos a registro e de fiscalização de atos e contratos será assegurada aos responsáveis ou interessados ampla defesa.

§ 1º Para efeito do disposto no caput, considera-se:

a) responsável aquele que figure no processo em razão da utilização, arrecadação, guarda, gerenciamento ou administração de dinheiro, bens, e valores públicos, ou pelos quais o Estado ou o Município respondam, ou que, em nome destes assuma obrigações de natureza pecuniária, ou por ter dado causa a perda, extravio, ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário; (grifei)

Ademais, salienta-se que a execução de tarefas ordinárias da entidade configura delegação interna de competência e reflete, apenas, a desconcentração da atividade administrativa no âmbito do Departamento Estadual, pois não seria viável, logicamente, que o detentor do cargo máximo de chefia executasse diretamente todas as atividades cotidianas. Nesse sentido, ainda que haja delegação interna para a execução de determinados serviços, o titular da Unidade Gestora não se exime da condição de responsável pelos atos praticados por seus subordinados, em face das atribuições de supervisão e controle que lhe são afetas.

Com efeito, para o Plenário do Tribunal de Contas da União, a discussão já está pacificada há bastante tempo, como evidencia o seguinte trecho da decisão do processo TC n. 009.202/2011-0, de 15/10/2014:

II. Ausência do nexo causal entre a conduta do Prefeito e os achados de auditoria

140. Em tópico separado, o advogado alega a ausência de nexo causal entre a conduta do defendente e os achados de auditoria, não cabendo imputar responsabilidade ao Prefeito porque esse cumpriu seu dever de fiscalização conforme estipulado no contrato de repasse, ou seja, o objeto foi devidamente executado; e não cabe ao dirigente máximo do município rever todos os atos administrativos praticados por seus subordinados, sob pena de inviabilizar a gestão como um todo. Assevera que trilhar o caminho em que se responsabiliza o gestor máximo indiscriminadamente por todas as ações praticadas pelos funcionários hierarquicamente inferiores, das quais não teve ciência ou não deveria ter, além de contrariar as modernas tendências de organização gerencial em que se privilegiam a descentralização de atividades e a segregação de funções, pode gerar situações desarrazoadas em que o representante maior do órgão seja convocado a responder por ato mais comezinho praticado por subordinados. Assim, a responsabilização das autoridades delegantes não comporta soluções monolíticas ou generalizantes, devendo ser analisado caso a caso.

141. No caso em tela, alega que seria absurdo instar o Prefeito a realizar trabalhos burocráticos como conferir numeração de páginas de processos administrativos ou verificar o modelo dos formulários dos balanços patrimoniais apresentados pelos pretensos licitantes a fim de verificar a ocorrência de fraude à licitação. Sintetiza afirmando que o Prefeito gere a municipalidade ou faz licitação.

II.1. Análise

142. Não cabe a alegação de ausência de nexo de causalidade entre a conduta do Prefeito e os achados de auditoria, especificamente aqueles relacionados a procedimentos licitatórios, tendo em vista a responsabilidade dos membros da comissão de licitação, pois a responsabilidade do Prefeito está caracterizada pelo fato daqueles que cometeram as irregularidades detectadas pela auditoria terem sido por ele designados para cumprir a função de membros de comissão de licitação.

143. Desta forma, além da culpa in eligendo, pela escolha dos subordinados que cometeram as irregularidades apontadas, o gestor, na administração dos recursos públicos federais, deveria atentar para os atos praticados pelos mencionados subordinados, pelo que lhe pesa, ainda, a culpa in vigilando.

144. Ressalta-se ainda que a delegação de competência não implica a delegação de responsabilidade, cabendo à autoridade delegante a fiscalização dos atos de seus subordinados diante da culpa in eligendo, consoante dispõe o art. 932, inciso III, do Código Civil. Sobre o assunto há farta jurisprudência no TCU.

145. Observa-se ainda que a responsabilidade do Prefeito é decorrente da administração de recursos públicos na forma da lei. Essa responsabilidade não se confunde com a responsabilidade civil e penal e está adstrita à competência constitucional do TCU, sem, porém, afastar a possibilidade de ações adicionais e independentes nas esferas do poder judiciário, em decorrência de responsabilidade de natureza jurídica diversa.

146. Além disso, o Sr. Humberto Ivar Araújo Coutinho homologou os certames licitatórios em questão (Concorrência 7/2006, peça 7, p. 5, e TP 13/2006, peça 11, p. 43), com isso participando da decisão da comissão licitatória. Pelos motivos expostos, não se acatam os argumentos apresentados pelo advogado do Prefeito. (grifei)

Resta evidente, desta forma, a possibilidade – ou, ainda, no caso, a necessidade – da responsabilização do Diretor Presidente do Departamento Estadual de Infraestrutura à época pela irregularidade em comento, tratando-se, enfim, tal imputação de ônus inerente ao exercício do cargo que ocupava o Sr. Romualdo Theophanes de França Júnior.

Quanto à alegação de ausência de dolo ou má-fé, no que compete a esse Tribunal de Contas, não há qualquer dispositivo na Lei Complementar Estadual n. 202/2000 que exija comprovação de má-fé para com o imputável. Mais ainda, no âmbito do direito administrativo, não há que se indagar sobre a boa ou má-fé do agente, mas sim sobre sua voluntariedade ao ato de praticar a conduta, o qual se constata nestes autos.

Sobre o tema, destaco as palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello[1], que bem sintetiza esse entendimento:

11. (d) Princípio da exigência de voluntariedade para incursão na infração – O Direito propõe-se a oferecer às pessoas uma garantia de segurança, assentada na previsibilidade de que certas condutas podem ou devem ser praticadas e suscitam dados efeitos, ao passo que outras não podem sê-lo, acarretando conseqüências diversas, gravosas para quem nelas incorrer. Donde, é de meridiana evidência que descaberia qualificar alguém como incurso em infração quando inexista a possibilidade de prévia ciência e prévia eleição, in concreto, do comportamento que o livraria da incidência na infração e, pois, na sujeição às sanções para tal caso previstas. Note-se que aqui não se está a falar de culpa ou dolo, mas de coisa diversa: meramente do animus de praticar dada conduta.

Assim, sugiro a permanência desta restrição, com atribuição de responsabilidade e cominação de multa ao Sr. Romualdo Theophanes de França Júnior.

 2. Descaracterização do contrato de terceirização, em face de execução de atividades finalísticas e previstas em cargo próprio do Órgão, descumprindo o art. 37, caput e inciso II da CRFB/88, o art. 21, inciso I da Constituição Estadual e o Anexo II – B da Lei Complementar Estadual n. 330/2006.

A instrução apontou a execução de atividades finalísticas por parte dos trabalhadores terceirizados, relacionadas à verificação prévia de dados em processos e inserção das informações no sistema, como o recadastramento de veículos, ocupação de espaço no pátio, conferência de pagamentos, cadastramento de multas, entre outros, em burla a art. 37, inciso II, da CRFB/88.

Verifica-se, primeiramente, que toda a análise técnica aponta em uma única direção: irregularidade no exercício da função de Analista Técnico em Gestão de Infraestrutura por trabalhadores terceirizados no Departamento Estadual de Infraestrutura - DEINFRA.

E não é outra a conclusão que se infere, pelas razões que passo a expor.

Em primeiro lugar, diz o art. 37, inciso II, da CRFB/88 que a “investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei”.

Na mesma linha dispõe o art. 21, inciso I, da Constituição do Estado de Santa Catarina:

Art. 21. Os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei, observado o seguinte:

I - a investidura em cargo ou a admissão em emprego da administração pública depende da aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargos em comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração.

Assim, a obrigatoriedade da realização de concurso público para a investidura em cargo ou emprego público, conforme já bem abordado anteriormente, é evidente, inquestionável, indiscutível, havendo como única ressalva – no âmbito constitucional – a questão das nomeações para cargo em comissão.

O instituto da terceirização, por sua vez, situa-se dentre as hipóteses de execução indireta das necessidades da Administração Pública. Perfectibiliza-se por meio da celebração de contratos administrativos entre o ente público e empresas privadas, as quais fornecem mão-de-obra para o desempenho de tarefas como a serventia, a telefonia e a vigilância, ou seja, trata-se da prestação de serviços enquadrados como atividade meio, jamais como atividade fim da Administração Pública – justamente porque esta deve ser realizada por servidores providos sob o crivo do concurso público.

Lucas Rocha Furtado[2], neste contexto, tece os seguintes comentários:

A Administração Pública pode satisfazer suas necessidades por meio de seus próprios instrumentos, hipótese em que se verifica a execução direta de serviços, de obras etc. (Lei nº 8.666/93, art. 6º, VII). Outra opção que se abre à Administração Pública é a de realizar o mesmo objetivo por meio da celebração de contratos administrativos com empresas privadas que fornecerão a mão-de-obra, os bens, os serviços e as obras necessárias à realização do fim que se busca – o que caracteriza a execução indireta (Lei nº 8.666/93, art. 6º, VIII). Quando a execução indireta envolve o fornecimento de pessoal (mão-de-obra) para desempenhar tarefas nas próprias unidades administrativas (serventes, telefonistas, motoristas, vigilantes etc.), denomina-se esse processo de terceirização haja vista ele importar na transferência de atividades administrativas a terceiros.

O Tribunal de Contas da União[3] possui entendimento no sentido de que somente é possível a contratação de empresas para a prestação de serviços a entidades e órgãos da Administração Pública se esses serviços não estiverem incluídos dentre aqueles especificados como sendo atribuição de cargos de carreira e que não venham a caracterizar terceirização de atividade fim do órgão ou entidade administrativa contratante.[4] Essa regra, no entanto, tem sido mitigada pelo próprio TCU em face de situações especiais devidamente justificadas. O objetivo principal é o de evitar que seja burlada a regra da obrigatoriedade da realização de concurso público para a investidura em cargos e empregos públicos (CF, art. 37, II).

Constatando-se que os serviços a serem terceirizados correspondem a tarefas permanentes, contínuas, inerentes e indispensáveis à atividade fim da Administração, ainda que seja realizada licitação, a contratação é tida por ilegal, importando em violação do dever de realizar concurso público.

Diante de tais premissas, não é difícil imaginar o incremento da tentativa de burla do referido art. 37, inciso II, da CRFB/88, sob a roupagem das terceirizações, ainda mais com espeque no art. 37, inciso IX, também da Lei Maior, cujo texto possibilita as contratações temporárias – apenas para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, frise-se.

Neste contexto, a prática demonstra que tal instituto da terceirização tem sido desvirtuado pelos administradores, sendo aplicado a contratos que se prolongam por vários exercícios, sem nenhuma comprovação quanto à sua excepcionalidade e, ainda, para o desempenho de atividades contínuas e permanentes, que deveriam ser atribuídas a servidores do quadro de pessoal do Órgão.

Ao discorrer sobre o tema relativo à terceirização no âmbito da administração pública, Maria Sylvia Zanella Di Pietro[5] tece as seguintes considerações, que bem demonstram o quão perniciosas podem se configurar essas contratações quando realizadas à margem da mencionada autorização constitucional:

No âmbito da Administração Pública Direta e Indireta, a terceirização, como contrato de fornecimento de mão-de-obra, [...], não tem guarida, nem mesmo com base na Lei nº 6.019, que disciplina o trabalho temporário, porque a Constituição, no art. 37, inciso II, exige que a investidura em cargos, empregos ou funções se dê sempre por concurso público. [...].

Tais contratos têm sido celebrados sob a fórmula de prestação de serviços técnicos especializados, de tal modo a assegurar uma aparência de legalidade. No entanto, não há, de fato, essa prestação de serviços por parte da empresa contratada, já que esta se limita, na realidade, a fornecer mão-de-obra para o Estado; ou seja, ela contrata pessoas sem concurso público, para que prestem serviços em órgãos da Administração direta e indireta do Estado. Tais pessoas não têm qualquer vínculo com a entidade onde prestam serviços, não assumem cargos, empregos ou funções e não se submetem às normas constitucionais sobre servidores públicos. Na realidade, a terceirização, nesses casos, normalmente se enquadra nas referidas modalidades de terceirização tradicional ou com risco, porque mascara a relação de emprego que seria própria da Administração Pública; não protege o interesse público, mas, ao contrário, favorece o apadrinhamento político; burla a exigência constitucional de concurso público; escapa às normas constitucionais sobre servidores públicos; cobra taxas de administração incompatíveis com os custos operacionais, com os salários pagos e com os encargos sociais; não observa as regras das contratações temporárias; contrata servidores afastados de seus cargos para prestarem serviços sob outro título, ao próprio órgão do qual está afastado e com o qual mantém vínculo de emprego público.

Aliás, não estando investidas legalmente em cargos, empregos ou funções, essas pessoas não têm condições de praticar qualquer tipo de ato administrativo que implique decisão, manifestação de vontade, com produção de efeitos jurídicos; só podem executar atividades estritamente materiais; são simples funcionários de fato. Foi uma das muitas fórmulas que se arrumou para burlar todo um capítulo da Constituição Federal (do art. 37 ao 41), para servir aos ideais de nepotismo e apadrinhamento a que não pode resistir tradicionalmente à classe política brasileira. [...].

Tais contratos são manifestamente ilegais e inconstitucionais. Eles correspondem a uma falsa terceirização e não escondem a intenção de burla à Constituição.

Também não há fundamento constitucional para essas empresas contratarem pessoal sem concurso público. O art. 37, inciso II, da Constituição Federal, ao exigir concurso público para investidura em cargo ou emprego, atinge todas as entidades da Administração indireta, seja qual for o tipo de atividade que exerçam (serviço público ou atividade econômica) [grifei].

Superadas tais argumentações, as quais bem contextualizam a presente questão da terceirização no serviço público, necessário trazê-las ao presente caso concreto.

O ponto de discussão da irregularidade é explicitado no relatório de auditoria às fls. 2492-2493 dos autos, nos seguintes termos:

É importante destacar que tal situação decorre do acesso dos terceirizados a vários sistemas informatizados do órgão, por meio de senhas próprias fornecidas e e-mails corporativos. De acordo com o Anexo I, do Edital de Concorrência nº 204/2005 (fls. 2450-2453), o serviço referente ao posto de digitador restringe-se às seguintes atividades:

03.1 – Serviços de digitação – Digitador.

03.1.1- no Posto de Trabalho serão realizados os seguintes tipos de serviços:

a) Digitar textos, documentos e outros a serem impressos por meio eletrônico;

b) Executar programas tais como, Word, Excel, Power Point;

c) Fazer pesquisas na Internet, fazer download e copiar textos e outros;

d) Receber e enviar e-mail;

e) Preparar relatórios e documentos para conferências, palestras e outros eventos;

f) Atender com presteza as solicitações de serviço;

g) Primar pela correção dos dados digitados, observando a forma adequada para sua elaboração e endereçamento;

h) Saber utilizar recursos de informática e Internet;

i) Realizar outros serviços correlatos.

Assim, verifica-se que as mencionadas atividades desenvolvidas pelos terceirizados são consideradas de natureza finalística do DEINFRA, pois estão previstas como atribuição do cargo de provimento efetivo de Analista Técnico em Gestão de Infraestrutura, nos termos do Anexo II, da Lei Complementar nº 330, de 02 de março de 2006 (fls. 104-105), conforme a seguir:

ANEXO II - B

DESCRIÇÃO E ESPECIFICAÇÃO DO CARGO

DENOMINAÇÃO DO CARGO: Analista Técnico em Gestão de Infra- Estrutura

CLASSE: II NÍVEL: 1 a 4 REFERÊNCIA: A a J

HABILITAÇÃO PROFISSIONAL: Conclusão do Ensino Fundamental

JORNADA DE TRABALHO: 40 (quarenta) horas semanais.

DESCRIÇÃO DAS ATRIBUIÇÕES:

1 - executar, sob supervisão, atividades auxiliares de apoio nas áreas de atuação do DEINFRA;

2 - executar atividades e serviços auxiliares administrativos, logísticos e operacionais que lhes forem atribuídos, relacionados aos serviços administrativos do órgão;

3 - elaborar relatórios de apoio aos serviços administrativos do DEINFRA;

4 - executar trabalhos relativos à tramitação de papéis e processos;

5 - coordenar e executar trabalhos relacionados com a organização e atualização de arquivos e fichários;

6 - executar serviços de cadastro em geral, manutenção e organização de arquivos, bancos de dados e outros;

7 - controlar atividades relacionadas com recursos humanos;

8 - prestar esclarecimentos sobre rotinas e procedimentos relativos a preenchimento e entrega de documentos;

9 - executar serviços de apoio à análise e encaminhamento de processos;

10 - executar serviços relativos à atualização de registros funcionais, digitação, cadastramento de dados, manutenção e organização de arquivos;

11 - expedir registros e documentos em geral, sob orientação superior;

12 - secretariar autoridades superiores, redigindo expedientes relacionados as suas atividades;

13 - integrar-se em projetos de pesquisa, levantamento de dados e diagnósticos, emprestando apoio administrativo necessário; e

14 - executar outras atividades correlatas. (grifou-se)

Corrobora a situação encontrada, a entrevista feita com o Gerente de Apoio Operacional, Sr. João Elias Daniel Duarte, em que revelou que os terceirizados realizam serviços além da digitação devido à defasagem de pessoal qualificado e de técnicos concursados. Portanto, resta evidente a plena ciência das irregularidades por parte do gestor e demais servidores.

Frise-se: não se quer dizer aqui que a contratação do serviço de digitação via terceirização é irregular – trata-se de serviço facilmente identificado como atividade meio da Administração Pública[6].

O que se enquadra como irregularidade na presente Tomada de Contas Especial é, na verdade, o fato de tais “digitadores” terceirizados do Departamento Estadual de Infraestrutura realizarem tarefas que exorbitam e muito a função de digitar, prestando efetiva atividade fim condizente com as atribuições típicas do cargo de Analista Técnico em Gestão de Infraestrutura. É isto que configura burla ao já citado art. 37, inciso II, da CRFB/88.

Em resposta, o responsável trouxe as mesmas justificativas já devidamente rebatidas no item anterior deste parecer, o que também não elide a restrição em comento.

A essência da questão, como já afirmado, está no desvirtuamento da função terceirizada de digitador (atividade meio) em inúmeras atribuições do cargo de Analista Técnico em Gestão de Infraestrutura (atividade fim). Em outras palavras, verifica-se que os referidos “digitadores” terceirizados são verdadeiros analistas técnicos em gestão de infraestrutura que não passaram pela exigência constitucional do concurso público.

E isto se comprova nos autos a todo o momento, a exemplo das seguintes entrevistas (fls. 2490-2492):

Durante visita à Gerência de Contabilidade, observou-se que o terceirizado Marcelo Mafra Figueiredo operava em seu computador o Sistema Integrado de Planejamento e Gestão Fiscal e, durante a entrevista, informou que trabalhava como digitador, conferia processos, notas fiscais de imposto de renda e ISS e dava baixa no sistema. Além disso, disse que possuía e-mail e senha para acesso, conferia empenhos para verificar se coincidia com os dos processos, conferia os cálculos das notas fiscais constantes dos processos e os transferia para o sistema.

Na mesma Gerência, entrevistou-se também o terceirizado Felipe Martins, que também se encontrava em frente ao computador, que afirmou trabalhar há cerca de 1 (um) ano como digitador no órgão, que revisa os processos, arquiva e lança dados no sistema. Além disso, afirmou que faz tramitação no sistema quando o setor de empenho solicita consulta, que a contadora revisa os trabalhos feitos por ele, bem como revisa processos de pagamento. Disse, ainda, que ele e Marcelo possuem e-mail do órgão e os utilizam quando ―cai a rede, que ambos listam as notas de empenho no sistema e fazem cálculos e que somente usam o sistema para confirmar empenhos, encaminhando-os para o setor financeiro, que os remetia à tesouraria.

Em visita à Gerência de Auditoria, entrevistou-se Ivana Luise Chagas, que informou que é digitadora no órgão há cerca de 5 (cinco) anos, tendo iniciado como estagiária e nessa condição permanecido por 1 (um) ano. Disse que era funcionária lotada no setor financeiro, mas que, no momento, ocupava temporariamente a vaga de uma funcionária chamada Sueli Rota, secretária que havia saído de férias no período de 13/10/10 a 30/11/10. Salientou que no setor em que efetivamente trabalha (Financeiro), não havia volante a substituindo enquanto ocupava o lugar de Sueli e que sempre ―cobre as férias da funcionária. A terceirizada entrevistada afirmou, ainda, que no setor financeiro realiza conferência de empenhos, valores e, depois, repassa à contadora para assinar, faz protocolo e consulta de processos no sistema de Gestão e Protocolo Eletrônico (SGPE), bem como acessa o sistema de intranet do DEINFRA (www.deinfra.sc.gov.br), redige ofícios juntamente com o assessor e alimenta o cadastro no Sistema de Gerenciamento Financeiro (SGF), recebendo e encaminhando processos.

Em conversa com Emílio Justino Pereira Neto, gerente do setor financeiro (Gerência de Administração, Finanças e Contabilidade), este informou que no local trabalham quatro terceirizados, sendo três digitadores e uma recepcionista. Ressaltou que oferece treinamento aos funcionários específico para desempenharem as funções do setor e que, no caso da recepcionista, a mesma também executa às vezes os mesmos trabalhos dos ocupantes do posto de digitação, sob o argumento de falta de funcionário e por sua qualificação.

Com a técnica de observação e de entrevista, ficou constatado que alguns terceirizados respondem às consultas dos cidadãos e de outros órgãos, identificando-se no documento e em nome do DEINFRA.

A exemplo de como os terceirizados executam seus trabalhos, destaca-se que, durante as entrevistas, um dos empregados lotados na Gerência, Sr. Leonardo Dutra Soares, informou trabalhar no órgão há cerca de uns 4 (quatro) ou 5 (cinco) anos, sendo que antes era do setor de Dívida Ativa (período de abril/2006 a junho/2009). Salientou que é digitador pela empresa PROFISER, que preenche ofícios para cobrança administrativa, encaminha documentos à seguradora, solicita guias, custas e honorários, acessa o Sistema de Danos ao Patrimônio (DPT), onde insere dados e realiza impressão de ofícios. Disse que os ofícios são padronizados no sistema, de modo que insere dados e valores, preenchendo um ofício-padrão, faz cadastro manual de guias de contribuinte, coleta dados da polícia e superintendência relacionados a trânsito e encaminha processos para a PROJUR, que promove execução.

O documento de fls. 109-110 é referente à consulta realizada da Gerência de Administração, Finanças e Contabilidade- GEAFC para a Procuradoria Jurídica- PROJUR solicitando esclarecimentos sobre a forma de como proceder na cobrança de determinados danos ao patrimônio. O terceirizado informa que o texto foi elaborado por ele e posteriormente assinado pelo Gerente. Ao ser questionado pelos auditores, deixou claro que não havia texto padrão para inserção de informações complementares e que o assunto do documento era referente às atividades desenvolvidas por ele no setor.

Já o e-mail constante da fl.112 demonstra a resposta dada diretamente pelo terceirizado Leonardo Dutra Soares, a um cidadão em que o orienta sobre cobrança de dívida. O terceirizado Leonardo Dutra acessa diretamente o sistema do DETRAN, conforme averiguado pela equipe de auditoria, que solicitou ao empregado a demonstração dos documentos e do acesso aos sistemas disponíveis no computador utilizado por ele.

O terceirizado destacou, ainda, que possui senha e e-mail do DEINFRA para cobrança especificada e outro e-mail para tarefas diversas, onde redige e responde pessoalmente a consultas de cidadãos, geralmente referentes aos sinistros de veículos (cópia da Comunicação Interna nº 115/2009 de fls. 109- 110 e do e-mail, de fl. 112. Disse, ainda, que digita textos e os encaminha ao gerente para eventual alteração, acessa o sistema ―DetranNet para inclusão de dados, realiza conferência e imprime certidões, que são juntadas aos processos.

Salienta-se que a questão da presente Tomada de Contas Especial é infelizmente apenas mais um exemplo de desrespeito aos ditames constitucionais. A exigência de concurso público é por demais salutar à prestação eficiente do serviço público em nosso País. Acabar com apadrinhamentos políticos que por tanto tempo prejudicaram a Administração Pública pátria – e que geraram mazelas ainda hoje arraigadas em todos os escalões estatais – é um dos objetivos mais visíveis do instituto. Respeitar o direito dos que almejam uma vaga pública em decorrência de seu próprio mérito também deve ser levado em consideração, assim como a tão sonhada eficiência da Administração Pública ao contar nos seus quadros com quem está mais apto no sentido técnico depois de avaliado pelo critério meritório.

Portanto a afronta ao instituto do concurso público é demasiadamente prejudicial ao País, e por isto mesmo deve ser coibida por meio do mecanismo o mais eficaz possível, o que, na presente questão, corresponde à multa. Somente a partir da responsabilização pecuniária é que esta prática reiterada pode começar a ser combatida, salvaguardando a eficiente prestação do serviço público – freando sua precarização.

Neste contexto, e justamente em apreço à importância do tema, o amparo jurisprudencial é maciço.

Iniciamente, destacam-se decisões do Supremo Tribunal Federal na questão da terceirização como burla à exigência constitucional do concurso público:

Concurso público. Terceirização de vaga. Preterição de candidatos aprovados. Direito à nomeação. (...) Uma vez comprovada a existência da vaga, sendo esta preenchida, ainda que precariamente, fica caracterizada a preterição do candidato aprovado em concurso. (AI 77.664-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgado em 20/04/2010, 2ª Turma, DJE de 14/05/2010).

Servidor público: contratação temporária excepcional (CF. art. 37. IX): inconstitucionalidade de sua aplicação para a admissão de servidores para funções burocráticas ordinárias e permanentes. (ADI 2.987, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgado em 19/02/04, DJ de 02/04/04).

A Administração Pública direta e indireta. Admissão de pessoal. Obediência cogente à regra geral de concurso público para admissão de pessoal, excetuadas as hipóteses de investidura em cargos em comissão e contratação destinada a atender necessidade temporária e excepcional. Interpretação restritiva do artigo 37, IX, da Carta Federal. Precedentes. Atividades permanentes. Concurso Público. As atividades relacionadas no artigo 2° da norma impugnada, com exceção daquelas previstas nos incisos lI e VII, são permanentes ou previsíveis: Atribuições passíveis de serem exercidas somente por servidores públicos admitidos pela via do concurso público. (AOI 890, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgado em 11/09/03, DJ de 06/02/04) (grifei)

O primeiro julgado se refere à terceirização das vagas mesmo com concurso público em aberto; as demais decisões, à chamada necessidade temporária de excepcional interesse público – nem mesmo que esta justificativa fosse alegada seria cabível a contratação de “digitadores” terceirizados, por aproximadamente cinco anos, diga-se de passagem, para o exercício das funções do cargo de Analista Técnico de Gestão de Infraestrutura.

O Superior Tribunal de Justiça também já se manifestou em situação bastante semelhante, culminando na declaração de improbidade administrativa dos responsáveis, no REsp n. 772.241/MG, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, julgado em 15/04/2008, DJe 24/06/2009, in verbis:

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI 8.429/92. CONTRATAÇÃO DE SERVIDORES SEM REALIZAÇÃO DE CONCURSO PÚBLICO. MANUTENÇÃO DE CONTRATOS DE FORNECIMENTO DE MÃO-DE-OBRA. TERCEIRIZAÇÃO DE SERVIÇOS. VIOLAÇÃO DOS DEVERES DE MORALIDADE E IMPESSOALIDADE. LESÃO À MORALIDADE ADMINISTRATIVA. PENA DE RESSARCIMENTO. DANO EFETIVO. SANÇÕES POLÍTICO-ADMINISTRATIVAS COMPATÍVEIS COM A INFRAÇÃO. VIOLAÇÃO DO ART. 535, I e II, DO CPC. NÃO CONFIGURADA.

1. Ação Civil Pública ajuizada por Ministério Público Estadual em face de ex-dirigentes de instituição bancária estadual, por suposta prática de atos de improbidade administrativa, decorrentes da contratação de funcionários para trabalharem na mencionada instituição bancária estadual, sem a realização de concurso público, mediante a manutenção de vários contratos de fornecimento de mão-de-obra, via terceirização de serviços, com inobservância do art. 37, II, da Constituição Federal. [...]

7. Subjaz, assim, a afronta à moralidade administrativa, o que recomenda o afastamento dos recorrentes no trato da coisa pública, objetivo que se aufere pela proibição de para contratar com a Administração Pública.

8. Dessarte, considerada a inocorrência de dano ao erário e de enriquecimento ilícito, uma vez que os serviços foram realizados, a reversão ao estado anterior manifesta-se impossível (ad impossiblia nemo tenetur). [...]

11. Recurso especial parcialmente provido para, com fulcro no art. 12, III da Lei 8.429/92, impor aos recorridos a proibição de contratar com o Poder Público, pelo prazo de 03 (três) anos, tendo em vista que as sanções da Lei 8.429/92 não são cumulativas (REsp 658.389/MG, Relatora Ministra Eliana Calmon, DJ de 03.08.2007). (grifei)

Por sua vez, o Tribunal de Contas da União também teve oportunidade de demonstrar seu posicionamento na luta para fazer aplicar o já transcrito art. 37, inciso II da CRFB/88:

Representação. Fundação Oswaldo Cruz. Contratação de trabalhadores terceirizados para o desempenho de atividades finalísticas. Supressão inconstitucional do concurso público. Irregularidade da execução indireta de serviços próprios do mister da FIOCRUZ. Conhecimento e procedência. Existência de compromisso do governo para a substituição ampla e gradual dos terceirizados na administração pública por servidores concursados. Cientificação dos responsáveis. Arquivamento.

É irregular a contratação de entidades privadas para cessão de trabalhadores destinados à execução de serviços próprios do ofício das organizações públicas, que justificam sua existência na estrutura administrativa, haja vista configurar desrespeito à regra constitucional do concurso público, além de infringência à norma regulamentar que proíbe a transferência de atividades inerentes ao respectivo quadro funcional a pessoal terceirizado. (Processo n. 020.708/2006-3, acórdão n. 3472/2006, 1ª Câmara, 06/12/2006).

VISTOS, relatados e discutidos estes autos de representação da procuradora da república no Estado do Rio de Janeiro Márcia Morgado Miranda Weinschenker acerca de possíveis irregularidades praticadas pela administração da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – Unirio.

ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em sessão da 2ª Câmara, ante as razões expostas pelo relator e com fundamento no art. 237 do Regimento Interno, em: [...]

9.3. rejeitar as justificativas apresentadas por Malvina Tânia Tuttman e por Luiz Azar Miguez para a contratação direta da Furj, por intermédio do 10º termo aditivo ao convênio 81/2005, para fornecimento de mão de obra terceirizada para atividades permanentes, com afronta ao inciso XIII do art. 24 da Lei 8.666/1993 e com inobservância da jurisprudência do TCU a respeito da matéria;

9.4. com fundamento no inciso III do art. 58 da Lei 8.443/1992, aplicar a Malvina Tânia Tuttman e a Luiz Azar Miguez multas no valor individual de R$ 2.000,00 (dois mil reais), a serem recolhidas ao Tesouro Nacional atualizadas monetariamente a partir do dia seguinte ao do término do prazo abaixo estipulado até a data do pagamento; (Processo n. 030.156/2008-8, acórdão n. 5872/2010, 2ª Câmara, 05/10/2010).

[...] 1.5. Alertas/Determinações:

1.5.1. alertar a Secretaria Executiva do Ministério da Justiça quanto às seguintes irregularidades constatadas:

1.5.1.1. a utilização de contrato de terceirização para sanar carência de recursos humanos, descumprindo o art. 1º, §2º, do Decreto n. 2.271/1997, especialmente em vista do determinado no item 9.1 do Acórdão n. 724/2005 - Plenário, sobre a necessidade de reestruturação do quadro de pessoal da Secretaria Nacional de Segurança Pública;

1.5.1.2. o descumprimento de determinação desta Corte de Contas, a exemplo da não implementação da medida determinada pelo item 9.1 do Acórdão n. 724/2005 - Plenário, sobre estruturação do quadro de pessoal da Secretaria Nacional de Segurança Pública, podendo ensejar, em caso de reincidência, a aplicação de multa, conforme disposto no art. 58, inciso VII, da Lei n. 8.443/1992; (Processo n. 018.763/2007-6, acórdão n. 3706/2010, 1ª Câmara, 22/06/2010).

Igualmente, essa Corte de Contas, em diversas situações análogas, manifestou-se no sentido de imposição de multa aos responsáveis, a exemplo dos Acórdãos n. 0914/2006, DOTC-e de 03/07/2006 (TCE 03/07466124), n. 1413/2007, DOTC-e de 14/08/2007 (ALC 05/04114387), n. 0610/2008, DOTC-e de 06/05/2008 (TCE 02/04991919), n. 1077/2008, DOTC-e de 28/07/2008 (TCE 05/03932787) e n. 1456/2008, DOTC-e de 07/10/2008 (ALC 06/00041344). Por oportuno, transcreve-se trecho do Acórdão n. 0932/2008, DOTC-e de 03/07/2008 (PCA 03/03032650):

VISTOS, relatados e discutidos estes autos, relativos à Prestação de Contas do Exercício de 2002 da Companhia Integrada de Desenvolvimento Agrícola de Santa Catarina - CIDASC.

Considerando que os Responsáveis foram devidamente citados, conforme consta nas fs. 332 e 333 dos presentes autos;

Considerando que as alegações de defesa e documentos apresentados são insuficientes para elidir irregularidades apontadas pelo Órgão Instrutivo, constantes do Relatório de Reinstrução DCE/Insp.4/Div.10 n. 147/06;

Considerando que o exame das contas de Administrador em questão foi procedido mediante auditoria pelo sistema de amostragem, não sendo considerado o resultado de eventuais auditorias ou inspeções realizadas;

ACORDAM os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro nos arts. 59 da Constituição Estadual e 1º da Lei Complementar n. 202/2000, em:

6.1. Julgar irregulares, sem imputação de débito, na forma do art. 18, III, alínea "b", c/c o art. 21, parágrafo único, da Lei Complementar n. 202/2000, as contas anuais de 2002 referentes a atos de gestão da Companhia Integrada de Desenvolvimento Agrícola de Santa Catarina - CIDASC, de acordo com os pareceres emitidos nos autos.

6.2. Aplicar aos Responsáveis abaixo discriminados, com fundamento no art. 69 da Lei Complementar n. 202/2000 c/c o art. 108, parágrafo único, do Regimento Interno, as multas a seguir especificadas, fixando-lhes o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico deste Tribunal de Contas, para comprovarem ao Tribunal o recolhimento ao Tesouro do Estado das multas cominadas, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos artigos 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000:

6.2.1. ao Sr. Fernando César Granemann Driessen - ex-Diretor-Presidente da Companhia Integrada de Desenvolvimento Agrícola de Santa Catarina, CPF n. 486.864.099-20, as seguintes multas:

6.2.1.2. R$ 1.000,00 (mil reais), pelo pagamento de prestação de serviços a terceiros cuja natureza constitui-se atividade típica dos empregados da empresa, caracterizando contratação velada de pessoal, vedada pela Constituição Federal, art. 37, II (item 2.5 Relatório DCE). (grifei)

Acrescenta-se, também, que esse Tribunal de Contas, na Decisão n. 2024/2011, publicada no Diário Eletrônico Oficial em 4/8/2011 (RLA n. 09/00550040), impôs uma série de providências à Secretaria de Estado da Educação no sentido de corrigir discrepâncias análogas às vistas no presente processo, conforme se depreende do seguinte trecho do referido decisum:

O TRIBUNAL PLENO, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro nos arts. 59 da Constituição Estadual e 1° da Lei Complementar n. 202/2000, decide:

6.1. Conhecer do Relatório de Auditoria realizada na Secretaria de Estado da Educação, com abrangência sobre atos de pessoal do exercício de 2009.

6.2. Conceder à Secretaria de Estado da Educação, o prazo de 90 (noventa) dias, a contar da data da publicação desta decisão no Diário Oficial Eletrônico deste Tribunal de Contas, com fulcro no art. 5º da Instrução Normativa n. TC-03/2004, para que apresente, a este Tribunal de Contas, plano de ações, com a identificação dos responsáveis por ação, estabelecendo prazos para o cumprimento das seguintes determinações:

6.2.1. Realização de levantamento do déficit de professores no magistério estadual, bem como, especificamente, nas Gerências Regionais de Educação e nas Unidades Escolares da rede pública estadual de ensino;

6.2.2. Deflagração de concurso público para provimento de cargos do magistério estadual, objetivando atender integralmente aos casos previstos no art. 2º da Lei Complementar (estadual) n. 456/2009;

6.2.3. Reavaliação da situação dos professores em licença para trato de assuntos particulares, tendo em vista o disposto nos Prejulgados ns. 2016/2009 e 2046/2010 deste Tribunal;

6.2.4. Abstenção de realizar contratações temporárias para o magistério estadual e para as demais hipóteses constantes do art. 2º da Lei Complementar (estadual) n. 456/2009, em virtude da ausência de preenchimento dos requisitos constitucionais previstos no art. 37, IX, da Constituição Federal

Logo, diante do predominante entendimento jurisprudencial sobre a questão, inclusive dessa Corte de Contas, bem como do amparo doutrinário, da legislação aplicável, e das provas colacionadas no transcorrer do processo em questão, consoante restou efetivamente demonstrado na presente manifestação deste Órgão Ministerial, a imposição de multa ao responsável é medida que se impõe em razão da contratação de funcionários terceirizados para o exercício das atribuições do cargo de Analista Técnico em Gestão de Infraestrutura do DEINFRA, caracterizando burla ao referido art. 37, inciso II, da CRFB/88.

3. Existência irregular de pessoalidade, habitualidade e subordinação entre os terceirizados e a Administração Pública, contrariando o art. 37, caput da CRFB/88, o art. 16 da Constituição Estadual, o Enunciado n. 331 do TST, os Prejulgados n. 1084 e 1891 desse Tribunal de Contas e o art. 2º do Decreto Estadual n. 556/03.

Apontou-se, também, a existência de pessoalidade, habitualidade e subordinação entre os empregados terceirizados, ocupantes dos postos de digitação e recepção, e a Administração Pública, caracterizando ofensa ao já tratado art. 37, inciso II, da CRFB/88.

Conforme exposto pela Área Técnica (fl. 2498), os empregados terceirizados obedeciam a ordens emanadas por servidores efetivos e comissionados integrantes do Departamento (subordinação), exerciam suas atividades por pelo menos 2 anos (habitualidade) e tinham sua seleção intermediada pelo órgão tomador dos serviços, que recebia os currículos, efetuava as entrevistas e encaminhava os selecionados à empresa intermediária (pessoalidade).

A caracterização de pessoalidade, subordinação e habitualidade, todavia, demonstra a presença de vínculo empregatício entre a empresa tomadora dos serviços e os obreiros, desqualificando a contratação terceirizada, a teor do disposto na Súmula n. 331 do Tribunal Superior do Trabalho.

CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (mantida) – Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003

I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).

II – A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).

III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.

IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (art. 71 da Lei nº 8.666, de 21.06.1993). (grifei)

Nessa mesma linha, inclusive, já se manifestou o Tribunal de Contas da União, por meio do Acórdão n. 1.815/2003 – Plenário, de relatoria do Exmo. Min. Benjamin Zymler, ao qual foi concedido caráter normativo:

[...] se houver necessidade de subordinação jurídica entre o obreiro e o tomador de serviços, bem assim de pessoalidade e habitualidade, a terceirização será ilícita, tornando-se imperativa a realização de concurso público, ainda que não se trate de atividade-fim da contratante.

Destarte, presentes os aspectos que evidenciam o vínculo empregatício entre o órgão tomador e os obreiros, apresenta-se irregular a contratação terceirizada, revelando mais uma vez a burla à exigência de concurso público, em afronta ao art. 37, inciso II da CRFB/88, o que não outra vez não fora impugnado diretamente pelo responsável, razões pelas quais a restrição também merece prosperar, com a consequente aplicação de multa ao então gestor, consoante disposto na parte final deste parecer.

4. Ausência de fiscalização da execução dos serviços terceirizados, contrariando a Cláusula Sexta, item 2, 02, do Contrato PJ n. 101/06, o art. 63, § 2º, inciso I da Lei n. 4.320/64 e os arts. 67 e 68 da Lei Federal n. 8.666/93.

O contrato entre o Departamento Estadual de Infraestrutura e a empresa Profiser – Serviços Profissionais Ltda. para prestação dos serviços de recepção, copa, digitação, zeladoria, mensageiro-office-boy, servente, telefonista, marcenaria e ascensorista careceu de fiscalização pela unidade gestora, o que impediu ao longo do tempo a visualização dos problemas e irregularidades cometidas e a necessária adoção de providências tempestivas por parte do gestor para obstar as falhas.

A descentralização da função administrativa deve gerar um poder-dever ao Poder Público de fiscalização dos particulares contratados a fim de verificar se o contrato está sendo executado nos moldes do que foi firmado e detectar antecipadamente práticas em desconformidade ou defeituosas.

Acerca do dever da Administração Pública de fiscalizar seus contratos, elucida Lucas Rocha Furtado[7] que

Em decorrência da supremacia do interesse público, não pode a Administração assumir posição passiva e aguardar que o contratado cumpra todas as suas obrigações contratuais. Não pode a Administração esperar o fim do termo do contrato para verificar se seu objetivo foi efetivamente alcançado, se seu objeto foi cumprido. Durante a própria execução do contrato; deverá ser verificado se o contratado está cumprindo todas as etapas e fases do contrato. Essa forma de agir preventiva apenas benefícios traz para a Administração.

A ausência de fiscalização da execução dos serviços contratados vai de encontro ao regramento insculpido na Lei n. 8.666/93, a saber:

Art. 58.  O regime jurídico dos contratos administrativos instituído por esta Lei confere à Administração, em relação a eles, a prerrogativa de: [...]

III - fiscalizar-lhes a execução; [...]

Art. 67.  A execução do contrato deverá ser acompanhada e fiscalizada por um representante da Administração especialmente designado, permitida a contratação de terceiros para assisti-lo e subsidiá-lo de informações pertinentes a essa atribuição. (grifei)

O Contrato PJ n. 101/06 (fls. 16-24), previa, em sua Cláusula Sexta, item 2, 02, o “acompanhamento e a fiscalização dos serviços, sob os aspectos qualitativo e quantitativo, anotando em registro próprio as falhas e solicitando as medidas corretivas”. Todavia, não foi designado oficialmente o fiscal do contrato, além de não haver relatórios periódicos de acompanhamento da execução dos serviços.

Em suas justificativas, o gestor afirmou que a supervisão e o controle geral do pessoal e dos contratos de terceirização cabiam à Gerência de Apoio Operacional, sem juntar qualquer documento que comprovasse a atribuição dessa competência à repartição.

Observa-se, assim, a omissão do Departamento Estadual de Infraestrutura em fiscalizar e controlar os contratos de terceirização, o que resultou na situação crítica que ora se aponta nestes autos. Ora, se o órgão mantivesse um acompanhamento e fiscalização eficiente, mediante um sistema organizado de controle interno, as irregularidades talvez poderiam ter sido evitadas.

Pode-se concluir então que a inércia do Diretor Presidente em adotar procedimentos necessários à fiscalização dos serviços contratados contribuiu para a ocorrência das falhas aqui verificadas.

Conforme Justen Filho[8], “o atraso ou a demora na prática dos atos de fiscalização é inadmissível”, de modo que “os prejuízos derivados da demora na fiscalização serão de responsabilidade da Administração”.

Sobre o tema, o Tribunal de Contas da União já se manifestou frente à responsabilidade do gestor público em razão da omissão no poder-dever de fiscalizar os contratos firmados com a administração pública, mutatis mutandis[9]:

É dever do gestor público responsável pela condução e fiscalização de contrato administrativo a adoção de providências tempestivas a fim de suspender pagamentos ao primeiro sinal de incompatibilidade entre os produtos e serviços entregues pelo contratado e o objeto do contrato, cabendo-lhe ainda propor a formalização de alterações qualitativas quando de interesse da Administração, ou a rescisão da avença, nos termos estabelecidos na Lei nº 8.666/1993.

Assim, este órgão ministerial novamente entende como de responsabilidade do então Diretor Presidente, Sr. Romualdo Theophanes de França Júnior, as restrições apontadas, opinando pela sua manutenção.

5. Irregularidades relacionadas aos documentos enviados posteriormente, contrariando o disposto no item 2, subitens 02 e 07, do Contrato PJ n. 101/06, nos arts. 66 e 67, § 1º da Lei n. 8.666/93 e no art. 74, § 2º da CLT.

A equipe de auditoria requisitou documentos à Unidade Gestora, o que não foi devidamente atendido. Efetuada diligência para encaminhamento destes, foram acostados aos autos documentação com diversas irregularidades.

Da análise dos documentos, a instrução apontou as seguintes irregularidades às fls. 2527-2529:

2.7.1 Divergências entre a letra da assinatura do terceirizado e a letra do preenchimento dos horários no documento

Verifica-se, na Tabela 20 do anexo e nos documentos juntados aos autos a que se refere a tabela, que os terceirizados Eduardo Fernandes Martins (fls. 1000 e 2102), Isabel Cristina Feijó (fls. 1010 e 2203), Juliano Lorival Machado (fls. 904 e 2292), Simone Regina da Silva (fls. 1641 e 2302), Helcinéia Fagundes M. Goulart (fls. 1437 e 2326), Carmem Lúcia Pereira Martins (fls. 1415 e 2351), Geovane Valdir da Rosa (fls. 1298 e 2353) e Rita de Cássia Cassul de Menezes (fls. 1790, 2259, 2270, 2273 e 2338) assinaram os cartões-ponto, mas, o preenchimento dos horários de trabalho foi feito por outra pessoa, uma vez que a diferença da letra é grosseira e facilmente perceptível.

Na verdade, até a própria assinatura é colocada em dúvida, na medida em que, dadas as divergências mencionadas, não se sabe se os terceirizados somente assinaram ou somente preencheram os cartões-ponto.

De qualquer forma, resta indubitável que não foram os próprios terceirizados que manipularam exclusivamente os seus cartões-ponto.

2.7.2 Ponto assinado antes da admissão do terceirizado

A situação encontrada nas cópias dos cartões-ponto, remetidas posteriormente, é de tamanha gravidade que até assinaturas de cartões antes mesmo de os funcionários terem sido admitidos foram encontradas.

É o que se constata em relação aos terceirizados Eduardo Cândido Veloso, que foi admitido em 20/03/09 (fls. 379 e 380) e seu cartão-ponto está assinado desde 16/02/09 (fl. 2220); José João de Souza, que foi admitido em 14/08/09 (fl. 503) e o seu cartão-ponto está assinado desde 16/07/09 (fl. 2280); Márcia Sagali, que foi admitida em 01/09/09 (fl. 532) e seu cartão-ponto está assinado desde 16/08/09 (fl. 2284); Dilma Amaral, que foi admitida em 05/02/2010 (fl. 653) e o seu cartão-ponto está assinado desde 18/01/01 (fl. 2306); Jucilene Capraro Pianezzer, que foi admitida em 22/01/10 (fl. 638) e o seu cartão-ponto está assinado desde o dia 18/01/10 (fl. 2309); Simone Cristina Henrique, que foi admitida em 24/06/10 (fl. 774) e o seu cartão-ponto está assinado desde 17/05/10 (fl. 2344); Dieverson Pereira Fernandes, que foi admitido em 24/08/10 (fl. 2352) e seu cartão-ponto está assinado entre 16/07/10 a 15/08/10 (fl. 2352) e Ivanilda Oliveira da Silva, que foi admitida em 19/08/10 (fl. 2354) e seu cartão-ponto está assinado entre 16/07/10 a 15/08/10 (fl. 2354).

De outra parte, ressalta-se que os salários foram pagos aos referidos funcionários tomando-se por base a data de suas admissões.

2.7.3 Ponto manual de terceirizados da sede (Florianópolis) quando já deveria ser mecânico

Conforme se verifica da Tabela 20 do anexo, os terceirizados Dilma Amaral (fls. 1658 e 2306), Jucilene Capraro Pianezzer (fls. 1680, 1681 e 2309), Helcinéia Fagundes M. Goulart (fls. 1437 e 2326), Simone Cristina Henrique (774 e 2344), Carmem Lúcia Pereira Martins (fls. 1888 e 2351) e Dieverson Pereira Fernandes (fls. 2352 e 2390) tinham ponto manual quando já deveria ser mecânico, isto em relação à segunda quinzena do mês de dezembro.

2.7.4 Marcação no cartão-ponto de 6h de trabalho, quando deveria ter sido de 4h, por se tratar de posto de servente

Observa-se da tabela que o ponto da funcionária terceirizada Simone Regina da Silva marca 6 horas (das 13h às 19h), quando deveria marcar 4 horas (das 13h às 17h), em razão de o posto por ela ocupado ser de servente, conforme se verifica às fls. 1641 e 2339.

2.7.5 Assinatura de pessoa diversa da do terceirizado

Analisando-se os documentos enviados, constata-se que o cartão-ponto de Geovane Valdir da Rosa está assinado por Isabel Cristina Feijó (fls. 1298 e 2353).

Denota-se que os documentos encaminhados para demonstrar o cumprimento da carga horário dos empregados terceirizados foram em grande parte supostamente adulterados, diante das evidências quanto à inserção de horas trabalhadas sem efetiva prestação dos serviços terceirizados, em razão das discrepâncias entre as letras das assinaturas dos obreiros e a do preenchimento dos horários nos relatórios, da assinatura de ponto antes mesmo da admissão dos servidores, da utilização de ponto manual, da marcação de carga horária superior à devida e assinatura de pessoas distintas.

O responsável, embora devidamente citado, não apresentou alegações de defesa específicas que pudessem elidir a presente restrição.

Assim, em virtude das irregularidades existentes na documentação remetida para comprovar a efetiva prestação dos serviços terceirizados, entendo pertinente a manutenção desta restrição, com a consequente aplicação de multa ao responsável.

6. Indevida dispensa do uso de uniforme e crachá dos empregados terceirizados, contrariando o Anexo III do Edital de Concorrência n. 204/05, o item 04 do Contrato PJ n. 101/06, o art. 63, § 2º, inciso I da Lei n. 4.320/64, o art. 58, inciso III c/c os arts. 67 e 68, todos da Lei n. 8.666/93.

A auditoria anotou a irregularidade atinente à dispensa do uso de uniforme e crachá pelos empregados terceirizados, caracterizando ato antieconômico, visto que, durante o período de janeiro/2009 a julho/2010, foi pago o montante de R$ 20.847,65 a título de fornecimento dos materiais.

O responsável, por sua vez, trouxe as mesmas justificativas já devidamente rebatidas nos itens anteriores, não específicas, portanto, ao presente apontamento.

Sabe-se que o uso de crachá e uniforme é uma forma de identificar os empregados terceirizados ou até mesmo restringir o acesso de trabalhadores a determinadas áreas e evitar situações de hierarquia ilegal. A sua exigência, inclusive, integrou o Contrato PJ n. 101/06, celebrado entre o Departamento Estadual de Infraestrutura e a Profiser – Serviços Profissionais Ltda.:

CLÁUSLA SEXTA

DAS OBRIGAÇÕES DAS PARTES

1. DA CONTRATADA: [...]

04) Manter os profissionais, quando em horário de trabalho, uniformizados e identificados sob a responsabilidade da CONTRATADA. Os uniformes deverão ser previamente aprovados pela CONTRATANTE. [...]

2. DO CONTRATANTE: [...]

04) Assegurar o livre acesso dos profissionais da CONTRATADA, quando devidamente uniformizados e identificados, aos locais em que devem executar suas tarefas.

Muito embora tal exigência e o desembolso de recursos públicos para arcar com a confecção dos materiais, o Sr. Romualdo Theophanes de França Júnior autorizou a dispensa do uso do crachá e uniforme para a Sra. Janaína Farias, conforme Ofício n. 190/2008 (fl. 274), configurando-se ato antieconômico, passível de imputação de imputação de débito (art. 15, § 3º, inciso I da Lei Complementar Estadual n. 202/2000).

 Entendo, dessa forma, que deva ser mantida a restrição, com a imputação de débito – e consequente aplicação de multa – ao Sr. Romualdo Theophanes de França Júnior, no valor de R$ 482,31, referente à despesa com o material confeccionado para a funcionária acima referida, cujo uso foi indevidamente – e expressamente – dispensado por parte do responsável, registrando-se, por fim, à luz do entendimento da Área Técnica no relatório de instrução final, que a presente irregularidade já abrange a restrição disposta no item 6.2.2.5 da Decisão n. 3644/2011.

7. Pagamento de serviços terceirizados sem a comprovação da sua efetiva prestação (devido preenchimento dos postos de trabalho contratados), contrariando as normas previstas no Contrato PJ n. 101/06 e nos arts. 60, 62 e 63 da Lei n. 4.320/64 e no art. 66 da Lei n. 8.666/93.

Apontou-se ainda o pagamento de serviços terceirizados sem a comprovação de sua efetiva prestação, no montante de R$ 224.137,25, em razão de irregularidades no preenchimento dos postos de trabalho.

A presente restrição se relaciona com a já analisada no item 5 deste parecer. Sobre o tema, também, discorreu com propriedade a equipe de auditoria (fls. 2521-2525):

Primeiramente, discorrer-se-á sobre o processo de pagamento realizado pelo DEINFRA e após como a equipe de auditoria realizou o levantamento dos dados e encontrou as evidências de que o serviço não foi prestado em sua integralidade.

O processo de pagamento dos serviços terceirizados é realizado mediante o envio de uma fatura pela empresa PROFISER, todo final do mês, com uma relação de cálculo mensal dos serviços prestados, só que do mês anterior ao que consta como referência na fatura. Tudo isso para que o pagamento dos serviços seja realizado no mês seguinte, até o décimo dia. Por exemplo, no final do mês de fevereiro é enviada uma fatura, para o pagamento dos serviços prestados no mês de fevereiro (fls. 305-306), com uma relação de cálculo dos serviços prestados no mês de janeiro (fls. 307 a 324), e o pagamento é realizado até o décimo dia do mês de março.

Outra irregularidade encontrada refere-se ao pagamento, que é sempre realizado com documentos comprobatórios do serviço prestado no mês anterior ao de referência na fatura. Dessa forma, o documento anexado à fatura não condiz com a descrição do serviço prestado. Se na fatura consta que o mês de referência é o de fevereiro, a relação de cálculo apresentada deve ser a do mês de fevereiro e não de janeiro.

Da leitura do contrato realizado verifica-se que o pagamento deve ser realizado, mensalmente, até o décimo dia subseqüente ao da prestação de serviços, com a apresentação da cópia da folha de pagamento do pessoal (Das condições de pagamento).

A cópia da folha de pagamento do pessoal deve corresponder ao mês de referência, que por sua vez deve conter a relação dos terceirizados que trabalharam no DEINFRA no mês correspondente, inclusive com a relação dos profissionais que substituíram os empregados terceirizados anteriormente designados para os postos no DEINFRA, na ocorrência de qualquer afastamento, seja por férias, atestados, auxílios-doença, dentre outros.

Não foram encontrados, dentre a relação analítica, a folha de pagamento dos empregados substitutos (volantes), nos casos em que ficou demonstrado que não houve o preenchimento de todos os postos, com o pagamento integral da fatura, sem a comprovação do serviço prestado.

Assim sendo, o correto seria a apresentação da folha de pagamento das pessoas que preencheram os postos no mês do serviço prestado, pois se paga por posto preenchido independentemente da pessoa que executou o serviço.

O problema reside no fato que os empregados terceirizados ocupantes dos postos no DEINFRA são os mesmos há anos e muitos deles realizam serviços diversos ao qual foram contratados.

O pagamento é realizado sempre com a relação analítica dos empregados terceirizados designados para o DEINFRA, de forma pessoal e não pelos postos contratados.

Em entrevista com o Diretor de Operações do DEINFRA, Sr. João Elias, com vistas a esclarecer as divergências nos processos de pagamento, o mesmo alegou que a empresa não tem como encaminhar em tempo hábil para fechar a folha de pagamento dos empregados até a data estipulada para o pagamento e por isso eles enviam a do mês anterior da prestação do serviço e não do mês correspondente ao serviço prestado.

A verificação dos documentos para o pagamento é sempre pró forma, isto é, só é levada em consideração a existência da fatura, guia de recolhimento de tributos e relação de pagamento, sem análise deste último documento, bem como as substituições realizadas.

Tais documentos constam no processo, mas não são analisados e não correspondem ao serviço prestado.

O documento que embasa a relação de pagamento é o registro de freqüência e suas alterações, gerenciadas pela empresa contratada. Apesar de não constar no contrato a obrigatoriedade da apresentação do registro de freqüência para a realização do pagamento, o ideal é a juntada, ao processo cópias das folhas de ponto, inclusive daqueles que substituíram os ―titulares dos postos. Tudo isso em prol da transparência das informações.

As situações acima dispostas dão ensejo à ausência da liquidação da despesa, em razão das impropriedades encontradas a seguir descritas:

- Quantitativo de empregados terceirizados que realizaram o serviço não condiz com o que foi pago;

- Terceirizados em férias, auxílio-doença, maternidade, licenças, dentre outros constando no quantitativo dos postos, sem a comprovação de volante;

- Faltas ao serviço, inclusive com desconto em folha de pagamento da empresa, com o pagamento integral da fatura e sem a comprovação do volante.

A fim de quantificar as impropriedades, a equipe de auditoria realizou o levantamento do serviço prestado, tendo como base documentos solicitados ao DEINFRA, como a folha de ponto dos terceirizados nos anos de 2009 e 2010, relação de cálculo constante do processo de pagamento, empenhos e as faturas.

Dessa forma, a equipe de auditoria confrontou os empenhos, com os documentos que comprovam a prestação de serviços, começando-se com o mês de janeiro de 2009 e o empenho, a fatura, as folhas de ponto e a relação de cálculo correspondente a esse mês e assim sucessivamente.

Primeiramente, foi realizado um cruzamento de informações entre a relação de cálculo, a folha de pagamento e a folha de ponto de cada mês, a fim de verificar se o quantitativo pago tinha equivalência com o número de postos preenchidos.

A evidência do comprometimento da prestação do serviço e, consequentemente, do pagamento irregular são demonstrados nos cartões de ponto preenchidos manualmente, em que se constatou que eram preenchidos todos os dias com o mesmo horário de entrada e de saída. Isso denota o preenchimento do documento em uma única vez, ao invés de ser dia a dia, situação confirmada em auditoria pelos próprios terceirizados e pelos gerentes.

Importante destacar que, a partir de dezembro de 2009, a folha de ponto passou a ser preenchida mecanicamente, situação que coincidiu com os abonos das faltas dos terceirizados por parte do DEINFRA, feito de forma manual. No período anterior, não havia necessidade de estar averbado o abono porque a folha de ponto de ponto era somente preenchida no final do mês. Ademais, os abonos por faltas, atrasos e saídas antecipadas não foram justificados e nem autorizados, situações que deveriam constar do relatório de fiscalização do contrato, indicando a ausência de controle e a gestão precária do serviço contratado.

Nas folhas de ponto foram constatadas as seguintes situações que evidenciam a ausência da prestação do serviço: a) Cartão Ponto preenchido manualmente em que todos apresentam os mesmos horários de entrada e saída para todos os dias, até meados de dezembro de 2009; b) Preenchimento de ponto da forma mecânica a partir do final de 2009, mas alterados manualmente e ratificados com a assinatura do Gerente de Operações do DEINFRA, tais como abono por atraso, por não preenchimento de ponto; ausência de comprovação de substituição (volante) na ocorrência de qualquer afastamento, tais como férias, licenças e afastamentos.

Da análise dos documentos, concluiu-se que houve pagamento irregular no valor total de R$ 281.952,73 (duzentos e oitenta e um mil, novecentos e cinquenta e dois reais e setenta e três centavos), somando-se os valores resultantes das inconsistências entre os dados quantitativos de postos previstos na fatura, folha de ponto e relação de cálculo para pagamento (período de janeiro de 2009 a julho de 2010), pela falta de fiscalização do contrato e pela ingerência direta sobre os terceirizados, demonstradas pelas licenças, afastamentos, faltas abonadas, ausência de folha de ponto, bem como o seu não preenchimento, ausência de comprovação de preenchimento do posto por volante nos casos de faltas, férias e licenças, sem comprovação, portanto, da efetiva prestação do serviço na forma contratada, conforme analiticamente demonstrado nas Tabelas 1 a 21 do Anexo12.

Em resposta, o Sr. Romualdo Theophanes de França Júnior apresentou os mesmos argumentos já devidamente afastados ao longo deste parecer. Já a empresa Profiser – Serviços Profissionais Ltda. acostou uma planilha demonstrativa da proporcionalidade do valor faturado quando da ausência de colaborador no posto de serviço e afirmou que não há evidências de pagamentos indevidos.

Tais justificativas, entretanto, não se mostraram capazes de sanar a irregularidade, pois, conforme bem expôs a instrução, a empresa já apresentou, quando do reajuste contratual, nota fiscal com os valores reajustados como se tivesse trabalhado e recebido integralmente (fl. 809), o que prejudica as informações apresentadas nesta fase processual. Destarte, os documentos de fls. 306-803, 824-2110 e 2199-2361 acabam por confirmar o apontamento, já que bem demonstram o desacordo entre as informações das bases de cálculo, das notas fiscais e dos cartões pontos dos funcionários terceirizados.

Não tendo sido apresentados argumentos capazes de sanar a presente restrição, opino pela manutenção da irregularidade, com a imputação de débito, reajustado pela Área Técnica, no montante de R$ 224.137,25 (fls. 2931-2957), ao Sr. Romualdo Theophanes de França Júnior e à empresa Profiser – Serviços Profissionais Ltda.

8. Instituto da terceirização no DEINFRA.

Esta Representante Ministerial ainda verificou, à fl. 2927v, as informações extraídas pela instrução do sistema e-Sfinge acerca dos gastos com pessoal e encargos sociais (R$ 49.929.773,46) e com serviços terceirizados (R$ 29.900.343,76) no Departamento Estadual de Infraestrutura.

A partir da análise dos dados apresentados, verifica-se que as despesas realizadas no exercício de 2014 decorrentes de contratos de terceirização correspondem a um elevadíssimo percentual, no total 59,88% do montante gasto com vencimentos e vantagens fixas dos servidores de seu quadro no mesmo exercício.

Com relação às despesas em questão, como já exaustivamente destacado no início deste parecer, o instituto da terceirização tem sido desvirtuado no âmbito do DEINFRA, aplicado a contratos que se prolongam por vários exercícios, sem nenhuma comprovação quanto a sua excepcionalidade e, ainda, para o desempenho de atividades contínuas e permanentes que deveriam ser atribuídas a servidores do quadro de pessoal do Órgão.

Nessa linha, há um número considerável de julgados dessa Corte de Contas que aplica multas aos gestores em face dessa irregularidade. Cito como exemplo as seguintes decisões: Acórdãos n. 0059/2010, n. 0005/2010, n. 0053/2010, n. 0143/2010, n. 0180/2010, n. 0283/2010, n. 0291/2010, n. 0373/2010, n. 0384/2010 e n. 0382/2010.

Observa-se, assim, que as despesas com serviços terceirizados têm obtido um aumento exorbitante no Órgão, como é possível se inferir das informações relativas ao exercício de 2014, onde houve um aumento de 96% se comparado ao exercício de 2008, sendo que, como bem frisado pela Diretoria de Controle da Administração Estadual, desde 1984 não há notícia de abertura de concurso público no DEINFRA, com exceção de edital para advogado autárquico.

Por tais razões esta Representante Ministerial sugere, ao final, a determinação para que o Departamento Estadual de Infraestrutura adote medidas para provimento dos cargos por meio de concurso público.

9. Conclusão.

Ante o exposto, o Ministério Público de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, inciso II da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, manifesta-se:

1. pela IRREGULARIDADE das contas em análise nestes autos, na forma do art. 18, inciso III, alíneas “b” e “c” c/c o art. 21, caput da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, diante das seguintes restrições:

1.1 Indevida dispensa do uso de uniforme e crachá dos empregados terceirizados, contrariando o Anexo III do Edital de Concorrência n. 204/05, o item 04 do Contrato PJ n. 101/06, o art. 63, § 2º, inciso I da Lei n. 4.320/64, o art. 58, inciso III c/c os arts. 67 e 68, todos da Lei n. 8.666/93;

1.2 Pagamento de serviços terceirizados sem a comprovação da sua efetiva prestação (devido preenchimento dos postos de trabalho contratados), contrariando as normas previstas no Contrato PJ n. 101/06 e nos arts. 60, 62 e 63 da Lei n. 4.320/64 e no art. 66 da Lei n. 8.666/93;

1.3 Irregularidade parcial do objeto contratado, em razão de previsão de serviço de digitação que não deveria ser integralmente executado na forma terceirizada, contrariando o art. 37, caput, da CRFB/88, o art. 16 da Constituição Estadual, o Anexo II – B da Lei Complementar Estadual n. 330/2006 e o art. 173 da Lei Complementar Estadual n. 381/2007;

1.4 Descaracterização do contrato de terceirização, em face de execução de atividades finalísticas e previstas em cargo próprio do Órgão, descumprindo o art. 37, caput e inciso II, da CRFB/88, o art. 21, inciso I, da Constituição Estadual e o Anexo II – B da Lei Complementar Estadual n. 330/2006;

1.5 Existência irregular de pessoalidade, habitualidade e subordinação entre os terceirizados e a Administração Pública, contrariando o art. 37, caput da CRFB/88, o art. 16 da Constituição Estadual, o Enunciado n. 331 do TST, os Prejulgados n. 1084 e 1891 desse Tribunal de Contas e o art. 2º do Decreto Estadual n. 556/03;

1.6 Ausência de fiscalização da execução dos serviços terceirizados, contrariando a Cláusula Sexta, item 2, 02, do Contrato PJ n. 101/06, o art. 63, § 2º, inciso I da Lei n. 4.320/64 e os arts. 67 e 68 da Lei n. 8.666/93;

1.7 Irregularidades relacionadas aos documentos enviados posteriormente, contrariando o disposto no item 2, subitens 02 e 07, do Contrato PJ n. 101/06, nos arts. 66 e 67, § 1º da Lei n. 8.666/93 e no art. 74, § 2º da CLT;

2. pela IMPUTAÇÃO DE DÉBITO aos responsáveis, na forma do art. 18, inciso III, alíneas “b” e “c”, c/c o art. 21, caput da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, nos valores abaixo registrados, devidamente atualizados, acrescidos dos juros legais e sem prejuízo da multa proporcional ao dano prevista no art. 68 da mesma Lei Complementar Estadual n. 202/2000, diante das restrições apontadas na conclusão do relatório de instrução e transcritas nos acima referidos itens 1.1 e 1.2 desta conclusão, da seguinte maneira:

2.1 ao Sr. Romualdo Theophanes de França Júnior, Diretor Presidente do Departamento Estadual de Infraestrutura à época, no valor de R$ 482,31, pela irregularidade apontada na conclusão do relatório de reinstrução e transcrita no acima referido item 1.1 desta conclusão;

2.2 ao Sr. Romualdo Theophanes de França Júnior, já qualificado, e à empresa Profiser – Serviços Profissionais Ltda., de forma solidária, no montante de R$ 224.137,25, pela irregularidade anotada na conclusão do relatório de reinstrução e transcrita no acima referido item 1.2 desta conclusão;

3. pela APLICAÇÃO DE MULTA ao responsável, Sr. Romualdo Theophanes de França Júnior, já qualificado, na forma do art. 70, incisos I e II, da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, diante das irregularidades apontadas na conclusão do relatório de reinstrução e transcritas nos acima referidos itens 1.3 a 1.7 desta conclusão.

4. pelas DETERMINAÇÕES dispostas nos itens 4.5 e 4.6 do relatório de instrução final (fls. 2930-2930v);

5. pela REMESSA DE INFORMAÇÕES contidas nestes autos ao Ministério Público do Estado de Santa Catarina, em cumprimento ao disposto no art. 18, § 3º da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, para ciência dos fatos descritos nestes autos e adoção das providências cabíveis.

Florianópolis, 27 de abril de 2016.

  

 

Cibelly Farias Caleffi

Procuradora

 



[1] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 805.

[2] FURTADO, Lucas Rocha. Curso de Direito Administrativo. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2007, p. 338-339.

[3] Nesse sentido, vide Decisão TCU n. 680/95. Plenário. DOU, 28 dez. 1995.

[4] Dispõe nesse mesmo sentido o Decreto nº 2.271, de 07.07.1997, sobre a contratação de serviços pela Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional, a saber:

“Art. 1º No âmbito da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional poderão ser objeto de execução indireta as atividades materiais acessórias, instrumentais ou complementares aos assuntos que constituem área de competência legal do órgão ou entidade.

§ 1º As atividades de conservação, limpeza, segurança, vigilância, transportes, informática, copeiragem, recepção, reprografia, telecomunicações e manutenção de prédios, equipamentos e instalações serão, de preferência, objeto de execução indireta.

§ 2º Não poderão ser objeto de execução indireta as atividades inerentes às categorias funcionais abrangidas pelo plano de cargos do órgão ou entidade, salvo expressa disposição legal em contrário ou quando se tratar de cargo extinto, total ou parcialmente, no âmbito do quadro geral de pessoas.”

[5] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública: Concessão, Permissão, Franquia, Terceirização, Parceria Público-Privada e outras Formas. São Paulo: Atlas, 2005, p. 234-235.

[6] Neste contexto, oportuno citar as seguintes passagens doutrinárias:

“Inicialmente, cabe observar que os serviços possíveis de terceirização lícita são aqueles que não constituam o objeto da atividade exercida pelo tomador. Ou seja, as atividades fins do tomador do serviço devem, em regra, ser desempenhadas por seu quadro de empregados diretos, sendo-lhe possível terceirizar as atividades-meio, ou de mero expediente, como o serviço de limpeza de suas instalações.” in ZENKER, Fabíola Schmitt. Terceirização de serviços. Ciclo de estudos de controle público da administração municipal (13.). Florianópolis: Tribunal de Contas, 2011, p. 142.

“A Administração, para decidir de forma lícita a contratação dos serviços continuados, deverá observar a seguinte situação: 1. saber qual a missão institucional do órgão; 2. separar quais são as atividades-fim e meio do órgão; 3. a Administração só poderá contratar os serviços para a área meio; 4. observar que a contratação é para cargos extintos, seja total ou parcialmente, do quadro de pessoal; 5. observar que, ainda que a contratação de terceiros não se refira a área-fim, e sim a área-meio, os terceirizados não devem desempenhar atividades que envolvam patrimônio, atividades relacionadas a execução orçamentária e financeira ou até mesmo, controle de dados na área de informática, por exemplo. Dessa forma, a Administração, para ter uma terceirização lícita, terá de definir a atividade-meio e fim na forma da missão, pois só poderá contratar serviços para a área-meio se o cargo foi extinto ou está em extinção. As contratações que sejam para a área-fim do órgão e as atividades desenvolvidas por servidor público não são procedimentos corretos, portanto, combatidos pelos órgãos de controle e pelo Ministério Público do Trabalho, sendo firmados acordos com o cronograma de substituição dessa mão-de-obra por servidores concursados.” in VIEIRA, Antonieta Pereira; VIEIRA, Henrique Pereira; FURTADO, Madeline Rocha; FURTADO, Monique Rafaella Rocha. Gestão de Contratos de Terceirização na Administração Pública: Teoria e Prática. Belo Horizonte: Fórum, 2007, p. 27.

 

[7] FURTADO, Lucas Rocha. Curso de licitações e contratos administrativos. Belo Horizonte: Fórum, 2007, p. 543-544.

[8] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. São Paulo: Dialética, 2005, p. 513.

[9] Acórdão n. 1.450/2011, Plenário, TC – 021.726/2007-4, rel. Min. Augusto Nardes, j. 1º-6-2011.