PARECER  nº:

MPTC/40047/2016

PROCESSO nº:

TCE 10/00686261    

ORIGEM     :

Prefeitura de Águas de Chapecó

INTERESSADO:

Anildo Machado

ASSUNTO    :

Referente a irregularidades no Pregão Presencial nº 49/2009. Objeto: Aquisição de equipamento de análises laboratoriais

 

1 – RELATÓRIO

Cuida-se de Tomada de Contas Especial originada da conversão do processo n° REP-10/00686261, destinado a verificar possíveis irregularidade no Pregão Presencial nº 49/2009, realizado pela Prefeitura de Águas de Chapecó com vistas à aquisição de equipamento de análises laboratoriais.

Após o conhecimento da Representação e a realização de diligências visando ao saneamento do feito, auditores da Diretoria de Contratações e Licitações – DLC sugeriram a citação do responsável para se manifestar sobre irregularidades para as quais existe previsão legal de aplicação de multa; sucessivamente, opinou-se pela conversão dos autos em Tomada de Contas Especial, considerando indícios de superfaturamento na aquisição do produto licitado (fls. 353/358).

Manifestei-me pela conversão do processo em TCE, bem como pela citação do responsável para que apresentasse alegações em face de irregularidades potencialmente ensejadoras de imputação de débito e sanção pecuniária (fl. 359).

Acolhendo a orientação ministerial, o Exmo. Relator determinou a conversão do processo em TCE e a realização da citação (fls. 360/365), em voto posteriormente chancelado pelo Egrégio Tribunal Pleno por meio da Decisão n° 1283/2015 (fls. 366/366-v).

Citado (fl. 367-v), o Sr. Adilson Zeni, por meio de causídico constituído, apresentou tempestivamente suas alegações de defesa (fls. 380/443), após o deferimento de pedido de prorrogação do prazo inicial (fl. 379). 

Ato contínuo, auditores do Tribunal manifestaram-se pelo julgamento de irregularidade das contas, sem imputação de débito, bem como pela aplicação de multas ao responsável em virtude de irregularidades na realização do Pregão Presencial n° 49/2009 (fls. 446/455). 

Por derradeiro, vieram-me os autos.

 

2 – ANÁLISE

2.1 – Sobrepreço de R$ 28.500,00 pagos a maior na aquisição de equipamento de exame para laboratórios, pelo montante de R$ 59.000,00, através do Pregão Presencial n° 49/2009.

A principal controvérsia dos autos gira em torno do suposto sobrepreço praticado no Pregão Presencial n° 49/2009, por meio do qual a Prefeitura de Águas de Chapecó adquiriu o equipamento de exames laboratoriais Cobas Mira Plus CC, pelo preço de R$ 59.000,00 (fl. 172).

Auditores do Tribunal inicialmente vislumbraram, em caráter sucessivo, possível dano ao erário na ordem de R$ 18.202,83, considerando a diferença entre a quantia paga pela Unidade Gestora (R$ 59.000,00) e a média de todos os preços para o produto obtidos ao longo da instrução processual (R$ 40.979,17 – fls. 305 e 358).

Na época, manifestei-me pela conversão do processo em TCE em razão de possível débito no montante de R$ 29.875,00, levando em conta a diferença entre o valor pago pela Unidade (R$ 59.000,00) e a média dos preços para o produto obtidos através de documentos encaminhados pelos representantes e obtidos por auditores da DLC, sem levar em conta os apresentados pelo responsável (fls. 356 e 359).

O Exmo. Relator, por sua vez, determinou a conversão do processo em TCE sob a suspeita de possível dano ao erário no importe de R$ 28.500,00, levando em conta a diferença entre o valor pago (R$ 59.000,00) e a média dos preços para o produto obtidos através dos documentos encaminhados unicamente pelos representantes (fls. 363/365-v).

Para a fixação do quantum debeatur, o Exmo. Relator salientou que os valores juntados pelos representantes seriam os mais próximos da data da ocorrência do pregão, razão pela qual deveriam ser os únicos utilizados, em um primeiro momento.

Conforme tabela elaborada por auditores da DLC (fl. 305), todos os preços pesquisados para o mesmo produto, na época aproximada da licitação, evidenciaram a elevada quantia paga pela Unidade Gestora, sendo que a maioria das cotações apresentaram valor significativamente abaixo do montante pago (o preço mais próximo foi de R$ 4000,00 a menos).[1]

Deste modo, ainda que o responsável tenha aduzido em sua defesa a plena regularidade da aquisição, bem como a possível inidoneidade de alguns dos orçamentos apresentados, o fato é que todos os orçamentos e aquisições do mesmo produto juntados mostram preços inferiores aos praticados pela Unidade Gestora na aquisição do objeto licitado.

Conforme já decidiu o Tribunal de Contas da União,[2] preço aceitável “é aquele que não representa claro viés em relação ao contexto do mercado, ou seja, abaixo do limite inferior ou acima do maior valor constante da faixa identificada para o produto ou serviço”.

Portanto, tendo em vista que o superfaturamento de preços tem lugar no “processo de licitação de que resulta vencedora do certame uma proposta com preços superiores aos praticados no mercado”,[3] iniludível a ocorrência de irregularidade no caso ora tratado.

Em que pese as evidências de superfaturamento, as divergências quanto ao valor a ser ressarcido demonstram a dificuldade, no caso dos autos, em fixar com clareza os parâmetros do cálculo a ser efetuado.

Veja-se que, no julgamento do Acordão n° 469/2012, citado pelo Exmo. Relator,[4] o parâmetro adotado para o cálculo do dano levou em conta orçamento obtido na mesma concessionária de aquisição do veículo superfaturado, considerando ainda aquisições similares ocorridas em prefeituras próximas, na época da compra.

No caso em análise, não foram encontrados preços nessas circunstâncias, havendo tão somente prova de aquisição de produto similar pela Prefeitura de Curitibanos, três anos antes, por preço relativamente próximo ao valor pago pela Unidade Gestora (fls. 248/250).

Pertinente, neste sentido, o ensinamento de Jorge Ulisses Jacoby Filho:[5]

 

O preço praticado no mercado comum não é efetivamente referência válida para a Administração Pública porque essa, para preservar a isonomia exige que os licitantes estejam em dia com todos os tributos que incidem na atividade contratada, além da regularidade com o sistema de seguridade social e aceitem condições próprias de pagamento como nota de empenho. Com isso afasta-se da economia informal, muitas vezes a condutora da economia e indicadora de preços mais baixos. [...]

A regra que equaciona com precisão a adequação de preços é a que impõe o dever de a licitação balizar-se pelos preços praticados no âmbito da Administração Pública. Para aferir, por exemplo, um preço, deve-se buscar quanto outros órgãos estão pagando pelo mesmo objeto, seja serviço, fornecimento ou obra. Esse é o único parâmetro seguro para a decisão. (Grifo meu)

 

Na linha do ensinamento acima colacionado, o responsável procurou descaracterizar os orçamentos trazidos pelos representantes, sob o argumento de que os respectivos documentos não trouxeram informações precisas sobre a procedência e as características do produto comparado, bem como não mencionaram as condições pelas quais seriam fornecidos (fls. 301/302).[6]

Analisando com mais vagar os argumentos expendidos pela defesa, realmente mostra-se problemática a consideração, tanto dos preços trazidos pelos representantes quanto daqueles trazidos por auditores da DLC, como baliza preponderante para o cálculo do dano ao erário.[7]

É que todos os orçamentos acima referidos foram extraídos sob circunstâncias diversas, as quais não reproduzem satisfatoriamente as condições da compra, tendo em vista: a localização da venda (Porto Alegre e São Paulo), a falta de dados acerca da situação da empresa vendedora e da procedência de seus produtos, bem como da extensão de sua garantia, e ainda a falta de maiores especificações quanto ao grau de deterioração dos bens ofertados.   

Neste passo, tenho que a quantificação do dano ao erário não é precisa o suficiente para possibilitar a imputação de débito.

A respeito, colhe-se da jurisprudência do Tribunal de Contas de Santa Catarina:[8]

 

Por outro lado, consta-se que o débito atribuído ao responsável, no valor de R$ 383.604,41 na data do acórdão, foi obtido mediante estimativa, o que ofende, na visão deste relator, o princípio do devido processo legal e do contraditório e da ampla defesa, uma vez que a quantificação do dano, para fins de imputação de débito, deve ser precisa, não comportando indefinição quanto ao seu montante, ponderações, percentual médio, ou probabilidades. (Grifei)

 

Dessarte, entendo deva haver, quanto ao ponto, apenas aplicação de sanção pecuniária pelo cometimento da seguinte irregularidade: - aquisição de produto por preço acima do praticado no mercado - sobrepreço, em afronta ao disposto no art. 15, III e V, e art. 43, IV, ambos da Lei n° 8.666/93.

Passa-se ao exame das irregularidades para as quais existe previsão legal de multa, na ordem tratada nas alegações de defesa do responsável.

 

2.2 – Restrição à participação de outras marcas, mediante especificação do bem a ser adquirido no item 2 do objeto do Edital. 

Auditores do Tribunal suscitaram a identidade na descrição do objeto do edital e na descrição formulada pela licitante vencedora,[9] a fim de demonstrar o direcionamento indevido da licitação para produto específico; fundamentaram a irregularidade no art. 3°, II, da Lei n° 10.520/2009,[10] argumentando que a especificação excessiva, constante no item 2 do edital, impediu a elaboração de propostas por outras empresas.

O responsável procurou inverter a argumentação, aduzindo que deveria ter havido a comparação do item licitado com outros produtos no mercado, a fim de evidenciar que os demais não poderiam atingir aquelas características (fl. 384).

Não foram oferecidas razões de ordem técnica ou prática para as especificações exigidas no edital,[11] as quais se encaixam com perfeição à descrição do equipamento Cobas Mira Plus CC, oferecida pela empresa QUIMIOLAB.[12]

Contudo, em nenhum momento da instrução foram trazidas provas de que as características demandadas no objeto do edital eram exclusivas do produto licitado.

Muito embora haja perfeita identidade entre as descrições apontadas, percebe-se que a licitante vencedora, no afã de compatibilizar sua proposta com o objeto licitado, possivelmente tenha copiado em sua proposta a descrição constante no edital.

Tal constatação é reforçada pelas descrições técnicas, do mesmo objeto licitado, fornecidas pelas empresas ILHALAB[13] e LABOCAIRES[14], as quais possuem alguns dados diferentes da descrição apresentada pela empresa QUIMIOLAB, por exemplo, em relação à capacidade de testes, quantidade/volume de amostra e quantidade/volume do reativo/reagente.

À míngua de maiores provas técnicas no sentido de que a descrição prevista no objeto da licitação efetivamente restringiu a possibilidade de participação de outras marcas e produtos similares, entendo que a restrição possa ser resolvida com a formulação de recomendação ao gestor da Unidade que justifique as especificações técnicas exigidas em processos licitatório, procurando evitar aquelas que possam caracterizar direcionamento da licitação.

Em sentido aproximado, o Tribunal de Contas da União já teve oportunidade de decidir:[15]

 

VISTOS, relatados e discutidos estes autos de representação originária do Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo, acerca do Edital do Pregão Presencial 162/2011, do Município de Castelo/ES, destinado à aquisição de retroescavadeira, plantadeira e sulcador para atender as necessidades da Secretaria Municipal de Agricultura, financiados com recursos oriundos do Contrato de Repasse 0324480- 25/2010/MAPA/CAIXA. ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em sessão da 2ª Câmara, diante das razões expostas pelo relator, em:

9.1. com fundamento no art. 235 c/c o art. 237, inciso VI, do Regimento Interno do TCU, conhecer da presente Representação, para, no mérito, considerá-la procedente; 9.2. nos termos do art. 71, inciso IX, da Constituição Federal, c/c o art. 45 da Lei 8.443/1993, fixar prazo de 15 (quinze) dias, contados da ciência desta deliberação, para que a Prefeitura Municipal de Castelo/ES adote as medidas necessárias para o exato cumprimento da lei, no sentido de promover a anulação do Edital do Pregão Presencial 162/2011;

9.3. determinar, com fundamento no art. 250, inciso II, do Regimento Interno/TCU, ao Município de Castelo/ES que, doravante, abstenha-se de incluir em editais cujo objeto seja custeado, no todo ou em parte, com recursos públicos federais: [...]

9.3.3. especificações técnicas de bens que possam caracterizar direcionamento a um dado fabricante, a exemplo do requisito "sistema hidráulico de centro fechado com bomba hidráulica de pistão com deslocamento variável" constante do Edital do Pregão Presencial 162/2011, exceto se presentes nos autos do procedimento licitatório justificativas consistentes que apontem a necessidade e o benefício a ser gerado ao ente contratante;

9.4. dê ciência desta deliberação ao Município de Castelo/ES, à Regional. 18 Processo: REP-13/00369270 - Relatório: DLC - 442/2013. de Sustentação ao Negócio - Governo, da Caixa Econômica Federal - CEF, bem como à Superintendência Federal de Agricultura do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento - SFA/MAPA; 9.5. determinar a Secex-ES que monitore o cumprimento deste Acórdão, requisitando o novo edital, em substituição ao ora anulado. [...] (Grifo meu)

 

Destarte, propugno pela formulação de recomendação, no ponto.

 

2.3 – Ausência de publicidade do adiamento da abertura e da retificação do edital referente ao Pregão Presencial n° 49/2009; ausência de processamento com a não abertura do referido pregão; ausência de exame prévio do edital retificado pela assessoria jurídica do órgão; e não cumprimento do prazo mínimo de publicidade de 8 dias úteis referente ao edital retificado.

Entre os fatos representados, foram extraídas ainda quatro irregularidades de ordem formal no processamento do pregão em destaque, como segue (fl. 366-v):

 

- Ausência de publicidade do adiamento da abertura e da retificação do Edital, contrariando o disposto no §4º do art. 21 e no caput do 3º (princípio da publicidade) da Lei (federal) n. 8.666/93;

- Ausência de processamento com a não abertura do certame prevista para o dia 15 de outubro, descumprindo o princípio da vinculação ao instrumento convocatório tendo em vista que a publicidade de nova data se deu após o dia marcado no Edital, previsto no caput do art. 3º da Lei (federal) n. 8.666/93 e no §1º do art. 43 da Lei (federal) n. 8.666/93;

- Ausência de exame prévio e da aprovação pela assessoria jurídica do Edital n. 49/09 - retificado, contrariando o disposto no parágrafo único do art. 38 da Lei (federal) n. 8.666/93;

- Não cumprimento do prazo mínimo de publicidade de 8 (oito) dias úteis no Edital, conforme o disposto no inciso V do art. 4º da Lei (federal) n. 10.520/02.

 

O responsável sustenta que o feixe de irregularidades em comento constitui uma conexão íntima de eventos, a qual justificaria aplicação de apenas uma sanção pecuniária (fls. 384/387).

Não merece guarida a tese defensiva brandida, porquanto as condutas irregulares apontadas, conquanto interconectadas, não se confundem umas com as outras, guardando autonomia em relação às demais.

Com efeito, ainda que tenha sido desrespeitado o prazo inicial para abertura do certame (15-10-2009), em violação ao princípio da vinculação ao instrumento convocatório, deveria a Unidade Gestora ter informado, na republicação, a alteração da data da abertura e a retificação do edital republicado em 16-10-2009 (fls. 239/240), nos termos do art. 21, § 4°, da Lei n° 8.666/93.[16]

Nesta direção, Joel de Menezes Niebuhr[17] ensina que, “se for necessário alterar o instrumento convocatório, é obrigatória a publicação de tal alteração e a recontagem, desde o início, do prazo de publicidade dele, nos mesmos veículos onde o aviso fora publicado”.

De outro quadrante, a falha na publicidade da retificação não justifica a ausência do exame prévio do edital retificado pela assessoria jurídica, tal qual exigido pelo art. 38, parágrafo único, da Lei n° 8.666/93,[18] tampouco o descumprimento do prazo mínimo legal de publicidade relativamente ao mesmo edital retificado, exigido pelo art. 4°, V, da Lei n° 10.520/2002.[19]

Deste modo, considerando a autonomia das irregularidades cometidas pelo responsável, mostra-se devida a aplicação de multas individuais, tal qual proposto por auditores do Tribunal.

 

2.4 – Imprecisão na descrição do objeto do Edital

Auditores do Tribunal identificaram possível irregularidade na descrição do objeto licitado através do Pregão Presencial n° 49/2009, sob o argumento de que não foi devidamente especificado no edital se o objeto pretendido deveria/poderia ser novo ou usado, em suposta afronta ao art. 40, I, da Lei n° 8.666/93.[20]

Não vislumbro a existência de afronta à lei de regência das licitações na falta da especificação descrita por auditores, tendo em vista que a aquisição de produtos novos ou usados se encontra na legítima esfera discricionário do administrador público.

Se o Pregão Eletrônico n° 49/2009 não trouxe previsão sobre a necessidade de equipamento novo ou usado, deixou margem legal implícita para que ambos fossem apresentados nas propostas a serem analisadas pelo critério do menor preço, tal qual previsto no item 6.2 do edital (fl. 107).

Ao contrário do afirmado, a falta de previsão acerca do ponto não restringiu o caráter competitivo da licitação, pois não impediu que, por meio da livre competição, determinada empresa oferecesse um equipamento novo por um menor custo.

De outro lado, a afirmação feita por auditores, no sentido de que o equipamento foi adquirido pelo preço de um novo, quando na verdade era usado, confunde-se com a irregularidade tratada no item 3.2.1 do Relatório n° DLC-645/2015, relativa ao superfaturamento da compra.

Por tais motivos, opino pela desconsideração da irregularidade ora tratada.

 

2.5 – Desconversão do processo

Ao final de sua defesa, o responsável pugnou pela desconversão da TCE, sob o argumento de que, tendo sido verificada a inexistência de dano ao erário, não haveriam razões para o julgamento de irregularidade de contas, considerando que as restrições têm origem em processo de Representação (fl. 388).

Auditores da DLC recomendaram a negativa do pedido, aduzindo inexistir previsão do ato nas leis processuais do Tribunal de Contas (fl. 453-v/454-v).

Muito embora inexista, na legislação aplicável ao TCE/SC, dispositivo legal disciplinando a prática, importante referenciar que a questão vem ganhando espaço no âmbito da jurisdição de contas. 

Por exemplo, no Tribunal de Contas da União, cuja legislação também não prevê o aludido fenômeno, percebe-se relevante divergência sobre a possibilidade, havendo julgados recentes tanto favoráveis,[21] quanto contrários à medida.[22]

Veja-se que, no âmbito do TCE/SC, a Conselheira Substituta Sabrina Nunes Iocken, no julgamento do processo n° TCE-12/00275265,[23] votou recentemente pelo retorno dos autos à sua natureza original, em razão da inexistência de débito constatada ao final da Tomada de Contas Especial.[24]

Analisando o contexto da questão, é possível inferir que uma das principais causas que motivam o pedido de desconversão refere-se às possíveis consequências que o julgamento de irregularidade de contas traria ao jurisdicionado em matéria eleitoral, tendo em conta a lista prevista no art. 11, § 5°, da Lei n° 9.504/97.[25]

Ocorre que o advento da Resolução n° TC-96/2014 parece ter resolvido grande parte dessa problemática, uma vez que, em seu art. 1°, I,[26] foi previsto que a lista de gestores destinada à Justiça Eleitoral será integrada, automaticamente, por aqueles que tiveram suas contas julgadas irregulares com imputação de débito, ou imputação de débito e multa.

Segundo informou o Conselheiro Adircélio de Moraes Ferreira Júnior,[27] quando da análise do processo administrativo que cuidou do projeto da extinta Resolução n° TC-64/2012 (revogada pela Resolução n° TC-96/2014),[28] a situação guarda consonância com a prática que vem sendo adotada pelo TCU, “que termina por não incluir na lista a ser enviada à Justiça Eleitoral, os responsáveis por tomadas de contas que deveriam ser julgadas irregulares apenas com aplicação de multa”.

Ademais, de acordo com o § 1° do aludido dispositivo, também devem fazer parte da lista os responsáveis por irregularidade insanável apurada em outros processos que não os de Prestação ou Tomada de Contas, desde que a decisão neles proferida reconheça a existência de indícios da prática de improbidade administrativa pelo responsável, fato que reduz a importância do tipo de processo julgado, privilegiando a matéria em detrimento da forma.

Veja-se que, no julgamento do processo acima citado (TCE-12/00275265), o Conselheiro Substituto Cleber Muniz Gavi, em voto divergente acompanhado pelo Conselheiro Julio Garcia, manifestou-se contrariamente ao procedimento da desconversão, tendo elencado relevantes argumentos de ordem prática:[29]

 

Por outro lado, aspectos práticos revelam que tal medida [desconversão] solucionaria apenas parcialmente o problema.

Há, por exemplo, casos em que o débito é imputado a apenas um ou alguns dos responsáveis. Mas mesmo aquele atingido somente pela sanção de multa será alcançado pelo julgamento irregular das contas (a não imputação de débito para este responsável, portanto, não surte efeitos).

Cabe lembrar, ademais, daqueles casos em que a tomada de contas especial é instaurado na própria unidade jurisdicionada, situação na qual não poderia esta Corte em hipótese alguma efetuar a “desconversão”.

E porque não mencionar os casos das prestações de contas de administrador, nos quais, embora não haja qualquer proposição de débito, permanece o julgamento pela irregularidade de contas mesmo quando a análise está adstrita a restrições passíveis de multas.

Subsistem, portanto, diversas situações nas quais a inexistência de débito não resguarda a parte responsável quanto ao julgamento irregular de contas. Nesta conjuntura, a intenção de solucionar um problema poderia reproduzir inúmeros outros, pois as partes interessadas poderiam suscitar a existência de tratamento não isonômico apenas em função da nomenclatura aposta na capa de um ou outro processo.

Por estas, divirjo da proposta de retorno do processo a sua configuração original. (Grifos meus)

 

As considerações levantadas suscitam importantes óbices à plena adoção da prática que se propugna, e deverão ser levadas em conta nos debates vindouros, com vistas ao amadurecimento da questão.

De todo modo, no caso em apreço, não procede a alegação formulada pelo responsável no sentido de que a ausência de imputação de débito afasta a irregularidade que ensejou a conversão do processo, justificando o retorno do processo ao estado anterior.

Isso porque, não obstante tenha sido desconsiderada a imputação de débito, foi mantida a irregularidade que motivou a conversão, consubstanciada na aquisição de produto com sobrepreço, não tendo havido condenação ao ressarcimento apenas pela circunstância de inexistirem elementos suficientes para quantificação do dano.

Ou seja, o dano ao erário que motivou a conversão virtualmente persiste, não tendo se concretizado apenas pela falta de liquidez.

Diante dessas razões, propugno pela manutenção do estado processual vigente.

 

3 - CONCLUSÃO

Ante o exposto, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, com amparo na competência conferida pelo art. 108 da Lei Complementar n° 202/2000, manifesta-se pela adoção das seguintes providências:

3.1 – DECISÃO de IRREGULARIDADE das CONTAS, sem imputação de débito, nos termos do art. 18, III, b, da Lei Complementar n° 202/2000.   

3.2 – APLICAÇÃO de MULTAS ao Sr. Adilson Zeni, ex-prefeito de Águas de Chapecó, nos termos do art. 70, II, da Lei Complementar n° 202/2000, em virtude das seguintes irregularidades:

3.2.1 - Aquisição de produto por preço acima do praticado no mercado - sobrepreço, em afronta ao disposto no art. 15, III e V, e art. 43, IV, ambos da Lei n° 8.666/93;

3.2.2 - Ausência de publicidade do adiamento da abertura e da retificação do Edital, contrariando o disposto no art. 21, § 4º, e no art. 3°, caput, da Lei n° 8.666/93 (princípio da publicidade);

3.2.3 - Ausência de processamento com a não abertura do certame prevista para o dia 15 de outubro, descumprindo o princípio da vinculação ao instrumento convocatório, tendo em vista que a publicidade de nova data se deu após o dia marcado no Edital, em afronta ao disposto no art. 3º, caput, e art. 43, § 1°, da Lei n° 8.666/93;

3.2.4 - Ausência de exame prévio e da aprovação pela assessoria jurídica do Edital nº 49/2009 - retificado, contrariando o disposto no art. 38, parágrafo único, da Lei n° 8.666/93;

3.2.5 - Não cumprimento do prazo mínimo de publicidade de 8 dias úteis no Edital, conforme disposto no art. 4°, V, da Lei n° 10.520/2002.

3.3 – RECOMENDAÇÃO ao gestor da Prefeitura de Calmon que se abstenha de incluir, em editais para aquisição de bens, especificações técnicas que possam caracterizar direcionamento a um dado fabricante, exceto se presentes nos autos do procedimento licitatório justificativas consistentes que apontem a necessidade e o benefício a ser gerado ao ente contratante.

Florianópolis, 3 de maio de 2016.

 

Aderson Flores

Procurador



[1] Deve ser desconsiderado, na análise da referida tabela, o orçamento da empresa Santa Sul Ltda, o qual representa a proposta da licitante derrotada no pregão em análise, estando inserida no mesmo contexto do possível superfaturamento (fl. 71).

[2] Tribunal de Contas da União. Acórdão n° 2.170/2007, Plenário. Relator: Ministro Ubiratan Aguiar. Julgado em: 17-10-2007.

[3] FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Tomada de Contas Especial. 4ª ed. Fórum: Belo Horizonte, 2009. p. 190.

[4] Fl. 364-v, nota de rodapé.

[5] FERNANDES, Jorge Ulisses Fernandes. Tomada de contas especial. 4ª ed. Fórum: Belo Horizonte, 2009. p. 199.

[6] Os mesmos argumentos já haviam sido ventilados na manifestação inicial do responsável (fls. 227/228), tendo o Exmo. Relator se manifestado pela impossibilidade de afastamento das referidas provas apenas pelo fato de serem obtidas por meio eletrônico, ao menos em uma análise perfunctória dos autos (fl. 363-v). (Grifo meu)

[7] Todos os preços encontram-se referenciados na tabela de fl. 305.

[8] Processo nº REV-09/00568178. Relator: Conselheiro Júlio Garcia. Disponível em: <http://consulta.tce.sc.gov.br/RelatoriosDecisao/Decisao/900568178_3287914.htm>. Acesso em: 17-2-2016.

[9] Fls. 103 e 144, respectivamente.

[10] Art. 3º A fase preparatória do pregão observará o seguinte: [...]; II - a definição do objeto deverá ser precisa, suficiente e clara, vedadas especificações que, por excessivas, irrelevantes ou desnecessárias, limitem a competição; [...]

[11] Fl. 103.

[12] Fl. 144.

[13] Fls. 397/399.

[14] Disponível em <http://www.labocaires.com.br/cobas_mira_pluscc01.html>. Acesso em: 16-2-2016.

[15] Tribunal de Contas da União. Processo n° 000.262/2012-9. 2ª Câmara. Relator: Ministro Aroldo Cedraz. Acórdão n° 3769/2012. Data da sessão: 31-5-2012.

[16] Art. 21. [...] § 4o Qualquer modificação no edital exige divulgação pela mesma forma que se deu o texto original, reabrindo-se o prazo inicialmente estabelecido, exceto quando, inquestionavelmente, a alteração não afetar a formulação das propostas.

[17] NIEBUHR, Joel de Menezes. Licitação pública e contrato administrativo. 2ª ed. Fórum: Belo Horizonte, 2011. p. 310.

[18] Art. 38. [...]. Parágrafo único. As minutas de editais de licitação, bem como as dos contratos, acordos, convênios ou ajustes devem ser previamente examinadas e aprovadas por assessoria jurídica da Administração.

[19] Art. 4º A fase externa do pregão será iniciada com a convocação dos interessados e observará as seguintes regras: [...]; V - o prazo fixado para a apresentação das propostas, contado a partir da publicação do aviso, não será inferior a 8 (oito) dias úteis; [...].

[20] Art. 40. O edital conterá no preâmbulo o número de ordem em série anual, o nome da repartição interessada e de seu setor, a modalidade, o regime de execução e o tipo da licitação, a menção de que será regida por esta Lei, o local, dia e hora para recebimento da documentação e proposta, bem como para início da abertura dos envelopes, e indicará, obrigatoriamente, o seguinte: I - objeto da licitação, em descrição sucinta e clara; [...]

[21] Acórdão n° 1723/2009 (Plenário), Acórdão n° 2303/2009 (Plenário), Acórdão n° 700/2012 (Plenário) e Acórdão n° 625/2014 (2ª Câmara).

[22] Acórdão n° 6281/2014 (1ª Câmara), Acórdão n° 1851/2014 (Plenário) e Acórdão n° 1674/2014 (Plenário).

[23] Data: 2-9-2015.

[24] Conforme será abordado mais adiante, votos divergentes foram proferidos no processo.

[25] Art. 11. Os partidos e coligações solicitarão à Justiça Eleitoral o registro de seus candidatos até as dezenove horas do dia 5 de julho do ano em que se realizarem as eleições. [...] § 5º Até a data a que se refere este artigo, os Tribunais e Conselhos de Contas deverão tornar disponíveis à Justiça Eleitoral relação dos que tiveram suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável e por decisão irrecorrível do órgão competente, ressalvados os casos em que a questão estiver sendo submetida à apreciação do Poder Judiciário, ou que haja sentença judicial favorável ao interessado. (Grifei)

[26] Art. 1º O Tribunal de Contas do Estado, no ano em que se realizarem eleições, encaminhará à Justiça Eleitoral, até o dia cinco (5) do mês de julho, a relação dos responsáveis que nos oito (8) anos imediatamente anteriores ao da realização de cada eleição: I – tiveram suas contas julgadas irregulares, na forma do inciso III do art. 1º da Lei Complementar n. 202, de 15 de dezembro de 2000, com imputação de débito, ou imputação de débito e multa, com trânsito em julgado; [...]. (Grifo meu)

[27] Tribunal de Contas do Estado. PNO-12/00107044.  Disponível em: <http://www.tce.sc.gov.br/files/file/acom/PNO%20Lista%20TRE.pdf>. Acesso em: 29-4-2016.

[28] Ambas cuidam dos procedimentos para envio da relação de responsáveis que tiveram as contas julgadas irregulares à Justiça Eleitoral.

[29] Tribunal de Contas do Estado. Processo n° TCE-12/00275265. Voto sem número. Conselheiro Substituto Cleber Muniz Gavi. Data: 2-12-2015.