PARECER nº:

MPTC/43345/2016

PROCESSO nº:

REP 14/00580444    

ORIGEM:

Prefeitura Municipal de São José

INTERESSADO:

Amauri Valdemar da Silva

ASSUNTO:

Irregularidades concernentes à construção do Centro Educacional Municipal Cristo Rei.

 

 

 

Trata-se de representação, apresentada pelo Sr. Amauri Valdemar da Silva, Vereador de São José, para apreciação dessa Corte de Contas (fls. 2-9). A Representação foi protocolizada nesse Tribunal em 22/10/2014, sendo procedida a autuação do processo, sob o nº REP 14/00580444.

O representante relata a ocorrência de supostas irregularidades relacionadas à construção do Centro Educacional Municipal Cristo Rei, São José, alegando que a obra teria sido concluída em 2012 e, desde então, ainda não foi utilizada pela Administração, permanecendo fechada, com graves prejuízos ao erário e aos munícipes.

A Diretoria de Controle de Licitações e Contratações elaborou o Relatório de Instrução Preliminar DLC – 725/2014 (fls. 10-11), opinando pelo não conhecimento da representação e arquivamento dos autos, nos seguintes termos:

5. CONCLUSÃO

Considerando que a representação efetuada pelo Vereador do Município de São José, Sr. Amauri Valdemar da Silva, não está redigida em linguagem clara e objetiva, e que não está acompanhada de indícios de provas, entende esta Instrução que pode o Exmo. Sr. Relator, com fulcro no art. 59 da Constituição Estadual, no art. 1o, inciso XVI da Lei Complementar no 202/2000 e no art. 1o do Regimento Interno (Resolução TC-06/01), decidir o seguinte:

5.1. Não conhecer da presente representação, por não preencher os requisitos do § 1º do art. 65 da LC nº. 202/2000.

5.2. Determinar o arquivamento do Processo.

5.3. Dar ciência desta decisão, bem como do presente relatório e voto do Relator que a fundamenta à Câmara de Vereadores de São José e ao Vereador, Sr. Amauri Valdemar da Silva.

[grifei]

Este Órgão Ministerial requisitou à Administração Municipal a “remessa de informações acerca do andamento e eventual conclusão das obras [...] além de documentação referente aos pagamentos à empresa responsável [...]”.

Mediante Ofício n.º 298/2015 – PGM, datado de 24.03.2015 (fl. 14), o Município de São José, encaminhou a documentação solicitada, constante dos autos às folhas 15 a 807.

Por meio do Parecer MPTC/29852/2014 (fls. 809 a 821), datado de 09.07.2015, opinei pelo conhecimento da Representação, posição merecedora de acolhida pela Sra. Relatora, que em 02.09.2015, através de Despacho GASNI n.º 49/2015 (fls. 827 e 828), exarou o que segue:

1. Conhecer da representação formulada pelo Sr. Amauri Valdemar da Silva, Vereador de São José, tendente a averiguar supostas irregularidades na construção do Centro Educacional Municipal Cristo Rei.

2. Determinar à Diretoria de Controle de Licitações e Contratações (DLC) que analise a documentação acostada aos autos e que, ademais, sejam adotadas providências, inclusive diligências, inspeções e auditorias que se fizerem necessárias junto à Prefeitura Municipal de São José, com vistas à apuração dos fatos apontados como irregulares nos presentes autos.

3. Determinar à Secretaria Geral (SEG/DICE), nos termos do art. 36, § 3º, da Resolução n. TC-09/2002, alterado pelo art. 7º da Resolução n. TC-05/2005, que proceda à ciência do presente despacho aos Conselheiros e aos demais Auditores.

[...]

Ato contínuo, o processo retornou à DLC, que procedeu a realização de diligência, solicitando à Unidade Gestora informações e documentos, nos seguintes termos (fls. 883 e 883-v):

Em relação ao Contrato n.º 688/2011, celebrado com a empresa ENDEAL ENGENHARIA E CONSTRUÇÕES LTDA., para construção de centros de educação infantil com área de 6.221,70 m², pelo valor de R$ 8.875.926,16, solicita-se a seguinte documentação e/ou informações:

- Medidas adotadas em relação à retirada de pessoas da empresa ENDEAL ENGENHARIA E CONSTRUÇÕES LTDA., da referida obra, bem como no sentido de a Administração Municipal ter acesso completo à obra, comprovando-as a este TCE;

- Relação de todos os pagamentos efetuados à empresa ENDEAL ENGENHARIA E CONSTRUÇÕES LTDA., em relação a este contrato/obra, por meio de relatórios detalhados e razão do credor;

- Demonstração das demais medidas adotadas pela municipalidade no sentido de concluir a obra e iniciar sua utilização.

Com a devida juntada de documentação por parte da Unidade Gestora (fls. 836 à 844), a Diretoria de Controle de Licitações e Contratos elaborou o Relatório de Instrução Plenária DLC-057/2016, recomendando, em suma, o acolhimento das justificativas apresentadas pelo Responsável e a improcedência da Representação.

É o relatório.

Passo à análise das razões assinaladas para a sugestão de improcedência.

1. Análise

De pronto, cabe deduzir que as alegações apresentadas pelo Responsável em face dos questionamentos da DLC pouco acrescentam aos fatos já previamente conhecidos, constantes dos autos do processo e, inclusive, expostos por este Órgão Ministerial, quando manifestou-se pelo conhecimento da presente Representação, no parecer MPTC/29852/2014, nas folhas 809 à 821 dos autos.

Nova, tão somente a informação prestada pelo Procurador-Geral do Município de que restou frustrada nova tentativa de entendimento com a empresa em questão, razão pela qual informa que está tomando providências no sentido de judicializar a questão.

Diante da afirmação do referido procurador, assim manifestou-se a instrução, em seu Relatório de Instrução:

Constata-se, portanto, que, conforme informado pelo Procurador Geral do Município, haverá judicialização da questão. Logo, as questões levantadas pelo Representante serão tratadas em âmbito judicial, não cabendo, no presente caso, atuação deste Tribunal de Contas do Estado.

Ora, é fartamente consagrado o princípio de independência das instâncias, em que a discussão da lide no âmbito judicial não afasta sua apreciação na esfera administrativa. Merece destaque a jurisprudência colhida do Supremo Tribunal Federal, que assim firmou:

E M E N T A: SERVIDOR PÚBLICO - PENA DE DEMISSÃO - RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA - INFRAÇÃO DISCIPLINAR COMETIDA NO DESEMPENHO DE ATIVIDADE FUNCIONAL - ALEGAÇÃO DE NULIDADES FORMAIS QUE INVALIDARIAM O PROCEDIMENTO DISCIPLINAR - INOCORRÊNCIA - AUTONOMIA DA ESFERA PENAL E DA INSTÂNCIA ADMINISTRATIVA - PRETENDIDA DEMONSTRAÇÃO DA INSUFICIÊNCIA DOS ELEMENTOS PROBATÓRIOS QUE DERAM SUPORTE À PUNIÇÃO DISCIPLINAR - INVIABILIDADE DA ANÁLISE DE FATOS E PROVAS EM SEDE MANDAMENTAL - MANDADO DE SEGURANÇA INDEFERIDO. –O processo mandamental não se revela meio juridicamente adequado à reapreciação de matéria de fato nem constitui instrumento idôneo à reavaliação dos elementos probatórios, que, ponderados pela autoridade competente, substanciam o juízo censório proferido pela Administração Pública. - Refoge, aos estreitos limites da ação mandamental, o exame de fatos despojados da necessária liquidez, pois o "iter" procedimental do mandado de segurança não comporta a possibilidade de instauração incidental de uma fase de dilação probatória. - A noção de direito líquido e certo ajusta-se, em seu específico sentido jurídico, ao conceito de situação que deriva de fato certo, vale dizer, de fato passível de comprovação documental imediata e inequívoca. - As informações prestadas em mandado de segurança pela autoridade apontada como coatora revestem-se de presunção relativa ("juris tantum") de veracidade. - As decisões emanadas do Poder Judiciário não condicionam o pronunciamento censório da Administração Pública nem lhe coarctam o exercício da competência disciplinar, exceto nos casos em que o juiz vier a proclamar a inexistência de autoria ou a inocorrência material do próprio fato, ou, ainda, a reconhecer a configuração de qualquer das causas de justificação penal. - O exercício do poder disciplinar, pelo Estado, não está sujeito ao prévio encerramento da "persecutio criminis" que venha a ser instaurada perante órgão competente do Poder Judiciário. As sanções penais e administrativas, qualificando-se como respostas autônomas do Estado à prática de atos ilícitos cometidos pelos servidores públicos, não se condicionam reciprocamente, tornando-se possível, em conseqüência, a imposição da punição disciplinar, independentemente de prévia decisão da instância penal. Precedentes. - Flagrante preparado e flagrante esperado: situações que não se confundem. Intervenção ulterior da Polícia para obstar a consumação do delito cujo "iter" foi espontaneamente iniciado pelo próprio agente da infração penal. Legitimidade desse comportamento dos órgãos policiais. Jurisprudência.

(MS 22155, Relator(a):  Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 27/09/1995, DJ 24-11-2006 PP-00064 EMENT VOL-02257-03 PP-00600 LEXSTF v. 29, n. 338, 2007, p. 167-189)

 

MANDADO DE SEGURANÇA. TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. COMPETÊNCIA. ART. 71, II, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL E ART. 5º, II E VIII, DA LEI N. 8.443/92. TOMADA DE CONTAS ESPECIAL. VIOLAÇÃO AOS ARTS. 148 A 182 DA LEI N. 8.112/90. INOCORRÊNCIA. PROCEDIMENTO DISCIPLINADO NA LEI N. 8.443/92. AJUIZAMENTO DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PREJUDICIALIDADE DA TOMADA DE CONTAS ESPECIAL. IMPOSSIBILIDADE. INDEPENDÊNCIA ENTRE AS INSTÂNCIAS CIVIL, PENAL E ADMINISTRATIVA. QUESTÃO FÁTICA. DILAÇÃO PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. SEGURANÇA DENEGADA. 1. A competência do Tribunal de Contas da União para julgar contas abrange todos quantos derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte dano ao erário, devendo ser aplicadas aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, lei que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado aos cofres públicos [art. 71, II, da CB/88 e art. 5º, II e VIII, da Lei n. 8.443/92]. 2. A tomada de contas especial não consubstancia procedimento administrativo disciplinar. Tem por escopo a defesa da coisa pública, buscando o ressarcimento do dano causado ao erário. Precedente [MS n. 24.961, Relator o Ministro CARLOS VELLOSO, DJ 04.03.2005]. 3. Não se impõe a observância, pelo TCU, do disposto nos artigos 148 a 182 da Lei n. 8.112/90, já que o procedimento da tomada de contas especial está disciplinado na Lei n. 8.443/92. 4. O ajuizamento de ação civil pública não retira a competência do Tribunal de Contas da União para instaurar a tomada de contas especial e condenar o responsável a ressarcir ao erário os valores indevidamente percebidos. Independência entre as instâncias civil, administrativa e penal. 5. A comprovação da efetiva prestação de serviços de assessoria jurídica durante o período em que a impetrante ocupou cargo em comissão no Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região exige dilação probatória incompatível com o rito mandamental. Precedente [MS n. 23.625, Relator o Ministro MAURÍCIO CORRÊA, DJ de 27.03.2003]. 6. Segurança denegada, cassando-se a medida liminar anteriormente concedida, ressalvado à impetrante o uso das vias ordinárias.

(STF - MS: 25880 DF, Relator: EROS GRAU, Data de Julgamento: 07/02/2007, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 16-03-2007 PP-00022   EMENT VOL-02268-03 PP-00391 - RT v. 96, n. 862, 2007, p. 136-140 - LEXSTF v. 29, n. 340, 2007, p. 202-209 - RCJ v. 21, n. 133, 2007, p. 101-102

[grifei]

Em idêntico sentido aponta o entendimento do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, como depreende-se das seguintes ementas:

DIREITO ADMINISTRATIVO. POLICIAIS MILITARES. FICHA FUNCIONAL. ANOTAÇÃO DE 'MAU' COMPORTAMENTO APÓS A CONDENAÇÃO CRIMINAL. PRAZO PARA A ALTERAÇÃO DO COMPORTAMENTO APÓS O CUMPRIMENTO DA PENA. OBSERVÂNCIA DO LAPSO ESTIPULADO NO ART. 50 DO REGULAMENTO DISCIPLINAR DA POLÍCIA MILITAR, POR FORÇA DE PREVISÃO CONTIDA NO ART. 51 DO MESMO REGRAMENTO, PARA A RECLASSIFICAÇÃO. ADMISSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE BIS IN IDEM NA ANOTAÇÃO DA PENALIDADE, DIANTE DA INDEPENDÊNCIA ENTRE AS INSTÂNCIAS ADMINISTRATIVA E CRIMINAL. PRECEDENTE DESTE TRIBUNAL. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.    "O policial militar deve ter conduta moral e profissional irrepreensíveis e, quando deixar de observar os preceitos disciplinares e éticos da corporação militar, estará sujeito às sanções disciplinares previstas em lei. Diante do caráter independente das instâncias criminal e administrativa, o fato de o policial militar ter sido penalizado criminalmente não obsta a anotação de comportamento mau ou insuficiente em sua ficha funcional, como autoriza o regulamento disciplinar respectivo. (TJSC, AC n. 2013.010749-0, rel. Des. Jaime Ramos, j. 26.3.15). (TJSC, Apelação Cível n. 2013.010973-1, da Capital, rel. Des. Francisco Oliveira Neto, j. 22-03-2016).

O entendimento desse Tribunal de Contas, por certo, não se desvia do já referido, como indicam as seguintes ementas, retiradas do Informativo de Jurisprudência[1], in verbis:

Informativo de Jurisprudência do TCE/SC - N. 019 - Administrativo (Período - 01 a 18 de Dezembro de 2015)

Recurso de Reconsideração. Absolvição no juízo cível. Princípio da independência das instâncias. Ausência de fatos novos. Dano ao erário. Desprovimento. Prefeitura Municipal de Joaçaba.

O Tribunal Pleno conheceu o Recurso de Reconsideração interposto contra Acórdão proferido em processo de Tomada de Contas Especial, que julgou irregulares as contas do recorrente, com imputação de débito. A Tomada de Contas Especial tratou de irregularidades envolvendo a utilização de bens e prestação de serviços públicos em benefício de particulares, praticadas no âmbito da Prefeitura Municipal de Joaçaba, mais especificamente na Secretaria de Infraestrutura e Intendência de Agricultura do Município. Na peça recursal o recorrente aduziu que os fatos tratados na TCE foram igualmente apreciados nos autos da Ação Civil Pública n. 0000155-29.2012.8.24.0037, que tramitou na 1ª Vara Cível da Comarca de Joaçaba, juntando a íntegra da sentença prolatada visando desconstituir a decisão em seu desfavor. Argumentou, ainda, que o juízo cível não vislumbrou ato de improbidade administrativa ou ocorrência de prejuízo ao erário em razão da conduta dos réus, o que justificaria a revisão da decisão desta Corte e que a condenação em ambas as instâncias poderia resultar em dupla penalização pelos mesmos fatos. Negou-se provimento ao recurso, mantendo-se os termos da decisão pretérita, firmando entendimento de que: “pelo princípio da independência das instâncias, a Corte de Contas, no exercício de suas competências constitucionais, não fica vinculada às conclusões externadas pelo judiciário, eis que distintos os enfoques, ritos, e consequências a que se sujeita o responsável em cada seara”. REC-15/00163527. Rel. Aud. Cleber Muniz Gavi.

 

 Informativo de Jurisprudência do TCE/SC - N. 016 - Processual (Período - 01 a 30 de Setembro de 2015)

Tomada de Contas Especial. Aplicação de recursos sem atender ao interesse público. Débito. Decisão Judicial que julgou procedente ação civil pública de ressarcimento de dano ao erário com o mesmo objeto. Independência das instâncias.

O Tribunal Pleno julgou irregulares, com imputação de débito, as contas referentes à Tomada de Contas Especial e condenou o então presidente da Associação de Moradores do Médio Garcia– AMORMEGA, por dano ao erário decorrente da aplicação de recursos sem atender ao interesse público, repassados pelo Município de Blumenau a título de auxílio financeiro a esta Associação de moradores. Ponderou o Relator que "As despesas devem guardar razoável vinculação com a execução do objeto pactuado, evidenciando o nexo de causalidade entre os recursos recebidos, os comprovantes de despesas realizadas e os fins do projeto, sem que haja configuração de dano ao erário, locupletamento por parte do proponente ou desvio de finalidade na utilização dos valores. Gastos alheios ao objeto ou ao plano de trabalho/aplicação caracterizam desvio de finalidade na aplicação dos recursos, frustrando o acordo inicialmente pactuado e promovendo o desequilíbrio entre os esforços despendidos e os benefícios obtidos pelas partes contratantes, com nítido prejuízo ao interesse público. O ajuizamento de ação civil pública não retira a competência do Tribunal de Contas do Estado para apurar fatos oriundos de tomada de contas especial e condenar o responsável a ressarcir ao erário os valores indevidamente percebidos, em face da independência entre as instâncias civil, administrativa e penal (entendimento consolidado pelo Supremo Tribunal Federal nos autos MS 25880, Rel.:  Min. Eros Grau, de 07/02/2007, DJ 16/03/2007)" TCE-11/00394246. Rel. Aud. Cleber Muniz Gavi.

[grifei]

Por conseguinte, não é cabível admitir que, diante de uma mera promessa de judicialização da questão, esvai-se a função dessa nobre Corte de Contas na defesa da boa aplicação dos recursos públicos.

Por fim, o relatório confirma a informação – já trazida à luz no anteriormente citado parecer desta Procuradoria – acerca dos pagamentos efetuados pelo Município, nos seguintes termos (fls. 847-v e 828):

(...) houve a liquidação de R$ 8.325.503,31, havendo R$ 230.822,97 referentes a valores medidos, mas não liquidados, equivalente a apenas 2,8% do valor já pago, e R$ 319.599,88 de valores não medidos. Portanto, o motivo da paralisação da obra ter sido por falta de pagamento não procede.

Aqui há plena concordância com a Instrução. Falta de pagamento não foi o motivo da paralisação da obra. Tal afirmação traz consigo, de forma inseparável, a dúvida: qual foi, então, o motivo? Outras perguntas, ainda, quedam sem resposta:

1)     A quem deve ser atribuída a responsabilidade pelos prejuízos causados ao erário público com os danos já causados à obra inconclusa, como demonstrado às folhas 88 a 115 dos autos?

2)     Houve adequada fiscalização por parte do Poder Público Municipal, uma vez que o próprio Procurador do Município afirma que há dissenso quanto a qualidade das obras, materiais empregados, prazos, direitos de reajustes, readequações e afins (fl. 847-verso)?

3)     Há medidas cabíveis, na esfera de competência deste Tribunal de Contas, capazes de minimizar os prejuízos e, principalmente, permitir que a obra alcance sua finalidade, qual seja, a utilização pelas crianças do município?

Estes são apenas algumas das dúvidas que pairam sobre a controversa obra. Há outras, por certo. Questionamentos estes que podem ser respondidos com o atendimento do pedido formulado na representação exordial, qual seja, a realização de auditoria in loco, com objetivo de aprofundas as investigações que o caso requer (fl. 2), missão para qual o corpo técnico desta Corte de Contas tem indubitável qualificação.

Permito-me repisar, por fim, argumento já exposto na manifestação ministerial antecedente, acerca na nobre função atribuída pela Constituição Federal aos Tribunais de Contas, qual seja, a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, litteris (fl. 812):

Muito além de uma competência, trata-se, em verdade, de um múnus público das Cortes de Contas. Um poder-dever que demanda efetiva ação do agente público, como ensina a lição de Carvalho Filho[2]:

Os poderes administrativos são outorgados aos agentes do Poder Público para lhes permitir atuação voltada aos interesses da coletividade. Sendo assim, deles emanam duas ordens de consequência:

1ª.) são irrenunciáveis; e

2ª.) devem ser obrigatoriamente exercidos pelos titulares.

Desse modo, as prerrogativas públicas, ao mesmo tempo em que constituem poderes para o administrador público, impõe-lhe o seu exercício e lhe vendam a inércia, porque o reflexo desta atinge, em última instância, a coletividade, esta a real destinatária de tais poderes.

Esse aspecto dúplice do poder administrativo público é que se denomina de poder-dever de agir. E aqui são irretocáveis as palavras de HELY LOPES MEIRELLES: “Se para o particular o poder de agir é uma faculdade, para o administrador público é uma obrigação de atuar, desde que se apresente o ensejo de exercitá-lo em benefício da comunidade.

[grifei]

Diante disso, em defesa do interesse público e em benefício da comunidade, não é possível coadunar com a posição exposta no relatório de instrução pelo arquivamento dos autos e improcedência da Representação, tampouco pela constatação de regularidade nos procedimentos adotados pela Unidade Gestora.

2. Conclusão

Ante o exposto, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, inciso II, da Lei Complementar n. 202/2000, manifesta-se pelo prosseguimento da presente representação e pela determinação para que a Diretoria de Controle de Licitações e Contratações adote as providências necessárias para apuração dos fatos relatados nos autos.

Florianópolis, 12 de julho de 2016.

 

 

 

Cibelly Farias Caleffi

Procuradora

 



[1] http://servicos.tce.sc.gov.br/jurisprudencia/informativo.php

[2] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 24ª. ed. Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2011. p.42