PARECER
nº: |
MPTC/44053/2016 |
PROCESSO
nº: |
REC 16/00207194 |
ORIGEM: |
Fundo Estadual de Incentivo ao Esporte -
FUNDESPORTE |
INTERESSADO: |
Sergio Luis da Silva |
ASSUNTO: |
Recurso de Reconsideração da decisão exarada no processo
-PCR-08/00624661 |
Trata-se
o presente processo de Recurso de Reconsideração (fls. 3-11) interposto pela
Associação Amigos do Esporte Amador de Jaraguá do Sul e pelo seu então
presidente, Sr. Sérgio Luis da Silva,
em face da Decisão Monocrática proferida pelo Auditor Cleber Muniz Gavi
nos autos do processo PCR n. 08/00624661 (fls. 453-482), Decisão a qual julgou
irregulares as contas referentes aos recursos repassados pelo Fundo Estadual de
Incentivo ao Esporte (FUNDESPORTE) à Associação Amigos do Esporte Amador de
Jaraguá do Sul, por meio da Nota de Empenho n. 140/2007, no valor de R$
190.000,00, para execução do projeto “Libertadores da América”, imputando
débito aos recorrentes, nos seguintes termos:
Ante o exposto, no exercício das atribuições de judicatura previstas no
§4º do art. 73 da CF, no §5º do art. 61 da CE e no art. 98 da LC n. 202/2000, decido:
1.
Julgar irregulares com imputação de débito, na forma do art. 18, III, “b” e “c”, c/c o art. 21, caput da Lei
Complementar Estadual nº 202/00, as contas de recursos repassados para a
Associação Amigos do Esporte Amador de Jaraguá do Sul, referente à Nota de
Empenho nº 140, de 26/04/2007, no valor de R$ 190.000,00 (cento e noventa mil
reais) relativos ao Projeto “Libertadores da América” ocorrido na Colômbia
entre os dias 26 e 28 de abril de 2007, de
acordo com os relatórios emitidos nos autos.
2. Condenar, solidariamente, os responsáveis, Sr. Sérgio Luis da Silva, a pessoa jurídica Associação Amigos do
Esporte Amador de Jaraguá do Sul e o Sr.
Gilmar Knaesel, ao recolhimento da quantia de 190.000,00 (cento e noventa mil reais), considerando o valor
utilizado com CPMF e tarifas bancárias (R$ 733,72, fl. 70), referente à nota de
empenho 140/2007, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias para comprovar,
perante este Tribunal, o recolhimento do valor do débito ao Tesouro do Estado,
atualizado monetariamente e acrescido dos juros legais (arts. 21 e 44 da Lei
Complementar n.º 202/00), calculado a partir de 07/05/2007 (data do repasse, fl. 70/71), sem o que fica, desde
logo, autorizado o encaminhamento de peças processuais ao Ministério Público
junto ao Tribunal de Contas para que adote providências à efetivação da
execução da decisão definitiva (art. 43, II, da Lei Complementar nº 202/00), em
face da não comprovação da boa e regular aplicação dos recursos, contrariando o
disposto no art. 140, §1º, da Lei Complementar Estadual n.º 284/05, nos
seguintes termos: [...]
2.2. De responsabilidade do Sr. Sérgio Luis da
Silva e da pessoa jurídica Associação Amigos do Esporte Amador de Jaraguá do
Sul:
2.2.1. R$ 154.266,28 (cento e cinquenta e quatro
mil, duzentos e sessenta e seis reais e vinte e oito centavos), valor
incluso no item 2, em face da ausência de documentos para adequado suporte às
despesas com transporte, hospedagem, alimentação e materiais esportivos, não
ficando comprovado o vínculo entre essas despesas e o Campeonato Libertadores
da América, ocorrido entre os dias 26 e 28 de abril de 2007, na Colômbia, em
descumprimento ainda ao art. 9º da Lei Estadual nº 5.867/1981, ao art. 58, parágrafo único, da
Constituição Estadual, ao art. 140, § 1º, da Lei Complementar nº 284/2005 e
art. 49 c/c 52, II e III, da Resolução TC n.º 16/94 (item 2.2.1.1 do Relatório
DCE 201/2012);
2.2.2. R$ 5.000,00 (cinco mil reais), valor
incluso no item 2, em face da realização de despesas com publicidade em
proveito de empresa privada, caracterizando desvio de finalidade, aliado a
ausência de documentos para o adequado suporte de despesas com publicidade,
contrariando o que determina o art. 65, da Resolução TC n.º 16/94 (item 2.2.1.2
do Relatório DCE 201/2012);
2.2.3. R$ 30.000,00 (trinta mil reais), valor
incluso no item 2, em face da realização de despesas com a Confederação
Brasileira de Futebol, alheias à responsabilidade do proponente, por meio de
recibos, em afronta ao §1º do art. 24 do Decreto n. 307/2003 e sem apresentação
de documentos de suporte, contrariando o disposto no § 1º do art. 140 da Lei
Complementar Estadual nº. 284/05, bem
como os artigos 49, 52, III e 60, II e III, e parágrafo único, todos da Resolução
nº. TC 16/94 (item 2.2.1.3 do Relatório DCE 201/2012);
2.2.4. R$ 55.132,28
(cinquenta e cinco mil cento e trinta e dois reais e vinte e oito centavos), em face da movimentação incorreta da conta bancária, valor incluso no
item no item 2.2.1 desta conclusão, em afronta ao disposto no art. 47, da
Resolução TC 16/94, c/c o art. 16, do Decreto Estadual nº. 307/03 (item 2.2.1.4
do Relatório DCE 201/2012);
3. Declarar a Associação Amigos do Esporte Amador de Jaraguá do Sul e o Sr. Sérgio
Luis da Silva impedidos de receber novos recursos do Erário, consoante dispõe o
art. 13 da Lei Estadual n. 13.336/2005 c/c art. 61 do
Decreto Estadual n. 1.309/2012 e o art. 16 da Lei Estadual n. 16.292/2013.
4.
Encaminhar, com fundamento no art. 59,
XI, da Constituição Estadual, nos arts. 1º, inc. XIV, e 18, §3º, da Lei
Complementar n. 202/2000, cópia da presente decisão e do Relatório DCE n.
368/2013 ao Ministério Público do Estado de Santa Catarina, dando-lhe
conhecimento acerca das irregularidades detectadas.
5. Dar ciência da decisão aos responsáveis e à Secretaria de Estado de Turismo,
Cultura e Esporte – SOL.
A Diretoria de Recursos e Reexames emitiu o Parecer n. DRR-183/2016
(fls. 12-20v), opinando pelo conhecimento do presente Recurso de Reconsideração
e, no mérito, pelo seu
desprovimento, mantendo na íntegra os termos da Deliberação recorrida.
O Recurso de Reconsideração,
com amparo no art. 77 da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, é o adequado em
face de decisão proferida em processo de prestação de contas, sendo as partes legítimas
para a sua interposição, uma vez que figuraram como responsáveis pelos atos de
gestão irregulares descritos na Deliberação recorrida.
A decisão monocrática
proferida pelo Auditor Cleber Muniz Gavi foi ratificada por meio da Portaria n.
TC-0240/2016, de 18 de abril de 2016, a qual dispôs que o prazo para
interposição de recursos aos processos relacionados no inciso VII do seu art.
1º – dentre eles o presente – passaria a fluir a partir da data de sua
publicação, considerando a medida liminar concedida pelo Supremo Tribunal
Federal para suspensão dos arts. 1º ao 9º e 11 ao 20 da Lei Complementar
Estadual n. 666/2015, que previa, dentre outras disposições, a sujeição das
decisões dos auditores ao reexame de ofício pela Câmara competente ou pelo
Plenário nos casos de imputação de débito superior ao valor de alçada para
Tomada de Contas Especial ou de divergência das conclusões da instrução técnica
ou do Ministério Público de Contas (art. 11).
Verifica-se que a Portaria n.
TC–0240/2016 foi publicada na data de 19/04/2016 e a peça recursal teve o
protocolo procedido nessa Corte de Contas em 25/04/2016, o que caracteriza a
tempestividade do recurso em comento. Ainda, o recurso obedece ao requisito da
singularidade, porquanto foi interposto uma única vez.
Logo, encontram-se presentes
todos os requisitos de admissibilidade do presente recurso, de maneira que se
passa, na sequência, à análise dos itens impugnados da decisão recorrida e das
alegações dos recorrentes.
1.
Prescrição
Os recorrentes, em sede de
preliminares, iniciaram sua tese de arguição prescricional da aplicação de
multa e juros afirmando (fls. 4-5) que entre a data de repasse dos recursos
(24/04/2007) e a decisão recorrida (17/03/2016) foram transcorridos nove anos,
prazo no qual teria se dado a prescrição quinquenal.
Colacionaram, ainda, excertos
doutrinários e jurisprudenciais supostamente hábeis a sustentar seus argumentos
(fls. 5-7)
Primeiramente, note-se que os
responsáveis confundiram a penalidade que lhes foi aplicada, tendo-se em vista
que a Deliberação recorrida imputou débitos a eles, e não multa. Feita essa
ressalva, destaca-se que a Lei Complementar Estadual n. 588/2013 é objeto da
Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5.259, proposta pelo Procurador-Geral
da República perante o Supremo Tribunal Federal, em razão de ofensa ao art. 37,
§ 5º da CRFB/88 que determina que as ações de ressarcimento de danos causados
ao erário são imprescritíveis.
Em razão do referido
dispositivo constitucional, os processos em trâmite nessa Corte de Contas que visem
à reposição de danos ao erário não podem ser atingidos por quaisquer prazos
prescricionais, bem como, portanto, as multas aplicadas em decorrência desse
dano.
A propósito, trago a seguinte jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que
trata de ressarcimento ao erário determinado por decisão do Tribunal de Contas
da União:
Tribunal de Contas da União. Bolsista do CNPq. Descumprimento da
obrigação de retornar ao país após término da concessão de bolsa para estudo no
exterior. Ressarcimento ao erário. Inocorrência de prescrição. Denegação da
segurança. O beneficiário de bolsa de estudos no exterior patrocinada pelo
poder público, não pode alegar desconhecimento de obrigação constante no
contrato por ele subscrito e nas normas do órgão provedor. Precedente: MS
24.519, Rel. Min. Eros Grau. Incidência, na espécie, do disposto no art. 37, §
5º, da CF, no tocante à alegada prescrição" (MS 26.210, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 4/9/2008,
Plenário, DJE de 10/10/2008).
No voto condutor, o Relator traz o
devido esclarecimento acerca da exceção prevista no final do art. 37, § 5º da
CRFB/88 ao transcrever a doutrina de José Afonso da Silva, na qual o autor
assinala que prescrevem
apenas a apuração e a punição do ilícito, não o direito da Administração de
reaver os valores atinentes ao prejuízo causado ao erário. Veja-se um
trecho do referido voto:
Considerando-se ser a Tomada de Contas Especial um processo
administrativo que visa a identificar responsáveis por danos causados ao
erário, e determinar o ressarcimento do prejuízo apurado, entendo aplicável ao
caso sob exame a parte final do referido dispositivo constitucional.
Nesse sentido é a lição do Professor José Afonso da Silva:
“A prescritibilidade, como forma de perda da exigibilidade de
direito, pela inércia de seu titular, é um princípio geral de direito. Não
será, pois, de estranhar que ocorram prescrições administrativas sob vários
aspectos, quer quanto às pretensões de interessados em face da Administração,
quer quanto às desta em face de administrados. Assim é especialmente em relação
aos ilícitos administrativos. Se a Administração não toma providência à sua
apuração e à responsabilização do agente, a sua inércia gera a perda do seu ius
persequendi. É o princípio que consta do art. 37, § 5º, que dispõe: ‘A lei
estebelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer
agente, servidor ou não, que causem prejuízo ao erário, ressalvadas as
respectivas ações de ressarcimento’. Vê-se, porém, que há uma ressalva ao
princípio. Nem tudo prescreverá. Apenas
a apuração e punição do ilícito, não, porém, o direito da Administração ao
ressarcimento, à indenização, do prejuízo causado ao erário. É uma
ressalva constitucional e, pois, inafastável, mas por certo, destoante dos
princípios jurídicos, que não socorrem quem fica inerte (dormientibus non
sucurrit ius)”. (grifei)
Ainda com relação à
imprescritibilidade, o Tribunal de Contas da União, no incidente de
uniformização de jurisprudência proveniente da Tomada de Contas n.
005.378/2000-2, julgado em 26/11/2008, pacificou o entendimento daquela Corte
no seguinte sentido:
A temática aqui analisada trata exclusivamente de interpretação de
dispositivo constitucional. Considerando que o STF, intérprete maior e guarda
da Constituição, já se manifestou no sentido de que a parte final do § 5o do
art. 37 da Carta Política determina a imprescritibilidade das ações de
ressarcimento ao erário, não me parece razoável adotar posição diversa na
esfera administrativa. [...]
ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em
Sessão do Plenário, ante as razões expostas pelo Relator, em:
9.1. deixar assente no âmbito
desta Corte que o art. 37 da Constituição Federal conduz ao entendimento de que
as ações de ressarcimento movidas pelo Estado contra os agentes causadores de
danos ao erário são imprescritíveis [...]. (grifei)
Assim, ainda que os recorrentes tenham trazido algumas
considerações e transcrições acerca da prescrição da pretensão punitiva por
esse Tribunal de Contas, tal entendimento não se aplica ao presente caso, pois
está restrito às hipóteses em que caberia a aplicação de sanção pecuniária
(multa) ao gestor, enquanto o presente caso trata de dano ao erário – imputação
de débito.
Com efeito, afastam-se referidos
argumentos, em vista da imprescritibilidade descrita no art. 37, § 5º da
CRFB/88.
2.
Mérito
Na sequência, os recorrentes
informaram (fl. 7) que a verba repassada teve como finalidade a participação da
Associação em campeonato de futsal na Colômbia, o que teria de fato ocorrido,
tendo sido o time, inclusive, consagrado campeão do torneio.
Alegaram (fl. 8) que a
despesa com o transporte até a cidade de Agrolândia/SC, junto à empresa
Milantur Turismo Ltda. ME, no valor de R$ 26.084,00, corresponderia à
realização de minitemporada preparatória.
Questionaram a ausência de
prova robusta (perícia) de que as notas fiscais utilizadas para comprovar o
deslocamento dos atletas para a Colômbia, por meio da empresa Cristal Turismo
Ltda., no importe de R$ 22.900,00, teriam sido rasuradas. Afirmaram também que
a mesma situação teria ocorrido em relação ao transporte da comissão técnica,
no montante de R$ 35.000,00.
Ressaltaram (fl. 9) que, da
mesma forma que demonstraram a aquisição das passagens aéreas e terrestres,
ocorreu a aquisição de todo o material esportivo, no valor de R$ 19.817,00.
Em relação às despesas com
hospedagem dos atletas (R$ 8.700,00), criticaram a presunção de que eles teriam
residência fixa na cidade. Asseveraram que nem todos residem na cidade e que
parte do recurso foi utilizado para pagamento das despesas com concentração e
treinamento dos atletas.
Aduziram ainda (fl. 10) que
os gastos com alimentação e publicidade, nos montantes respectivos de R$
24.765,28 e R$ 5.000,00, corresponderam aos atos preparatórios para o torneio
realizado.
Quanto às despesas contraídas
junto à Confederação Brasileira de Futsal (R$ 30.000,00), alegaram que as notas
fiscais firmadas por referida entidade comprovariam o regular pagamento.
Consideraram mera
irregularidade a ausência de regular e precisa prestação de contas e equivocada
a sua responsabilização nesse sentido, alegando a necessidade de configuração
de dolo ou má-fé para que a conduta fosse penalizada (fls. 7 e 9).
Destacaram (fl. 10) que a
data de liberação do montante (26/04/2007) impossibilitou a perfeita prestação
de contas do recurso utilizado, e requereram, por fim, a substituição da
penalidade de débito por multa (fl. 11).
Muito embora a alegação de
que a participação no evento teria efetivamente ocorrido e que seria equivocada
a responsabilização dos recorrentes em face de irregularidades na prestação de
contas, deve-se ressaltar que é dever do proponente a comprovação da boa e
regular aplicação dos recursos públicos recebidos. A simples prova de que a
Associação participou do torneio não demonstra que os recursos repassados foram
devidamente aplicados no objeto proposto, pois os documentos apresentados não
contêm qualquer informação que possa vincular as despesas ao torneio.
Por esse motivo, descabida a
afirmação de que as despesas com viagens e hospedagens para realização de jogos
preparatórios teriam relação com o evento, pois é cediço que a realização de
jogos amistosos configura a atividade usual da Associação, não podendo, sem a
indicação nas notas fiscais das circunstâncias que os relacionassem com o
torneio, ser utilizada a justificativa como prova da aplicação dos recursos na
finalidade proposta.
Ademais, conforme bem
salientado pela Área Técnica (fls. 16v-18v) e com base nos documentos
apresentados às fls. 27 e 278-280 dos autos originários, não há como considerar
que a viagem teve como escopo a realização de “jogos preparatórios”, haja vista
que a mesma ocorreu entre os dias 02/05/2007 e 03/05/2007 (fl. 117 dos autos de
origem), enquanto que os três jogos da decisão do 5º Campeonato Sul-Americano
de Clubes de Futsal – também conhecido como Copa Libertadores de Futsal –,
ainda que relativos ao título no ano de 2006, foram realizados anteriormente,
nos dias 26/04/2007, 28/04/2007 e 29/04/2007.
Igual entendimento deve ser
aplicado às despesas com hospedagens na cidade de Jaraguá do Sul (fls. 76 e 89
dos autos do processo PCR n. 08/00624661) que, ainda que se desconsidere a
presunção de que muitos atletas residem na cidade, foram emitidas em período
posterior à data do torneio, o que configura sua desvinculação ao projeto
proposto.
Do mesmo modo, embora os
responsáveis aleguem que os gastos com alimentação tenham se referido aos atos
preparatórios, não há como visualizar referida correlação, pois a maioria
ocorreu em 08/05/2007 (fls. 73, 77-78, 83 e 85), sendo que apenas a NE n.
12.903 (fl. 100) foi datada de 21/05/2007 – também muito após o evento. Além
dos gastos terem sido realizados após a data do torneio, foram efetuados em sua
grande maioria na própria cidade de Jaraguá do Sul/SC (fls. 77-78, 83, 85 e
100), com exceção da NE n. 670 (fl. 73), cujas refeições foram realizadas na
cidade de Florianópolis/SC.
Referida irregularidade se
agrava ainda mais diante da informação de que foram pagas 883 refeições e
adquiridos 385kg de carne: uma
flagrante farra com o dinheiro público, num vultoso importe de R$
24.765,28, que não pode ser tolerada por esse Tribunal de Contas.
Assim, em uma equipe composta
por 21 integrantes (fl. 117 dos autos originários), incluindo comissão técnica
e jogadores, são injustificáveis e inadmissíveis a realização de um número tão
expressivo de refeições e a compra de uma quantidade tão abundante de carne às
custas do erário. Na ponta do lápis, o cálculo demonstra uma média de 42
refeições e o consumo de 18kg de carne por integrante da equipe, o que seria
humanamente impossível de ser consumido em apenas um dia, ainda mais se tratando
de atletas de alto rendimento, que dependem de uma alimentação balanceada para
alcançarem o almejado desempenho físico nas quadras.
Ainda que os responsáveis
tenham argumentado também que as despesas com publicidade se relacionaram com
os atos preparatórios, a irregularidade apontada englobava outro aspecto –
desvio de finalidade das despesas com publicidade em proveito de empresas
privadas –, questão a qual, entretanto, não foi discutida pelos responsáveis.
Já os questionamentos
direcionados contra a constatação de rasuras pela Controladoria-Geral do
Município de Jaraguá do Sul, de igual modo, não foram capazes de
descaracterizar o apontamento efetuado pela instrução, visto que,
independentemente de estarem visíveis ou não as rasuras, é dispensável a realização
de perícia técnica para que se possa constatar a divergência entre as datas de
emissão das notas fiscais presentes na prestação de contas (fls. 79-80, 84, 95
e 98) e aquelas destacadas pela Controladoria-Geral do Município de Jaraguá do
Sul (fls. 293-297), fato este evidente e que levanta suspeitas quanto à
veracidade das informações inseridas nos comprovantes de despesas apresentados.
Finalmente, a singela
justificativa manifestada com a intenção de sanar a irregularidade disposta no
item 2.2.3 da Deliberação recorrida não merece ser acolhida, pois os
responsáveis apenas afirmaram que as “notas fiscais” comprovariam o “regular
pagamento daquela instituição”, sem atentarem para o fato de que não há nos autos quaisquer notas fiscais
que comprovem as despesas com taxas de arbitragem, apesar da
necessidade de emissão de nota fiscal para comprovação das despesas com
serviços sujeitos à incidência de tributação. Além disso, os responsáveis não
foram capazes de juntar aos autos os documentos de suporte que atestassem as
despesas com premiação e o contrato de prestação de serviço firmado entre a
entidade e a Confederação.
Nesse sentido, já bem
esclareceu a Diretoria de Controle da Administração Estadual às fls. 392-393
dos autos do processo PCR n. 08/00624661:
Com relação às despesas com
arbitragem e organização do evento, tais recibos não poderão ser aceitos como
comprovante de despesas. Nesse sentido prega o § 1º do art. 24 do Decreto
Estadual nº. 307/03:
Art. 24 [...]
§ 1º Para efeitos do disposto no
inciso IX, recibos não se constituem em documentos hábeis a comprovar despesas
sujeitas à incidência de tributos federais, estaduais ou municipais.
Assim, a entidade deveria ter
exigido da Confederação Brasileira de Futebol de Salão – a apresentação de
notas fiscais referente à despesa com organização do evento e os recibos de
pagamentos dos árbitros, com os respectivos recolhimentos do Imposto de Renda
retido na fonte, posto que, como comprovante de despesa, os recibos
apresentados, na ordem de R$ 20.000,00, não têm validade pela legislação ora
citada, as despesas referidas estão sujeitas a incidência tributária.
Quanto às despesas realizadas com
premiação, no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais, o referido documento não é
passível suprir a necessidade de outros elementos de suporte, a exemplo da
lista dos prêmios, dos beneficiários e da vinculação com o evento.
Além disso, verifica-se nos autos a
ausência de contrato de prestação de serviço firmado entre a entidade e a
Confederação, discriminando detalhadamente o serviço, a forma de prestação, o
lugar, a data de sua ocorrência, dentre outros dados necessários.
Assim, merece destaque o fato
de que o descumprimento de preceitos
normativos que resultam, como consequência, em desvirtuamento dos objetivos da
norma estabelecida, implica em dano ao interesse público, de maneira que tal
conduta, por si só, é passível de responsabilização.
Salienta-se, ainda, que se
trata o presente processo, em suma, da administração de verbas públicas, o que
já revela sua importância. Quando se
trata de verba pública, não se pode caracterizar uma irregularidade como mera
desatenção à formalidade – no trato do erário o formalismo não deve ser
desvalorizado. O órgão controlador que releva equívocos formais, além de
afrontar a equidade e a própria justiça, abre espaço para a malversação do
dinheiro público – exatamente o que uma Corte de Contas deve coibir.
Desse modo, ao lado do gestor
da Secretaria de Estado de Turismo, Cultura e Esporte à época, a
responsabilidade do proponente, no caso a Associação Amigos do Esporte Amador
de Jaraguá do Sul, mostra-se evidente, tanto na figura de seu presidente à
época dos fatos (Sr. Sérgio Luis da Silva), quanto como pessoa jurídica.
Nesse contexto de responsabilização da pessoa jurídica,
a Instrução Normativa n. TC-14/2012, estabeleceu “critérios para a organização
da prestação de contas de recursos concedidos a qualquer título” e dispôs
“sobre o seu encaminhamento ao Tribunal de Contas para julgamento”, não se
omitindo da tendência de responsabilização da pessoa jurídica, consoante
destacado já em seu primeiro dispositivo:
Art.
1º O responsável pela gestão de dinheiro público deve demonstrar que os
recursos foram aplicados em conformidade com as leis, regulamentos e normas
emanadas das autoridades administrativas competentes e nas finalidades a que se
destinavam, por meio da respectiva prestação de contas, em cumprimento ao
disposto no parágrafo único do art. 58 da Constituição do Estado.
§
1º A concessão de recursos públicos para entidades privadas fica submetida
exclusivamente ao atendimento de necessidade coletiva ou interesse público
devidamente demonstrado e justificado, e deve observar os princípios da
legalidade, da publicidade, da impessoalidade, da eficiência, da moralidade e
da economicidade.
§
2º Para os fins desta Instrução Normativa, considera-se:
I
- Responsável: [...]
c)
a pessoa jurídica de direito privado
que tenha recebido recurso público sujeito à prestação de contas.
(grifei)
Com efeito, o Plenário do
Tribunal de Contas da União pacificou a discussão sobre a matéria, a partir de
Incidente de Uniformização de Jurisprudência no processo TC n. 006.310/2006-0,
conforme demonstra a ementa do Acórdão n. 2763/2011, de 19/10/2011, in verbis:
TOMADA
DE CONTAS ESPECIAL. INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. DIVERGÊNCIAS
ENCONTRADAS NO EXAME DE PROCESSOS EM QUE OS DANOS AO ERÁRIO TÊM ORIGEM NAS
TRANSFERÊNCIAS VOLUNTÁRIAS DE RECURSOS FEDERAIS A ENTIDADES PRIVADAS. NA HIPOTÉSE EM QUE A PESSOA JURÍDICA DE
DIREITO PRIVADO E SEUS ADMINISTRADORES DEREM CAUSA A DANO AO ERÁRIO NA EXECUÇÃO
DE AVENÇA CELEBRADA COM O PODER PÚBLICO FEDERAL COM VISTAS À REALIZAÇÃO DE UMA
FINALIDADE PÚBLICA, INCIDE SOBRE AMBOS A RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA PELO DANO
AO ERÁRIO. ARTIGOS 70, PARÁGRAFO ÚNICO, E 71, INCISO II, DA CF/88.
(grifei)
Por sua vez, o representante
legal da empresa à época dos fatos também deve ser responsabilizado pelo mau
uso dos recursos públicos repassados, a teor do que dispõe o art. 133, § 1º,
alínea “a” da Resolução n. TC-06/2001 (Regimento Interno dessa Corte de
Contas), em razão da “utilização (...) de valores públicos” e “por ter dado
causa a (...) irregularidade de que resulte prejuízo ao erário”, a saber:
Art.
133. Em todas as etapas do processo de julgamento de contas, de apreciação de
atos sujeitos a registro e de fiscalização de atos e contratos será assegurada
aos responsáveis ou interessados ampla defesa.
§
1º Para efeito do disposto no caput, considera-se:
a)
responsável aquele que figure no
processo em razão da utilização, arrecadação, guarda, gerenciamento ou
administração de dinheiro, bens, e valores públicos, ou pelos quais o Estado ou
o Município respondam, ou que, em nome destes assuma obrigações de natureza
pecuniária, ou por ter dado causa a perda, extravio, ou outra irregularidade de
que resulte prejuízo ao erário. (grifei)
Assim, este Ministério
Público de Contas concorda com a responsabilização da pessoa jurídica no
presente processo, impondo-se a obrigação da Associação Amigos do Esporte
Amador de Jaraguá do Sul, assim como de seu representante legal à época, o Sr.
Sérgio Luis da Silva, de ressarcir o erário com os valores repassados e
aplicados indevidamente a ponto de gerar débitos, à luz dos arts. 70 e 71,
inciso II da CRFB/88, arts. 58 e 59, inciso II da Constituição Estadual, art.
1º, inciso III da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, e art. 8° c/c art. 6°
da Resolução n. TC-06/2001, além dos arts. 47, 50, 186 e 389 do Código Civil,
considerando, enfim, o art. 1º, § 2º, inciso I, alínea “c” da Instrução
Normativa n. TC-14/2012, e a acima aludida decisão no Incidente de
Uniformização de Jurisprudência no processo TC n. 006.310/2006-0, do Plenário
do Tribunal de Contas da União.
Quanto à alegação
de ausência de dolo ou má-fé, no que compete a esse Tribunal de Contas, não há
qualquer dispositivo na
Lei Complementar Estadual n. 202/2000 que exija comprovação de má-fé para com o
imputável. Mais ainda, no âmbito do direito administrativo, não há que se
indagar sobre a boa ou má-fé do agente, mas sim sobre sua voluntariedade ao ato
de praticar a conduta, o qual se constata nesses autos.
Sobre o tema, destaco as
palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello[1],
que bem sintetiza esse entendimento:
11. (d) Princípio da
exigência de voluntariedade para incursão na infração – O Direito propõe-se a
oferecer às pessoas uma garantia de segurança, assentada na previsibilidade de
que certas condutas podem ou devem ser praticadas e suscitam dados efeitos, ao
passo que outras não podem sê-lo, acarretando conseqüências diversas, gravosas
para quem nelas incorrer. Donde, é de meridiana evidência que descaberia
qualificar alguém como incurso em infração quando inexista a possibilidade de
prévia ciência e prévia eleição, in
concreto, do comportamento que o livraria da incidência na infração e,
pois, na sujeição às sanções para tal caso previstas. Note-se que aqui não se
está a falar de culpa ou dolo, mas de coisa diversa: meramente do animus de praticar dada conduta.
No tocante às supostas
dificuldades na prestação de contas dos recursos utilizados, incluindo a
alegada “falta de habilidade” dos responsáveis para prestar contas, também não
assiste razão aos recorrentes, mormente se considerando que, consoante já
apontado pela Diretoria de Controle da
Administração Estadual à fl. 383v dos autos principais, entre os exercícios de
2005 e 2008 a entidade recebeu mais de dois milhões de reais em recursos
públicos do FUNDESPORTE passíveis de prestação de contas, o que denota até
mesmo um “excesso de experiência” dos responsáveis em prestações de contas de
recursos provenientes do Fundo Estadual de Incentivo ao Esporte.
Já no que tange à conversão da
imputação de débito em cominação de multa, convém salientar a impossibilidade
do pleito. Enquanto a multa advém de violação à norma jurídica, a imputação de
débito, por sua vez, decorre de dano ocasionado ao erário, o que é visível no
presente caso.
Dessa forma, por tudo quanto
referido e examinado no corpo deste Parecer, bem como em função da inexistência
manifesta de superveniência de documentos ou argumentos com eficácia
probatória, entende-se não lograr êxito os recorrentes em seu intuito
desconstitutivo da Decisão Monocrática proferida pelo Auditor Cleber Muniz Gavi
nos autos do processo PCR n. 08/00624661.
3. Conclusão
Ante
o
Florianópolis, 16 de agosto
de 2016.
Cibelly Farias Caleffi
Procuradora
[1]
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso
de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 805.