PARECER nº:

MPTC/44053/2016

PROCESSO nº:

REC 16/00207194    

ORIGEM:

Fundo Estadual de Incentivo ao Esporte - FUNDESPORTE

INTERESSADO:

Sergio Luis da Silva

ASSUNTO:

Recurso de Reconsideração  da decisão exarada no processo -PCR-08/00624661

 

 

 

 

 

Trata-se o presente processo de Recurso de Reconsideração (fls. 3-11) interposto pela Associação Amigos do Esporte Amador de Jaraguá do Sul e pelo seu então presidente, Sr. Sérgio Luis da Silva, em face da Decisão Monocrática proferida pelo Auditor Cleber Muniz Gavi nos autos do processo PCR n. 08/00624661 (fls. 453-482), Decisão a qual julgou irregulares as contas referentes aos recursos repassados pelo Fundo Estadual de Incentivo ao Esporte (FUNDESPORTE) à Associação Amigos do Esporte Amador de Jaraguá do Sul, por meio da Nota de Empenho n. 140/2007, no valor de R$ 190.000,00, para execução do projeto “Libertadores da América”, imputando débito aos recorrentes, nos seguintes termos:

Ante o exposto, no exercício das atribuições de judicatura previstas no §4º do art. 73 da CF, no §5º do art. 61 da CE e no art. 98 da LC n. 202/2000, decido:

1.      Julgar irregulares com imputação de débito, na forma do art. 18, III, “b” e “c”, c/c o art. 21, caput da Lei Complementar Estadual nº 202/00, as contas de recursos repassados para a Associação Amigos do Esporte Amador de Jaraguá do Sul, referente à Nota de Empenho nº 140, de 26/04/2007, no valor de R$ 190.000,00 (cento e noventa mil reais) relativos ao Projeto “Libertadores da América” ocorrido na Colômbia entre os dias 26 e 28 de abril de 2007, de acordo com os relatórios emitidos nos autos.

2.       Condenar, solidariamente, os responsáveis, Sr. Sérgio Luis da Silva, a pessoa jurídica Associação Amigos do Esporte Amador de Jaraguá do Sul e o Sr. Gilmar Knaesel, ao recolhimento da quantia de 190.000,00 (cento e noventa mil reais), considerando o valor utilizado com CPMF e tarifas bancárias (R$ 733,72, fl. 70), referente à nota de empenho 140/2007, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias para comprovar, perante este Tribunal, o recolhimento do valor do débito ao Tesouro do Estado, atualizado monetariamente e acrescido dos juros legais (arts. 21 e 44 da Lei Complementar n.º 202/00), calculado a partir de 07/05/2007 (data do repasse, fl. 70/71), sem o que fica, desde logo, autorizado o encaminhamento de peças processuais ao Ministério Público junto ao Tribunal de Contas para que adote providências à efetivação da execução da decisão definitiva (art. 43, II, da Lei Complementar nº 202/00), em face da não comprovação da boa e regular aplicação dos recursos, contrariando o disposto no art. 140, §1º, da Lei Complementar Estadual n.º 284/05, nos seguintes termos: [...]

2.2. De responsabilidade do Sr. Sérgio Luis da Silva e da pessoa jurídica Associação Amigos do Esporte Amador de Jaraguá do Sul:

2.2.1. R$ 154.266,28 (cento e cinquenta e quatro mil, duzentos e sessenta e seis reais e vinte e oito centavos), valor incluso no item 2, em face da ausência de documentos para adequado suporte às despesas com transporte, hospedagem, alimentação e materiais esportivos, não ficando comprovado o vínculo entre essas despesas e o Campeonato Libertadores da América, ocorrido entre os dias 26 e 28 de abril de 2007, na Colômbia, em descumprimento ainda ao art. 9º da Lei Estadual nº 5.867/1981, ao art. 58, parágrafo único, da Constituição Estadual, ao art. 140, § 1º, da Lei Complementar nº 284/2005 e art. 49 c/c 52, II e III, da Resolução TC n.º 16/94 (item 2.2.1.1 do Relatório DCE 201/2012);

2.2.2. R$ 5.000,00 (cinco mil reais), valor incluso no item 2, em face da realização de despesas com publicidade em proveito de empresa privada, caracterizando desvio de finalidade, aliado a ausência de documentos para o adequado suporte de despesas com publicidade, contrariando o que determina o art. 65, da Resolução TC n.º 16/94 (item 2.2.1.2 do Relatório DCE 201/2012);

2.2.3. R$ 30.000,00 (trinta mil reais), valor incluso no item 2, em face da realização de despesas com a Confederação Brasileira de Futebol, alheias à responsabilidade do proponente, por meio de recibos, em afronta ao §1º do art. 24 do Decreto n. 307/2003 e sem apresentação de documentos de suporte, contrariando o disposto no § 1º do art. 140 da Lei Complementar Estadual nº.  284/05, bem como os artigos 49, 52, III e 60, II e III, e parágrafo único, todos da Resolução nº. TC 16/94 (item 2.2.1.3 do Relatório DCE 201/2012);

2.2.4. R$ 55.132,28 (cinquenta e cinco mil cento e trinta e dois reais e vinte e oito centavos), em face da movimentação incorreta da conta bancária, valor incluso no item no item 2.2.1 desta conclusão, em afronta ao disposto no art. 47, da Resolução TC 16/94, c/c o art. 16, do Decreto Estadual nº. 307/03 (item 2.2.1.4 do Relatório DCE 201/2012);

3.      Declarar a Associação Amigos do Esporte Amador de Jaraguá do Sul e o Sr. Sérgio Luis da Silva impedidos de receber novos recursos do Erário, consoante dispõe o art. 13 da Lei Estadual n. 13.336/2005 c/c art. 61 do Decreto Estadual n. 1.309/2012 e o art. 16 da Lei Estadual n. 16.292/2013.

4.      Encaminhar, com fundamento no art. 59, XI, da Constituição Estadual, nos arts. 1º, inc. XIV, e 18, §3º, da Lei Complementar n. 202/2000, cópia da presente decisão e do Relatório DCE n. 368/2013 ao Ministério Público do Estado de Santa Catarina, dando-lhe conhecimento acerca das irregularidades detectadas.

5.      Dar ciência da decisão aos responsáveis e à Secretaria de Estado de Turismo, Cultura e Esporte – SOL.

A Diretoria de Recursos e Reexames emitiu o Parecer n. DRR-183/2016 (fls. 12-20v), opinando pelo conhecimento do presente Recurso de Reconsideração e, no mérito, pelo seu desprovimento, mantendo na íntegra os termos da Deliberação recorrida.

O Recurso de Reconsideração, com amparo no art. 77 da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, é o adequado em face de decisão proferida em processo de prestação de contas, sendo as partes legítimas para a sua interposição, uma vez que figuraram como responsáveis pelos atos de gestão irregulares descritos na Deliberação recorrida.

A decisão monocrática proferida pelo Auditor Cleber Muniz Gavi foi ratificada por meio da Portaria n. TC-0240/2016, de 18 de abril de 2016, a qual dispôs que o prazo para interposição de recursos aos processos relacionados no inciso VII do seu art. 1º – dentre eles o presente – passaria a fluir a partir da data de sua publicação, considerando a medida liminar concedida pelo Supremo Tribunal Federal para suspensão dos arts. 1º ao 9º e 11 ao 20 da Lei Complementar Estadual n. 666/2015, que previa, dentre outras disposições, a sujeição das decisões dos auditores ao reexame de ofício pela Câmara competente ou pelo Plenário nos casos de imputação de débito superior ao valor de alçada para Tomada de Contas Especial ou de divergência das conclusões da instrução técnica ou do Ministério Público de Contas (art. 11).

Verifica-se que a Portaria n. TC–0240/2016 foi publicada na data de 19/04/2016 e a peça recursal teve o protocolo procedido nessa Corte de Contas em 25/04/2016, o que caracteriza a tempestividade do recurso em comento. Ainda, o recurso obedece ao requisito da singularidade, porquanto foi interposto uma única vez.

Logo, encontram-se presentes todos os requisitos de admissibilidade do presente recurso, de maneira que se passa, na sequência, à análise dos itens impugnados da decisão recorrida e das alegações dos recorrentes.

1.     Prescrição

Os recorrentes, em sede de preliminares, iniciaram sua tese de arguição prescricional da aplicação de multa e juros afirmando (fls. 4-5) que entre a data de repasse dos recursos (24/04/2007) e a decisão recorrida (17/03/2016) foram transcorridos nove anos, prazo no qual teria se dado a prescrição quinquenal.

Colacionaram, ainda, excertos doutrinários e jurisprudenciais supostamente hábeis a sustentar seus argumentos (fls. 5-7)

Primeiramente, note-se que os responsáveis confundiram a penalidade que lhes foi aplicada, tendo-se em vista que a Deliberação recorrida imputou débitos a eles, e não multa. Feita essa ressalva, destaca-se que a Lei Complementar Estadual n. 588/2013 é objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5.259, proposta pelo Procurador-Geral da República perante o Supremo Tribunal Federal, em razão de ofensa ao art. 37, § 5º da CRFB/88 que determina que as ações de ressarcimento de danos causados ao erário são imprescritíveis.

Em razão do referido dispositivo constitucional, os processos em trâmite nessa Corte de Contas que visem à reposição de danos ao erário não podem ser atingidos por quaisquer prazos prescricionais, bem como, portanto, as multas aplicadas em decorrência desse dano.

A propósito, trago a seguinte jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que trata de ressarcimento ao erário determinado por decisão do Tribunal de Contas da União:

Tribunal de Contas da União. Bolsista do CNPq. Descumprimento da obrigação de retornar ao país após término da concessão de bolsa para estudo no exterior. Ressarcimento ao erário. Inocorrência de prescrição. Denegação da segurança. O beneficiário de bolsa de estudos no exterior patrocinada pelo poder público, não pode alegar desconhecimento de obrigação constante no contrato por ele subscrito e nas normas do órgão provedor. Precedente: MS 24.519, Rel. Min. Eros Grau. Incidência, na espécie, do disposto no art. 37, § 5º, da CF, no tocante à alegada prescrição" (MS 26.210, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 4/9/2008, Plenário, DJE de 10/10/2008).

No voto condutor, o Relator traz o devido esclarecimento acerca da exceção prevista no final do art. 37, § 5º da CRFB/88 ao transcrever a doutrina de José Afonso da Silva, na qual o autor assinala que prescrevem apenas a apuração e a punição do ilícito, não o direito da Administração de reaver os valores atinentes ao prejuízo causado ao erário. Veja-se um trecho do referido voto:

Considerando-se ser a Tomada de Contas Especial um processo administrativo que visa a identificar responsáveis por danos causados ao erário, e determinar o ressarcimento do prejuízo apurado, entendo aplicável ao caso sob exame a parte final do referido dispositivo constitucional.

Nesse sentido é a lição do Professor José Afonso da Silva:

“A prescritibilidade, como forma de perda da exigibilidade de direito, pela inércia de seu titular, é um princípio geral de direito. Não será, pois, de estranhar que ocorram prescrições administrativas sob vários aspectos, quer quanto às pretensões de interessados em face da Administração, quer quanto às desta em face de administrados. Assim é especialmente em relação aos ilícitos administrativos. Se a Administração não toma providência à sua apuração e à responsabilização do agente, a sua inércia gera a perda do seu ius persequendi. É o princípio que consta do art. 37, § 5º, que dispõe: ‘A lei estebelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízo ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento’. Vê-se, porém, que há uma ressalva ao princípio. Nem tudo prescreverá. Apenas a apuração e punição do ilícito, não, porém, o direito da Administração ao ressarcimento, à indenização, do prejuízo causado ao erário. É uma ressalva constitucional e, pois, inafastável, mas por certo, destoante dos princípios jurídicos, que não socorrem quem fica inerte (dormientibus non sucurrit ius)”. (grifei)

Ainda com relação à imprescritibilidade, o Tribunal de Contas da União, no incidente de uniformização de jurisprudência proveniente da Tomada de Contas n. 005.378/2000-2, julgado em 26/11/2008, pacificou o entendimento daquela Corte no seguinte sentido:

A temática aqui analisada trata exclusivamente de interpretação de dispositivo constitucional. Considerando que o STF, intérprete maior e guarda da Constituição, já se manifestou no sentido de que a parte final do § 5o do art. 37 da Carta Política determina a imprescritibilidade das ações de ressarcimento ao erário, não me parece razoável adotar posição diversa na esfera administrativa. [...]

ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão do Plenário, ante as razões expostas pelo Relator, em:

9.1. deixar assente no âmbito desta Corte que o art. 37 da Constituição Federal conduz ao entendimento de que as ações de ressarcimento movidas pelo Estado contra os agentes causadores de danos ao erário são imprescritíveis [...]. (grifei)

Assim, ainda que os recorrentes tenham trazido algumas considerações e transcrições acerca da prescrição da pretensão punitiva por esse Tribunal de Contas, tal entendimento não se aplica ao presente caso, pois está restrito às hipóteses em que caberia a aplicação de sanção pecuniária (multa) ao gestor, enquanto o presente caso trata de dano ao erário – imputação de débito.

Com efeito, afastam-se referidos argumentos, em vista da imprescritibilidade descrita no art. 37, § 5º da CRFB/88.

2.     Mérito

Na sequência, os recorrentes informaram (fl. 7) que a verba repassada teve como finalidade a participação da Associação em campeonato de futsal na Colômbia, o que teria de fato ocorrido, tendo sido o time, inclusive, consagrado campeão do torneio.

Alegaram (fl. 8) que a despesa com o transporte até a cidade de Agrolândia/SC, junto à empresa Milantur Turismo Ltda. ME, no valor de R$ 26.084,00, corresponderia à realização de minitemporada preparatória.

Questionaram a ausência de prova robusta (perícia) de que as notas fiscais utilizadas para comprovar o deslocamento dos atletas para a Colômbia, por meio da empresa Cristal Turismo Ltda., no importe de R$ 22.900,00, teriam sido rasuradas. Afirmaram também que a mesma situação teria ocorrido em relação ao transporte da comissão técnica, no montante de R$ 35.000,00.

Ressaltaram (fl. 9) que, da mesma forma que demonstraram a aquisição das passagens aéreas e terrestres, ocorreu a aquisição de todo o material esportivo, no valor de R$ 19.817,00.

Em relação às despesas com hospedagem dos atletas (R$ 8.700,00), criticaram a presunção de que eles teriam residência fixa na cidade. Asseveraram que nem todos residem na cidade e que parte do recurso foi utilizado para pagamento das despesas com concentração e treinamento dos atletas.

Aduziram ainda (fl. 10) que os gastos com alimentação e publicidade, nos montantes respectivos de R$ 24.765,28 e R$ 5.000,00, corresponderam aos atos preparatórios para o torneio realizado.

Quanto às despesas contraídas junto à Confederação Brasileira de Futsal (R$ 30.000,00), alegaram que as notas fiscais firmadas por referida entidade comprovariam o regular pagamento.

Consideraram mera irregularidade a ausência de regular e precisa prestação de contas e equivocada a sua responsabilização nesse sentido, alegando a necessidade de configuração de dolo ou má-fé para que a conduta fosse penalizada (fls. 7 e 9).

Destacaram (fl. 10) que a data de liberação do montante (26/04/2007) impossibilitou a perfeita prestação de contas do recurso utilizado, e requereram, por fim, a substituição da penalidade de débito por multa (fl. 11).

Muito embora a alegação de que a participação no evento teria efetivamente ocorrido e que seria equivocada a responsabilização dos recorrentes em face de irregularidades na prestação de contas, deve-se ressaltar que é dever do proponente a comprovação da boa e regular aplicação dos recursos públicos recebidos. A simples prova de que a Associação participou do torneio não demonstra que os recursos repassados foram devidamente aplicados no objeto proposto, pois os documentos apresentados não contêm qualquer informação que possa vincular as despesas ao torneio.

Por esse motivo, descabida a afirmação de que as despesas com viagens e hospedagens para realização de jogos preparatórios teriam relação com o evento, pois é cediço que a realização de jogos amistosos configura a atividade usual da Associação, não podendo, sem a indicação nas notas fiscais das circunstâncias que os relacionassem com o torneio, ser utilizada a justificativa como prova da aplicação dos recursos na finalidade proposta.

Ademais, conforme bem salientado pela Área Técnica (fls. 16v-18v) e com base nos documentos apresentados às fls. 27 e 278-280 dos autos originários, não há como considerar que a viagem teve como escopo a realização de “jogos preparatórios”, haja vista que a mesma ocorreu entre os dias 02/05/2007 e 03/05/2007 (fl. 117 dos autos de origem), enquanto que os três jogos da decisão do 5º Campeonato Sul-Americano de Clubes de Futsal – também conhecido como Copa Libertadores de Futsal –, ainda que relativos ao título no ano de 2006, foram realizados anteriormente, nos dias 26/04/2007, 28/04/2007 e 29/04/2007.

Igual entendimento deve ser aplicado às despesas com hospedagens na cidade de Jaraguá do Sul (fls. 76 e 89 dos autos do processo PCR n. 08/00624661) que, ainda que se desconsidere a presunção de que muitos atletas residem na cidade, foram emitidas em período posterior à data do torneio, o que configura sua desvinculação ao projeto proposto.

Do mesmo modo, embora os responsáveis aleguem que os gastos com alimentação tenham se referido aos atos preparatórios, não há como visualizar referida correlação, pois a maioria ocorreu em 08/05/2007 (fls. 73, 77-78, 83 e 85), sendo que apenas a NE n. 12.903 (fl. 100) foi datada de 21/05/2007 – também muito após o evento. Além dos gastos terem sido realizados após a data do torneio, foram efetuados em sua grande maioria na própria cidade de Jaraguá do Sul/SC (fls. 77-78, 83, 85 e 100), com exceção da NE n. 670 (fl. 73), cujas refeições foram realizadas na cidade de Florianópolis/SC.

Referida irregularidade se agrava ainda mais diante da informação de que foram pagas 883 refeições e adquiridos 385kg de carne: uma flagrante farra com o dinheiro público, num vultoso importe de R$ 24.765,28, que não pode ser tolerada por esse Tribunal de Contas.

Assim, em uma equipe composta por 21 integrantes (fl. 117 dos autos originários), incluindo comissão técnica e jogadores, são injustificáveis e inadmissíveis a realização de um número tão expressivo de refeições e a compra de uma quantidade tão abundante de carne às custas do erário. Na ponta do lápis, o cálculo demonstra uma média de 42 refeições e o consumo de 18kg de carne por integrante da equipe, o que seria humanamente impossível de ser consumido em apenas um dia, ainda mais se tratando de atletas de alto rendimento, que dependem de uma alimentação balanceada para alcançarem o almejado desempenho físico nas quadras.

Ainda que os responsáveis tenham argumentado também que as despesas com publicidade se relacionaram com os atos preparatórios, a irregularidade apontada englobava outro aspecto – desvio de finalidade das despesas com publicidade em proveito de empresas privadas –, questão a qual, entretanto, não foi discutida pelos responsáveis.

Já os questionamentos direcionados contra a constatação de rasuras pela Controladoria-Geral do Município de Jaraguá do Sul, de igual modo, não foram capazes de descaracterizar o apontamento efetuado pela instrução, visto que, independentemente de estarem visíveis ou não as rasuras, é dispensável a realização de perícia técnica para que se possa constatar a divergência entre as datas de emissão das notas fiscais presentes na prestação de contas (fls. 79-80, 84, 95 e 98) e aquelas destacadas pela Controladoria-Geral do Município de Jaraguá do Sul (fls. 293-297), fato este evidente e que levanta suspeitas quanto à veracidade das informações inseridas nos comprovantes de despesas apresentados.

Finalmente, a singela justificativa manifestada com a intenção de sanar a irregularidade disposta no item 2.2.3 da Deliberação recorrida não merece ser acolhida, pois os responsáveis apenas afirmaram que as “notas fiscais” comprovariam o “regular pagamento daquela instituição”, sem atentarem para o fato de que não há nos autos quaisquer notas fiscais que comprovem as despesas com taxas de arbitragem, apesar da necessidade de emissão de nota fiscal para comprovação das despesas com serviços sujeitos à incidência de tributação. Além disso, os responsáveis não foram capazes de juntar aos autos os documentos de suporte que atestassem as despesas com premiação e o contrato de prestação de serviço firmado entre a entidade e a Confederação.

Nesse sentido, já bem esclareceu a Diretoria de Controle da Administração Estadual às fls. 392-393 dos autos do processo PCR n. 08/00624661:

Com relação às despesas com arbitragem e organização do evento, tais recibos não poderão ser aceitos como comprovante de despesas. Nesse sentido prega o § 1º do art. 24 do Decreto Estadual nº. 307/03:

Art. 24 [...]

§ 1º Para efeitos do disposto no inciso IX, recibos não se constituem em documentos hábeis a comprovar despesas sujeitas à incidência de tributos federais, estaduais ou municipais.

Assim, a entidade deveria ter exigido da Confederação Brasileira de Futebol de Salão – a apresentação de notas fiscais referente à despesa com organização do evento e os recibos de pagamentos dos árbitros, com os respectivos recolhimentos do Imposto de Renda retido na fonte, posto que, como comprovante de despesa, os recibos apresentados, na ordem de R$ 20.000,00, não têm validade pela legislação ora citada, as despesas referidas estão sujeitas a incidência tributária.

Quanto às despesas realizadas com premiação, no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais, o referido documento não é passível suprir a necessidade de outros elementos de suporte, a exemplo da lista dos prêmios, dos beneficiários e da vinculação com o evento.

Além disso, verifica-se nos autos a ausência de contrato de prestação de serviço firmado entre a entidade e a Confederação, discriminando detalhadamente o serviço, a forma de prestação, o lugar, a data de sua ocorrência, dentre outros dados necessários.

Assim, merece destaque o fato de que o descumprimento de preceitos normativos que resultam, como consequência, em desvirtuamento dos objetivos da norma estabelecida, implica em dano ao interesse público, de maneira que tal conduta, por si só, é passível de responsabilização.

Salienta-se, ainda, que se trata o presente processo, em suma, da administração de verbas públicas, o que já revela sua importância. Quando se trata de verba pública, não se pode caracterizar uma irregularidade como mera desatenção à formalidade – no trato do erário o formalismo não deve ser desvalorizado. O órgão controlador que releva equívocos formais, além de afrontar a equidade e a própria justiça, abre espaço para a malversação do dinheiro público – exatamente o que uma Corte de Contas deve coibir.

Desse modo, ao lado do gestor da Secretaria de Estado de Turismo, Cultura e Esporte à época, a responsabilidade do proponente, no caso a Associação Amigos do Esporte Amador de Jaraguá do Sul, mostra-se evidente, tanto na figura de seu presidente à época dos fatos (Sr. Sérgio Luis da Silva), quanto como pessoa jurídica.

Nesse contexto de responsabilização da pessoa jurídica, a Instrução Normativa n. TC-14/2012, estabeleceu “critérios para a organização da prestação de contas de recursos concedidos a qualquer título” e dispôs “sobre o seu encaminhamento ao Tribunal de Contas para julgamento”, não se omitindo da tendência de responsabilização da pessoa jurídica, consoante destacado já em seu primeiro dispositivo:

Art. 1º O responsável pela gestão de dinheiro público deve demonstrar que os recursos foram aplicados em conformidade com as leis, regulamentos e normas emanadas das autoridades administrativas competentes e nas finalidades a que se destinavam, por meio da respectiva prestação de contas, em cumprimento ao disposto no parágrafo único do art. 58 da Constituição do Estado.

§ 1º A concessão de recursos públicos para entidades privadas fica submetida exclusivamente ao atendimento de necessidade coletiva ou interesse público devidamente demonstrado e justificado, e deve observar os princípios da legalidade, da publicidade, da impessoalidade, da eficiência, da moralidade e da economicidade.

§ 2º Para os fins desta Instrução Normativa, considera-se:

I - Responsável: [...]

c) a pessoa jurídica de direito privado que tenha recebido recurso público sujeito à prestação de contas. (grifei)

Com efeito, o Plenário do Tribunal de Contas da União pacificou a discussão sobre a matéria, a partir de Incidente de Uniformização de Jurisprudência no processo TC n. 006.310/2006-0, conforme demonstra a ementa do Acórdão n. 2763/2011, de 19/10/2011, in verbis:

TOMADA DE CONTAS ESPECIAL. INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. DIVERGÊNCIAS ENCONTRADAS NO EXAME DE PROCESSOS EM QUE OS DANOS AO ERÁRIO TÊM ORIGEM NAS TRANSFERÊNCIAS VOLUNTÁRIAS DE RECURSOS FEDERAIS A ENTIDADES PRIVADAS. NA HIPOTÉSE EM QUE A PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO E SEUS ADMINISTRADORES DEREM CAUSA A DANO AO ERÁRIO NA EXECUÇÃO DE AVENÇA CELEBRADA COM O PODER PÚBLICO FEDERAL COM VISTAS À REALIZAÇÃO DE UMA FINALIDADE PÚBLICA, INCIDE SOBRE AMBOS A RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA PELO DANO AO ERÁRIO. ARTIGOS 70, PARÁGRAFO ÚNICO, E 71, INCISO II, DA CF/88. (grifei)

Por sua vez, o representante legal da empresa à época dos fatos também deve ser responsabilizado pelo mau uso dos recursos públicos repassados, a teor do que dispõe o art. 133, § 1º, alínea “a” da Resolução n. TC-06/2001 (Regimento Interno dessa Corte de Contas), em razão da “utilização (...) de valores públicos” e “por ter dado causa a (...) irregularidade de que resulte prejuízo ao erário”, a saber:

Art. 133. Em todas as etapas do processo de julgamento de contas, de apreciação de atos sujeitos a registro e de fiscalização de atos e contratos será assegurada aos responsáveis ou interessados ampla defesa.

§ 1º Para efeito do disposto no caput, considera-se:

a) responsável aquele que figure no processo em razão da utilização, arrecadação, guarda, gerenciamento ou administração de dinheiro, bens, e valores públicos, ou pelos quais o Estado ou o Município respondam, ou que, em nome destes assuma obrigações de natureza pecuniária, ou por ter dado causa a perda, extravio, ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário. (grifei)

Assim, este Ministério Público de Contas concorda com a responsabilização da pessoa jurídica no presente processo, impondo-se a obrigação da Associação Amigos do Esporte Amador de Jaraguá do Sul, assim como de seu representante legal à época, o Sr. Sérgio Luis da Silva, de ressarcir o erário com os valores repassados e aplicados indevidamente a ponto de gerar débitos, à luz dos arts. 70 e 71, inciso II da CRFB/88, arts. 58 e 59, inciso II da Constituição Estadual, art. 1º, inciso III da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, e art. 8° c/c art. 6° da Resolução n. TC-06/2001, além dos arts. 47, 50, 186 e 389 do Código Civil, considerando, enfim, o art. 1º, § 2º, inciso I, alínea “c” da Instrução Normativa n. TC-14/2012, e a acima aludida decisão no Incidente de Uniformização de Jurisprudência no processo TC n. 006.310/2006-0, do Plenário do Tribunal de Contas da União.

Quanto à alegação de ausência de dolo ou má-fé, no que compete a esse Tribunal de Contas, não há qualquer dispositivo na Lei Complementar Estadual n. 202/2000 que exija comprovação de má-fé para com o imputável. Mais ainda, no âmbito do direito administrativo, não há que se indagar sobre a boa ou má-fé do agente, mas sim sobre sua voluntariedade ao ato de praticar a conduta, o qual se constata nesses autos.

Sobre o tema, destaco as palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello[1], que bem sintetiza esse entendimento:

11. (d) Princípio da exigência de voluntariedade para incursão na infração – O Direito propõe-se a oferecer às pessoas uma garantia de segurança, assentada na previsibilidade de que certas condutas podem ou devem ser praticadas e suscitam dados efeitos, ao passo que outras não podem sê-lo, acarretando conseqüências diversas, gravosas para quem nelas incorrer. Donde, é de meridiana evidência que descaberia qualificar alguém como incurso em infração quando inexista a possibilidade de prévia ciência e prévia eleição, in concreto, do comportamento que o livraria da incidência na infração e, pois, na sujeição às sanções para tal caso previstas. Note-se que aqui não se está a falar de culpa ou dolo, mas de coisa diversa: meramente do animus de praticar dada conduta.

No tocante às supostas dificuldades na prestação de contas dos recursos utilizados, incluindo a alegada “falta de habilidade” dos responsáveis para prestar contas, também não assiste razão aos recorrentes, mormente se considerando que, consoante já apontado pela Diretoria de  Controle da Administração Estadual à fl. 383v dos autos principais, entre os exercícios de 2005 e 2008 a entidade recebeu mais de dois milhões de reais em recursos públicos do FUNDESPORTE passíveis de prestação de contas, o que denota até mesmo um “excesso de experiência” dos responsáveis em prestações de contas de recursos provenientes do Fundo Estadual de Incentivo ao Esporte.

Já no que tange à conversão da imputação de débito em cominação de multa, convém salientar a impossibilidade do pleito. Enquanto a multa advém de violação à norma jurídica, a imputação de débito, por sua vez, decorre de dano ocasionado ao erário, o que é visível no presente caso.

Dessa forma, por tudo quanto referido e examinado no corpo deste Parecer, bem como em função da inexistência manifesta de superveniência de documentos ou argumentos com eficácia probatória, entende-se não lograr êxito os recorrentes em seu intuito desconstitutivo da Decisão Monocrática proferida pelo Auditor Cleber Muniz Gavi nos autos do processo PCR n. 08/00624661.

3.     Conclusão

Ante o exposto, o Ministério Público de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, inciso II da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, manifesta-se pelo CONHECIMENTO do Recurso de Reconsideração e, no mérito, pelo seu DESPROVIMENTO, mantendo-se hígido o teor da Decisão Monocrática proferida pelo Auditor Cleber Muniz Gavi nos autos do processo PCR n. 08/00624661.

Florianópolis, 16 de agosto de 2016.

 

 

 

Cibelly Farias Caleffi

Procuradora

 



[1] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 805.