Parecer nº:

MPC/40.948/2016

Processo nº:

REP 13/00401009    

Origem:

Secretaria de Estado da Saúde

Assunto:

Peças de Ação Trabalhista - contratação sem concurso público.

 

 

Trata-se de Representação formulada pelo Exmo. Juiz Rodrigo Gamba Rocha Diniz, com o objetivo de relatar irregularidades na contratação da Sra. Damaris Mendes Gomes pela Secretaria de Estado da Saúde.

O caderno processual iniciou-se com os documentos encaminhados pelo representante (fls. 03-21).

Ao receber os autos, a Diretoria de Controle de Atos de Pessoal manifestou-se pela realização de diligências (fls. 22-24), o que foi perfilhado pelo Ministério Público de Contas (fl. 25).

Às fls. 26-27, a Relatora conheceu da representação e determinou à área técnica que procedesse à realização das diligências necessárias ao esclarecimento dos fatos.

Em sequência, a Secretaria de Estado da Saúde acostou aos autos os documentos de fls. 40-53.

Após o exame dos documentos colacionados ao feito, a área técnica, através do relatório nº 04154/2014, sugeriu a realização de audiência do Sr. Luiz Eduardo Cherem e da Sra. Carmem Emília Bonfá Zanotto para que se manifestassem quanto à seguinte irregularidade (fls. 61-64):

 

3.1. – Manutenção da contratação da Sra. Damaris Mendes Gomes, na função de Agente de Serviços Gerais, no período de 02/04/2004 a 30/06/2007, pela Secretaria de Estado da Saúde, sem prévia aprovação em Concurso Público e em desvirtuamento da necessidade temporária de excepcional interesse público, em desacordo com o art. 37, inciso II e IX, da Constituição Federal.

 

Determinada a realização do ato processual (fl. 64-v), o Sr. Luiz Eduardo Cherem apresentou justificativas às fls. 76-84 e a Sra. Carmen Emília Bonfá Zanotto às fls. 107-118.

Por fim, sobreveio novo exame da área técnica, sob o relatório nº 366/2016, com a seguinte conclusão (fls. 122-125):

 

3.1. Considerar improcedente a Representação apresentada, a fim de manter a uniformidade das decisões exaradas no Tribunal Pleno, nos processos REP 09/00020245, REP 09/00077433 e REP 09/00528702.

3.2. Dar ciência desta Decisão, do Relatório e Voto do Relator que a fundamentam ao Representante e aos Responsáveis.

3.3. Determinar o arquivamento dos presentes autos.

 

É o relatório.

 

1. Da contratação irregular e da burla ao concurso público

 

Ressalte-se, inicialmente, que a Sra. Damaris Mendes Gomes foi contratada pela Secretaria de Estado de Saúde em 1º de abril de 1999 para exercer as atribuições de agente de serviços gerais, permanecendo no cargo até 30.06.2007.

Para a Justiça do Trabalho, o contrato firmado entre o Poder Público e a Sra. Damaris é nulo de pleno direito, uma vez que não houve a prévia aprovação em concurso público, nos moldes preconizados pela Constituição da República de 1988.

Para corroborar, anote-se o acordão confeccionado para o caso em apreço:

 

CONTRATO NULO. EFEITOS.

 A contratação de servidor público, após a CF/1988, sem prévia aprovação em concurso público, encontra óbice no respectivo art. 37, II e § 2º, somente lhe conferindo direito ao pagamento da contraprestação pactuada, em relação ao número de horas trabalhadas, respeitado o valor da hora do salário mínimo, e aos valores referentes aos depósitos do FGTS (inteligência da Súmula nº 363 do TST). Assim, no caso de labor extraordinário, no contrato nulo são devidas as diferenças salariais decorrentes do acréscimo das horas básicas das horas extras, sem qualquer adicional[1].

 

A par disso, cabe-nos pontuar que o concurso público tem por finalidade resguardar a eficiência e o aperfeiçoamento do serviço público e, simultaneamente, prestigiar o princípio da isonomia.

Sobre o assunto, eis o magistério de Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo:

 

A Constituição de 1988 tornou obrigatória a aprovação prévia em concurso público para o provimento de quaisquer cargos ou empregos da administração direta e indireta, inclusive para o preenchimento de empregos nas empresas públicas e sociedade de economia mista, pessoas jurídicas de direito privado integrantes da administração indireta.

Como ensina o prof. Hely Lopes Meirelles, o concurso público é o meio técnico posto à disposição da administração para obter-se moralidade, eficiência e aperfeiçoamento do serviço público e, ao mesmo tempo, atender ao princípio da isonomia, uma vez que propicia igual oportunidade de acesso aos cargos e empregos públicos a todos os que atendam aos requisitos estabelecidos de forma geral e abstrata em lei[2].

 

À luz dessa orientação, pode-se inferir que, no caso em apreço, houve afronta ao inciso II do art. 37 da Constituição da República e, consequentemente, violação aos princípios aplicáveis ao concurso público.

Fixada essa premissa, impende sublinhar que a responsabilidade pela conjuntura fática em análise foi atribuída ao Sr. Luiz Eduardo Cherem (Secretário de Estado da Saúde de 05.04.2004 a 31.03.2006 e de 01.01.2007 a 02.06.2008) e à Sra. Carmen Emília Bonfá Zanotto (Secretária de Estado da Saúde de 01.04.2006 a 31.12.2006).

Em sua defesa, o Sr. Luiz Eduardo Cherem, em síntese, alegou que: a) havia legislação estadual que permitia a contratação de pessoal na esfera da Secretaria de Estado da Saúde por tempo determinado; b) após a decisão proferida pelo STF na ADI 2.987-8/SC, o Estado desencadeou procedimentos para que as atividades da Secretaria da Saúde fossem, à medida do possível, exercidas por servidores concursados; c) o contrato de trabalho da Sra. Damaris foi assinado pelo Sr. Fábio Murilo Botelho; d) o signatário apenas deu cumprimento ao acordo ajustado com o Ministério Público, com vistas à cessação das contratações temporárias, promovendo-se a nomeação dos concursados; e) o Poder Judiciário reconheceu que não houve ato de improbidade administrativa nas contratações realizadas pela Secretaria de Estado de Saúde; f) no período em que esteve à frente da Secretaria da Saúde lançou concurso público; g) o signatário nunca assinou ato de contratação nem eventuais prorrogações de contrato, mas apenas manteve procedimentos adotados desde o início da década de 1990.

Ao encontro disso, a Sra. Carmen Zanotto asseverou: a) ilegitimidade passiva, pois, no período em que exerceu o cargo, nunca admitiu, contratou, prorrogou ou manteve contrato de trabalho temporário; b) havia muitos funcionários temporários à época, sendo que a substituição destes pelos concursados foi sendo realizada com base em avaliação de aptidão individual e capacidade de ajuste à rotina da assistência à saúde; c) o sistema administrativo central de gestão de recursos humanos é de responsabilidade da Secretaria de Estado da Administração; d) havia atos administrativos de gestões anteriores e leis estaduais que autorizavam a contratação temporária; e) não existe nenhuma legislação que disponha sobre o prazo máximo para a duração do contrato temporário.

Ao analisar o presente caso, a Diretoria de Controle de Atos de Pessoal manifestou-se pelo afastamento da irregularidade, sob o seguinte argumento (fls. 124- 124-v):

 

De fato, os argumentos jurídicos utilizados como critério para o presente apontamento indicava para a irregularidade da manutenção da contratação da Sra. Damaris Mendes Gomes, na função de Agente de Serviços Gerais, no período de 02/04/2004 a 30/06/2007, pela Secretaria de Estado da Saúde, tendo em vista a existência de indicativos de burla ao instituto do concurso público e de desvirtuamento da necessidade temporária de excepcional interesse público, em desacordo com o art. 37, inciso II e IX, da Constituição Federal.

Contudo, não se trata de um caso isolado, mas de um contexto histórico (contratações efetuadas entre 1998 a 2007) verificado na Secretaria de Estado de Saúde que tardou em realizar concurso público para provimento de cargos de seu quadro de pessoal e contou com a convivência legal a dar amparo às sucessivas prorrogações dos contratos temporários.

No caso em tela, em que pese a descaracterização do instituto da contratação temporária, esta Corte de Contas possuiu decisões em que pondera a situações específica da Secretaria de Estado da Saúde, à época dos fatos, em razão da inexigibilidade de conduta diversa dos Administradores Públicos que agiram com respaldo em legislação estadual especifica, sendo possível citar àquelas proferidas na REP 09/00020245, rep 09/00077433 e REP 09/00528702, de relatoria do Conselheiro Herneus de Nadal, em fevereiro de 2011, nos seguintes moldes:

[...]

Nessa seara, tendo em vista a uniformidade das decisões desta Corte de Contas acerca da matéria, este corpo instrutivo pugna por afastar a incidência de responsabilidade aos responsáveis, no que tange à manutenção da contratação da Sra. Damiris Mendes Gomes, na função de Agente de Serviços Gerais, no período de 04/04/2004 a 30/06/2007, pela Secretaria de Estado da Saúde.

 

Em que pese o respeitável entendimento esposado no relatório técnico, tenho para mim que a Diretoria de Controle de Atos de Pessoal não propôs o melhor desfecho para a conjuntura fática em exame.

A meu ver, decisões pretéritas não podem ser utilizadas como fundamento exclusivo para a mantença de posicionamentos, sobretudo quando estes não encontram guarida na melhor exegese.

Na oportunidade, cumpre asseverar que o fundamento utilizado pelo Conselheiro Herneus de Nadal para afastar a responsabilidade consiste na chamada “inexigibilidade de conduta diversa”.

No entender do referido Conselheiro, as legislações estaduais permitiam a contratação temporária sem a realização de qualquer certame e, em razão disso, não se poderia exigir outra conduta do gestor a não ser o cumprimento de tais normas.

Com o devido respeito a esse entendimento, mas não há que se falar em inexigibilidade de conduta diversa quando se vislumbra conflito entre legislação estadual e a Constituição da República.

Neste ponto, impõe-se rememorar que a Carta Maior possui os mandamentos condutores da atuação de todos aqueles que estão à frente de qualquer cargo púbico e, por conseguinte, se sobrepõe a qualquer outra norma de hierarquia inferior.

Ademais, para que se reconheça a inexigibilidade de conduta diversa, é necessário que se demonstre que o gestor, no momento em que praticou a ação, não tinha outra escolha que não a violação do ordenamento jurídico.

Ante essa linha de raciocínio, assinale-se que a aludida excludente de culpabilidade “pressupõe a existência de qualquer espécie de obstáculo justificável, externo e intransponível para o agente, que, momentaneamente, não há como adotar qualquer espécie de conduta diferente da praticada”[3], o que não se verifica no presente caso.

Para reforçar, cabe trazer à colação o magistério de Juarez Cirino dos Santos:


(...) a inexigibilidade de comportamento diverso, determinada pela anormalidade das circunstâncias do fato, incide sobre situações de exculpação concretas, nas quais atua um autor culpável ou reprovável que, contudo, deve ser ex - ou desculpado, porque o limite da exigibilidade jurídica é definido pelo limiar mínimo de dirigibilidade normativa, ou de motivação conforme a norma, excluída ou reduzida em situações de exculpação ou supralegais[4].

 

Forçoso concluir, portanto, que os responsáveis deveriam ter agido de modo diverso no presente caso, pois a contratação temporária realizada por diversos anos pela Secretaria de Estado da Saúde não encontra amparo supralegal.

Não se pode olvidar, outrossim, que a excludente de culpabilidade levantada pelo Conselheiro Herneus de Nadal somente deve ser aplicada em situações emergenciais, conforme se extrai da jurisprudência firmada pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

 

APELAÇÃO CRIMINAL - TRÁFICO DE DROGAS - MATERIALIDADE E AUTORIA INCONTESTES - COAÇÃO MORAL IRRESISTÍVEL E INEXIGIBILIDADEDE CONDUTA DIVERSA - NÃO CARACTERIZAÇÃO - PENAS - REDUÇÃO AO MÍNIMO LEGAL - NECESSIDADE - RECURSO PROVIDO EM PARTE. 1. À míngua de prova cabal - ônus do qual deveria a defesa desconstituir - de que a ré, de fato, teria agido sob coação irresistível (art. 22 do Código Penal) ou com inexigibilidadede conduta diversa (uma situação emergencial que permita ao sujeito ativo um único modo de atuar, sendo inevitável praticar o crime para salvaguarda de direito próprio ou alheio, não havendo outra saída frente a situação em concreto), deve sua ação ser considerada ilícita e culpável. 2. Amplamente favoráveis as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal , e sendo a ré primária, necessária a fixação de penas-base no mínimo legal. 3. Recurso provido em parte . (Grifou-se)

 

E:

 

APELAÇÃO - ROUBO MAJORADO - NULIDADE DO PROCESSO - LEITURA EM JUÍZO DOS DEPOIMENTOS COLHIDOS NO INQUÉRITO POLICIAL - OFENSA AO ART. 203 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL - INOCORRÊNCIA - ABSOLVIÇÃO - PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - INAPLICABILIDADE - ESTADO DE NECESSIDADE - AUSÊNCIA DOS REQUISITOS LEGAIS - EXCLUSÃO DA CULPABILIDADE DO AGENTE - INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA - NÃO CONFIGURAÇÃO - CONDENAÇÃO MANTIDA - ERRO NA PARTE DISPOSITIVA DA SENTENÇA - CORREÇÃO - NECESSIDADE - CUSTAS PROCESSUAIS - ISENÇÃO - RÉU ASSISTIDO PELA DEFENSORIA PÚBLICA - INTELIGÊNCIA DO ART. 10, INCISO II, DA LEI ESTADUAL Nº 14.939/03.

[...]

- Não resta configurada a excludente de culpabilidade da inexigibilidade de conduta diversa, se não demonstrada a situação emergencial a que submetido o agente, na qual não seria possível exigir-se dele outra conduta que não a delitiva.

- Constando um erro na parte dispositiva da sentença, a sua correção é medida que se impõe.

- Tratando-se o acusado de hipossuficiente, assistido pela Defensoria Pública, deve ser isentado do pagamento das custas processuais, nos termos do art. 10, II, da Lei Estadual nº 14.939/03[5]. (Grifou-se)

 

No caso vertente, denota-se que não há situação emergencial a dar supedâneo ao ato, uma vez que a contratação temporária, de forma indevida, se prolongou no tempo por diversos anos.

Somado a isso, cabe aqui mencionar que o Supremo Tribunal Federal, em 02.04.2004, declarou inconstitucional o dispositivo da Lei Estadual nº 9.186/1993[6] que autorizava a contratação temporária excepcional de servidores para funções burocráticas ordinárias e permanentes.

Em outras palavras, pode-se observar que o dispositivo legal que dava sustentação ao ato praticado pelos responsáveis foi declarado inconstitucional, o que nos permite afirmar que os responsáveis sabiam desde 2004 que a mantença do contrato de trabalho da Sra. Damaris Mendes Gomes era ilegal e inconstitucional.

Dessarte, percebe-se que os argumentos trazidos à baila pelo Sr. Luiz Eduardo Cherem e pela Sra. Carmen Emília Bonfá Zanotto são insuficientes para afastar o apontamento restritivo, pois ambos foram responsáveis pela manutenção do contrato de prestação de serviços, o que rechaça, por si só, todos os argumentos invocados pelos ex-Secretários de Saúde.

Quanto à afirmação da Sra. Carmen de que não há legislação que disponha sobre o prazo máximo para a duração do contrato temporário, fazem-se necessárias algumas considerações.

Primeiramente, cumpre registrar que o contrato temporário, como o próprio nome sugere, destina-se a atender às necessidades temporárias de excepcional interesse público previstas em lei, conforme disciplinado pelo artigo 37, inciso IX, da Constituição Federal, in verbis:

 

Art. 37. […]

IX - a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público;

 

À vista disso, infere-se que a licitude da contratação temporária está condicionada ao preenchimento dos seguintes requisitos constitucionais: a) previsão legal das hipóteses de contratação temporária; b) realização de processo seletivo simplificado; c) contratação por tempo determinado; d) atendimento de necessidade temporária; e) presença de excepcional interesse público.

É válido salientar que, não preenchido qualquer requisito necessário à contratação temporária, a Administração Pública não pode utilizar desta modalidade de contratação, sob pena de ofensa à obrigatoriedade do concurso público, tornando o ato nulo, consoante prescreve o § 2º, do artigo 37, da Constituição Federal, senão vejamos:

 

Art. 37. [...]

§ 2º - A não observância do disposto nos incisos II e III implicará a nulidade do ato e a punição da autoridade responsável, nos termos da lei. (Grifou-se)

 

Quanto à duração do contrato de trabalho, impõe-se enfatizar que este deve ser por prazo certo e determinado, conforme limites definidos na lei autorizativa da contratação temporária, não se admitindo, pois, ajustes com prazo indeterminado.

De igual sorte, apresenta-se incompatível com a CRFB/1988 a possibilidade de prorrogações sucessivas do contrato temporário, de forma a caracterizá-lo como de prazo indeterminado.

A respeito das sucessivas prorrogações de contrato de trabalho, o Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região manifestou-se:

 

INGRESSO NO SERVIÇO PÚBLICO MEDIANTE TESTE SELETIVO PARA FINS DE CONTRATO TEMPORÁRIO - SUCESSIVAS PRORROGAÇÕES TÁCITAS - NULIDADE.

A prorrogação de contratos temporários com a administração pública é nula, face à ausência de concurso público a embasar o período de prorrogação. Incidência da Súmula 363 do C. TST. Recurso ordinário do Estado do Paraná conhecido e provido[7]. (Grifou-se)

 

O caso em análise, por sua vez, evidencia que o contrato de trabalho firmado com a Sra. Damaris Mendes Gomes, o qual teve por objeto atividades ordinárias e permanentes da Administração Pública, se estendeu por mais de oito anos, o que, certamente, não caracteriza a exceção constante no inciso IX do art. 37 da CRFB/1988.

Não é demais mencionar, ainda, que o Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, em diversas oportunidades, já se manifestou em consonância com o entendimento aqui defendido, o que pode ser observado através dos seguintes prejulgados:

 

Prejulgado:1927

1. A contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público é prevista pelo art. 37, IX, da Constituição Federal, que dispõe que a lei (local) estabelecerá em que situações poderá ser efetivada.

2. É de competência do respectivo Ente a edição de lei para regulamentar a norma constitucional, a qual deve dispor, entre outros, sobre as hipóteses e condições em que poderão ser realizadas admissões temporárias de pessoal para atender a necessidade de excepcional interesse público, o prazo máximo de contratação, a viabilidade de prorrogação ou não do contrato e sua limitação, bem como sobre a possibilidade de nova contratação da mesma pessoa, carga horária, remuneração, regime a que se submete a contratação, a obrigatoriedade de vinculação ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS), em face do art. 40, § 13, da Constituição Federal (redação da EC n. 20/98), direitos e deveres dos contratados, a forma e condições de admissão, critérios de seleção, a definição das funções que poderão ser objeto de contratação temporária, o número limite de admissões temporárias; os procedimentos administrativos para a efetivação das contratações.

3. Para contratação do pessoal por tempo determinado a Administração deve promover o recrutamento do pessoal mediante prévio processo seletivo público, simplificado, devidamente normatizado no âmbito da Administração e em conformidade com as disposições da lei local, através de edital ou instrumento similar que defina critérios objetivos para a seleção, e que contenha informações sobre as funções a serem preenchidas, a qualificação profissional exigida, a remuneração, o local de exercício, carga horária, prazo da contratação, prazo de validade da seleção e hipótese de sua prorrogação ou não, e outros, sujeito à ampla divulgação, garantindo prazo razoável para conhecimento e inscrição dos interessados, observada a disponibilidade de recursos orçamentários e financeiros, bem como o limite de despesas com pessoal previsto pela LRF.

4. O edital do processo seletivo deve conter informações sobre o número de vagas a serem preenchidas mediante contratação temporária, as de preenchimento imediato e se for o caso previsão de chamamento à medida que surgir a necessidade durante o período de validade do processo seletivo.

5. Em observância aos princípios da isonomia, da impessoalidade, da legalidade, da publicidade, da moralidade e da transparência da Administração, o chamamento dos candidatos deve observar a ordem de classificação decorrente do resultado do processo seletivo.

6. A contratação efetivada sem observância da ordem de classificação resultante do processo seletivo é passível de anulação, com eventual apuração de responsabilidades pela prática do ato irregular, podendo ser adotadas providências:

6.1. administrativas, à vista de reclamação/representação do(s) candidato(s) preterido(s) na ordem de classificação, dirigida ao órgão responsável pelo chamamento dos candidatos;

6.2. pelo Legislativo Municipal, ao qual compete o controle externo dos atos da Administração (art. 31 da Constituição Federal), adotando providências na forma do seu Regimento Interno ou promovendo representação ao Tribunal de Contas do Estado;

6.3. qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato pode denunciar irregularidades ou ilegalidades ao Tribunal de Contas (art. 74, § 2º, da Constituição Federal);

6.4. judiciais, através de ação promovida pelo(s) interessado(s) perante o Poder Judiciário ou representação ao Ministério Público Estadual.

7. A realização de processo seletivo constitui-se do meio próprio e regular para a habilitação de candidatos para contratação temporária no serviço público, tratando-se de ato vinculado para a Administração, razão pela qual é vedada a contratação de pessoas não-inscritas ou que tiveram sua inscrição indeferida.

8. É de competência da Administração local a definição da forma e condições de remuneração do pessoal contratado por tempo determinado para atender a necessidade temporária de interesse público através da lei que regulamentar o inciso IX do art. 37 da Constituição Federal, devendo a remuneração das funções ser informada no edital do respectivo processo seletivo.

9. As hipóteses de acumulação de cargos públicos são estabelecidas pelo art. 37, XVI e XVII, da Constituição Federal, nos seguintes termos:

XVI - é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI:

a) a de dois cargos de professor;

b) a de um cargo de professor com outro, técnico ou científico;

c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas;

XVII - a proibição de acumular estende-se a empregos e funções e abrange autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista, suas subsidiárias, e sociedades controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público.

9.1. Ao militar é vedada a percepção simultânea de proventos de aposentadoria decorrentes do art. 40 ou dos arts. 42 e 142 com a remuneração de cargo público, ressalvada a hipótese prevista no art. 142, §3º, incisos II e III, da Constituição Federal de 1988, com a redação dada pela Emenda Constitucional n. 77/2014.

10. Não encontra amparo na Constituição Federal (art. 37, XVI) o acúmulo remunerado da função de professor e o cargo de provimento efetivo de serviços gerais.

11. A nomeação de servidor para cargo de provimento efetivo (art. 37, II, da Constituição Federal) deve efetivar-se para estrito atendimento das necessidades de serviço, afrontando o interesse público e os princípios da economicidade, da moralidade, da eficiência e da legalidade da Administração, a admissão de pessoal sem exigir o efetivo exercício das funções inerentes ao cargo provido.

12. A percepção de remuneração cumulativa somente é viável nas hipóteses do inciso XVI do art. 37 da Constituição Federal, independentemente, do local de lotação do servidor.

13. Inexiste possibilidade de opção pela remuneração maior, quando se trata de cargos e funções acumulados ilegalmente, ou seja, que não encontram amparo nas disposições constitucionais (art. 37, XVI).

14. Quando se verifica acúmulo ilegal de cargos e funções deve, obrigatoriamente e tão logo haja conhecimento da situação, ser concedido prazo para o servidor optar expressamente pelo cargo ou pela função, cabendo à Administração proceder a exoneração ou a rescisão do contrato temporário (à vista da opção do servidor).

15. É de competência da respectiva Unidade Gestora resolver questões relacionadas à falta de execução de atividades próprias de servidor afastado do exercício de determinado cargo ou função.

 

E:

 

Prejulgado:1826

[...]

3. A contratação pelo Município de pessoal por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público deve se pautar na temporariedade, que está intrinsecamente ligada à questão da necessidade que justifique o interesse público da contratação, nos termos do art. 37, IX, da Constituição Federal.

3.1 A Lei Municipal que regulamentar o art. 37, inciso IX, da Constituição Federal deve estabelecer as hipóteses e condições em que serão realizadas admissões temporárias de pessoal para atender a excepcional interesse público, o prazo máximo de contratação, salários, direitos e deveres, proibição de prorrogação de contrato e de nova contratação da mesma pessoa, ainda que para outra função.

3.2 O recrutamento do pessoal a ser contratado por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público deverá ser feito mediante processo seletivo simplificado, sujeito à ampla divulgação, observada a dotação orçamentária específica e mediante prévia autorização legislativa. (Grifou-se)

 

Assentadas essas orientações, acrescente-se que a Corte de Contas catarinense, em voto da lavra do Conselheiro Wilson Rogério Wan-Dall, já aplicou penalidades de multa em caso assemelhado, senão vejamos:

 

VISTOS, relatados e discutidos estes autos, relativos à Reclamatória Trabalhista formulada contra a Secretaria de Estado da Saúde, com informe de contratação de servidora, no período de 1º/03/2005 a 25/07/2007, sem realização de prévio concurso público.

Considerando que foi efetuada a audiência do Responsável, conforme consta na f. 36 dos presentes autos;

Considerando que as justificativas e documentos apresentados são insuficientes para elidir irregularidades apontadas pelo Órgão Instrutivo, constantes do Relatório DAP n. 01985/2010;

ACORDAM os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro no art. 59 c/c o art. 113 da Constituição do Estado e no art. 1° da Lei Complementar n. 202/2000, em:

6.1. Considerar irregular, com fundamento no art. 36, § 2º, alínea "a", da Lei Complementar n. 202/2000, a contratação da Sra. Alessandra dos Santos, no período de 1º/03/2005 a 25/07/2007, pela Secretaria de Estado da Saúde.

6.2. Aplicar ao Sr. Luiz Eduardo Cherem - ex-Secretário de Estado da Saúde, CPF n. 507.193.009-91, com fundamento nos arts. 70, II, da Lei Complementar n. 202/00 e 109, II, c/c o 307, V, do Regimento Interno instituído pela Resolução n. TC-06/2001, a multa no valor de R$ 400,00 (quatrocentos reais), em face da contratação temporária da servidora Alessandra dos Santos, no período de 1º/03/2005 a 25/07/2007, sem prévia seleção por concurso público, em descumprimento ao disposto no art. 37, II, da Constituição Federal, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico desta Corte de Contas, para comprovar ao Tribunal o recolhimento ao Tesouro do Estado da multa cominada, sem o quê, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000.

6.3. Dar ciência deste Acórdão, do Relatório e Voto do Relator que o fundamentam, bem como do Relatório DAP n. 01985/2010, à Secretaria de Estado da Saúde, ao Sr. Luiz Eduardo Cherem - ex-Secretário de Estado, e à 3ª Vara do Trabalho de Joinville[8]. (Grifou-se)

 

Para arrematar, frisa-se que a existência de leis inconstitucionais não tem o condão de legitimar atos administrativos, pois a principal referência normativa a qual se submetem todos os órgãos da Administração da Pública é a Constituição da República de 1988.

Ante o exposto, o Ministério Público de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, incisos I e II, da Lei Complementar nº 202/2000, manifesta-se:

1. Por julgar irregular a manutenção do contrato de trabalho da Sra. Damaris Mendes Gomes, na função de Agente de Serviços Gerais, no período de 02.04.2004 a 30.06.2007, pela Secretaria de Estado da Saúde, sem prévia aprovação em concurso público e em desvirtuamento da necessidade temporária de excepcional interesse público, em desacordo com o art. 37, inciso II e IX, da CRFB/1988.

2. Pela aplicação de multa, com fulcro no art. 70, inciso II, da Lei Complementar Estadual nº 202/2000, ao Sr. Luiz Eduardo Cherem (Secretário de Estado a Saúde entre o período de 04.04.2004 a 31.03.2006 e entre o período de 01.01.2007 a 02.06.2008) e à Sra. Carmen Emília Bonfá Zanotto (Secretária de Estado de Saúde de 01.04.2006 a 31.12.2006), ante a irregularidade acima mencionada.

3. Por dar ciência da decisão proferida pelo TCE/SC aos responsáveis, ao representante e à Secretaria de Estado de Saúde.

Florianópolis, 12 de agosto de 2016.

 

Diogo Roberto Ringenberg

Procurador do Ministério

Público de Contas

 

 

 

 

 

. 



[1] SANTA CATARINA, Justiça do Trabalho. RO nº 04195-2007-050-12-00-2. Rel. Antonio Silva do Rego Barros. J. em: 11 dez. 2008. Disponível em: www.trt12.jus.br. Acesso em: 31 mar. 2016.

[2] ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. 19ª ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2011, p. 263.

[3] MINAS GERAIS, Tribunal de Contas. APR 10056100130469001 MG. Rel. Catta preta. J. em: 14 jun. 2013. Disponível em: www.tjmg.jus.br. Acesso em: 04 abr. 2016.

[4] SANTOS, Juarez Cirino. Direito Penal: Parte Geral. 3ª ed. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2008, p. 333.

[5] MINAS GERAIS, Tribunal de Contas. Apelação Criminal 1.0672.13.037660-7/001  . Rel. Agostinho Gomes de Azevedo. J. em: 04 fev. 2016. Disponível em: www.tjmg.jus.br. Acesso em: 04 abr. 2016.

[6] Declarou-se a inconstitucionalidade integral do art. 1º da Lei Estadual nº 9.186/1993, o qual prescrevia: “Art. 1º É autorizada, com fundamento n disposto nos arts. 37, IX, da Constituição Federal, e 21, § 2º, da Constituição do Estado, a contratação de pessoal, no âmbito da Secretaria de Estado da Saúde por tempo determinado, nas categorias funcionais, lotação e quantitativos constantes do Anexo Único, parte integrante desta Lei. Parágrafo único. Nos casos expressos no Anexo Único a que se refere o “caput” deste artigo, incluem-se, igualmente, os servidores contratados através de Convênios celebrados nas áreas da Saúde, Desenvolvimento Social e Comunitário, das respectivas Secretarias, seus órgãos ou entidades, vinculados ou subordinados, com entidades públicas e civis, convalidados os atos de contratação efetuados nesta modalidade, a partir de 1º de janeiro de 1983”.

[7] PARANÁ, Tribunal Regional do Trabalho. Processo:227200717902 PR 227-2007-17-9-0-2. Rel. Luiz Cesar Napp. J. em: 10 nov. 2011. Disponível em: www,trt9.jus.br. Acesso em: 04 abr. 2016.

[8] SANTA CATARINA, Tribunal de Contas. REP 09/00626712, da Secretaria de Estado da Saúde. Rel. Wilson Rogério Wan-Dall. J. em: 17 jul. 2010.