PARECER nº:

MPTC/44620/2016

PROCESSO nº:

DEN 15/00282704    

ORIGEM:

Assembléia Legislativa do Estado de Santa Catarina

INTERESSADO:

Paulo Emilio De Moraes Garcia

ASSUNTO:

Denúncia acerca de irregularidades na percepção de proventos de aposentadoria e vencimentos decorrentes do exercício de cargo em comissão, acima do teto constitucional

 

 

 

Trata-se de Denúncia (fls. 02-15) subscrita pelo Sr. Paulo Emílio de Moraes Garcia a respeito de suposta irregularidade na percepção, pelo Sr. Salomão Antônio Ribas Júnior, de proventos de aposentadoria e de remuneração pelo exercício de cargo em comissão na ALESC, em valores cuja soma ultrapassa o teto remuneratório estabelecido no art. 37, inciso XI da CRFB/88.

Após a realização de diligências, elaboração de relatórios técnicos e juntada de diversos documentos (fls. 16-127), este Órgão Ministerial manifestou-se às fls. 128-130 pela realização de diligências à ALESC e a esse Tribunal de Contas a fim de que se apurasse a efetivação dos descontos dos valores que excederam ao teto constitucional entre o mês de setembro de 2015 e a exoneração do Sr. Salomão no cargo em comissão que ocupava naquela Casa Legislativa, bem como ao Sr. Salomão Antônio Ribas Júnior, acerca de eventual restituição voluntária dos valores que teriam sido recebidos acima do teto constitucional nos meses de fevereiro a maio de 2015. Após a realização das diligências, se constatado que não foram promovidos os mencionados descontos/restituições, manifestei-me, ainda, pelo sobrestamento dos presentes autos até a derradeira manifestação do Supremo Tribunal Federal nos autos dos processos RE 602.584, RE 612.975 e RE 602.043 que versam sobre a matéria.

No despacho de fls. 131-132, o Relator do presente processo acatou parcialmente a manifestação deste Ministério Público de Contas, determinando a realização das mencionadas diligências a essa Corte de Contas e à ALESC, as quais, efetivadas, resultaram na apresentação, respectivamente, dos documentos de fls. 137-147 e 148-153.

Na sequência, a Diretoria de Controle de Atos de Pessoal elaborou o relatório de reinstrução de fs. 155-157 sugerindo, ao final, o julgamento improcedente do presente processo, tendo em vista a perda de objeto ocasionada pela exoneração do servidor, aliada à tese fixada pelo STF no RE 606.358, no qual teria sido dispensada a restituição dos valores recebidos de boa-fé acima do teto constitucional até 18/11/2015.

É o relatório.

Consoante o exposto no parecer de fls. 128-130, constatou-se que o Sr. Salomão Antônio Ribas Júnior recebeu, de fevereiro a maio de 2015, remuneração integral pelo cargo ocupado na ALESC – ultrapassando, portanto, o teto remuneratório constitucional, se cumulados os valores dos proventos de aposentadoria recebidos e de sua remuneração –, sendo que, nos meses de junho, julho e agosto daquele ano havia o registro de desconto de sua remuneração (fls. 64-66), adequando-se o valor total recebido, portanto, ao limite remuneratório constitucional.

Havia ficado pendente, no entanto, a comprovação da continuidade dos descontos até a exoneração do Sr. Salomão, em 03/11/2015, os quais restaram demonstrados pelos documentos de fls. 148-152, acostados aos autos por ocasião da resposta à diligência realizada à ALESC. Além disso, carecia de esclarecimentos a eventual restituição voluntária dos valores que teriam sido recebidos acima do teto constitucional nos meses de fevereiro a maio de 2015, o que, conforme informado pela ALESC à fl. 148, não foi realizado.

Dessa forma, temos que do objeto inicial da presente denúncia, persiste somente a questão da percepção pelo Sr. Salomão Antônio Ribas Júnior, nos meses de fevereiro a maio de 2015, de proventos de aposentadoria e de remuneração pelo exercício de cargo em comissão na ALESC em valores cuja soma ultrapassa o teto constitucional.

Ocorre que, conforme também fora registrado no parecer de fls. 128-130, há intensa divergência doutrinária e jurisprudencial sobre o tema, não havendo manifestação definitiva do Pretório Excelso que defina se os valores dos proventos e da remuneração percebidos pelo servidor público devem ser considerados isolada ou cumulativamente para fins de aferição do teto constitucional e, portanto, se os valores recebidos a maior nessa circunstância devem ser restituídos aos cofres públicos.

Entendo, da análise das decisões recentes do STF sobre o tema - especialmente no RE 609.381 -, conjugadas com o art. 37, inciso XI, da CFRB/88, o art. 17 do ADCT e o art. 9º da EC n. 41/2003, que, de fato, os proventos e a remuneração devem ser considerados cumulativamente, de maneira que eventuais valores recebidos a maior devem ser restituídos. Mencionadas normas dispõem que:

CRFB/88:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [...].

XI - A remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsidio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos;

ADCT:

Art. 17. Os vencimentos, a remuneração, as vantagens e os adicionais, bem como os proventos de aposentadoria que estejam sendo percebidos em desacordo com a Constituição serão imediatamente reduzidos aos limites dela decorrentes, não se admitindo, neste caso, invocação de direito adquirido ou percepção de excesso a qualquer título.

EC n. 41/2003:

Art. 9º Aplica-se o disposto no art. 17 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias aos vencimentos, remunerações e subsídios dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza.

Nessa linha, também podemos citar o Prejulgado n. 653 dessa Corte de Contas, que assim registrou:

O provento de aposentadoria, o subsídio de agente político e a remuneração pelo exercício de cargo público, recebidos cumulativamente, devem observar o teto remuneratório instituído pelo inc. XI do art. 37 da Constituição Federal. Caso a remuneração ultrapassar o teto constitucional, deverá sofrer a redução obrigatória, sem direito de recebimento posterior, determinada pelo art. 17 do ADCT, bem como a restituição dos valores recebidos a maior, dentro dos limites mensais previstos pela legislação. (grifei)

Ainda, extrai-se do Parecer n. 3036/2014–ASJCIV/SAJ/PGR, lavrado em 07/05/2014 pelo Procurador-Geral da República, Sr. Rodrigo Janot, que os proventos e pensões devem ser submetidos ao limite remuneratório - juntamente com outros valores - quando há identificação do vínculo jurídico entre o servidor e o Estado[1]. Ou seja, havendo liame funcional do servidor com o poder público, como há, no presente caso, a aposentadoria deve ser somada à remuneração do servidor para fins de apuração do teto.

Mesmo diante de todos esses elementos, os quais já poderiam fundamentar a determinação para a devolução dos valores em discussão, manifestei-me, por precaução - diante da intensa divergência jurisprudencial sobre o tema -, pelo sobrestamento do feito até a resolução dos processos RE 602.584, RE 612.975 e RE 602.043 junto ao STF, que poderiam aclarar a questão.

Por outro lado, a Diretoria de Controle de Atos de Pessoal, além de já ter sugerido, às fls. 104-105, o julgamento improcedente da presente Denúncia, tendo em vista a exoneração do servidor em questão do cargo em que era comissionado - silenciando, portanto, quanto à restituição dos valores eventualmente recebidos em excesso -, reiterou esse posicionamento no último relatório técnico acostado aos autos (fls. 155-157), acrescentando ao seu entendimento o disposto na recente decisão proferida pelo STF no RE 606.358, segundo a qual estaria dispensada a restituição dos valores recebidos de boa-fé acima do teto constitucional até o dia 18/11/2015.

Perceba-se, no entanto, que o RE 606.358, utilizado como paradigma pelo Corpo Técnico desse Tribunal, apesar de versar sobre o teto remuneratório estabelecido no art. 37, inciso XI, da CRFB/88, cinge-se, unicamente, à definição da incidência dos valores recebidos a título de vantagens pessoais no cálculo do teto, as quais, decidiu-se, devem ser computadas na aferição do teto remuneratório, não sendo necessária a restituição desses valores recebidos acima do teto até determinada data, conforme se extrai da respectiva ementa da decisão, a saber:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. SERVIDORES PÚBLICOS. REMUNERAÇÃO. INCIDÊNCIA DO TETO DE RETRIBUIÇÃO. VANTAGENS PESSOAIS. VALORES PERCEBIDOS ANTES DO ADVENTO DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 41/2003. INCLUSÃO. ART. 37, XI e XV, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA.

1. Computam-se para efeito de observância do teto remuneratório do art. 37, XI, da Constituição da República também os valores percebidos anteriormente à vigência da Emenda Constitucional nº 41/2003 a título de vantagens pessoais pelo servidor público, dispensada a restituição dos valores recebidos em excesso de boa-fé até o dia 18 de novembro de 2015.

 2. O âmbito de incidência da garantia de irredutibilidade de vencimentos (art. 37, XV, da Lei Maior) não alcança valores excedentes do limite definido no art. 37, XI, da Constituição da República.

3. Traduz afronta direta ao art. 37, XI e XV, da Constituição da República a exclusão, da base de incidência do teto remuneratório, de valores percebidos, ainda que antes do advento da Emenda Constitucional nº 41/2003, a título de vantagens pessoais.

4. Recurso extraordinário conhecido e provido. (grifei)

Como se vê, a Diretoria de Controle de Atos de Pessoal utilizou uma decisão da Suprema Corte que não se ajusta ao caso concreto, porquanto, in casu, estamos perquirindo sobre a cumulatividade, ou não, de proventos de aposentaria com remuneração por cargo comissionado, questão que, até o momento, não foi definitivamente solucionada por aquela Corte.

De qualquer forma, se fosse para acolher alguma decisão do STF ao presente processo, certamente não seria a proferida no RE 606.358, mas sim aquela oriunda do já mencionado RE 609.381, por ser a deliberação recente (DJE 11/12/2014) mais adequada ao caso, a saber:

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. TETO DE RETRIBUIÇÃO. EMENDA CONSTITUCIONAL 41/03. EFICÁCIA IMEDIATA DOS LIMITES MÁXIMOS NELA FIXADOS. EXCESSOS. PERCEPÇÃO NÃO RESPALDADA PELA GARANTIA DA IRREDUTIBILIDADE.

1. O teto de retribuição estabelecido pela Emenda Constitucional 41/03 possui eficácia imediata, submetendo às referências de valor máximo nele discriminadas todas as verbas de natureza remuneratória percebidas pelos servidores públicos da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, ainda que adquiridas de acordo com regime legal anterior.

2. A observância da norma de teto de retribuição representa verdadeira condição de legitimidade para o pagamento das remunerações no serviço público. Os valores que ultrapassam os limites pré-estabelecidos para cada nível federativo na Constituição Federal constituem excesso cujo pagamento não pode ser reclamado com amparo na garantia da irredutibilidade de vencimentos.

3. A incidência da garantia constitucional da irredutibilidade exige a presença cumulativa de pelo menos dois requisitos: (a) que o padrão remuneratório nominal tenha sido obtido conforme o direito, e não de maneira ilícita, ainda que por equívoco da Administração Pública; e (b) que o padrão remuneratório nominal esteja compreendido dentro do limite máximo pré-definido pela Constituição Federal. O pagamento de remunerações superiores aos tetos de retribuição de cada um dos níveis federativos traduz exemplo de violação qualificada do texto constitucional.

4. Recurso extraordinário provido. (grifei)

Tal precedente é decisivamente mais pertinente ao caso concreto, pois versa sobre a cumulação de verbas de natureza remuneratória em geral - como aquelas discutidas no processo em comento - e não somente quanto às específicas vantagens pessoais abordadas na decisão do RE 606.358 mencionada pela Área Técnica desse Tribunal.

Infere-se do voto que fundamentou a decisão acima transcrita (RE 609.381), também, que seria dispensada a restituição dos valores recebidos em excesso somente até a publicação da ata referente àquele julgamento, termo que ocorreu em 10/12/2014[2]. Aplicado ao presente caso, portanto, os valores recebidos em excesso pelo Sr. Salomão Antônio Ribas Júnior deveriam ser restituídos, porquanto recebidos já no exercício de 2015.

Nesse sentido, entendo que a proposta de encaminhamento sugerida pela Área Técnica dessa Corte de Contas no relatório de fls. 155-157 não merece ser acolhida - o julgamento improcedente da presente denúncia certamente não é a orientação mais correta e prudente a ser dada ao caso.

Ante o exposto, o Ministério Público de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, inciso II, da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, manifesta-se:

1.        Pela reiteração da manifestação exarada no item 3 do Parecer n. MPTC/40979/2016 (fls. 128-130), no sentido de SOBRESTAR o presente processo até a derradeira manifestação do Supremo Tribunal Federal nos autos dos processos RE 602.584, RE 612.975 e RE 602.043 que versam sobre a matéria, tendo em vista a ausência de manifestação definitiva daquela Corte sobre o tema;

2.        Não sendo esse o entendimento do Relator do processo, pela procedência da presente Representação, tendo-se em vista o disposto no art. 37, inciso XI da CFRB/88, no art. 17 do ADCT e no art. 9º da EC n. 41/2003, aliados à inclinação do STF sobre o tema, no RE 609.381, e ao entendimento dessa Corte de Contas, consignado no Prejulgado n. 653, determinando-se, portanto, a restituição ao erário dos valores recebidos em excesso ao teto constitucional pelo Sr. Salomão Antônio Ribas Júnior nos meses de fevereiro a maio de 2015, referentes à cumulação de proventos de aposentadoria e de remuneração pelo exercício de cargo em comissão na ALESC.

Florianópolis, 2 de setembro de 2016.

                                             

 

Cibelly Farias Caleffi

Procuradora

 



[1] Segundo esse entendimento, não estaria submetida à cumulação para fins de teto, por exemplo, a pensão por morte, cujo vínculo do Estado não era com quem recebe os valores, mas com o falecido.

[2] http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=3843794