Parecer nº:

MPC/46.031/2016

Processo nº:

REC 16/00292957    

Origem:

Município de Imaruí

Assunto:

Recurso de Reconsideração da decisão exarada no processo TCE-07/00533168.

 

 

Trata-se de Recurso de Reconsideração interposto pelo Sr. Adilson Luiz Dutra em face do acórdão nº 1071/2013, exarado no processo nº TCE 07/00533168, o qual foi instaurado em razão de denúncia acerca de irregularidades na acumulação remunerada de cargos públicos.

Após analisar a conjuntura fática, a Diretoria de Recursos e Reexames, sob o parecer de nº 281/2016, manifestou-se nos seguintes moldes (fls. 41-45):

 

3.1. Conhecer do Recurso de Reconsideração interposto nos termos do art. 77 da Lei Complementar nº 202, de 15 de dezembro de 2000, contra a Deliberação nº 1071/2013, exarada na Sessão Ordinária de 14/10/2013, nos autos TCE 07/00533168, e no mérito dar provimento para:

3.1.1. Anular os efeitos da condenação imposta ao Sr. Adilson Luiz Dutra, a fim de oportunizar o exercício do contraditório e ampla defesa sobre as restrições apontadas nos autos TCE 07/00533168 com a promoção de nova citação no endereço por ele fornecido: Rua Alcindo da Fonseca, 51, sala 03, Centro, Imbituba.5

3.1.2. Manter na íntegra quanto ao Sr. Braz Guterro, a Decisão n° 1071/2013, o qual foi devidamente citado.

3.1.3. Determinar à Secretaria Geral – SEG que certifique o sobrestamento dos autos TCE 07/00533168, com relação ao Recorrente, com a devida informação à Procuradoria do Município de Imaruí.

3.2. Dar ciência da Decisão, ao Sr. Adilson Luiz Dutra e à Prefeitura Municipal de Imaruí.

 

É o relatório.

 

1. Dos requisitos de admissibilidade

 

Ressalte-se, inicialmente, que o recurso de reconsideração é o meio processual cabível para atacar decisões proferidas pelo Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina em processos de prestação e tomada de contas[1].

Na ocasião, sublinhem-se os pressupostos de admissibilidade do recurso em tela: a) cabimento; b) adequação; c) legitimidade; d) tempestividade; e) singularidade.

Assentados esses requisitos, saliente-se que o apelo é cabível e adequado ao presente caso, já que visa à reforma da decisão proferida em processo de tomada de contas especial.

Quanto à legitimidade, cumpre salientar que o Sr. Adilson Luiz Dutra foi condenado à restituição de valores aos cofres públicos, o que demonstra que o requisito em análise está preenchido.

A singularidade, por sua vez, também foi respeitada, já que o recurso de reconsideração foi interposto uma única vez no presente caso.

Por fim, no que diz respeito à tempestividade, impõe-se anotar que a publicação da decisão ocorreu em 14.11.2013 e o apelo foi interposto em 23.05.2016, ultrapassando, assim, o prazo fixado em lei – 30 dias.

No entanto, coaduno do entendimento exarado pela área técnica, no sentido de que a intempestividade deve ser superada, em razão do vício vislumbrado no presente caso.

Importante destacar, neste ponto, que se observou nulidade de caráter absoluto. Como se sabe, matérias dessa natureza podem, inclusive, ser apreciadas de ofício.

Em razão de todo o exposto, o Ministério Público de Contas manifesta-se pelo conhecimento do presente apelo.

 

2. Do mérito

 

Cabe ter presente, em primeiro lugar, que o acórdão recorrido tratou da irregularidade concernente à acumulação remunerada de cargos públicos (vice-prefeito e professor) pelo Sr. Adilson Luiz Dutra nos anos de 2005 a 2007.

Com efeito, impõe-se mencionar que o recorrente foi considerado revel nos autos do processo nº TCE 07/00533168, sendo condenado, no aludido feito, à devolução do valor de R$ 119.861,20 aos cofres públicos.

Em seu recurso, o Sr. Adilson Luiz Dutra discorre que, em 26.04.2016, recebeu uma intimação do Município de Imaruí para comparecer ao setor tributário da municipalidade para quitar um débito existente em seu nome. Após averiguar do que se tratava a dívida, o recorrente teve conhecimento do processo em que foi condenado no âmbito da Corte de Contas catarinense.

Na ocasião, o Sr. Adilson acrescenta que é servidor público efetivo do Estado de Santa Catarina, no intento de demonstrar que existiam meios de ser localizado antes de ser efetuada a citação por edital.

Lançados os argumentos suscitados no apelo, saliento que nos autos nº TCE 07/00533168 foi encaminhado o ofício TCE/SEG nº 21.928/2012 ao recorrente através do correio, conforme se depreende da fl. 361. Tal documento, no entanto, retornou com a informação “mudou-se” (fl. 365).

É digno de nota que não restaram preenchidos os campos de tentativa de entrega, o que demonstra que não foram esgotadas todas as possibilidades de localizar o recorrente.

À vista da informação constante no aviso de recebimento, procedeu-se à citação do Sr. Adilson Luiz Dutra através do edital nº 1114 (fl. 366), o qual foi publicado do Diário Oficial do Tribunal de Contas catarinense em 22.11.2012.

Presente esse contexto, cumpre registrar que o Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que a citação por edital somente pode ser utilizada quando esgotados todos os meios aptos à localização do réu.

Nesse sentido, eis os acórdãos proferidos pela referida Corte de Justiça:

 

HABEAS CORPUS. CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO E LAVAGEM DE DINHEIRO. CITAÇÃO POR EDITAL. NÃO ESGOTAMENTO DE TODOS OS MEIOS PARA A LOCALIZAÇÃO DO ACUSADO. NULIDADE. ORDEM CONCEDIDA.

1. Pacífico o entendimento do Superior Tribunal de Justiça de que devem ser esgotadas todas as diligências possíveis para a localização do réu antes de se determinar a citação por edital, sob pena de nulidade.

2. No caso, apesar de declinada nos autos da ação penal de que se cuida a alteração de endereço do paciente, esta não foi observada, o que ensejou a sua não localização e a citação por edital, restando evidenciado, assim, o alegado constrangimento ilegal.

3. Ordem concedida para anular o processo a partir da citação do paciente, inclusive, determinando-se a expedição de carta rogatória para citação e interrogatório, com posterior prosseguimento dos demais atos do processo[2]. (Grifou-se)

 

TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PROCESSO ADMINISTRATIVO. INTIMAÇÃO EDITALÍCIA. NECESSIDADE DE ESGOTAMENTO DAS HIPÓTESES DE INTIMAÇÃO PREVISTAS EM LEI. CERCEAMENTO DE DEFESA.

INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. AGRAVO NÃO PROVIDO.

1. "A citação do devedor por edital só é admissível após o esgotamento de todos os meios possíveis à sua localização" (AgRg no REsp 1.044.953/SP, Rel. Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, DJe 3/6/09)

2. A modificação do entendimento firmado pelo Tribunal de origem quanto à ocorrência de cerceamento de defesa do devedor pela intimação editalícia sem esgotamento dos demais meios previstos em lei configura incursão no contexto fático-probatório dos autos, defeso em sede de recurso especial, a teor da Súmula 7/STJ.

3. Agravo regimental não provido[3]. (Grifou-se)

 

À luz dessas orientações, forçoso admitir que, antes de ser realizada a citação do Sr. Adilson Luiz Dutra através de edital, era imprescindível que se esgotassem todos os meios disponíveis para sua localização, o que não ocorreu no presente caso.

Vale assinalar, oportunamente, que o recorrente, por ser servidor público, tem domicílio necessário no lugar em que exerce permanentemente suas funções.

A propósito, dispõe o Código Civil brasileiro:

 

Art. 76. Têm domicílio necessário o incapaz, o servidor público, o militar, o marítimo e o preso.

Parágrafo único. O domicílio do incapaz é o do seu representante ou assistente; o do servidor público, o lugar em que exercer permanentemente suas funções; o do militar, onde servir, e, sendo da Marinha ou da Aeronáutica, a sede do comando a que se encontrar imediatamente subordinado; o do marítimo, onde o navio estiver matriculado; e o do preso, o lugar em que cumprir a sentença.

 

Ao encontro desse raciocínio, o Superior Tribunal de Justiça manifestou-se:

 

HABEAS CORPUS. ROUBO CIRCUNSTANCIADO (ARTIGO 157, § 2º, INCISOS I E II, DO CÓDIGO PENAL). SENTENÇA CONDENATÓRIA. INTIMAÇÃO PESSOAL INFRUTÍFERA. COMUNICAÇÃO POR EDITAL. TRÂNSITO EM JULGADO. ACUSADO. SERVIDOR PÚBLICO. DOMICÍLIO NECESSÁRIO. MEIOS DE LOCALIZÁ-LO NÃO ESGOTADOS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CARACTERIZADO. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTOS PARA A SEGREGAÇÃO CAUTELAR. ORDEM CONCEDIDA.
1. O acusado que respondeu solto ao processo, ainda que possua defensor constituído, deve ser intimado pessoalmente da condenação, sob pena de nulidade por violação ao princípio da ampla defesa. 
2. Sendo de conhecimento do Juízo que o acusado era servidor público estadual, nula é a sua intimação acerca da sentença condenatória realizada via edital quando infrutífera a tentativa de intimá-lo pessoalmente no endereço declinado nos autos, já que era possível localizá-lo no local de exercício das suas funções, mormente por se tratar do seu domicílio necessário, nos termos do artigo 76 do Código Civil.
[...]
4. Ordem concedida para anular a certidão de trânsito em julgado e determinar a intimação pessoal do paciente sobre o édito condenatório, com a reabertura do prazo recursal, expedindo-se alvará de soltura em seu favor, se por outro motivo não estiver preso[4]. (Grifou-se). 

 

Aliado a isso, sobreleva consignar que, nos termos do Regimento Interno do TCE/SC, somente pode ser considerada frustrada a forma de cientificação quando a entrega da carta registrada não tiver sido realizada pelo correio após três tentativas, senão vejamos:

 

Art. 57-C. Nos casos em que as tentativas de cientificação nas formas previstas no art. 57-B restarem frustradas e seu destinatário não for localizado, a citação, a audiência, a diligência e a notificação serão efetivadas por edital publicado no Diário Oficial Eletrônico do Tribunal de Contas, sendo obrigatória, no mínimo, a tentativa de cientificação do inciso II do art. 57-B. (Redação dada pela Resolução N. TC 125/2016 – DOTC-e de 11.07.2016)

§ 1º Consideram-se frustradas as formas de cientificação quando:

 I - o responsável ou o interessado não confirmar o recebimento da comunicação no prazo máximo de três dias úteis, contados da data do envio ao endereço eletrônico fornecido;

II - o responsável ou interessado não acessar os sistemas informatizados do Tribunal no prazo máximo de três dias úteis, contados da data em que os ofícios mencionados no art. 57-B deste Regimento foram disponibilizados;

III - a entrega da carta registrada não tiver sido realizada pelo correio, após três tentativas.

§ 2º A Secretaria Geral certificará no processo as tentativas frustradas de cientificação quando a citação, a audiência, a diligência e a notificação forem realizadas por edital publicado no Diário Oficial Eletrônico do Tribunal de Contas. (Grifou-se)

 

Conforme mencionado alhures, realizou-se apenas uma tentativa de entrega da citação ao recorrente, demonstrando, assim, que não foi seguida a orientação constante na norma interna da Corte de Contas de Santa Catarina.

Diante do cenário aqui apresentado, entende-se que devem ser anulados os efeitos da condenação imposta ao Sr. Adilson Luiz Dutra, a fim de prestigiar os princípios do contraditório e da ampla defesa.

Para arrematar, sublinhe-se que a decisão proferida pelo TCE/SC nos autos do processo nº TCE 07/00533168 deve ser mantida no tocante ao Sr. Braz Guttero, já que tal responsável foi devidamente citado.

Ante o exposto, o Ministério Público de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, incisos I e II, da Lei Complementar nº 202/2000, manifesta-se:

1. Por conhecer do recurso de reconsideração interposto pelo Sr. Adilson Luiz Dutra em face da deliberação nº 1071/2013 exarada pelo TCE/SC e, no mérito, dar provimento para anular os efeitos da condenação imposta ao recorrente, a fim de oportunizar o contraditório e ampla defesa sobre os apontamentos que lhes foram atribuídos nos autos nº TCE 07/00533168;

2. Por manter na íntegra os efeitos da condenação no que toca ao Sr. Braz Guterro, já que tal responsável foi devidamente citado;

3. Por determinar à Secretaria Geral que certifique o sobrestamento dos autos nº TCE 07/005533168 em relação ao Sr. Adilson Luiz Dutra, com a devida informação à Procuradoria do Município de Imaruí.

4. Por dar ciência da decisão proferida pelo TCE/SC ao Sr. Adilson Luiz Dutra e ao Município de Imaruí.

Florianópolis, 18 de novembro de 2016.

 

Diogo Roberto Ringenberg

Procurador do Ministério

Público de Contas

 

 



[1] O art. 77, da Lei Complementar Estadual nº 202/2000, prescreve: “Cabe Recurso de Reconsideração contra decisão em processo de prestação e tomada de contas, com efeito suspensivo, interposto uma só vez por escrito, pelo responsável, interessado ou pelo Ministério Público junto ao Tribunal, dentro do prazo de trinta dias contados da publicação da decisão no Diário Oficial Eletrônico do Tribunal de Contas”.

[2] BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. HC 55059 / PR. Rel. Haroldo Rodrigues. J. em: 16 ago. 2011. Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em: 10 nov. 2016.

[3] BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. AgRg no REsp 1332363 / SE. Rel Arnaldo Esteves Lima. J. em: 18 out. 2012. Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em: 10 nov. 2016.

[4] BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. HC 163179 / ES. Rel. Ministro Jorge Mussi. J. em: 14 ago. 2012. Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em: 10 nov. 2016.