Parecer nº:

MPC/41.801/2016

Processo nº:

TCE 10/00786649

Origem:

Município de Penha

Assunto:

Licitação e despesas com aquisição de material escolar

 

 

Trata-se de Tomada de Contas Especial oriunda da conversão do processo REP 10/00786649, no qual foram apuradas as seguintes irregularidades: i) ausência de liquidação das despesas decorrentes do procedimento administrativo de dispensa de licitação nº 19/2009, no valor de R$ 105.553,75; ii) realização do procedimento administrativo do Pregão Presencial nº 27/2010 sem observar o princípio da seleção da proposta mais vantajosa; iii) concessão de benefícios e isenções de tributos municipais à empresa Zanotti Presentes Ltda. ME.

Após regular tramitação do feito, a diretoria técnica e o Ministério Público de Contas sugeriram julgar irregulares as contas analisadas e imputar ao gestor o débito de R$ 105.553,75 (referente à ausência de liquidação de despesas), bem como cominar multas em razão das outras irregularidades apontadas (fls. 1303 e 1310).

O Relator determinou o retorno dos autos à área técnica para verificação da existência de recursos federais aplicados na dispensa de licitação nº 19/2009, o que poderia atrair a competência do Tribunal de Contas da União, visto que a fonte dos recursos correspondia à “transferência de recursos do FNDE[1]” (fl. 1311).

Por meio do relatório de nº 168/2016 (fls. 1315-1317), a diretoria técnica encaminhou sugestão de voto ao Relator confirmando sua conclusão anterior.

É o relatório.

Os autos retornaram à diretoria técnica por determinação do Relator, que apontou o possível envolvimento de recursos federais[2] na dispensa examinada no feito, o que, a seu ver, atrairia a competência fiscalizatória do Tribunal de Contas da União.

Entretanto, semelhante representação foi proposta perante o Tribunal de Contas da União, abordando de forma expressa o gasto de R$ 105.553,75 decorrente do procedimento de dispensa de licitação nº 19/2009, tratado no bojo deste processo (fl. 68v).

O fato foi analisado pelo TCU, que proferiu decisão de declínio da competência relativa à fiscalização destes recursos.

De acordo com a decisão proferida pelo TCU (fl. 62), cabe à Corte de Contas estadual fiscalizar a correta aplicação dos recursos repassados pelo FNDE ao Fundeb municipal. Ao órgão federal caberia somente fiscalizar eventual complementação de recursos por parte da União. Havendo esta complementação, a competência deveria ser deslocada para a Corte federal. Como não há, a competência permanece sendo do Tribunal catarinense.

Como se vê, a matéria objeto de fiscalização (dispensa de licitação nº 19/2009) foi analisada pelo TCU, o qual concluiu pelo afastamento de sua competência.

Dessa feita, mostra-se acertado o encaminhamento dado pela área técnica no relatório nº 305/2015 (fls. 1297-1303), no sentido da irregularidade das contas apresentadas, da condenação ao ressarcimento dos prejuízos acarretados ao erário e da aplicação das multas devidas, posicionamento reiterado no relatório de nº 168/2016.

Deve-se ressaltar que o entendimento proferido pelo TCU vai ao encontro de posicionamento já defendido por este gabinete em outros feitos, qual seja, a de que a competência para fiscalizar os recursos federais que passam a integrar os orçamentos do Estado e dos Municípios catarinenses é do Tribunal de Contas de Santa Catarina.

Cabe destacar que as verbas federais transferidas pela União a um Estado, Município ou ao Distrito Federal passam a ingressar no orçamento deste outro ente federativo, em cumprimento ao artigo 35 da Lei Federal nº 10.180/2001:

 

Art. 35. Os órgãos e as entidades da Administração direta e indireta da União, ao celebrarem compromissos em que haja a previsão de transferências de recursos financeiros, de seus orçamentos, para Estados, Distrito Federal e Municípios, estabelecerão nos instrumentos pactuais a obrigação dos entes recebedores de fazerem incluir tais recursos nos seus respectivos orçamentos.

 

A mencionada transferência altera a natureza jurídica e a competência para fiscalizar a juridicidade do emprego da verba repassada. Nessa direção, eis o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

 

PROCESSO CIVIL – CONFLITO DE COMPETÊNCIA – AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS DE VERBAS RECEBIDAS EM VIRTUDE DE ACORDO FIRMADO ENTRE O MUNICÍPIO E O MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO – COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. 1. A ação de prestação de contas de verbas recebidas em virtude de acordo firmado entre o Município e o Ministério da Educação deve ser processada e julgada pela Justiça Comum Estadual, haja vista que os recursos já se incorporaram ao patrimônio da Municipalidade. Inaplicabilidade da Súmula 208/STJ. 2. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo de Direito da 3ª Vara Cível de Palmeira dos Índios – AL, o suscitado[3].

 

No mesmo sentido é o entendimento da Justiça Federal, em caso análogo:

 

II – A ação de improbidade proposta pelo município contra o seu ex-prefeito, por falta de prestação de contas do convênio firmado com órgão descentralizado da União (FNDE), embora tratando-se de verba federal, deve ser processada junto à Justiça do Estado, em face da demonstração de desinteresse da União na causa. Em matéria cível, não basta que haja o interesse da União ou de entidade federal para que se tenha como firmada a competência da Justiça Federal, senão que esteja ela ou suas entidades na relação processual, como autora, ré, assistente ou opoente (art. 109, I, CF), não valendo para essas hipóteses a invocação da Súmula nº 208 do STJ[4].

 

Anote-se, ainda, o enunciado da Súmula 209 do Superior Tribunal de Justiça, o qual estabelece que “compete à justiça estadual processar e julgar prefeito por desvio de verba transferida e incorporada ao patrimônio municipal”.

Sobre o tema, trago à baila jurisprudências do Superior Tribunal de Justiça:

 

CONFLITO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA AJUIZADA POR MUNICÍPIO CONTRA EX-PREFEITO. CONVÊNIO ENTRE MUNICÍPIO E ENTE FEDERAL. UTILIZAÇÃO IRREGULAR DE RECURSOS PÚBLICOS. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL.

1. Trata-se de ação de improbidade administrativa proposta por Município contra ex-prefeito, por suposto desvio de verba – já incorporada pela Municipalidade – sujeita à prestação de contas perante órgão federal, no caso, a FUNASA (fundação pública vinculada ao Ministério da Saúde).

2. Nos termos inciso I, do art. 109, da CRFB/88, a competência cível da Justiça Federal define-se pela natureza das pessoas envolvidas no processo – rationae personae –, sendo desnecessário perquirir a natureza da causa (análise do pedido ou causa de pedir), excepcionando-se apenas as causas de falência, de acidente do trabalho e as sujeitas às Justiças Eleitoral e do Trabalho.

3. Malgrado a demanda tenha como causa de pedir – a ausência de prestação de contas (por parte do ex prefeito) de verbas recebidas em decorrência de convênio firmado com órgão federal – situação que, nos termos da Súmula 208/STJ, fixaria a competência na Justiça Federal (já que o ex gestor teria que prestar contas perante o referido órgão federal), não há, no pólo passivo da ação, quaisquer dos entes mencionados no inciso I do art. 109, da CF. Assim, não há que se falar em competência da Justiça Federal.

4. Corrobora o raciocínio, o entendimento sedimentado na Súmula 209/STJ, no sentido de fixar na Justiça Estadual a competência para o processo e julgamento das causas em que as verbas recebidas pelo Município, em decorrência de irregularidades ocorridas no Convênio firmado com a União, já tenham sido incorporadas à Municipalidade – hipótese dos autos.

5. Conflito de competência conhecido para declarar competente o Juízo de Direito de Marcelância/MT, o suscitado.[5] (Grifo nosso)

 

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS AJUIZADA POR MUNICÍPIO EM FACE DE EX-PREFEITO. VERBAS RECEBIDAS EM RAZÃO DE CONVÊNIO JÁ INCORPORADAS À MUNICIPALIDADE. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS 150 E 209 DESTA CORTE.

1. Trata-se de conflito em que se discute a competência para julgar ação de prestação de contas ajuizada pelo Município de Cabedelo/PB em face de ex-prefeito.

2. A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de que, em se tratando de demanda referente a verbas recebidas mediante convênio entre o Município e a União, quando tais verbas já foram creditadas e incorporadas à municipalidade, a competência para apreciá-la é da Justiça Comum Estadual.

3. Observa-se, ainda, na hipótese em análise, que não há manifestação de interesse da União em ingressar no feito, figurando como partes apenas o Município autor e o ex-prefeito, e que o Juízo Federal declarou a ausência de interesse do Ente Federal, excluindo, assim, sua competência para examinar o litígio.

4. A demanda, portanto, deve ser julgada pela Justiça Estadual, incidindo, no caso dos autos, os enunciados das Súmulas 209 e 150/STJ.

5. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo da 4ª Vara Cível da Comarca de Cabedelo/PB, o suscitante.[6] (Grifo nosso)

 

À luz de tais ponderações, entendo que, em se tratando de recursos incorporados ao orçamento do Município, a competência para sua fiscalização compete ao Tribunal de Contas de Santa Catarina.

Ante o exposto, o Ministério Público de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, inciso II, da Lei Complementar no 202/2000, manifesta-se por acompanhar, novamente, as conclusões adotadas pela área técnica.

Florianópolis, 14 de fevereiro de 2017.

 

Diogo Roberto Ringenberg

Procurador do Ministério

Público de Contas



[1] Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação

[2] Recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação.

[3] Superior Tribunal de Justiça. Processo: CC 64.869/AL, 1ª Seção, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 12/02/2007.

[4] FEDERAL, Tribunal Regional. Ag. 2006.01.00.020118-1/PA. Rel. Juiz Federal Convocado Jamil Rosa de Jesus Oliveira, 3ª Turma do TRF/1ª Região, Unânime. DJU de 27/10/2006.

[5] Superior Tribunal de Justiça Processo: CC 100507 MT – 2008/ 232471-7. Rel. Min. Castro Meira. Primeira Seção. DJe: 30/03/2009.

[6] Superior Tribunal de Justiça. CC 57110/PB – 2005/0201430-4. Minª. Denise Arruda. Primeira Seção. DJ: 07/05/2007.