Parecer
nº: |
MPC/47.163/2017 |
|
Processo
nº: |
REP
15/00054230 |
|
Origem: |
Prefeitura
Municipal de Erval Velho |
|
Assunto: |
Irregularidades
no Edital de Concurso Público nº 007/2014 |
|
Numeração
única: |
MPC-SC
2.3/2017.84 |
Trata-se de representação
proposta pelo Ministério Público de Contas, por meio do Procurador Diogo
Roberto Ringenberg, versando acerca de irregularidades constatadas no Edital de
Processo Seletivo nº 07/2014, deflagrado pela Prefeitura Municipal de Erval
Velho.
A área técnica, após
analisar a peça de representação, sugeriu a realização de audiência do
responsável, posicionamento acolhido pelo Relator.
Após manifestação da
Unidade, acostada às fls. 58-62, acompanhada da documentação de fls. 63-86, a
área técnica elaborou o relatório de nº 4182/2016 (fls. 89-93), sugerindo:
3.1. Considerar
improcedente a Representação em análise quanto à isenção da taxa de inscrição
para hipossuficientes.
3.2. Considerar procedente a
Representação em análise quanto aos demais itens, para determinar à
Prefeitura Municipal de Erval Velho que, doravante. Nos editais de Processo
Seletivo:
3.2.1. preveja a possibilidade de inscrição também via internet e interposição de recursos
também mediante procurador habilitado, e, ainda, através da internet e via
postal a fim de viabilizar a participação do maior numero de interessados, em conformidade com o art. 37, I, da
Constituição Federal;
3.2.2. indique, expressamente, no edital o quantitativo de
vagas destinadas a portadores de deficiência, à luz do que dispõe os arts. 37, VIII,
e §1º da Constituição Federal.
3.3. Recomendar a Prefeitura
Municipal de Erval Velho que proceda a adequação das normas municipais, visando
possibilitar a isenção de pagamento de taxas de concurso público e processo
seletivo, no caso de candidatos hipossuficientes.
3.4. Dar ciência desta Decisão,
bem como do Relatório e voto do Relator que a fundamentam, ao Sr. Walter
Kleber Kucher Junior – Prefeito de Erval Velho desde 1º/01/2013, ao Sr.
Diogo Roberto Ringenberg – Procurador do Ministério Público de Contas e à
Prefeitura Municipal de Erval Velho.
É o relatório.
A representação noticiou a
ocorrência de irregularidades concernentes à inscrição exclusivamente
presencial, à interposição de recursos somente por meio eletrônico, à ausência
de isenção de taxa de inscrição aos hipossuficientes e à não fixação do
percentual e delimitação do quantitativo de vagas destinadas às pessoas com
necessidades especiais.
Assim, em meu primeiro
parecer, sugeri a realização de audiência dos responsáveis para se manifestarem
acerca de todos os apontamentos acima mencionados.
Entretanto, foi realizada a
audiência somente em relação à inscrição exclusivamente presencial, à
interposição de recursos somente por meio eletrônico e à não fixação do
percentual e delimitação do quantitativo de vagas destinadas às pessoas com
necessidades especiais.
Realizado o ato processual,
o responsável se manifestou arguindo que: a inscrição por outros meios além do
presencial foi adotada a partir do certame seguinte; o edital contém a previsão
de vaga para pessoas com necessidades especiais; não houve a inscrição de
candidatos com necessidades especiais; a adoção de interposição de recursos via
postal não é totalmente segura e pode ocasionar incertezas quanto ao decurso do
prazo, em razão de possíveis atrasos por parte dos Correios.
Após analisar as
justificativas e documentação acostadas, a área técnica sugeriu considerar
parcialmente procedente a representação e formular determinações ao Município.
Passa-se ao exame dos
apontamentos.
É necessário esclarecer que a imposição de um
único meio de inscrição (para os interessados em participar do certame) e de
interposição de recursos (para os que se insurgem contra alguma das etapas do
processo seletivo) caracteriza notória restrição ao amplo acesso aos cargos
públicos e, em decorrência, fere o princípio constitucional da isonomia.
Como se vê, os interessados que não
dispõem de acesso à internet e que não residem nas proximidades da sede do
Município que deflagrou o certame podem encontrar dificuldades em se comunicar
com a banca organizadora. Tal fato prejudica claramente a participação de
candidatos no certame e o exercício do contraditório por meio dos recursos
pertinentes.
Ressalta-se, ainda, que a
jurisprudência administrativa reconhece a importância de ofertar aos candidatos
outros meios de inscrição em concursos públicos e de interposição de recursos:
Edital de Concurso
Público. Inscrição pela Internet e por Procuração. O Edital previu somente como
forma de inscrição a presencial, excluindo a inscrição via internet ou por
procuração. Ressalte-se, neste particular, que a possibilidade de inscrição via
internet é sempre devida, pois possibilita o acesso de um maior número de
candidatos, bem como deve ser admitida a
inscrição por procuração, tendo em vista a hipótese de impossibilidade do
próprio candidato fazer sua inscrição. Por essa razão, a Administração deverá
adequar o Edital, prevendo também a inscrição via internet e por procuração.[1] (grifado)
O
[edital] (...) estabelece que não serão recebidos recursos por procuração. A
impossibilidade de interposição de recursos, por procurador, cerceia, a meu
juízo, não só o direito do contraditório assegurado pela Carta Política ao
candidato, como também a atuação de profissional do direito, por exemplo,
eventualmente contratado para tal fim.[2]
Vale destacar que o aspecto da restrição de
inscrição e interposição de recursos somente através de uma modalidade foi
apreciado e rechaçado pela Corte de Contas nos autos da REP 15/00046644, senão
vejamos:
6.3. Considerar
procedente a Representação em análise quanto aos demais itens, para determinar
à Prefeitura Municipal de Piratuba que, doravante, nos editais de processo
seletivo:
(...)
6.3.1. Preveja a
possibilidade de inscrição também via internet e a interposição de eventuais
recursos também por via postal, a fim de viabilizar a participação do maior
número possível de interessados, em observância ao art. 37, I, da Constituição
Federal;
(...)
6.4.
Alertar a Prefeitura Municipal de Piratuba que o não cumprimento das
determinações constantes desta deliberação poderá implicar cominação das
sanções previstas no art. 70, VI, e §1º, da Lei Complementar n. 202/2000,
conforme o caso, e o julgamento irregular das contas, na hipótese de
reincidência no descumprimento de determinação, nos termos do art. 18, §1º, do
mesmo diploma legal.
6.5. Dar ciência
desta Decisão, bem como do Relatório e Voto do Relator que a fundamentam, aos
Srs. Claudirlei Dorini - Prefeito Municipal de Piratuba, e Diogo Roberto
Ringenberg - Procurador do Ministério Público junto a este Tribunal de Contas[3].
(grifei)
Vê-se
que o edital não pode impor obstáculos para a realização destas etapas,
privilegiando, assim, a mais ampla e igualitária participação dos interessados
ao ingresso no serviço público, nos moldes assinalados pela Constituição
Federal no art. 37, I.
Destaca-se, por fim, que se
defende aqui a adoção de métodos
simples, que permitem ampliar em muito a participação de interessados.
A
possibilidade de inscrição e interposição de recursos via postal, por exemplo,
já sanaria em parte a problemática aqui apresentada. Ademais, relembra-se que a
Unidade ofertou a interposição de recursos pela via eletrônica, hipótese que
poderia ser estendida facilmente à etapa de inscrições.
Quanto à isenção de taxas, nada obstante o
posicionamento do corpo instrutivo, entendo que a inexistência de lei local
sobre o assunto não impede a concessão do benefício aos candidatos
hipossuficientes.
Em
não havendo lei municipal sobre o tema, situação
que merece ser revista pelos Municípios de maneira célere, não pode ser
esse o fundamento para que a Municipalidade deixe de aplicar e conceder a
necessária e constitucional isenção aos hipossuficientes.
Conforme
já defendi em outra oportunidade, diante da falta de lei municipal, deve-se
aplicar por analogia (art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito
Brasileiro) a Lei Estadual n.º 11.289/1999[4]
e os Decretos Federais n.º 6.944/2009 e n.º 6.593/2008 que asseguram,
respectivamente:
Lei n.º 11.289/1999
Art.
1º Ficam isentos do pagamento de taxa de inscrição para concursos públicos da
Administração Direta do Estado de Santa Catarina, os candidatos cuja renda não
ultrapasse a dois salários mínimos.
Art.
2º O benefício de que trata o art. 1º desta Lei será deferido mediante a
apresentação do comprovante de renda do candidato ou declaração escrita de que
se encontre desempregado, e da fotocópia autenticada da Carteira de Trabalho da
Previdência Social – CTPS, especificamente das anotações dos contratos de
trabalho.
Parágrafo
único. A constatação de falsidade do comprovante de renda ou da declaração
referidos no caput deste artigo, além das sanções penais cabíveis, importará na
exclusão do candidato do processo seletivo em que estiver inscrito, sem
prejuízo da obrigatoriedade de arcar com o pagamento da taxa devida.
Art.
3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art.
4º Revogam-se as disposições em contrário.
Decreto n.º 6.944/2009
Art.
15. O valor cobrado a título de
inscrição no concurso público será fixado em edital, levando-se em consideração
os custos estimados indispensáveis para a sua realização, e ressalvadas as
hipóteses de isenção nele expressamente previstas, respeitado o disposto no
Decreto no 6.593, de 2 de outubro de 2008.
Decreto n.º 6.593/2008
Art.
1º Os editais de concurso público dos órgãos da administração direta, das
autarquias e das fundações públicas do Poder Executivo federal deverão prever a
possibilidade de isenção de taxa de inscrição para o candidato que:
I -
estiver inscrito no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal -
CadÚnico, de que trata o Decreto no 6.135, de 26 de junho de 2007; e
II -
for membro de família de baixa renda, nos termos do Decreto nº 6.135, de 2007.
§ 1º
A isenção mencionada no caput deverá ser solicitada mediante requerimento do
candidato, contendo:
I -
indicação do Número de Identificação Social - NIS, atribuído pelo CadÚnico; e
II -
declaração de que atende à condição estabelecida no inciso II do caput.
§ 2º
O órgão ou entidade executor do concurso público consultará o órgão gestor do
CadÚnico para verificar a veracidade das informações prestadas pelo candidato.
§ 3º
A declaração falsa sujeitará o candidato às sanções previstas em lei,
aplicando-se, ainda, o disposto no parágrafo único do art. 10 do Decreto no
83.936, de 6 de setembro de 1979.
Nesse mesmo sentido é o norte jurisprudencial dos Tribunais
Pátrios:
CONCURSO
PÚBLICO. ISENÇÃO DE TAXA DE INSCRIÇÃO. É constitucional a Lei local nº
2.778/89, no que implicou a concessão de isenção de taxa para a inscrição em
concurso público. Precedente: Ação Direta de Inconstitucionalidade nº
2.672-1/ES. Pleno. Relatora Ministra Ellen Gracie cujo acórdão foi publicado no
Diário da Justiça de 10 de novembro de 2006.[5]
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO
CIVIL PÚBLICA. CONCURSO PÚBLICO. TAXA DE INSCRIÇÃO. CANDIDATOS
HIPOSSUFICIENTES. ISENÇÃO. SENTENÇA MANTIDA.
1. A jurisprudência
desta Corte é no sentido de que, embora seja legal a cobrança de taxa de
inscrição em concurso público, deve ser
concedida isenção de taxa aos candidatos que comprovem hipossuficiência
econômica, em respeito ao princípio constitucional do amplo acesso aos cargos,
empregos e funções públicas (artigo 37, I, da Constituição Federal). 2.
Apelação a que se nega provimento.[6]
ADMINISTRATIVO.
CONCURSO PÚBLICO. TAXA DE INSCRIÇÃO. CADÚNICO. BAIXA RENDA. NÚMERO DE
IDENTIFICAÇÃO SOCIAL CORRETO. COMPROVADA HIPOSSUFICIÊNCIA. ISENÇÃO. SENTENÇA
MANTIDA. 1. Cabendo à Instituição de Ensino Superior o recebimento dos pedidos
de inscrição para concurso público de servidores de seu quadro de pessoal, bem
como o deferimento dos pedidos de isenção, mediante verificação dos requisitos
exigidos no edital, não há interesse da União em compor o polo passivo da ação.
2. A cobrança da taxa de inscrição em
concurso público, embora tenha previsão legal, não pode ser cobrada
indistintamente, sem levar em consideração a existência de candidatos
hipossuficientes, que, sem a isenção do referido encargo, ficariam
impossibilitados de ingressar em cargos, empregos e funções públicas (artigo
37, I, da Constituição Federal). 3. Candidato que preenche os requisitos
estabelecidos no Decreto n. 6.593/2008, possuindo registro junto ao Cadastro
Único e Número de Identificação Social (NIS), tem direito à isenção do
pagamento de taxa de inscrição em concurso público. 4. Não se trata de negar
aplicação ao princípio da vinculação ao edital, mas, sim, de privilegiar os
princípios constitucionais da igualdade, da isonomia e do amplo acesso aos
cargos públicos, assegurando ao candidato hipossuficiente, na forma da lei, a
participação em concurso público. 5. Apelação da UFG e remessa oficial, tida
por interposta, a que se nega provimento.[7]
Em adição, entendo que é temerário afirmar
que a taxa cobrada dos candidatos não é extorsiva ou inacessível.
A realidade vivenciada por grande parte da
população do país impõe a necessidade de reflexão sobre o assunto.
O
valor pode parecer irrisório aos que detêm uma posição confortável dentro da
atual sociedade, mas impacta de modo significativo no orçamento de famílias
que, por vezes, não possuem o mínimo para suprir suas carências básicas.
Basta
lembrar que há 13,66 milhões de famílias brasileiras que dependem do programa
social Bolsa Família, que atende a camada de população que percebe uma renda
mensal per capita inferior a R$ 170,00.
O
valor médio do benefício concedido no mês de fevereiro de 2017, para citar como
exemplo, foi de R$ 179,62 por pessoa[8].
Não se pode esquecer, aliás, que os valores
dos benefícios muitas vezes sequer cobrem as despesas básicas da família.
Quem se encontra em tal situação não possui meios para arcar com a inscrição de um certame público, qualquer que seja o seu valor.
Assim, milhares de pessoas pertencentes a
famílias de baixa renda – que vivem tão somente de benefícios concedidos pelo
governo – têm a oportunidade de mudar a sua condição de vida por meio de
concursos públicos.
Inexistindo previsão no Edital para a isenção
de inscrição para hipossuficientes, essa parcela da população fica desamparada,
impedida de participar dos certames deflagrados pela Administração Pública.
Cabe ressaltar que a isenção de
taxa de inscrição constitui modo de concretizar a isonomia e o amplo acesso,
também, aos cargos públicos de nível superior mais
almejados, garantindo a participação de candidatos de baixa renda ou
reconhecidamente pobres.
Como exemplo, cita-se o próprio concurso realizado no âmbito
do Ministério Público de Contas, no ano de 2014, em que para o cargo de Procurador
– que exige formação superior em Direito – houve 12 (doze) solicitações de
isenções deferidas em razão de o candidato ser reconhecidamente de baixa renda
e possuir cadastro no CadÚnico do Governo Federal (Cadastro para Programas
Sociais).
Já para o cargo de Analista de Contas Públicas,
Especialidade Direito, que também exige formação jurídica superior, foram 110
(cento e dez) isenções concedidas a candidatos hipossuficientes, sendo o valor
da taxa de inscrição de R$ 100,00 (cem reais).
Assim, percebe-se que nem mesmo o
enquadramento como profissão valorizada do cargo pretendido fornece parâmetros
seguros para afirmarmos que nenhum pretenso candidato ou interessado no certame
é real e efetivamente hipossuficiente, reconhecidamente pobre ou que não possa
arcar com as despesas e gastos de inscrição sem comprometer o seu sustento próprio
e o de sua família.
Ainda, independentemente do
argumento de ser o valor da taxa de inscrição acessível ou não - o que, como
exposto acima, mostra-se relativo, a depender da situação financeira daquele
que arcará com o custo - a previsão de sua isenção impõe-se a qualquer certame,
como meio de concretizar o princípio da ampla acessibilidade aos cargos e
empregos públicos.
Já proferiu entendimento nesse sentido o Tribunal de Contas de Minas Gerais, no âmbito do Processo n. 772.958, de relatoria do Conselheiro substituto Licurgo Mourão:
Não há dúvida de que tal previsão não pode
prosperar. A isenção do pagamento de taxa de inscrição e os critérios para
sua concessão para aqueles que por razões financeiras não podem arcar com os
custos têm amparo constitucional, e sua ausência contraria os princípios da
isonomia e da ampla acessibilidade aos cargos, empregos e funções públicas
previstos no caput do artigo 5° e inc. I do art. 37 da Constituição
Republicana.
Na jurisprudência pátria, é pacífico o
entendimento de que a omissão de previsão para concessão de isenção do
pagamento de taxa de inscrição no edital de concurso público, ou sua vedação,
contraria as normas legais regulamentadoras da matéria e fere de morte os
preceitos da Constituição da República de 1988.[9]
No
mesmo sentido, o entendimento proferido no âmbito do Processo n. 797.073, de
relatoria do Conselheiro Antônio Carlos Andrada:
Com efeito, para que efetivamente se
possibilite o cumprimento do objetivo da isenção da taxa de inscrição, deverá
ser incluída no Edital cláusula que possibilite ser beneficiado pela isenção
aquele que comprovadamente seja hipossuficiente, ou seja, sofra limitações
financeiras de modo que o pagamento da inscrição venha a comprometer o próprio
sustento ou de sua família, ainda que receba renda familiar igual ou
superior ao salário mínimo. Assim, a Administração deverá adequar o item
indicado, a fim de possibilitar a participação no certame daqueles que, em
razão de limitações de ordem financeira, não podem pagar a taxa de inscrição.[10]
Assim, a previsão de isenção da taxa para
hipossuficientes em concursos públicos consagra o princípio da isonomia, além
de garantir a ampla acessibilidade dos brasileiros aos cargos, empregos e
funções públicas, conforme disposto, respectivamente, no art. 5º, caput, e no art. 37, I, da Constituição
Federal.
Portanto, discordarei da área técnica, que
sugeriu considerar improcedente a representação quanto a este ponto.
De todo modo, entendo
cabível a sugestão formulada, no sentido de recomendar ao Município que proceda
à adequação das normas locais, de modo a regular a isenção de pagamento de
taxas em concursos públicos e processos seletivos, em que pese não considerar a
ausência de legislação municipal um impeditivo para assegurar o cumprimento do 5º, caput e art. 37, I, da Constituição Federal.
Por último, cabe tratar
acerca da falta de fixação do percentual e delimitação do quantitativo de vagas
destinadas às pessoas com necessidades especiais.
Em que pese o edital prever vagas aos candidatos com necessidades
especiais, não estabelece o percentual de reserva. Neste ponto, o responsável
arguiu que o percentual aplicado é de 5%, conforme previsto em lei.
Entendo, entretanto, que a justificativa apresentada não basta,
pelas razões que passo a expor.
Insculpiu-se na Constituição Federal
de 1988 o art. 37, VIII, que preconiza: “a
lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas
portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão”.
No âmbito da União, a Lei n.º 8.112/90
estabeleceu em seu art. 5º, § 2º, o coeficiente de até 20% como limite máximo
de vagas reservadas no âmbito da Administração Pública Federal, verbis:
Art. 5º São requisitos básicos para investidura em
cargo público:
[...]
§ 1o As atribuições do cargo podem justificar a
exigência de outros requisitos estabelecidos em lei. § 2o Às pessoas portadoras
de deficiência é assegurado o direito de se inscrever em concurso público para
provimento de cargo cujas atribuições sejam compatíveis com a deficiência de
que são portadoras; para tais pessoas serão reservadas até 20% (vinte por
cento) das vagas oferecidas no concurso.
Regulamentando a Lei n.º 7.853/89,
que dispõe sobre a Política Nacional para Integração da Pessoa Portadora de
Deficiência, o Decreto n.º 3.298/99, preconizou o percentual mínimo de reserva
de vagas de 5% em face da aprovação e classificação obtida em concurso público,
vejamos:
Art. 37. Fica assegurado à pessoa portadora de
deficiência o direito de se inscrever em concurso público, em igualdade de
condições com os demais candidatos, para provimento de cargo cujas atribuições
sejam compatíveis com a deficiência de que é portador.
§ 1º O
candidato portador de deficiência, em razão da necessária igualdade de
condições, concorrerá a todas as vagas, sendo reservado no mínimo o percentual
de cinco por cento em face da classificação obtida.
§ 2º Caso a aplicação do percentual de que trata o
parágrafo anterior resulte em número fracionado, este deverá ser elevado até o
primeiro número inteiro subsequente.
Seguindo o entendimento da legislação
federal supra, o Estado de Santa Catarina, por meio da Lei Estadual n. 12.870,
de 12 de janeiro de 2004, estabelece no art. 35, §1º, a reserva de no mínimo 5% (cinco por cento).
Portanto, contrariamente ao que
defende o responsável, não há como se supor que o percentual aplicável ao caso
concreto é, de fato, 5%.
A omissão apontada deixa margem à
administração para, no momento de nomear os aprovados, escolher o percentual e
o número de vagas reservada aos candidatos com necessidade especiais.
Dessa feita, a administração deve prever
desde a publicação do edital a porcentagem exata das vagas destinadas aos candidatos
com necessidades especiais, não abrindo margem a interpretações ambíguas.
Ademais,
cabe ressaltar que mesmo se restasse previsto no edital o percentual de 5% de
reserva de vagas para cada cargo, haveria a necessidade de especificar o quantitativo de
vagas destinadas e a forma de chamamento desses candidatos.
A delimitação em números absolutos das vagas mencionadas assegura o conhecimento prévio de quantas serão reservadas, restringido a margem de discricionariedade do gestor e evitando discussões acerca do número exato de vagas, em caso de a aplicação do percentual redundar em número fracionado.
Outra questão que se põe é a seguinte: aplicar-se-á o percentual sobre o número de vagas inicialmente previsto ou sobre o montante total de candidatos que forem chamados? Acaso se adote a primeira das opções, restará esvaziado o sentido da norma de reservar um percentual mínimo às pessoas com necessidades especiais, visto que os editais poderão utilizar de tal artifício para burlar a norma. Acaso se adote a segunda das opções, não haverá certeza quanto ao número de vagas de fato reservado, visto existir dúvidas quanto ao número de candidatos total a ser chamado.
Deixar a critério da administração o modo de preenchimento das vagas que já deveriam constar expressamente no edital não é alternativa viável a se adotar no presente caso.
A delimitação serve para assegurar aos candidatos o conhecimento claro e certo quanto ao modo como se procederá ao preenchimento de cada caga, tanto as já previstas como as que porventura venham a surgir no decorrer do período de validade do certame.
Por todas as razões expostas, entendo que houve afronta ao art. 37, inciso VIII da Constituição Federal e ao art. 37, §1º e ao 39, I do Decreto n. 3.298/99 e ao art. 35, §1º da Lei Estadual 12.870/04.
Por fim, visando a manter a
uniformidade nos pareceres emitidos por este gabinete, tendo em vista as
manifestações exaradas em recentes processos que trataram de irregularidades em
editais de concursos públicos (similares, inclusive, às analisadas neste
feito), entendo que possa ser formulada determinação ao
Município, afastando a cominação de multa.
Ante o exposto, o
Ministério Público de Contas, com amparo na competência conferida pelo art.
108, incisos I e II, da Lei Complementar no 202/2000, manifesta-se:
1) pelo conhecimento
integral da representação;
2) pela
determinação à Prefeitura Municipal
de Erval Velho para que em futuros concursos públicos e processos seletivos:
2.1)
estabeleça hipótese de isenção de taxa de inscrição aos candidatos
hipossuficientes, em atendimento ao art.
5º, caput, e ao art. 37, I, da
Constituição Federal;
2.2)
preveja a possibilidade de inscrição e interposição de recursos também por
outros meios de acesso, além da internet (postal, presencial e por procurador),
a fim de viabilizar a participação do maior número de interessados, em
conformidade com o art. 37, I, da Constituição Federal;
2.3) indique expressamente no edital o percentual e o quantitativo
de vagas destinadas a pessoas com
necessidades especiais,
à luz do que dispõem o art. 37, VIII
da Constituição Federal, bem como art. 37, §1º e art. 39, I, do Decreto nº
3.298/99 e art. 35, §1º da Lei nº 12.870/04.
3)
pela
recomendação à Prefeitura Municipal
de Erval Velho para que proceda à
adequação das normas municipais, de
modo a regular a isenção de pagamento de taxas em concursos públicos e
processos seletivos a candidatos hipossuficientes, em que pese não considerar a ausência de
legislação municipal um impeditivo para assegurar o cumprimento do 5º, caput e art. 37, I, da Constituição Federal.
4)
pela ciência da decisão ao
responsável, Sr. Walter Kleber Kucher
Junior, e ao Município de Erval Velho.
Florianópolis, 14 de
novembro de 2017.
Diogo Roberto Ringenberg
[1] TCE/MG, Edital de
Concurso Público n. 797.240/2009. Rel. Conselheiro Antônio Carlos Andrada.
Sessão do dia 29/09/2009
[2] TCE/MG, Edital de
Concurso Público n. 771.232. Rel. Conselheiro em Exercício Gilberto Diniz.
Sessão do dia 17/03/2009
[3] TCE/SC, Processo
REP15/00046644, da Prefeitura Municipal de Piratuba, Rel. Cons. Subst. Cléber
Muniz Gavi, Decisão nº 1313/2015. Data da sessão: 02/09/2015
[4] Dispõe sobre a isenção do pagamento da taxa de
inscrição em concurso público para a admissão no serviço público estadual
[5] STF - RE: 396468 SE , Relator: Min. MARCO AURÉLIO,
Data de Julgamento: 22/05/2012, Primeira Turma, Data de Publicação: ACÓRDÃO
ELETRÔNICO DJe-119 DIVULG 18-06-2012 PUBLIC 19-06-2012
[6] TRF-1 - AC:
53107620074014300, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL KASSIO NUNES MARQUES, Data de
Julgamento: 16/06/2014, SEXTA TURMA, Data de Publicação: 22/07/2014
[7] TRF-1 - AC:
105917520134013500 , Relator:
DESEMBARGADOR FEDERAL NÉVITON GUEDES, Data de Julgamento: 10/09/2014, QUINTA
TURMA, Data de Publicação: 09/10/2014
[8]
http://mds.gov.br/area-de-imprensa/noticias/2017/marco/governo-federal-zera-lista-de-espera-do-bolsa-familia-pelo-segundo-mes-consecutivo
[9] Tribunal de Contas de Minas Gerais. Segunda Câmara —
Sessão: 26/03/09. Relator: Conselheiro substituto Licurgo Mourão. Edital de
Concurso Público n. 772.958. Fundação Uberlandense de Turismo, Esporte e Lazer
— FUTEL.
[10] Tribunal de Contas de
Minas Gerais. Edital de Concurso Público n. 797.073. Rel. Conselheiro Antônio
Carlos Andrada. Sessão do dia 15/09/2009