PARECER
nº: |
MPTC/54472/2018 |
PROCESSO
nº: |
REP 15/00518597 |
ORIGEM: |
Secretaria de Estado da Segurança Pública |
INTERESSADO: |
Fernando da Silva Comin |
ASSUNTO: |
Irregularidades em concursos públicos realizados
para o provimento de cargos de soldado do Corpo de Bombeiros Militar de Santa
Catarina. |
Número
Unificado MPC: 2.2/2018.507
Trata-se de representação decorrente de expediente encaminhado
pelo Promotor de Justiça Fernando da Silva Comin, o qual enviou cópia do
Inquérito Civil 06.2013.00007240-1, referente a supostas irregularidades em
editais de concurso público para ingresso na carreira de Soldado do Corpo de
Bombeiros Militar de Santa Catarina.
A Diretoria de Controle de Atos de Pessoal elaborou relatório
técnico (fls. 413-416), sugerindo o conhecimento da representação com a
realização de diligências para apuração dos fatos noticiados.
Mediante despacho singular às fls. 417-418, o relator conheceu a
representação e determinou diligências.
Às fls. 424-483 foram encaminhados documentos e justificativas
pelo Sr. César Augusto Grubba, Secretário de Estado de Segurança.
Retornado os autos à área técnica, foi então elaborado novo
relatório técnico (fls. 484-486) opinando pela improcedência da representação.
Vieram os autos a este Ministério Público de Contas para
manifestação.
É o relatório.
A presente representação versa sobre possível irregularidade nos
concursos públicos realizados para provimento de cargos de soldados do Corpo de
Bombeiros Militar de Santa Catarina, uma vez que foram abertos três editais de
concurso no curso do prazo de vigência uns dos outros (002/CBMSC/SSP/2010,
003/CBMSC/SSP/2010 e 002/2011-DISIEP/DP/CBMSC), sem que fosse garantido, em
tese, aos aprovados no concurso anterior, preferência de vaga em relação ao
concurso posterior (fl. 4).
Relata-se, à fl. 9, que houve preterição no direito à nomeação
dos candidatos aprovados, no mínimo, no concurso 002/CBMSC/SSP/2010, “tendo em
vista que, cerca de cinco meses depois da homologação dos candidatos aprovados
naquele certame (22/06/2010 – fl. 58), foi aberto novo edital de concurso para
o mesmo cargo (003/CBMSC/SSP/2010)”.
Da análise dos autos, percebe-se que o primeiro dos certames
mencionados para ingresso no Curso de Formação de Soldados do Corpo de
Bombeiros Militar, qual seja, Edital
002/CBMSC/SSP/2010 (fls. 21-50), destinava-se ao preenchimento de 27
vagas para inclusão de alunos, sendo 02 vagas para o sexo feminino e 25 para o
sexo masculino, tendo o concurso validade de 2 anos, a contar da publicação no
Diário Oficial da Portaria de homologação, o que aconteceu em 22.06.2010 (fl.
51).
No item 1.2.6 o edital previu a classificação de 600
(seiscentos) candidatos, feminino e masculino, os quais seriam submetidos a
exames complementares após a prova objetiva (fl. 21).
Já o Edital 003/CBMSC/SSP/2010
(fls. 74-89), previu o preenchimento de 70 vagas de “Alunos Soldados Bombeiros
Militares”, sendo 04 vagas para o sexo feminino e 66 para o sexo masculino. O
concurso foi homologado em 26.05.2011, conforme Portaria de fl. 90, também com
validade de dois anos. Quanto a este edital, a área técnica destacou à fl. 414v
a possibilidade de reclassificação, o que não foi previsto nos demais certames:
Por sua vez, o terceiro edital para o preenchimento das vagas
para o Curso de Formação de Soldados, Edital
002/2011-DISIEP/DP/CBMSC (fls. 138-166), definiu 235 vagas para o sexo
masculino e 15 para o sexo feminino, sendo o concurso homologado pela Portaria
131/CNMSC/2012, de 24.04.2012. Eis o teor do item 1.1 do Edital em comento:
1.1.
Havendo candidatos aprovados no Concurso Público - Edital 003/CBMSC/SSP/2010,
estes candidatos terão precedência na respectiva nomeação, desde que esta se dê
até a data, prazo final de validade, do Concurso Público - 003/CBMSC/SSP/2010.
Segundo a representação há duas correntes nos Tribunais
Superiores (fls. 6-9) sobre o tema em exame, uma que defende que o direito
subjetivo de nomeação se limita apenas aos candidatos aprovados dentro do
número de vagas previstas em edital, e outra que afirma que o direito de
preferência à nomeação em cargos vagos após a homologação dos aprovados no
certame, mas durante o prazo de vigência do concurso, constitui direito
subjetivo do candidato.
Entretanto, afirma que embora possa parecer haver uma
contradição, duas questões precisariam ser sopesadas: 1) oportunidade e
conveniência da Administração em aumentar ou repor seu efetivo; 2) direito do
candidato a ser nomeado após passar por todas as fases de um concurso público
(fl. 9).
A respeito da suposta irregularidade, o Secretário de Estado da
Segurança Público encaminhou o Ofício n. 340/CmdoG/CBMSC (fls. 425-426), no
qual o Coronel BM, Onis Mocellin, informou que “foram publicados 03 Editais com
sobreposição dos prazos de validade por haver ausência de candidato
classificado em cada edital sobreposto, ou seja, todos os candidatos
classificados foram incluídos, havendo necessidade de um novo Edital para
suprir as vagas que foram autorizadas ao longo dos três anos em questão”.
Além disso, o Coronel apresentou ainda informações quanto aos
editais em exame, sintetizadas pela Área Técnica na tabela de fl. 485.
A propósito, a investidura em
cargo ou emprego público sob o crivo de um concurso público de provas ou de
provas e títulos é exigência
do fundamental art. 37, inciso II, da CRFB/88, o qual nunca é demais ser
relembrado:
Art.
37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao
seguinte:
II - a investidura em
cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de
provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza
e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as
nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;
(grifei)
Nesse contexto, o inciso IV
do mesmo dispositivo disciplina a preferência de convocação dos aprovados em
concurso anterior, no caso de novo certame:
IV - durante o
prazo improrrogável previsto no edital de convocação, aquele aprovado em
concurso público de provas ou de provas e títulos será convocado com prioridade
sobre novos concursados para assumir cargo ou emprego, na carreira
(grifei);
No caso em exame, os
responsáveis demonstraram que não houve ofensa à legislação acima citada, já
que houve a inclusão de todos os candidatos aprovados nos três editais
analisados.
De fato, com
relação ao Edital 002/CBMSC/SSP/2010
(fls. 21-50), conforme Portaria n. 158/CBMSC/2010, de 16.08.2010 (fls.
428-429), e Portaria n. 306/CBMSC/2010, de 18.11.2010, foram convocados 28
candidatos para a Turma I (sendo 3 sub
judice) e 28 para a Turma II, dentre eles 8 sub judice.
Já quanto ao Edital 003/CBMSC/SSP/2010 (fls.
74-89) foram convocados 93 candidatos para a Turma I, sendo 10 sub judice e 13
remanescentes do edital anterior, e 59 candidatos para a Turma II, conforme
demonstram as Portarias n. 164/2011, de 07.06.2011 (fls. 440-444) e Portaria n.
256/2011, de 08.09.2011 (fls. 462-465).
Por fim, com
relação ao Edital 002/2011-DISIEP/DP/CBMSC
(fls. 138-166), verifica-se que a Portaria n. 134/2012, de 07.05.2012 (fls.
451-461, nomeou 258 candidatos (20 sub judice).
Quanto ao tema,
em 30.10.2011, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 598.099,
Repercussão Geral, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, assentou a tese de
que, em regra, o candidato aprovado dentro do número de vagas previstas no
edital tem direito subjetivo de ser nomeado no cargo pretendido. Nesses casos,
a Administração teria um dever de nomeação, salvo em situações
excepcionalíssimas, desde que plenamente justificadas pela Administração.
Entretanto,
tendo em vista a citada controvérsia quanto
à situação jurídica daqueles que se encontram em cadastro de reserva, ou seja,
fora do número de vagas previamente garantidas pelo Poder Público, o STF
novamente se debruçou sobre o tema, quando da análise do RE 837311, em
09.12.2015, também em sede de repercussão geral (tema 784). Eis a ementa do
acórdão:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO.
REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. TEMA 784 DO PLENÁRIO VIRTUAL. CONTROVÉRSIA SOBRE
O DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO DE CANDIDATOS APROVADOS ALÉM DO NÚMERO DE VAGAS
PREVISTAS NO EDITAL DE CONCURSO PÚBLICO NO CASO DE SURGIMENTO DE NOVAS VAGAS
DURANTE O PRAZO DE VALIDADE DO CERTAME. MERA EXPECTATIVA DE DIREITO À NOMEAÇÃO.
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. SITUAÇÕES EXCEPCIONAIS. IN CASU, A ABERTURA DE NOVO
CONCURSO PÚBLICO FOI ACOMPANHADA DA DEMONSTRAÇÃO INEQUÍVOCA DA NECESSIDADE
PREMENTE E INADIÁVEL DE PROVIMENTO DOS CARGOS. INTERPRETAÇÃO DO ART. 37, IV, DA
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE 1988. ARBÍTRIO. PRETERIÇÃO. CONVOLAÇÃO EXCEPCIONAL
DA MERA EXPECTATIVA EM DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO. PRINCÍPIOS DA EFICIÊNCIA,
BOA-FÉ, MORALIDADE, IMPESSOALIDADE E DA PROTEÇÃO DA CONFIANÇA. FORÇA NORMATIVA
DO CONCURSO PÚBLICO. INTERESSE DA SOCIEDADE. RESPEITO À ORDEM DE APROVAÇÃO.
ACÓRDÃO RECORRIDO EM SINTONIA COM A TESE ORA DELIMITADA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO
A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. O postulado do concurso público traduz-se na
necessidade essencial de o Estado conferir efetividade a diversos princípios
constitucionais, corolários do merit system, dentre eles o de que todos são
iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza (CRFB/88, art. 5º,
caput). 2. O edital do concurso com
número específico de vagas, uma vez publicado, faz exsurgir um dever de
nomeação para a própria Administração e um direito à nomeação titularizado pelo
candidato aprovado dentro desse número de vagas. Precedente do
Plenário: RE 598.099 - RG, Relator Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, DJe
03-10-2011. 3. O Estado Democrático de Direito republicano impõe à
Administração Pública que exerça sua discricionariedade entrincheirada não,
apenas, pela sua avaliação unilateral a respeito da conveniência e oportunidade
de um ato, mas, sobretudo, pelos direitos fundamentais e demais normas
constitucionais em um ambiente de perene diálogo com a sociedade. 4. O Poder Judiciário não deve atuar como
“Administrador Positivo”, de modo a aniquilar o espaço decisório de
titularidade do administrador para decidir sobre o que é melhor para a
Administração: se a convocação dos últimos colocados de concurso público na
validade ou a dos primeiros aprovados em um novo concurso. Essa escolha é
legítima e, ressalvadas as hipóteses de abuso, não encontra obstáculo em
qualquer preceito constitucional. 5. Consectariamente, é cediço que a
Administração Pública possui discricionariedade para, observadas as normas
constitucionais, prover as vagas da maneira que melhor convier para o interesse
da coletividade, como verbi gratia, ocorre quando, em função de razões
orçamentárias, os cargos vagos só possam ser providos em um futuro distante,
ou, até mesmo, que sejam extintos, na hipótese de restar caracterizado que não
mais serão necessários. 6. A publicação de novo edital de concurso público ou o
surgimento de novas vagas durante a validade de outro anteriormente realizado
não caracteriza, por si só, a necessidade de provimento imediato dos cargos. É
que, a despeito da vacância dos cargos e da publicação do novo edital durante a
validade do concurso, podem surgir circunstâncias e legítimas razões de
interesse público que justifiquem a inocorrência da nomeação no curto prazo, de
modo a obstaculizar eventual pretensão de reconhecimento do direito subjetivo à
nomeação dos aprovados em colocação além do número de vagas. Nesse contexto, a
Administração Pública detém a prerrogativa de realizar a escolha entre a
prorrogação de um concurso público que esteja na validade ou a realização de
novo certame. 7. A tese objetiva assentada
em sede desta repercussão geral é a de que o surgimento de novas vagas ou a
abertura de novo concurso para o mesmo cargo, durante o prazo de validade do
certame anterior, não gera automaticamente o direito à nomeação dos candidatos
aprovados fora das vagas previstas no edital, ressalvadas as hipóteses de
preterição arbitrária e imotivada por parte da administração, caracterizadas
por comportamento tácito ou expresso do Poder Público capaz de revelar a
inequívoca necessidade de nomeação do aprovado durante o período de validade do
certame, a ser demonstrada de forma cabal pelo candidato. Assim, a
discricionariedade da Administração quanto à convocação de aprovados em
concurso público fica reduzida ao patamar zero (Ermessensreduzierung auf Null),
fazendo exsurgir o direito subjetivo à nomeação, verbi gratia, nas seguintes
hipóteses excepcionais: i) Quando a aprovação ocorrer dentro do número de vagas
dentro do edital (RE 598.099); ii) Quando houver preterição na nomeação por não
observância da ordem de classificação (Súmula 15 do STF); iii) Quando surgirem
novas vagas, ou for aberto novo concurso durante a validade do certame
anterior, e ocorrer a preterição de candidatos aprovados fora das vagas de
forma arbitrária e imotivada por parte da administração nos termos acima.
8. In casu, reconhece-se, excepcionalmente, o direito subjetivo à nomeação aos
candidatos devidamente aprovados no concurso público, pois houve, dentro da
validade do processo seletivo e, também, logo após expirado o referido prazo,
manifestações inequívocas da Administração piauiense acerca da existência de
vagas e, sobretudo, da necessidade de chamamento de novos Defensores Públicos
para o Estado. 9. Recurso Extraordinário a que se nega provimento. (RE 837311,
Relator(a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 09.12.2015,
PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-072 DIVULG 15-04-2016 PUBLIC
18-04-2016) (grifei).
Desta forma, a Suprema Corte
pacificou sua orientação sobre a matéria, assentando que os candidatos
aprovados fora do número de vagas previstas em edital possuem mera expectativa
de direito à nomeação e que o surgimento de uma vaga ou a publicação de novo
edital de concurso “não pode ser confundido com os casos em que a Administração
atua de forma ilícita preterindo os candidatos aprovados, seja quando não
observa a ordem de classificação do certame ou quando dolosamente deixa escoar
o prazo de validade do concurso para não efetuar as nomeações daqueles já
aprovados”. Eis um trecho do voto do ministro relator, Luiz Fux:
É
certo que, em regra, o direito subjetivo dos aprovados de serem nomeados não se
estende a todas as vagas existentes, nem sequer às surgidas posteriormente, mas
apenas àquelas previstas no edital de concurso. A aprovação além do número de
vagas faz com que o candidato passe a integrar um seleto grupo denominado
cadastro de reserva. Incumbe, assim, à Administração, no âmbito de seu espaço
de discricionariedade a que os alemães denominam de Ermessensspielraum,
avaliar, de forma racional e eficiente, a conveniência e oportunidade de novas
convocações durante a validade do certame.
O surgimento
de novas vagas durante o prazo de validade de concurso não gera,
automaticamente, um direito à nomeação dos candidatos aprovados fora das vagas
do edital, nem mesmo que novo concurso seja aberto durante a validade do
primeiro. O provimento dos cargos depende de análise discricionária da
Administração Pública moldada pelo crivo de conveniência e oportunidade. É que, a
despeito da vacância dos cargos e da publicação do novo edital durante a
validade do concurso, podem surgir circunstâncias e legítimas razões de
interesse público que justifiquem a inocorrência da nomeação no curto prazo, de
modo a obstaculizar eventual pretensão de reconhecimento do direito subjetivo à
nomeação dos aprovados em colocação além do número de vagas.
Nesse
contexto, o mandamento constitucional do concurso público, relevante
instrumento voltado para a construção da cidadania na democracia brasileira,
não pode ser dilargado, de modo a aniquilar a discricionariedade do
Administrador Público quanto a qual aprovado deve ser escolhido: se o último
colocado do concurso em vigor ou se o primeiro do certame seguinte. O Poder
Judiciário não pode atuar como “Administrador Positivo” impondo sua escolha à Administração
Pública acerca de qual profissional deve ser convocado, mormente se
considerarmos que todos os envolvidos foram aprovados em árduos processos
seletivos (grifei).
Sendo
assim, considerando não estar demonstrada a preterição ilegal ou arbitrária na
ordem de classificação dos candidatos aprovados, compartilho do entendimento da
área técnica quanto à improcedência da presente representação.
Ante o exposto, este Ministério Público de Contas, com amparo na
competência conferida pelo art. 108, inciso II, da Lei Complementar Estadual n.
202/2000, manifesta-se pela IMPROCEDÊNCIA
da representação e pelo ARQUIVAMENTO
dos autos.
Florianópolis, 17 de abril de 2018.
Cibelly Farias Caleffi
Procuradora