PARECER
nº: |
MPTC/56039/2018 |
PROCESSO
nº: |
REC 17/00722074 |
ORIGEM: |
Prefeitura Municipal de Itapema |
INTERESSADO: |
Edson José Mathias |
ASSUNTO: |
Recurso de Reexame da decisão exarada no
processo DEN-14/00311974 |
Número unificado MPC: 2.2/2018.677
Versam os autos sobre Recurso
de Reexame (fls. 4-24) interposto pelo Sr. Edson José Mathias, ex-Diretor do
Departamento de Trânsito do Município de Itapema (ITATRAN), em face do Acórdão
n. 0505/2017, exarado nos autos do processo DEN n. 14/00311974, que aplicou
multa ao recorrente, da seguinte maneira:
ACORDAM
os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, reunidos em
Sessão Plenária, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro no
art. 59 c/c o art. 113 da Constituição do Estado e no art. 1° da Lei
Complementar n. 202/2000, em:
6.1.
Considerar irregular, na forma do art. 36, §2º, “a” da Lei Complementar n.
202/2000, a ausência tratada no item 6.2 desta deliberação.
6.2. Aplicar ao Sr. Edson José Matias, CPF n. 460.685.549-53, com fundamento no art. 70, II, da Lei
Complementar n. 202/2000 c/c o art. 109, II, do Regimento Interno deste
Tribunal, a multa no valor de R$
1.136,52 (mil, cento e trinta e seis reais e cinquenta e dois centavos), em
face da ausência de inserção dos dados referentes aos autos de infração de
trânsito cometidos no âmbito do Município de Itapema, em afronta ao
inciso VII do art. 24 da Lei n. 9.503/97 – Código de Trânsito Brasileiro - c/c
a infração ao disposto no inciso VI do art. 2º e no art. 6º da Lei (municipal)
n. 2.369/2005 e ao inciso VI do Anexo II-F da Lei (municipal) n. 3.182/2013,
fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão
no Diário Oficial Eletrônico desta Corte de Contas, para comprovar a este
Tribunal o recolhimento da multa ao Tesouro do Estado, ou interpor recurso na
forma da lei, sem o quê, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida
para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da Lei
Complementar n. 202/2000.
6.3. Dar
ciência deste Acórdão ao Responsável nominado no item 3 desta deliberação e ao
Denunciante (grifei).
A Diretoria de Recursos e Reexames emitiu o Parecer n. DRR-053/2018
(fls. 25-28v), opinando pelo conhecimento do presente recurso e, no mérito, pelo seu desprovimento.
O Recurso de Reexame, com amparo nos arts. 79 e 80 da Lei
Complementar Estadual n. 202/2000, é o adequado em face de decisão
proferida em processo de
fiscalização de ato e contrato, sendo a parte legítima para a sua interposição,
uma vez que figurou como responsável pelo ato de gestão irregular descrito na
decisão recorrida.
O acórdão recorrido foi
publicado na imprensa oficial em 22.09.2017 e a peça recursal foi protocolada
nessa Corte de Contas em 16.10.2017, sendo, portanto, tempestiva. Ainda, o recurso
obedece ao requisito da singularidade, porquanto foi interposto uma única vez.
Logo, encontram-se presentes
todos os requisitos de admissibilidade da presente peça recursal.
Passa-se, assim, à análise de
mérito do presente recurso.
No processo principal, a
Diretoria de Controle dos Municípios apurou a responsabilidade do recorrente
pela ausência de inserção de dados referentes a autos de infrações de trânsito
cometidos no Município de Itapema, em afronta ao art. 24, inciso VII, do Código
de Trânsito Brasileiro, c/c os arts. 2º, inciso VI, e 6º da Lei Municipal n.
2.369/05, e o Anexo II-F, inciso VI, da Lei Municipal n. 3.182/13.
Em sede recursal o
recorrente, de uma maneira geral, repisa os argumentos apresentados no processo
principal, aduzindo inicialmente que o princípio da motivação deve condicionar
a validade dos atos e processos administrativos, ainda que se trate do Tribunal
de Contas do Estado (fls. 5-9), sendo que não
teriam sido analisadas as particularidades do presente caso (fls. 9-10), razão
pelo qual restaram prejudicados sua ampla defesa e seu direito ao
contraditório.
Alegou, ainda, que por não se encontrar mais no exercício do cargo
de Diretor do
Departamento de Trânsito do Município de Itapema (ITATRAN), não teve acesso aos
comprovantes institucionais e tampouco foi realizada diligência com tal
finalidade (fl. 11).
Na sequência, afirmou não ser o responsável pelo lançamento dos
autos de infração no sistema DETRANNET, acrescentando, ainda, que, apesar de
ter sido nomeado Diretor Presidente do ITATRAN, não teve autonomia para
formatar as formalidades referente aos procedimentos estabelecidos pela
Prefeitura Municipal de Itapema e pelo DETRAN/SC (fls. 13-15).
Aduz, também, que o período analisado nos autos, de 01.01.2013 a
30.06.2014, é maior do que o período que esteve no comando do ITATRAN[1],
entre 02.01.2013
e 20.01.2014 (fl. 15).
O Sr. Edson
José Mathias, às fls. 16-17, acrescenta que os autos de infração constantes às
fls. 33-36 do processo principal devem ser analisados sob outros enfoques, a
saber: a) omissão de informações obrigatórias nos autos, com a inserção de
dados inválidos; b) existência de autos de infração originários da Polícia
Militar, os quais, portanto, seriam de prerrogativa estranha ao recorrente; c)
existência de variados entraves administrativos; d) existência de autos
rejeitados em razão de diversos motivos, como intempestividade na entrega dos
autos de infração pelos agentes de trânsito, placas inválidas ou código da
infração inválido (fls. 16-18).
Argumentou, ainda, que não houve lesividade e que não agiu de
má-fé, pleiteando pela aplicação dos princípios da proporcionalidade e
razoabilidade no julgamento de seus atos (fls. 18-22).
Por fim, requereu que se desse ao caso o mesmo tratamento
dispensado aos gerentes anteriores, e que fosse levado em consideração o fato
de que o inquérito policial instaurado pela Portaria n. 466.15.00025, com
objeto idêntico ao do presente processo, foi concluído sem indiciamento (fls.
20-21).
Não obstante tais justificativas, salienta-se desde já que as
alegações do recorrente não são suficientes para modificar a deliberação
recorrida.
Conforme já destacado por esta representante ministerial no processo
principal (fls. 88-92v), ao
contrário do alegado pelo recorrente, a sua conduta restou plenamente
individualizada, o que adveio justamente da consideração das particularidades
do caso concreto, na medida em que se levou em conta o cargo ocupado e as
atribuições e competências que lhe eram inerentes.
Dessa forma, não se vislumbra qualquer prejuízo ao contraditório e à
ampla defesa do responsável, porquanto a área técnica, no Relatório de
Instrução Despacho n. DMU-2018/2016 (fls. 37-39 do processo principal),
delimitou a conduta do Sr. Edson
José Mathias, a legislação
que rege a matéria, o nexo de causalidade e sua responsabilidade,
diligenciando, após a anuência do Relator (fls. 40-41), no sentido de sua
audiência em prazo hábil para apresentação de justificativas, o que
consubstancia o exercício efetivo daqueles direitos supostamente vulnerados.
Nesse sentido, a regular tramitação do processo e a própria
manifestação e a apresentação de documentos, nos moldes previstos pela Lei
Complementar Estadual n. 202/2000 e pela Resolução n. TC-06/2001, além de sua
análise no Relatório de Reinstrução n. DMU-059/2017 (fls. 80-86v), no Parecer
n. MPTC/48782/2017 (fls. 88-92v) e no voto da Relatora (fls. 94-95v, todos do
processo originário), além, ainda, do recurso ora interposto, caracterizam a
materialização do efetivo respeito ao contraditório e à ampla defesa do
responsável.
Assim, no processo principal restou cabalmente demonstrada a ocorrência
de irregularidade diante da ausência de inserção de dados de autos de infração
junto ao sistema DETRANNET pela Prefeitura Municipal de Itapema, notadamente
pelos documentos de fls. 33-35 daqueles autos, sendo que a responsabilidade por
tal restrição cabia realmente ao recorrente que, na condição de Diretor
Presidente do ITATRAN à época dos fatos, possuía as seguintes atribuições,
previstas no
Anexo II-F, inciso VI, da Lei Municipal n. 3.182/13, in verbis:
VI -
DIRETORIA DE TRÂNSITO
Cargo: Diretor de Administrativo (N1
– CC5/FG5)
Vagas: 01 Carga Horária: tempo
integral
Atribuições: À Diretoria de Trânsito
compete:
I - responder como autoridade de
trânsito municipal para todos os efeitos legais;
II - planejar, coordenar, organizar,
controlar, executar e normatizar as atividades inerentes às ações de trânsito
no Município;
III - coordenar a fiscalização e o
policiamento de trânsito de competência do Município, nos termos da legislação
em vigor;
IV - coordenar a fiscalização de
trânsito de veículos, pedestres, ciclistas e animais, autuação e aplicação das
medidas administrativas cabíveis, por infrações de circulação, de
estacionamento e paradas previstas no Código de Trânsito Brasileiro, no
exercício regular do Poder de Polícia de Trânsito, por meio dos Agentes da
Autoridade de Trânsito;
V - coordenar a implantação das
medidas contidas na Política Nacional de Trânsito e do Programa Nacional de
Trânsito;
VI - coordenar
a fiscalização do cumprimento das normas contidas no Código de Trânsito
Brasileiro, aplicando, no âmbito do município, as penalidades nele previstas;
VII - coordenar articulação e
integração com os demais órgãos do Sistema Nacional de Trânsito; e
VIII - desempenhar outras
atribuições correlatas, determinadas pelos superiores hierárquicos (grifei).
Nesse sentido, resta cristalina a ocorrência da
irregularidade e a identificação do responsável pelo seu cometimento, pois a
responsabilidade pelo ato irregular decorreu do comportamento omissivo do
gestor quanto ao dever de fiscalizar, o que se tornou, no caso em comento, uma
das causas determinantes da irregularidade assinalada.
Ademais,
salienta-se que a execução de tarefas ordinárias do órgão permite a delegação
interna de competência e reflete, apenas, a desconcentração da atividade
administrativa no âmbito da Diretoria de Trânsito, pois não seria viável,
logicamente, que o detentor do cargo máximo de chefia executasse diretamente
todas as atividades cotidianas do órgão. Nesse sentido, ainda que haja
delegação interna para a execução de determinados serviços, o titular da
Unidade Gestora não se exime da condição de responsável pelos atos praticados
ou omitidos por seus subordinados, em face das atribuições de supervisão e
controle que lhe são afetas, como já apontou este órgão ministerial no processo
originário e conforme também delineou a Diretoria de Recursos e Reexames às
fls. 27-27v:
Sucessivamente, o Recorrente alega a
intempestividade da entrega dos autos de infração pelos agentes de trânsito aos
servidores habilitados para inserção no Sistema do DETRANNET. Ainda, sustenta a
sua inabilitação para inserção de autos de infração no Sistema DETRANNET, em
que só eram habilitados os agentes autorizados pelo DETRAN. Por fim, relata a
existência de autos de infração rejeitados por outros motivos.
Em resumo,
os argumentos expostos tratam de deficiências funcionais na atuação dos
servidores públicos do órgão municipal. Como Diretor, cabia ao Recorrente a
utilização do poder disciplinar hierárquico perante falhas nas ações dos
agentes públicos que compõe o órgão. Nesse sentido, restou inexistente qualquer
documento acerca de alguma punição ou mesmo advertência aos servidores do órgão
faltosos com sua função em relação à entrega dos autos de infração em tempo
hábil para inserção no sistema ou mesmo o cancelamento por motivos diversos.
Portanto, ascende a responsabilidade do Recorrente em consonância com o
disposto no art. 2º, §2º, inciso I, da Lei (municipal) n. 3.182/2013:
Art. 2º A estrutura organizacional dos órgãos e
entidades da Administração Direta e Indireta do Poder Executivo é composta
pelos cargos de provimento em comissão previstos no Anexo III e servidores
públicos e empregados públicos previstos nos Anexos IV e V, desta Lei.
[...]
§ 2º Além
das atribuições a que se refere o § 1º deste artigo, terão os cargos de
provimento em comissão abaixo as seguintes: I - Diretor: observar a política de
gestão administrativa, as normas e as diretrizes governamentais estabelecidas
no plano de governo, devendo comparecer às reuniões, dirigir e supervisionar
todos os serviços, exercendo o controle sobre as tarefas dos servidores;
(grifei).
Com relação à existência de inquérito policial acerca da
matéria, rememore-se o elementar princípio da independência entre as instâncias civil, criminal
e administrativa, ou seja, o fato de o Parquet
Estadual ter apreciado a questão não impede a análise realizada por essa Corte
de Contas, até porque são distintos os enfoques, ritos e consequências a que se
sujeitam os responsáveis em cada seara, sendo plenamente possível que haja conclusões
diversas e não necessariamente excludentes nos âmbitos judicial e
administrativo, de maneira que a menção à existência de inquérito policial e
seus desdobramentos revela-se inócua.
Por
sua vez, no que se refere ao fato de que existiriam infrações ocorridas em
períodos em que o recorrente não seria o gestor responsável, sendo que os
gestores anteriores não teriam sido responsabilizados, ratifico a análise da
Diretoria de Recursos e Reexames, a qual não merece reparos (fl. 26v):
O fato da
fiscalização abranger margem temporal maior que o efetivo exercício do cargo
pelo Recorrente não descaracteriza a infração. Isso pois é aconselhável a
apuração da fiscalização em uma margem maior de tempo para que se possa fazer
um corte preciso sobre os achados e a responsabilização do infrator. Logo,
estando abarcado o período de exercício do cargo nas infrações apontadas, basta
para sustentar a conduta do Recorrente.
Ainda, o Recorrente
relata que houve desrespeito a isonomia uma vez que gestores anteriores
detiveram condições e obrigações semelhantes. Cumpre realçar que foi dada
ciência de todos os atos processuais ao Recorrente, igualmente, lhe foi dada
oportunidade de se manifestar e apresentar documentos antes da Decisão
prolatada. Dessa maneira, dimensiona-se a responsabilização do gestor na época
dos fatos e caso haja irregularidades em tempos anteriores ou posteriores,
igualmente serão investigados e punidos, não havendo quebra do princípio da
impessoalidade e isonomia. Entretanto, o Recorrente não traz nenhuma denúncia
da gestão pública em tempos pretéritos, realçando a fragilidade argumentativa
na questão.
Outrossim, é importante
salientar que também não assiste razão ao recorrente
relativamente aos seus argumentos acerca da suposta ausência de lesividade e
má-fé, conforme já analisado por este Ministério Público de Contas no Parecer
n. MPTC/48782/2017 (fls. 88-92v do processo principal):
Quanto
à referida ausência de dano ao erário, note-se que tal circunstância não afasta
a possibilidade de responsabilização e consequente imposição de multa ao gestor
que agiu irregularmente, em face no disposto no art. 70, inciso II, da Lei
Complementar Estadual n. 202/2000.
A
propósito, o Supremo Tribunal Federal assentou entendimento no acórdão
paradigma exarado no RE n. 190.985/SC, em que o Ministro Néri da Silveira
declara que os Tribunais de Contas
possuem competência para multar mesmo quando não há dano ao erário, em
razão do seu poder de polícia administrativa que pressupõe certa parcela de
coercitividade.
Nesse
mesmo processo, merece destaque trecho do parecer da Procuradoria-Geral da
República que serviu de fundamentação ao voto do Ministro Relator, no sentido
que:
Não
existindo ato da administração desligado do binômio poder-dever, incongruente
imaginar que todas as condutas enumeradas nas leis discutidas deixem de
representar efetivo dano ao Estado. Todo
e qualquer ato de má gestão ou condução da coisa pública deve - logo pode! -
ser coibido, independentemente de estar o mesmo associado a dano expresso em
moeda (este apurável, como é de todos sabido, após longos processos
administrativos). O conceito de dano, concebido desta forma, amplia
adequadamente a tutela do Tribunal de Contas, privilegiando a possibilidade de sancionar inúmeros
comportamentos inadequados que (mesmo que apenas a médio ou longo prazo)
efetivamente causem prejuízo à coisa pública. (grifei)
Quanto à alegação de ausência de
má-fé, no que compete a esse Tribunal de Contas, não há qualquer dispositivo na Lei
Complementar Estadual n. 202/2000 que exija comprovação de má-fé para com o
imputável. Mais ainda, no âmbito do Direito Administrativo, não há que se
indagar sobre a boa ou má-fé do agente, mas sim sobre sua voluntariedade no ato
de praticar a conduta, a qual se constata nesses autos, sob o aspecto da
omissão (grifado originariamente).
Desta forma, à luz do
posicionamento da Diretoria de Recursos e Reexames, entendo que as razões do
recorrente – já exaustivamente debatidas no processo de conhecimento –, não
merecem ser acolhidas, motivo pelo qual deve ser mantida a multa aplicada no
item 6.2 do acórdão recorrido.
Ante o exposto, o Ministério Público de Contas, com
amparo na competência conferida pelo art. 108, incisos I e II, da Lei
Complementar Estadual n. 202/2000, manifesta-se pelo CONHECIMENTO do
presente Recurso de Reexame e, no mérito, pelo seu DESPROVIMENTO, ratificando-se na íntegra os termos do Acórdão n. 0505/2017.
Florianópolis,
1º de junho de 2018.
Cibelly
Farias Caleffi
Procuradora
[1] Nomeado em 02.01.2013, pela
Portaria n. 017/2013, permanecendo até 20.01.2014, quando foi exonerado pela
Portaria n. 051/2014 (fls. 71-72 do processo principal).