PARECER nº:

MPTC/57193/2018

PROCESSO nº:

REC 17/00854655    

ORIGEM:

Fundação Hospitalar Filantropica de Barra Velha

INTERESSADO:

Claudemir Matias Francisco

ASSUNTO:

Recurso de Reexame da decisão exarada no processo -RLA-14/00324871

 

 

Número Unificado: MPC-SC 2.2/2018.1229

 

Versam os autos sobre Recurso de Reexame[1] (petição de fls. 4-6 e documentos de fls. 7-17) interposto pelo Sr. Claudemir Matias Francisco, ex-Prefeito Municipal de Barra Velha, em face do Acórdão n. 0602/2017, exarado nos autos do processo RLA n. 14/00324871, que aplicou multas ao responsável, nos seguintes termos:

ACORDAM os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro nos arts. 59 da Constituição Estadual e 1° da Lei Complementar (estadual) n. 202/2000, em:

6.1. Conhecer do Relatório DAP n. 5315/2016, que trata de Auditoria sobre Atos de Pessoal in loco realizada na Fundação Hospitalar Filantrópica de Barra Velha, para verificar a legalidade dos atos de pessoal relativos a remuneração/proventos, cargos de provimento efetivo e comissionados, contratações por tempo determinado, cessão de servidores e controle de frequência, ocorridos a partir do exercício de 2013. [...]

6.3. Aplicar aos Responsáveis adiante elencados, com fundamento nos arts. 70, II, da Lei Complementar (estadual) n. 202/2000 e 109, II, da Resolução n. TC-06/2001 (Regimento Interno deste Tribunal de Contas), as multas a seguir discriminadas, fixando-lhes o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico do TCE – DOTC-e -, para comprovarem a este Tribunal o recolhimento das multas ao Tesouro do Estado, ou interporem recurso na forma da lei, sem o quê, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da citada Lei Complementar:

6.3.1. Ao Sr. CLAUDEMIR MATIAS FRANCISCO (CPF n. 682.498.619- 49), Prefeito Municipal de Barra Velha na gestão 2013-2016, as seguintes multas:

6.3.1.1. R$ 3.000,00 (três mil reais), pelas seguintes irregularidades:

6.3.1.1.1. Contratação temporária de pessoal para a área da saúde do Município de Barra Velha de forma direta, através de “contrato de locação de serviços”, em burla ao instituto do concurso público e à necessidade temporária de excepcional interesse público, em desacordo com o previsto nos arts. 37, caput e II e IX, da Constituição Federal e 3º da Lei Complementar n. 97/2010 (item 2.1 do Relatório DAP e Relatório do Relator);

6.3.1.1.2. Excesso de contratações temporárias na área da saúde do Município de Barra Velha, em desvirtuamento da necessidade temporária de excepcional interesse público e em desacordo com o previsto nos arts. 37, caput, e II e IX, da Constituição Federal e 5º, IV e VIII, da Lei Complementar n. 97/2010 (item 2.2 do Relatório DAP e Relatório do Relator);

6.3.1.2. R$ 1.136,52 (mil cento e trinta e seis reais e cinquenta e dois centavos), devido à ineficiência no controle da jornada de trabalho do pessoal da área da saúde do Município de Barra Velha, em descumprimento ao previsto nos arts. 37, caput, da Constituição Federal, 2º, caput e §1º, e 3º e 4º da Lei Complementar n. 52/2006, 24, caput, da Lei Complementar n. 116/2011 e 48, parágrafo único, da Lei Complementar n. 120/2011, gerando, inclusive, pagamento de horas extras sem a correspondente comprovação de seu cumprimento (itens 2.3 e 2.4 do Relatório DAP e Relatório do Relator).

A Diretoria de Recursos e Reexames elaborou o Relatório n. DRR-119/2018 (fls. 18-24v), opinando pelo conhecimento do Recurso de Reexame e, no mérito, por seu desprovimento, ratificando na íntegra a deliberação recorrida.

Vieram os autos, então, a este Ministério Público de Contas para manifestação.

Embora, como visto, o responsável não tenha nomeado corretamente sua insurgência, salienta-se que o Recurso de Reexame, com amparo nos arts. 79 e 80 da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, é a maneira adequada de debater decisão proferida em processo de fiscalização de ato e contrato, tal como o processo RLA n. 14/00324871, que resultou na deliberação ora recorrida. Dessa forma, em atenção ao princípio da instrumentalidade das formas, a presente peça deverá ser analisada e recebida como Recurso de Reexame.

Nesse sentido, a parte é legítima para interpor o presente Recurso de Reexame, uma vez que figurou como responsável pelos atos de gestão irregulares descritos na decisão recorrida.

O acórdão recorrido foi publicado na imprensa oficial em 16.11.2017 e a peça recursal foi protocolizada nessa Corte de Contas no dia 13.12.2017, sendo, portanto, tempestiva. Ainda, o recurso obedece ao requisito da singularidade, porquanto foi interposto uma única vez.

Logo, encontram-se presentes todos os requisitos de admissibilidade da presente peça recursal, de maneira que se passa, na sequência, à análise de seu mérito.

1.       Multa aplicada em face da contratação temporária de pessoal para a área da saúde do Município de Barra Velha de forma direta, através de “contrato de locação de serviços” (item 6.3.1.1.1 do Acórdão n. 0602/2017), e diante do excesso de contratações temporárias na área da saúde do Município de Barra Velha (item 6.3.1.1.2 da deliberação recorrida)

O Pleno dessa Corte de Contas decidiu (item 6.3.1.1 do Acórdão n. 0602/2017) pela aplicação da multa de R$ 3.000,00 ao ora recorrente, seguindo o voto do Relator, que consignou, in verbis (fl. 2614 do processo originário):

Por considerar que, no presente caso, as duas irregularidades acima descritas – quais sejam, irregular contratação temporária de pessoal e contratação excessiva de temporários – representam uma só irregularidade, qual seja, contratações temporárias irregulares, representando inobservância ao inciso IX do art. 37 e, consequentemente, afronta ao inciso II do mesmo dispositivo constitucional, opto por aplicar multa única, no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais), justificando-se o valor acima do mínimo diante do elevado número de contratações temporárias irregulares e face à importância do instituto do concurso público.

O Sr. Claudemir Matias Francisco iniciou suas alegações recursais mencionando (fls. 4-5) a precária situação em que se encontraria o Município de Barra Velha quando ele assumiu o cargo de Prefeito Municipal e relatando as ações que ele teria adotado para regularizar os problemas identificados. Nesse sentido, afirmou que nos 4 anos de seu mandato teriam sido realizados 2[2] concursos públicos, inclusive para o provimento de vagas de Médico da Família, o que teria resultado em quase 100% de cargos efetivos no quadro de pessoal do Município. Asseverou que reduziu a folha de pagamento do Município, que pagou precatórios, que parcelou a dívida do Regime Próprio de Previdência e que construiu postos de saúde.

Em relação à irregularidade de excesso de contratações temporárias na área da saúde do Município de Barra Velha (item 6.3.1.1.2 da decisão atacada), o responsável registrou (fls. 5-6) seu entendimento de que a restrição se referiria às contratações repetidas de um mesmo profissional, justificando que isso ocorreria em razão da baixa atratividade do salário oferecido pelo Município, de modo que não seriam encontrados novos profissionais para serem contratados.

Reforçou a realização de concursos públicos durante seu mandato, defendendo a demora em nomear todos os aprovados “pois, para manter o serviço público, não é prudente chamar todos e fazer a substituição instantânea” (fl. 5).

Acostou a documentação de fls. 8-16 que demonstra o número de vagas ofertadas nos concursos públicos realizados, a quantidade de candidatos convocados e o respectivo preenchimento ou desistência das vagas.

Não obstante a argumentação apresentada, este órgão ministerial entende que as alegações recursais do Sr. Claudemir Matias Francisco não merecem prosperar.

Acerca do excesso de contratações temporárias na área da saúde do Município de Barra Velha (irregularidade indicada no 6.3.1.1.2 da deliberação recorrida, que como visto, convergiu para a aplicação da multa ora atacada), cumpre-nos debater, inicialmente, a interpretação limitada que fora dada pelo responsável em suas razões recursais no sentido de que “quanto ao excesso, entendo que o julgador quis dizer de forma repetida se contratava o mesmo profissional” (fl. 5).

Ora, na linha do que já fora esclarecido por este órgão ministerial à fl. 2605v dos autos principais, deve-se ter em mente que a restrição em tela engloba tanto a reiteração de contratações das mesmas pessoas, quanto a excessiva realização de contratações temporárias em geral.

Ambas as situações, por sua vez, descaracterizam a existência da comprovada “necessidade temporária de excepcional interesse público”, elencada pelo art. 37, inciso IX, da CRFB/88 – ao lado da existência de lei autorizativa – como condição de validade das contratações por tempo determinado.

Complementando a interpretação de referido dispositivo constitucional, o Supremo Tribunal Federal[3]  já consolidou o entendimento de que a contratação temporária de servidores deve preencher os seguintes requisitos: a) casos excepcionais previstos em lei; b) prazo de contratação predeterminado; c) necessidade temporária de interesse público; d) interesse público excepcional; e e) necessidade de contratação  indispensável, sendo vedada a contratação para os serviços ordinários permanentes do Estado, e que devam estar sob o espectro das contingências normais da Administração.

Ainda, a Diretoria de Controle de Atos de Pessoal[4] já expediu alerta aos Municípios catarinenses sobre o tema, tendo enumerado as seguintes condições de validade das contratações temporárias:

Nesse contexto, a unidade jurisdicionada deve observar com rigor as normas relativas ao instituto da contratação por tempo determinado, considerando a sua excepcionalidade e os princípios que regem a Administração Pública e o instituto do concurso público, e desde que atendidas às seguintes condições:

a) os casos excepcionais de interesse público devem estar previstos em lei;

b) o prazo de contratação seja predeterminado;

c) a necessidade seja temporária;

d) a necessidade de contratação seja indispensável, sendo vedada a contratação para os serviços ordinários permanentes do Estado, com exceção dos casos em que houver a necessidade temporária de excepcional interesse público, devidamente comprovada;

e) seja precedida de recrutamento do pessoal mediante prévio processo seletivo público com critérios objetivos de seleção, podendo ser simplificado, devidamente normatizado no âmbito da Administração e em conformidade com as disposições da lei local;

f) observar que é de competência do respectivo Ente a edição de lei para regulamentar a norma constitucional, a qual deve dispor, entre outros, sobre as hipóteses e condições em que poderão ser realizadas admissões temporárias de pessoal para atender a necessidade de excepcional interesse público, o prazo máximo de contratação, a viabilidade de prorrogação ou não do contrato e sua limitação, bem como sobre a possibilidade de nova contratação da mesma pessoa, carga horária, remuneração, regime a que se submete a contratação, a obrigatoriedade de vinculação ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS), em face do art. 40, § 13, da Constituição Federal (redação da EC n. 20/98), direitos e deveres dos contratados, a forma e condições de admissão, critérios de seleção, a definição das funções que poderão ser objeto de contratação temporária, o número limite de admissões temporárias; bem como os procedimentos administrativos para a efetivação das contratações;

g) observar que por se encontrar na seara da discricionariedade administrativa, o licenciamento para trato de interesse particular de servidor público não constitui motivo razoável para a contratação por tempo determinado para sua substituição, posto que a liberação do servidor não se coaduna com a necessidade do serviço. À Administração cabe requisitar o servidor, fazendo cessar os efeitos do ato administrativo concessivo caso verifique a premência do exercício das suas atribuições;

h) observar a prevalência da regra do concurso público, destacando-se que as regras que restringem o cumprimento do instituto do concurso público estão previstas na Constituição Federal e devem ser interpretadas restritivamente tendo em vista que a imposição constitucional da obrigatoriedade do concurso público é categórica e definitiva e tem como objetivo resguardar o cumprimento de princípios constitucionais, dentre eles, os da impessoalidade, da igualdade e da eficiência. E nesse sentido há que se instituir a cultura de gestão estratégica, ou seja, a administração pública deve planejar suas atividades, suprindo suas necessidades mediante remanejamento de pessoal do quadro efetivo, sendo vedado o desvio de função;

i) observar que é vedada a cessão de servidores que tenham sido contratados em caráter temporário, considerando que a contratação por tempo determinado tem como objetivo suprir a necessidade temporária de excepcional interesse público do órgão contratante.

Vale salientar que a não observância da legislação pertinente poderá resultar em ato irregular sujeitando o responsável a sanções da lei.

Nesse sentido, restou exaustivamente demonstrado nos autos apensados que o instituto da contratação temporária – que deveria ser utilizado somente para atender necessidade temporária de excepcional interesse público – , estava sendo desvirtuado pela Administração Municipal de Barra Velha, tendo sido aplicado sem nenhuma comprovação quanto a sua excepcionalidade e, ainda, para o desempenho de atividades contínuas e permanentes que deveriam ser atribuídas a servidores do quadro de pessoal daquele órgão.

O argumento do recorrente de que as contratações temporárias seriam reiteradas em razão da baixa atratividade do salário oferecido pelo Município, que dificultaria a contratação de novos profissionais, não merece prosperar, conforme muito bem pontuado pela área técnica às fls. 23-23v, a saber:

Retira-se do Relatório do Corpo Técnico que o número de vagas na área da saúde de provimento efetivo atingiu o quantitativo máximo de 51 servidores11 enquanto que, o de contratados temporários, na mesma época, era de 155 profissionais. Esse desequilíbrio se manteve, com exceção do mês de dezembro de 2013.

A título de exemplo, o salário ofertado no Edital 001/2012 (fls. 1.825/1.855) para o cargo de Médico, com jornada de trabalho de 40 horas semanais, era de R$ 9.000,00 (nove mil reais).

Enquanto que, a contratação temporária, para o mesmo cargo, pagava um salário entre R$ 3.500,0012 (três mil e quinhentos reais) a R$ 7.289,0013 (sete mil, duzentos e oitenta e nove reais). Nesse rumo, a alegação de baixa remuneração oferecida pelo município não se concretiza.

Como havia um alto número de funcionários temporários contratados aceitando uma menor remuneração pelo contrato de “locação de serviços”, por óbvio, não faltariam candidatos à remuneração superior oferecida no concurso público. Para mais, salvo a alegação do Recorrente, não há prova nos autos que o não comparecimento ou desligamento de profissionais decorreu da baixa remuneração. E, se assim o fosse, caberia ao Prefeito buscar solucionar tal impasse (grifei).

Por fim, destaca-se que também não se pode acatar a alegação do recorrente de que a demora na convocação dos candidatos aprovados nos concursos públicos se justificaria para manter a continuidade do serviço púbico. Assim, ainda que esse argumento pudesse ser acolhido em alguma medida – não recomendando que a totalidade dos profissionais temporários fosse substituída no mesmo dia pelos servidores efetivos –, a demora identificada extrapola em muito o razoável. A propósito, a Diretoria de Controle de Atos de Pessoal verificou, nos autos originários, que (fl. 2583v daquele processo):

[...] ao se compulsar as portarias de nomeação de servidores aprovados no Edital de Concurso Público n. 001/2012 para a área da saúde, juntadas pelos responsáveis às fls. 1821 a 1824, percebe-se que foram chamados somente 15 (quinze) servidores, o que demonstra que não houve uma preocupação premente em consolidar o quadro efetivo de profissionais da área da saúde na unidade gestora.

Dessa forma, tem-se que toda essa situação irregular se prolongou durante a gestão do recorrente, não tendo ele demonstrado a adoção de efetivas e tempestivas providências para satisfatoriamente regularizar o excesso de contratações temporárias na área da saúde do Município de Barra Velha.

Note-se, ainda, que em toda a sua irresignação recursal o responsável não justificou ou sequer mencionou uma das irregularidades que ensejaram a aplicação da multa ora recorrida, qual seja, a contratação temporária de pessoal para a área da saúde do Município de Barra Velha de forma direta, através de “contrato de locação de serviços” (restrição descrita no item 6.3.1.1.1 do Acórdão n. 0602/2017).

Conforme já fora registrado pela área técnica e por este órgão ministerial nos autos em apenso, essa espécie de contratação não encontra respaldo no atual regime jurídico-administrativo pois, como visto, a regra delineada pela CRFB/88 é a investidura em cargo ou emprego público mediante a aprovação em prévio concurso público, admitindo-se, excepcionalmente, as nomeações para cargos em comissão ou a realização de contratações temporárias. O “contrato de locação de serviços” por sua vez, não é previsto ou aceito em qualquer hipótese, por simples observância do princípio da legalidade.

Dessa forma, nenhum dos argumentos genericamente apresentados pelo recorrente são hábeis a afastar a irregularidade dessa situação, pois, ainda que não houvesse candidato aprovado em concurso público interessado em assumir determinado cargo, o Município deveria ter realizado, excepcionalmente, processo seletivo simplificado para a contratação de servidores temporários.

Nesse sentido, esta representante ministerial anotou, nos autos principais, que (fls. 2602-2604 daquele processo):

Inicialmente, forçoso que se aponte a incompatibilidade do instrumento de que se valeram os responsáveis para buscar sanar a situação por eles narrada em face da realidade fática e normativa vigente. O contrato de locação de serviços, meio utilizado pela Unidade Gestora para suprir os cargos não preenchidos, não se revela como o adequado para a finalidade em tela. [...]

Assim, resta bastante claro que o meio utilizado para contratação dos servidores destoou da previsão contida na Lei Complementar Municipal n. 97/2010, uma vez que esse diploma legal não previu o Código Civil como fonte subsidiária, mas tão somente a Constituição Federal, inclusive por meio de referência expressa, conforme observado no excerto colacionado acima. Desse modo, o preenchimento das vagas em aberto por meio de contratos de locação de serviços representou clara afronta à determinação constitucional de prévio concurso público para investidura em cargo ou emprego público. [...]

Impende salientar que, apesar de a situação fática descrita pelos responsáveis, em tese, permitir a pressuposição de legitimidade da medida adotada face à aparente ponderação de valores a que o gestor estaria submetido, o que efetivamente se questiona nestes autos é a sua adequação e pertinência, sobretudo ante a existência de possibilidades diversas que não teriam o condão de afrontar as determinações legais regentes da matéria posta. [...]

No caso concreto, em face da inércia de candidatos aprovados para apresentação e posse, a Unidade Gestora deveria ter, em primeiro lugar, chamado os demais aprovados, na ordem de classificação final do concurso e, sendo o caso, promovido a prorrogação de sua validade. Quanto aos casos sensíveis, como o exemplo apresentado em relação aos médicos, a ausência de interessados nas vagas, antes de permitir a elaboração de contratos de locação de serviços, deveria ter ocasionado a contratação temporária por excepcional interesse público, o que não afasta a possibilidade de processo seletivo com requisitos objetivos mínimos, ou quiçá a contratação sem concurso, mas desde que observados requisitos procedimentais.

Complementando essa análise, destaque-se, também, as considerações lançadas pela Diretoria de Recursos e Reexames à fl. 21v, in verbis:

Nos autos, os contratos de locação anexados (fls. 893/977), foram motivados pela necessidade inadiável de suprir, temporariamente, a Fundação/Secretaria por excepcional interesse público, possuindo prazo determinado. Assim, depreende-se que o fim buscado pelo Município era a contratação temporária em virtude da declaração de seus requisitos na forma contratual. [...]

Portanto, a utilização da contratação direta através da “locação de serviços” ao invés da realização de processo seletivo municipal, para admissão de pessoal em caráter temporário, insere-se no âmbito da ilegalidade.

O Recorrente declara que a FHFBV foi extinta em seu governo, com acompanhamento do MPSC, devido às irregularidades elencadas nos autos da Ação Civil Pública nº 006.11.001148-7, processada na na 2ª Vara da Comarca de Barra Velha. Daí, é correto afirmar que o Prefeito possuía conhecimento do meio de contratação indevida de maneira prévia. Aliás, havia assumido a Chefia municipal por 11 meses, antes de ser eleito.

Mesmo assim, o Recorrente perdurou utilizando o “contrato de locação de serviços” na área da saúde após a extinção da Fundação em comento. Então, além de não cessar a ilegalidade, foi reincidente na conduta, não havendo como afastar a penalização aplicada.

Ainda que se considere a abertura de concurso público, é possível vislumbrar o prolongamento da situação caótica, mencionada nas razões recursais, pela contínua utilização de instrumento nitidamente indevido para contratação de pessoal nos anos de 2013 e 2014, conforme apurado pela Instrução (grifei).

Não há dúvidas, portanto, de que o recorrente compactuou com essa situação irregular, devendo ser responsabilizado pelos inúmeros “contratos de locação de serviços” que foram firmados.

Com tudo isso, este órgão ministerial entende pela manutenção da multa aplicada ao Sr. Claudemir Matias Francisco pelo item 6.3.1.1 do Acórdão n. 0602/2017.

2.      Multa aplicada em face da ineficiência no controle da jornada de trabalho do pessoal da área da saúde do Município de Barra Velha (item 6.3.1.2 do acórdão recorrido)

A auditoria in loco realizada pela área técnica constatou (fls. 2583v-2584 dos autos principais) uma série de inconsistências no controle de frequência dos servidores vinculados à área da saúde do Município de Barra Velha. Nesse sentido, apurou-se, por exemplo, que a presença de servidores do Pronto Atendimento 24h era registrada de forma precária, através de livros-atas, e, quanto à frequência dos médicos, foram identificados registros em brancos, assinaturas não vinculadas a um servidor específico e o registro meramente formal do horário de trabalho, com o chamado “ponto britânico”. Ainda, restou evidenciado o pagamento de horas extras a vários servidores sem a comprovação do seu cumprimento e acima do limite legal.

Em suas razões recursais, o Sr. Claudemir Matias Francisco arguiu (fl. 6) que o controle da jornada de trabalho era realizado pelo chefe de cada setor e, ao final do mês, era enviado ao Departamento de Recursos Humanos para apuração e pagamento. Alegou, portanto, que seria desproporcional incumbi-lo do acompanhamento e conferência das horas trabalhadas pelos servidores. Finalizou afirmando que o Município implantou o controle de ponto eletrônico no Pronto Atendimento 24h durante sua gestão (fl. 17).

Em relação à alegada ausência de responsabilidade do Prefeito Municipal pelo controle da jornada de trabalho dos servidores municipais, diante da delegação de funções no âmbito da Administração Municipal de Barra Velha, deve-se destacar que a supervisão, a fiscalização, o controle e a revisão devem ser obrigatória e efetivamente implementados pelo superior hierárquico em relação a todos os seus subordinados, sendo que sua omissão no exercício dessas prerrogativas configura-se como ato ilegal passível de responsabilização. Nesse sentido, extrai-se da lição de José dos Santos Carvalho Filho[5] que:

Quando um poder jurídico é conferido a alguém, pode ele ser exercitado ou não, já que se trata de mera faculdade de agir. [...]

O mesmo não se passa no âmbito do direito público. Os poderes administrativos são outorgados aos agentes do Poder Público para lhes permitir atuação voltada aos interesses da coletividade. Sendo assim, deles emanam duas ordens de consequência: 1ª) são eles irrenunciáveis; e 2ª) devem ser obrigatoriamente exercidos pelos titulares.

Desse modo, as prerrogativas públicas, ao mesmo tempo em que constituem poderes para o administrador público, impõem-lhe o seu exercício e lhe vedam a inércia, porque o reflexo desta atinge, em última instância, a coletividade, esta a real destinatária de tais poderes.

Esse aspecto dúplice do poder administrativo é que se denomina de poder-dever de agir. [...]

Corolário importante do poder-dever de agir é a situação de ilegitimidade de que se reveste a inércia do administrador: na medida em que lhe incumbe conduta comissiva, a omissão (conduta omissiva) haverá de configurar-se como ilegal. [...]

Quanto ao agente omisso, poderá ele ser responsabilizado civil, penal ou administrativamente, conforme o tipo de inércia a ele atribuído. Pode, inclusive, ser punido por desídia no respectivo estatuto funcional, ou, ainda, ser responsabilizado por conduta qualificada como improbidade administrativa (grifei).

Essa ideia de dever de controle do superior hierárquico em relação a seus subordinados também se compatibiliza com o dever de autotutela[6], importante princípio balizador da atuação da Administração Pública, a saber:

O dever-poder genérico de controle interno alcança toda e qualquer autoridade administrativa, relativamente a todo e qualquer ato administrativo praticado por ela própria ou por seus subordinados. Isso significa que qualquer agente administrativo, verificando a irregularidade de algum ato, deve adotar as providências necessárias a impedir que produza seus efeitos. [...]

Assim se passa nos casos em que exista um vínculo hierárquico de subordinação. A autoridade administrativa superior é investida na competência para revisão dos atos administrativos dos órgãos hierarquicamente inferiores, o que costuma ser denominado poder de autotutela, o qual se pode exteriorizar inclusive para fins de desfazimento de atos (grifei).

Salienta-se, ademais, que a execução de tarefas ordinárias do ente configura delegação interna de competência e reflete, apenas, a desconcentração da atividade administrativa no âmbito da Prefeitura Municipal e seus órgãos, pois não seria viável, logicamente, que o Chefe do Poder Executivo Municipal executasse diretamente todas as atividades cotidianas. Nesse sentido, ainda que haja delegação interna para a execução de determinados serviços, os ocupantes da cadeia hierárquica não se eximem da condição de responsáveis pelos atos praticados por seus subordinados, em face das atribuições de supervisão e controle que lhes são afetas.

Deve-se recordar, ainda, que cabe também ao Prefeito Municipal a responsabilização em face das chamadas culpa in eligendo e culpa in vigilando, significando esta a ausência de fiscalização das atividades de seus subordinados, ou dos bens e valores sujeitos a esses agentes, ao passo que aquela representa a responsabilidade atribuída a quem deu causa à má escolha de seu representante ou preposto.

Fechando esse entendimento acerca da caracterização da culpa in vigilando e da culpa in eligendo, veja-se excerto do voto exarado no Acórdão TCU n. 2818/2015:

8. Convém mencionar que o fato de a irregularidade não ter sido praticada diretamente pelo gestor principal, e sim por outros servidores ou órgão subordinado ao seu, não o exime do dever de responder pela irregularidade, com base na culpa in eligendo ou na culpa in vigilando. A jurisprudência do Tribunal é pacífica no tocante à matéria, conforme o seguinte excerto do voto condutor do Acórdão 665/2008 - TCU - Plenário:

"12. Primeiramente, acerca desses argumentos, destaco que a delegação de competência não afasta a responsabilidade do gestor pela fiscalização dos atos de seus subordinados, impondo-se, portanto, que os escolha bem, sob pena de responder por culpa in eligendo, ou por culpa in vigilando, consoante dispõe o art. 932, inciso III, do Código Civil.

13. A propósito, nos dizeres de Hely Lopes Meirelles (in Direito Administrativo Brasileiro, 25ª ed., 2000, p. 619) tem-se o seguinte sobre a fiscalização hierárquica: 'Para o pleno desempenho da fiscalização hierárquica o superior deve velar pelo cumprimento da lei e das normas internas, acompanhar a execução das atribuições de todo subalterno, verificar os atos e o recebimento do trabalho dos agentes e avaliar os resultados, para adotar ou propor as medidas convenientes ao aprimoramento do serviço, no âmbito de cada órgão e nos limites de competência de cada chefia.'

14. Desse modo, não assiste razão ao responsável quanto à alegação de que a transferência da competência para outros setores o isenta da responsabilidade pelas irregularidades ocorridas" (grifei).

No mesmo sentido, merecem destaque os seguintes enunciados retirados, respectivamente dos Acórdãos n. 2603/2011, n. 1190/2009 e n. 1715/2008, também da Corte de Contas da União:

Acórdão n. 2603/2011:

É ônus do gestor escolher seus auxiliares diretos com esmero e supervisionar-lhes os trabalhos, sob pena de responder por culpa nas modalidades in eligendo e in vilgilando.

Acórdão n. 1190/2009:

O gestor atrai para si a responsabilidade civil e administrativa por não ter bem selecionado agentes probos a quem delegou tarefas operacionais, bem como por não ter devidamente supervisionado e exigido dos seus subordinados o escorreito cumprimento da lei. 

Acórdão n. 1715/2008:

A fiscalização hierárquica é um poder-dever de chefia e, como tal, o chefe que não a exerce comete inexação funcional. Para o pleno desempenho da fiscalização hierárquica, o superior deve velar pelo cumprimento da lei e das normas internas, acompanhar a execução das atribuições de todo subalterno, verificar os atos e o recebimento do trabalho dos agentes e avaliar os resultados, para adotar ou propor as medidas convenientes ao aprimoramento do serviço, no âmbito de cada órgão e nos limites de competência de cada chefia.

Toda essa sistemática da hierarquia e respectivas obrigações (poderes-deveres), bem como das culpas in eligendo e culpa in vigilando, genericamente mencionadas pela doutrina e jurisprudência administrativista encontram respaldo, in casu, também na estrutura da Administração Municipal de Barra Velha. Nesse sentido, a responsabilidade do Prefeito Municipal emana do art. 71, incisos V, VII, IX e XXIV, da Lei Orgânica Municipal de Barra Velha, no seguinte sentido:

Art. 71. Compete ao Prefeito, entre outras atribuições: [...]

V - Nomear e exonerar os Secretários Municipais e os Diretores dos Órgãos da Administração pública direta e indireta; [...]

VII - Expedir Decretos, Portarias, e outros atos administrativos; [...]

IX - Prover os cargos públicos e expedir os demais atos referentes à situação funcional dos servidores; [...]

XXIV - Organizar os serviços internos das repartições criadas por lei, com observância do limite das dotações a elas destinadas;

A situação é agravada, ainda, pela realização de pagamentos de horas extras sem a correspondente comprovação de seu cumprimento, consoante salientado pela área técnica à fl. 24:

Além disso, o pagamento de horas extras insere-se na rubrica de despesa com pessoal da Prefeitura. Nesse contexto, a função de ordenador das despesas é do Prefeito, o qual deve verificar a legalidade da despesa no momento da liquidação. Assim, ao deixar de conferir a veracidade dos pagamentos a serem realizados e efetuar pagamentos de horas extras sem o devido fato gerador justificado, ainda mais quando exorbita do limite legal, o Ordenador recai em irregularidade.

Consequentemente, caberia ao Prefeito a adoção de providências para impedir o pagamento de valores de horas extras sem a devida comprovação da liquidação da despesa. Como tal providência não foi demonstrada nos autos, resta intocável a responsabilidade do Recorrente, recomendando-se a manutenção da multa aplicada.

Assim, a responsabilidade do Prefeito Municipal decorre tanto de seu comportamento ativo – em face de sua atuação como ordenador de despesas que não se certificou da legalidade das horas extras que foram pagas – quanto de seu comportamento omissivo – representado pela falha no seu dever precípuo de fiscalizar, o que se tornou, no caso em comento, uma das causas determinantes da irregularidade em tela.

Destaque-se, por fim, que a simples declaração (fl. 17) de que fora implantado o controle de ponto eletrônico no Pronto Atendimento 24h durante a gestão do recorrente não significa que essa sistemática esteja sendo devidamente utilizada. De qualquer forma, mesmo que a ineficiência no controle da jornada de trabalho do pessoal da área da saúde do Município de Barra Velha tenha sido superada, ainda assim persistiria a responsabilização do recorrente, tendo em vista que a irregularidade restou devidamente configurada ao tempo de sua apuração, de modo que o seu posterior saneamento, embora louvável, não afasta a possibilidade de aplicação de multa pela sua original existência.

Deve ser mantida sem reparos, portanto, a multa aplicada ao responsável pelo item 6.3.1.2 do acórdão recorrido.

3.    Conclusão

Ante o exposto, o Ministério Público de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, inciso II, da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, manifesta-se pelo CONHECIMENTO do presente Recurso de Reexame e, no mérito, pelo seu DESPROVIMENTO, mantendo-se hígidas as multas aplicadas ao Sr. Claudemir Matias Francisco pelo Acórdão n. 0602/2017.

Florianópolis, 24 de julho de 2018.

 

 

Cibelly Farias Caleffi

Procuradora

 



[1] Embora o responsável tenha nominado sua irresignação como “resposta/defesa” (fl. 4) o Relator corretamente determinou a atuação da peça como recurso (fl. 3), em observância ao princípio da instrumentalidade das formas.

[2] Em outras duas ocasiões (fls. 5 e 6), o responsável mencionou a realização de 3 concursos públicos no mesmo período.

[3] RE n. 658.026, Relator:  Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 09.04.2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-214 DIVULG 30.10.2014 PUBLIC 31.10.2014.

[5] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2010, p. 46-48.

[6] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 1143-1143v.