PARECER nº: |
MPC/XX/59264/2018 |
PROCESSO nº: |
REC 17/00634299
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ORIGEM: |
Fundo de Desenvolvimento Social - FUNDOSOCIAL |
INTERESSADO: |
Grupo Escoteiro Ronaldo Dutra - Joinville |
ASSUNTO: |
Recurso de Reconsideração da decisão exarada no
processo -TCE-13/00419803 |
Número Unificado: MPC-SC 2.2/2018.1536
Versam os autos sobre Recurso de Reconsideração (petição de fls. 4-10 e documentos de fls. 11-43) interposto pelo Grupo Escoteiro Ronaldo Dutra e sua presidente, Sra. Midori Gertrud Hertha Hoyer, em face do Acórdão n. 0368/2017, exarado no processo TCE n. 13/00419803, que imputou débito e aplicou multa aos recorrentes, da seguinte maneira:
ACORDAM os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de
Santa Catarina, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões apresentadas
pelo Relator e com fulcro nos arts. 59 da Constituição Estadual e 1° da Lei
Complementar n. 202/2000, em:
6.1. Julgar irregulares, com imputação de débito, com
fundamento no art. 18, III, alínea "d", c/c art. 21, caput, da Lei
Complementar n. 202/2000, as contas de recursos transferidos para o Grupo de
Escoteiros Ronaldo Dutra, referente à Nota de Empenho n. 1012, de 18/06/2009,
no valor de R$ 24.340,00.
6.2. Condenar, SOLIDARIAMENTE, nos termos do art. 18, § 2°, da
Lei Complementar Estadual n. 202/2000: a Sra. MIDORI GERTRUD HERTHA HOYER –
Presidente do Grupo de Escoteiros Ronaldo Dutra em 2009, inscrita no CPF sob n.
109.593.558-55; a pessoa jurídica GRUPO ESCOTEIRO RONALDO DUTRA, inscrita no
CNPJ sob o n. 04.678.955/0001-53; e a Sra. NEUSELI JUNCKES COSTA, inscrita no
CPF sob o n. 569.986.869-00; ao recolhimento da quantia de R$ 24.340,00 (vinte
e quatro mil, trezentos e quarenta reais), fixando-lhes o prazo de 30 (trinta)
dias a contar da publicação do Acórdão no Diário Oficial Eletrônico do TCE -
DOTC-e, para comprovar perante o Tribunal, o recolhimento do valor do débito ao
Tesouro do Estado, atualizado monetariamente e acrescido de juros legais (arts.
21 e 44 da Lei Complementar n. 202/2000), calculados a partir da data da
ocorrência da geração do débito, sem o que, fica desde logo autorizado o
encaminhamento da dívida para cobrança judicial (art. 43, II, da Lei
Complementar n. 202/2000), em face da ausência de comprovação da boa e regular
aplicação dos recursos, contrariando o art. 144 da Lei Complementar Estadual n.
381/2007, de acordo com o que segue:
6.2.1. Responsabilidade solidária da Sra. MIDORI GERTRUD
HERTHA HOYER e da pessoa jurídica GRUPO ESCOTEIRO RONALDO DUTRA, já
qualificadas nos autos, em face da:
6.2.1.1. ausência de comprovação da realização do objeto
proposto e da destinação dos materiais, não demonstrando a boa e regular
aplicação dos recursos públicos, em descumprimento aos arts. 144, § 1º, da Lei
Complementar (estadual) n. 381/2007, 9º da Lei (estadual) n. 5.867/1981 e 49 e
52 da Resolução n. TC-16/1994;
6.2.1.2. ausência de outros elementos de suporte e aliado a
descrição insuficiente no documento fiscal, não demonstrando a boa e regular
aplicação dos recursos públicos, contrariando os arts. 9º da Lei (estadual) n.
5.867/1981, 144, § 1º, da Lei Complementar (estadual) n. 381/2007 e 49 e 52, II
e III, e 60, I e II, da Resolução n. TC-16/1994. [...]
6.3. Aplicar aos responsáveis abaixo discriminados, com
fundamento no art. 68 da Lei Complementar n. 202/2000 c/c o art. 108, caput, do
Regimento Interno, as multas abaixo relacionadas, fixando-lhes o prazo de 30
(trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial
Eletrônico do TCE - DOTC-e, para comprovar a este Tribunal de Contas o
recolhimento ao Tesouro do Estado das multas cominadas, ou interpor recurso na
forma da lei, sem o quê, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida
para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da citada
Lei Complementar:
6.3.1. à Sra. MIDORI GERTRUD HERTHA HOYER, já qualificada,
multa de cem por cento do valor do dano, no montante de R$ 24.340,00 (vinte e
quatro mil, trezentos e quarenta reais), atualizado monetariamente, em face da:
6.3.1.1. ausência de comprovação da realização do objeto
proposto e da destinação dos materiais, não demonstrando a boa e regular
aplicação dos recursos públicos, em descumprimento aos arts. 144, § 1º, da Lei
Complementar (estadual) n. 381/2007, 9º da Lei (estadual) n. 5.867/1981 e 49 e
52 da Resolução n. TC-16/1994;
6.3.1.2. ausência de outros elementos de suporte e aliado a
descrição insuficiente no documento fiscal, não demonstrando a boa e regular
aplicação dos recursos públicos, contrariando os arts. 9º da Lei (estadual) n.
5.867/1981, 144, § 1º, da Lei Complementar (estadual) n. 381/2007 e 49 e 52, II
e III, e 60, I e II, da Resolução n. TC-16/1994. [...]
6.4. Declarar a Sra. Midori Gertrud Hertha Hoyer e o Grupo de
Escoteiros Ronaldo Dutra impedidos de receberem novos recursos do erário,
consoante dispõe o art. 16 da Lei n. 16.292/2013 c/c o art. 39 do Decreto n.
1.310/2012.
A Diretoria de Recursos e Reexames emitiu o Parecer n. DRR-113/2018 (fls. 44-50v), opinando pelo conhecimento do recurso e, no mérito, por dar-lhe provimento, no sentido de cancelar a responsabilidade e consequente débito e multa imputados aos recorrentes pela deliberação recorrida, nos seguintes termos:
3.1. Julgar o Recurso de Reconsideração interposto nos
termos do art. 77, da Lei Complementar nº 202, de 15 de dezembro de 2000,
contra a Deliberação nº 0368/2017, exarada na Sessão Ordinária de 17/07/2017,
nos autos do Processo nº TCE – 13/00419803, e no mérito dar-lhe provimento
para:
3.1.1. Cancelar a responsabilização relativa ao débito
de R$24.340,00, imputado solidariamente aos responsáveis, constante do item
6.2, subitem 6.2.1 da Deliberação Recorrida.
3.1.2. Cancelar a multa de R$24.340,00, aplicada a
Recorrente Midori Gertrud Hertina Hoyer responsável, constante do item 6.3.1 da
Deliberação Recorrida.
3.1.3. Modificar a Redação do item 6.2 do Acórdão
excluindo os Recorrentes MIDORI GERTRUD HERTA HOYER E GRUPO ESCOTEIRO RONALDO
DUTRA, da responsabilidade solidária sobre o débito imputado, mantendo a
irregularidade e o débito em relação a outra responsabilizada.
3.1.4. Cancelar o item 6.4 da Deliberação recorrida
que impede o recebimento de novos recursos do erário, consoante o que dispõe o
art. 16, da Lei n. 16.291/13.
3.1.5. Ratificar os demais termos da Deliberação
Recorrida.
Na sequência, a área técnica elaborou o Parecer n. DRR-198/2018 (fls. 51-53) propondo a extensão dos efeitos desse recurso a Sra. Neuseli Junckes Costa – que interpôs o REC n. 17/00634370, em apenso –, aplicando-lhe, tão somente, a multa prevista no art. 70, inciso II, da Lei Complementar Estadual n. 202/2000 em face das irregularidades identificadas na concessão dos recursos do FUNDOSOCIAL em comento. Veja-se:
3.1. Julgar o Recurso de Reconsideração interposto nos
termos do art. 77, da Lei Complementar nº 202, de 15 de dezembro de 2000,
contra a Deliberação nº 0368/2017, exarada na Sessão Ordinária de 17/07/2017,
nos autos do Processo nº TCE – 13/00419803, e no mérito dar-lhe provimento
para:
3.1.1. Cancelar a responsabilização relativa ao débito
de R$24.340,00, imputado aos responsáveis Midori Gertrud Herta Hoyer e Grupo
Escoteiro Ronaldo Dutra,, constante dos itens 6.2 subitem 6.2.1 da Deliberação
Recorrida.
3.1.2. Cancelar a multa de R$24.340,00, aplicada aos
responsáveis, constante do item 6.3.1 da Deliberação Recorrida.
3.1.3. Estender os efeitos dessa Deliberação a Senhora
Neuseli Junckes Costa, solidariamente responsável por força do disposto no art.
1005do Código de Processo Civil, aplicado subsidiariamente.
3.1.4. Aplicar a Responsável Neuseli Junckes Costa,
multa prevista no art. 70, II, da Lei Complementar nº 202/2000 c/c o art. 109,
II, do Regimento interno, em face da concessão irregular de recursos públicos
por meio de esquema paralelo aos procedimentos estabelecidos na legislação e
sem observância dos requisitos legais e regulamentares indispensáveis para o
repasse, em descumprimento ao estabelecido nos arts. 2º e 6º, da Lei (estadual)
n° 5.867/1981, bem como violação aos princípios contidos nos arts. 37, caput,
da Constituição Federal e art. 16, da Constituição Estadual.
Vieram os autos, então, a este Ministério Público de Contas para manifestação.
1. Admissibilidade
O Recurso de Reconsideração, com amparo no art. 77 da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, é o adequado em face de decisão proferida em processo de prestação e tomada de contas, sendo as partes legítimas para a sua interposição, uma vez que figuraram como responsáveis pelos atos de gestão irregulares descritos na decisão recorrida. Ainda, o recurso obedece ao requisito da singularidade, porquanto foi interposto uma única vez.
Quanto à tempestividade, a
Diretoria de Recursos e Reexames destacou que o acórdão recorrido foi publicado
na imprensa oficial em 16.08.2017 e que, embora a peça recursal tenha sido
protocolizada nessa Corte de Contas no dia 18.09.2017, o que caracterizaria sua
intempestividade, a postagem do recurso nos Correios ocorreu no dia 15.09.2017
(fl. 43) – dentro do prazo recursal, portanto –, de modo que, nos termos do
art. 1003, § 4º, do Código de Processo Civil – aplicado subsidiariamente aos
processos em trâmite nessa Corte de Contas, por força do art. 308 de seu
Regimento Interno – o recurso interposto seria tempestivo.
Embora os limites da aplicação
das novas prescrições do Código de Processo Civil ainda seja questão
controversa nessa Corte de Contas[1], o fato é que, independentemente
disso, entende-se que a regra prevista no art. 3º, § 1º, da Resolução n.
TC-09/2002 pode ser aplicada, por analogia, ao presente caso, permitindo-se que
a peça recursal apresentada via fac-símile ou correio eletrônico (neste caso,
via Correios), seja apresentada dentro do prazo de 5 dias a essa Corte de
Contas, conforme restou feito no presente caso.
Além disso, a situação ora
analisada envolve peculiaridades que demandam o exame da incidência da hipótese
de superação da intempestividade recursal descrita no art. 135, § 1º, inciso I,
do Regimento Interno dessa Corte de Contas, pois, conforme restará demonstrado
a seguir, entende-se que os atos praticados pelos recorrentes não causaram,
efetivamente, quaisquer prejuízos ao erário.
Diante dessa conjuntura,
portanto, entende-se que, excepcionalmente, o presente Recurso de
Reconsideração deve ser conhecido por essa Corte de Contas.
2. Mérito
Em
apertada síntese, os recorrentes relataram (fls. 4-10) que receberam R$
24.340,00 do FUNDOSOCIAL para participação do Grupo Escoteiro Ronaldo Dutra no
evento Jamboree Nacional da AEBP, na cidade paulista de Vinhedo.
Sustentaram
que o Plano de Aplicação aprovado foi devidamente cumprido e que a prestação de
contas dos recursos recebidos foi entregue em vias originais e dentro do prazo
legal, contendo fotos da participação do grupo no evento, fichas de inscrição
dos membros escoteiros, contrato de prestação de serviços, comprovantes do
recolhimento de impostos de serviços e cópias de cheques nominais para
pagamento.
Pugnam, portanto, pela reforma do Acórdão n. 0368/2017, reconhecendo-se a regularidade da aplicação dos recursos em questão.
Como visto, a deliberação ora recorrida – seguindo o posicionamento exarado pela área técnica e por este órgão ministerial nos autos principais – imputou débito e aplicou multa aos recorrentes em face da ausência de comprovação da realização do objeto proposto e da destinação dos materiais, bem como em razão da ausência de outros elementos de suporte, aliado à descrição insuficiente no documento fiscal, concluindo pela não demonstração da boa e regular aplicação dos recursos públicos recebidos.
Debruçando-me novamente sobre o tema, no entanto, entendo não ser adequada a manutenção da responsabilidade imputada aos recorrentes pela decisão atacada, conforme se demonstrará a seguir.
Inicialmente, deve-se pontuar que embora os recursos ora analisados tenham sido concedidos à margem do processamento regular das subvenções sociais, não há indícios de participação dolosa ou culposa dos recorrentes nessa conjuntura fraudulenta identificada no âmbito do FUNDOSOCIAL, de modo que, como sempre registrou esta representante ministerial, a entidade proponente e sua presidente devem ser responsabilizadas exclusivamente em face das irregularidades eventualmente identificadas na aplicação dos valores recebidos.
In casu, temos que os recursos do FUNDOSOCIAL foram concedidos nos termos do Plano de Aplicação acostado à fl. 11 dos autos principais, que previa 1) a contratação de serviço de transporte para os participantes do evento, pelo valor de R$ 4.340,00; e 2) a contratação de mão de obra para organização, acompanhamento e efetivação da participação no evento Jamboree Nacional, no valor de R$ 20.000,00.
A contratação do serviço de transporte foi comprovada por meio de nota fiscal emitida pela empresa RG Viagens e Turismo Ltda. (fls. 61-61v do processo originário), no valor de R$ 4.340,00 (cheque nominal à fl. 63 daqueles autos), especificando que se tratava de aluguel de micro-ônibus para Vinhedo no período de 20.07.2009 a 25.07.2009. Referido documento fiscal foi considerado insuficiente na análise realizada nos autos principais, por não estar acompanhado da relação de controle dos escoteiros que viajaram para o evento.
A contratação do serviço de organização, acompanhamento e efetivação da participação no evento em questão operou-se junto a Sra. Priscila Regina Brunken, no valor de R$ 20.000,00, e foi demonstrada por meio de nota fiscal (fls. 54-54v do processo originário), com o respectivo pagamento de tributos à Prefeitura Municipal de Joinville (fl. 55 daqueles autos), pelo contrato de prestação de serviços firmado entre as partes (fl. 60 dos autos principais), pela juntada de diploma de Tecnóloga em Eventos da profissional contratada, demonstrado sua aptidão para a execução do objeto contratado (fl. 73 daqueles autos) e pela emissão de cheque nominal em favor da contratada (fls. 64-65 do processo em questão). Na Tomada de Contas Especial originária entendeu-se pela insuficiência desses documentos, em face da descrição imprecisa do objeto da despesa.
Os responsáveis
apresentaram, ainda, fotografias que denotam a participação do Grupo Escoteiro Ronaldo Dutra no evento Jamboree Nacional
da AEBP (fl. 69 da TCE n. 13/00419803), o recibo de inscrição de 32 membros escoteiros
em referido evento, no valor de R$ 11.520,00, pagos pela Sra. Priscila Regina
Brunken (fl. 72 daquele processo) e as fichas de inscrição de 21 membros (fls.
74-94 dos autos principais).
Em
relação ao serviço de transporte, tem-se que, embora o ideal fosse a
apresentação de controle dos escoteiros que viajaram para o evento, os demais
documentos apresentados – notadamente as fotos que mostram os jovens escoteiros
dentro de micro-ônibus e no evento, e as fichas de inscrição apresentadas – são
aptos a demonstrar que houve a participação do Grupo Escoteiro Ronaldo Dutra no
evento em questão e, considerando que ele ocorreu em outro Estado, que o
serviço de transporte foi realmente contratado.
A
propósito, a Diretoria de Recursos e Reexames acrescentou que (fls. 48v-49):
[...] com relação a despesa de R$4.340,00 (fl.61)
relativa a contratação do transporte, considerado insuficiente pela Instrução
dessa Corte de Contas pela simples razão de que não foi apresentada junto com a
Nota Fiscal a relação de controle dos escoteiros que viajaram ao evento.
A fragilidade da argumentação é inqualificável,
considerando os outros elementos existentes nos autos que apontam para a
participação do Grupo de Escoteiros no evento para o qual foi destinado o
recurso financeiro liberado.
Existem as fichas de inscrição e o recibo de inscrição
que indicam a participação do Grupo de Escoteiro Ronaldo Dutra no evento, assim
como registros fotográficos dessa participação, além de que o documento fiscal
que certifica a despesa é formalmente regular e corresponde ao valor do cheque
(fl.63) emitido nominalmente para o seu pagamento, tudo conforme previsto no
plano de aplicação dos recursos apresentados quando da solicitação junto ao
órgão estadual.
Diga-se a respeito, que a Auditoria “in loco” feita
pela Secretaria da Fazenda não faz nenhuma menção a respeito da despesa de
contratação da viagem que conduziu os membros da entidade beneficiada com os
recursos públicos para o evento pretendido o que reforça a regularidade do
documento fiscal em questão e evidencia que a conclusão elaborada por toda a
instrução a respeito da ausência de destinação correta do recurso não se
sustenta juridicamente diante das provas produzidas. Diante de tais elementos
de prova fica insustentável a afirmação de que não restou comprovada o
cumprimento da finalidade para a qual os recursos financeiros foram destinados.
Quanto à contratação da Sra. Priscila Regina Brunken para a prestação do serviço de organização, acompanhamento e efetivação da participação no evento, entende-se que, de fato, os documentos apresentados na prestação de contas contêm descrição superficial do objeto da despesa.
Nesse sentido, o contrato de prestação de serviços firmado prevê que a contratada “será a responsável por todos os trâmites de inscrição e serviços destinados a possibilitar a participação da CONTRATANTE, incluindo estadia, alimentação e outros” (fl. 60 do processo principal), e a nota fiscal apresentada descreve a execução de serviços de “organização e acompanhamento de Grupos de Escoteiros Ronaldo Dutra na participação do Jamboree AEBP” (fl. 54 daqueles autos).
Ocorre que essas descrições são até mais detalhadas do que aquela prevista no Plano de Aplicação, que, como visto, previu o dispêndio de R$ 20.000,00 na genérica “contratação de mão de obra para organização, acompanhamento e efetivação da participação no evento Jamboree Nacional” (fl. 11 da TCE n. 13/00419803).
Obviamente, a concessão dos recursos não poderia se dar nesses moldes, devendo estar devidamente especificado o valor que seria dispendido com a inscrição dos membros do Grupo no evento, hospedagem, alimentação e, separadamente, a eventual – e questionável – contratação de mão de obra para a organização e acompanhamento dessas contratações.
Os recursos foram concedidos, no entanto, sem qualquer detalhamento da destinação desse valor de R$ 20.000,00, não sendo razoável, dessa maneira, exigir que a prestação de contas apresentada esmiuçasse os valores dispendidos, até porque não seria possível realizar qualquer comparação com aquilo que foi aprovado.
O fato é, portanto, que foram pagos R$ 20.000,00 para a organização e acompanhamento do evento – conforme previsto no Plano de Aplicação – e, sabendo-se que as inscrições foram realizadas e que a participação no evento de fato ocorreu de forma gratuita[2] aos membros do grupo, pode-se considerar, nesse contexto, que o valor foi aplicado nos fins a que se destinava.
Complementando essa análise, a Diretoria de Recursos e Reexames pontuou, in verbis (fl. 48v):
Assim, observa-se que ocorreu a participação de
pessoas que participaram do evento sem nenhum ônus para as mesmas embora
efetivamente a participação tinha um custo estabelecido, custo este que foi
confirmado pelo valor da inscrição para a participação junto a entidade promotora
do evento. Desse modo, por que razão dever-se-ia refutar a despesa de
R$11.520,00 com a inscrição de membros do grupo de escoteiros, se existe
comprovantes das inscrições, e tal despesa estava prevista no instrumento de
contrato firmado entre os Recorrentes e a pessoa física contratada para
realizá-la?
Cumpre lembrar que o contrato firmado entre as partes
além do pagamento de inscrição previa, por parte da prestadora de serviço, o
pagamento da alimentação e da estadia do grupo de participantes.
São evidências que conduzem para a concretização da
finalidade apresentada no plano de aplicação dos recursos, que no mínimo leva a
minoração do valor de débito imputado, ressalvando-se, no entanto, que existe
elementos suficientes para comprovar a efetiva participação do Grupo de
Escoteiros Ronaldo Dutra no evento realizado na cidade de Vinhedo, como por
exemplo o acervo fotográfico juntado aos autos que ilustra a participação dos
membros da entidade beneficiada pelos recursos públicos glosados.
Com tudo isso, conclui-se
que a prestação de contas apresentada, embora não possa ser considerada
perfeita e ideal, não se reveste de irregularidades graves aptas a justificar a
imputação de débito e/ou a aplicação de multas aos responsáveis, especialmente
porque houve a comprovação de que ocorreu a participação do Grupo Escoteiro Ronaldo Dutra no evento Jamboree Nacional
da AEBP.
Impõe-se, portanto, a reforma do Acórdão n. 0368/2017, afastando-se a responsabilidade imputada aos recorrentes pela decisão atacada, consoante o disposto na conclusão deste parecer.
2.1. Extensão dos efeitos do presente recurso a Sra. Neuseli Junckes
Costa
Como visto, o acórdão recorrido imputou débito solidário ao Grupo Escoteiro Ronaldo Dutra e sua presidente, Sra. Midori Gertrud Hertha Hoyer, bem como a Sra. Neuseli Junckes Costa, servidora responsável pela concessão irregular dos recursos, tendo em vista a inicial constatação de existência de dano ao erário.
Considerando o afastamento do dano, no entanto, não se mantém a causa para manutenção da imputação de débito a Sra. Neuseli Junckes Costa – que apresentou o Recurso de Reconsideração n. 17/00634370, em apenso – e, tampouco, da multa proporcional ao dano que lhe havia sido aplicada.
Dessa forma, este órgão ministerial se manifestará, nos autos do recurso interposto por referida servidora, pelo afastamento da imputação de débito e da multa proporcional ao dano, devendo ser-lhe aplicada, no entanto, a multa prevista no art. 70, inciso II, da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, tendo em vista a manutenção das irregularidades no processo de concessão dos recursos em questão, a ela imputáveis.
1. Conclusão
Ante o exposto, o Ministério Público
de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, incisos I e II,
da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, manifesta-se, excepcionalmente, pelo CONHECIMENTO do presente Recurso de
Reconsideração e, no mérito, pelo seu PROVIMENTO,
cancelando-se a imputação de débito, a aplicação de multa e o impedimento
delineados, respectivamente, nos itens 6.2, 6.3 e 6.4 do Acórdão n. 0368/2017.
Florianópolis, 5 de outubro de 2018.
Cibelly Farias
Procuradora
[1] Nesse sentido, a Presidência dessa Conte de Contas determinou, na Sessão Ordinária do dia 25.07.2018, em análise ao processo REC n. 17/00633560, a realização de um estudo para adequar o Regimento Interno dessa Corte de Contas às previsões do novo Código de Processo Civil.
[2] A auditoria realizada pela Gerência de Auditora de Recursos Antecipados da Secretaria de Estado da Fazenda entrou em contato com diversos participantes do evento que afirmaram que não desembolsaram qualquer valor. Houve uma única exceção a essa declaração, prestada pela mãe de um jovem que não foi ao evento (fl. 202v do processo principal).