PARECER nº: |
MPC/60872/2018 |
PROCESSO nº: |
REC 17/00778614
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ORIGEM: |
Fundo de Desenvolvimento Social - FUNDOSOCIAL |
INTERESSADO: |
Dedotur Transportes Coletivos de Passageiros Ltda - ME |
ASSUNTO: |
Recurso de Reconsideração da decisão exarada no
processo -TCE-13/00433032 |
Número Unificado: MPC-SC 2.2/2018.1883
Versam os autos sobre Recurso de
Reconsideração (fls. 4-13) interposto, por intermédio de advogado, pela pessoa jurídica Dédo Tur Transportes
Coletivos de Passageiros Ltda. - ME, em face do Acórdão n. 0560/2017, exarado
nos autos do processo TCE n. 13/00433032, que imputou débito à empresa
recorrente, da seguinte maneira:
ACORDAM
os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, reunidos em
Sessão Plenária, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro nos
arts. 59 da Constituição Estadual e 1° da Lei Complementar (estadual) n.
202/2000, em:
6.1.
Julgar irregulares, com imputação de débito, na forma do art. 18, III,
"d" c/c o art. 21, caput, da Lei Complementar (estadual) n. 202/2000,
as contas de recursos repassados à Associação Desportiva Social Tigres do Sul
pelo FUNDOSOCIAL, através das Notas de Empenho n. 5973, de 04/12/2009, no valor
de R$ 38.500,00. [...]
6.4.
Condenar, SOLIDARIAMENTE, nos termos do art. 18, §2°, da Lei Complementar
(estadual) n. 202/2000, o Sr. FRANCISCO DE ASSIS MARTINS JÚNIOR, a
pessoa jurídica ASSOCIAÇÃO DESPORTIVA E SOCIAL TIGRES DO SUL, a Sra. NEUSELI
JUNCKES COSTA, já qualificados, e a pessoa jurídica DÉDO
TUR TRANSPORTES COLETIVOS DE PASSAGEIROS LTDA. - ME, na pessoa de sua
sócia-gerente, Sra. Franciele Fritzen Mariano, inscrita no CNPJ sob o n.
10.583.778/0001-24, ao pagamento da quantia de R$ 9.755,00 (nove mil
setecentos e cinquenta e cinco reais), em virtude da não comprovação da boa e
regular aplicação dos recursos, fixando-lhes o prazo de 30 (trinta) dias,
a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico do TCE -
DOTC-e -, para comprovarem, perante este Tribunal, o recolhimento do valor do débito
ao Tesouro do Estado, atualizado monetariamente e acrescido dos juros
legais (arts. 21 e 44 da citada Lei Complementar), calculados a partir da data
da ocorrência do fato gerador do débito, ou interporem recurso na forma da lei,
sem o quê, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança
judicial (art. 43, II, da mencionada Lei Complementar), conforme segue: [...]
6.4.3.
Responsabilidade da empresa DÉDO TUR TRANSPORTES COLETIVOS DE
PASSAGEIROS LTDA. - ME, já qualificada, em virtude da ausência de
comprovação do efetivo fornecimento das mercadorias, em desacordo com os arts.
144, §1º, da Lei Complementar (estadual) n. 381/2007 e 49, 52, II e III, e 58
da Resolução n. TC-16/1994. [...]
A Diretoria de Recursos e Reexames emitiu o Parecer n. DRR-255/2018 (fls. 14-18), opinando pelo conhecimento do recurso e, no mérito, por seu desprovimento, ratificando na íntegra a deliberação recorrida.
Vieram os autos, então, a este Ministério Público de Contas para manifestação.
1. Admissibilidade
O Recurso de Reconsideração, com amparo no art. 77 da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, é o adequado em face de decisão proferida em processo de prestação e tomada de contas, sendo a parte legítima para a sua interposição, uma vez que figurou como responsável pelo ato de gestão irregular descrito na decisão recorrida.
O acórdão recorrido foi publicado na imprensa oficial em 20.10.2017 e a peça recursal foi protocolizada nessa Corte de Contas no dia 17.11.2017, sendo, portanto, tempestiva. Ainda, o recurso obedece ao requisito da singularidade, porquanto foi interposto uma única vez.
Logo, encontram-se presentes todos os requisitos de admissibilidade da presente peça recursal, de maneira que se passa, na sequência, à análise de seu mérito.
2. Mérito
Em
apertada síntese, a pessoa jurídica recorrente alegou (fls. 4-13) que produziu
e entregou as mercadorias solicitadas pela entidade proponente, com a devida
emissão de nota fiscal preenchida com clareza e sem rasuras, recebendo o
correspondente pagamento por meio de cheque da entidade.
Afirmou
que não é responsável pela comprovação da aplicação dos recursos públicos em
questão, tendo cumprido a única obrigação que lhe incumbia, que era a
declaração e o recolhimento do tributo fiscal decorrente da transação comercial
realizada.
Admitiu
que não apresentou a segunda via da nota fiscal em questão por ocasião da
defesa oferecida no processo originário, mas afirmou que esse não pode ser o
único fator a determinar o dever de recolher os valores e que a área técnica
não solicitou a apresentação da segunda via de referido documento.
Nesse
sentido, arguiu que não haveria como se presumir que a fornecedora agiu de
má-fé para realizar uma operação ilegal, pois tal alegação não estaria
respaldada em provas concretas que aferissem a veracidade dessa tese. Afirmou,
assim, que deveria prevalecer a presunção de boa-fé da pessoa jurídica.
Aduziu
que não poderia ser equiparada à outra empresa condenada pela decisão
recorrida, diante das importantes diferenças entre elas existentes.
Discorrendo
sobre o ônus da prova, asseverou que “cabe ao agente público provar a
irregularidade do uso do dinheiro público, já no caso em análise, o conselheiro
denota o inverso da norma Estadual, afirmando que a pessoa jurídica recorrente
– NÃO PROVOU [...]” (fl. 11).
Pugnou,
portanto, pela reforma do acórdão atacado, afastando-se a responsabilização que
lhe fora imputada.
Ao analisar os autos originários, observa-se que empresa recorrente restou solidariamente responsabilizada pelo pagamento de débito no valor de R$ 9.755,00, em razão da emissão de nota fiscal inidônea – haja vista a ausência de comprovação do efetivo fornecimento das mercadorias (fls. 531v e 574v do processo originário) –, relacionada à prestação dos serviços de transporte a eventos sociais à Associação Desportiva e Social Tigres do Sul.
Embora,
a princípio, este órgão ministerial concorde com a recorrente no sentido de que
a comprovação da boa e regular aplicação de recursos públicos cabe
primordialmente àquele a quem esses valores são confiados - e, não, portanto, àquele
que eventualmente prestou serviços ou forneceu mercadorias pagas com esses
valores –, o fato é que, in casu, há
toda uma conjuntura que indica que a Nota Fiscal n. 000020 (fl. 49 do processo
principal), emitida pela empresa recorrente,
trata-se de despesa simulada, atraindo para aquela pessoa jurídica a
responsabilização pela indevida utilização dos recursos públicos em questão.
Nesse sentido, o próprio presidente da Associação Desportiva e Social Tigres do Sul, Sr. Francisco de Assis Martins Júnior, prestou depoimento no Inquérito Policial n. 041/2011 declarando “que o pagamento foi realizado mediante cheques, mas não se recorda dos valores exatos da empresa de turismo, acreditando que seja denominada Claitur Turismo” (fl. 221v do processo originário).
Além disso, em depoimento à Diretoria de Auditoria Geral da Secretaria de Estado da Fazenda, o Sr. Francisco de Assis Martins Júnior também afirmou desconhecer os valores, as datas e os destinos das viagens, consoante o exposto na Informação DIAG n. 0076/11 (fl. 60 do processo originário).
Essa falta de conhecimento por parte do presidente da entidade a respeito de tais despesas reforça os apontamentos da área técnica de que os serviços sequer foram prestados – e que, portanto, haveria simulação e fraude na prestação de contas –, tendo em vista que não há nos autos quaisquer comprovantes que evidenciem a sua prestação. A propósito, transcrevo o seguinte trecho da manifestação da Diretoria de Controle da Administração Estadual exposta à fl. 520v do processo TCE n. 13/00433032:
[...] os argumentos trazidos
pelo representante da entidade, assim como os documentos fiscais não devem ser
considerados como meios probatórios, eis que por si só não comprovam
efetivamente que os recursos repassados pelo FUNDOSOCIAL foram destinados para
a finalidade pretendida. Segundo, além da ausência da relação dos nomes das
pessoas que usufruíram os serviços de transporte, não foram trazidos aos autos
quais os supostos eventos sociais, e nem o contrato de prestação de serviço de transporte,
no qual deveria discriminar detalhadamente o serviço, a forma de prestação, o
lugar, a data de sua ocorrência.
Não
é outro o entendimento delineado pela Diretoria de Recursos e Reexames (fls.
18-19):
Acerca dos argumentos trazidos em fase de
recurso, cabe esclarecer à Recorrente que os artigos que fundamentam a decisão
questionada revelam a multiplicidade de responsabilização de pessoas físicas e
jurídicas, dentre as quais comentem atos lesivos à Administração Pública, em
especial o art. 71, inciso II, da Constituição Federal2 e o art.
144, § 1º, da
Lei Complementar Estadual n. 381/20073, os quais não tratam apenas
de agentes que exercem múnus público, mas também qualquer pessoa que deu causa
a um dano ao erário.
Para tanto, basta que a pessoa jurídica de
direito privado tenha concorrido para o cometimento do dano apurado, ela
responde pelo prejuízo causado ao erário. No caso em tela, a responsabilidade
ocorreu em razão do fruto da relação jurídica fictícia de compra e venda
apresentada nos autos (operação comercial não realizada). Circunstância, esta,
que não nega a existência do fato lesivo, configurando, portanto, a
materialidade da irregularidade apontada.
Verifica-se dos autos que a equipe de
Auditores Internos da Secretaria de Estado da Fazenda realizou inspeção in
loco, a fim de verificar se a entidade recebeu os recursos e os utilizou de
acordo com o plano de aplicação, ou seja, se houve a efetiva execução do objeto
do proposto. Os Auditores Internos da Secretaria de Estado da Fazenda (Informação
DIAG nº 0076/11, fls. 52-57 do processo originário) observaram, ainda, com base
em alegações do Presidente da Associação beneficiária do repasse, que o
Presidente: “[...] não soube informar as quantidades adquiridas nem as datas,
valores e os destinos exatos das viagens”. [...]
Tais constatações fortalecem a tese da
responsabilidade solidária apresentada pela instrução, Ministério Público de
Contas e pelo Relator do processo originário.
Nota-se que todas as ações descritas nos
autos, as quais estão atreladas a um sofisticado esquema operacional com
participação de pessoas jurídicas interpostas, no caso da Recorrente, a emissão
de nota fiscal inidônea, visando acobertar operação comercial não realizada e
recolhimento dos tributos, foram praticadas com um fim especial de agir, qual
seja, a
facilitação incauta para o desvio dos recursos públicos e a proteção de
interesse privados em detrimento daqueles respectivos à sociedade. Tal conduta
é considerada danosa à Administração Pública, à moralidade administrativa, bem
como à Supremacia do Interesse Público.
Ora, existe um liame da participação da
Recorrente na fraude, considerando-se que a mesma emitiu a Nota Fiscal nº
000020, sem que efetivamente houvesse a prestação dos serviços correspondentes
(transporte na região para eventos sociais), constante da prestação de contas
apresentada pela Entidade proponente. Dessa forma, a Recorrente concorreu de
forma determinante para a ocorrência de dano ao erário, devendo ser
responsabilizada.
Convém lembrar, que diferentemente do
direito penal, nos processos referentes à comprovação da utilização regular de
recursos públicos não cabe a aplicação do princípio do in dubio pro reo, no
qual a boa-fé é presumida.
Isso porque, neste tipo de processo,
prevalece o princípio da Supremacia do Interesse Público, ocorrendo assim, a
inversão do ônus da prova, cabendo ao agente comprovar a boa-fé na gestão dos
recursos públicos sob sua responsabilidade.
A mera alegação da Recorrente de não ter
agido com má-fé não possui o condão de isentá-la da responsabilidade pelos atos
considerados irregulares apontados no Acórdão recorrido.
É importante salientar que no uso do
dinheiro público não basta ao responsável estar imbuído de boa-fé, mas sim,
comprovar ter agido nos termos da lei.
A contrário senso, ainda que se busque uma
interpretação benigna à Recorrente, in dubio pro reo, não há no caso em tela
elementos geradores de dúvidas para se afastar as aplicações dos princípios da
Supremacia do Interesse Público sobre o interesse privado e a indisponibilidade
do interesse público, os quais foram flagrantemente feridos.
Nesse sentido, as situações de simulação4
e fraude5, verificadas nos autos, encontram-se no plano fático como
norteadoras do débito imposto à Recorrente, uma vez que restou comprovada a
utilização de documento fiscal viciado como forma de fraudar o erário, mediante
comprovação de despesas insubsistentes.
Portanto, analisando todo o contexto
constante dos autos, é possível concluir que a nota fiscal foi emitida, sem que
o fato gerador correspondente tenha ocorrido, ou seja, não há comprovação do
efetivo fornecimento dos materiais esportivos.
Conforme o exposto, não se verificam
elementos, nos autos, capazes de afastar o débito imputado à Recorrente. Assim
sendo, inexistem razões para modificar o julgamento que consta do Acórdão
recorrido.
Assim,
o conjunto dessas circunstâncias, aliado à completa inaptidão da recorrente em
demonstrar a devida prestação dos serviços de transporte, indicam que a despesa
descrita no documento fiscal emitido pela empresa Dédo Tur Transportes
Coletivos de Passageiros Ltda. - ME foram simuladas a
fim de justificar o emprego dos valores do FUNDOSOCIAL recebidos pela Associação
Desportiva e Social Tigres do Sul, de modo que, demonstrada sua participação
nos atos que ocasionaram o dano ao erário ora verificado, a manutenção da responsabilização da empresa recorrente é
medida que se impõe.
3.
Conclusão
Ante o
Florianópolis, 20 de novembro de 2018.
Cibelly Farias
Procuradora