PARECER
nº: |
MPTC/5261/2010 |
PROCESSO
nº: |
REC-06/00303055 |
ORIGEM: |
Companhia Municipal de Promoção Turística de
Joinville e Região - Em liquidação |
INTERESSADO: |
Jorge Nicolau Meira |
ASSUNTO: |
(Recurso de Reconsideração - art. 77 da LC
202/2000) -TCE-03/08014359 |
1. RELATÓRIO
Tratam-se
os autos de Recurso de Reconsideração interposto pelo Senhor Jorge Nicolau
Meira, ex-Presidente da Companhia Municipal de Promoção Turística de Joinville
e Região – PROMOTUR, face a Decisão nº 0715/2006, proferida nos autos do
Processo nº TCE -03/08014359
Tal
decisão julgou irregular, com imputação de débito, as contas referentes ao
exercício de 2002, com abrangência a atos de pessoal, nos seguintes termos:
a)
Pagamento de multa de 40% do FGTS advinda de
exoneração dos empregados públicos ocupantes de cargos de confiança, sem amparo
legal;
b)
Pagamento de aviso prévio advindo de exoneração de
empregado público ocupante de cargo de confiança, sem amparo legal;
c)
Pagamento de abono, gratificação natalina e média
variável de 13º integral a Diretores e Gerentes do PROMOTUR sem a devida
autorização legal;
Desta
forma, inconformado com a deliberação dessa e. Corte de Contas, o ora
Recorrente interpôs o presente Recurso de Reconsideração, a fim de que seja
reformada a Decisão retro.
Juntou
aos autos Ata da Assembléia Geral Extraordinária da PROMOTUR, realizada em seis
de dezembro de 2002, em que extinguiu a referida Companhia e transferindo ao
Município de Joinville as ações decorrentes desta decisão.
2. ANÁLISE
Do
expediente, recepcionado e autuado por esse Tribunal, designou-se a Consultoria
Geral para verificar os requisitos de admissibilidade e análise do mérito
recursal.
Em
preliminar, sugere o conhecimento do Recurso por preencher os pressupostos de
legitimidade e tempestividade.
No mérito, negar provimento, mantendo-se os termos da Decisão
nº 715/2006.
Das considerações expedidas no excelso parecer da Consultoria
Geral do Tribunal de Contas e da Decisão dessa e. Corte de Contas, apresento as
seguintes ponderações:
a) Pagamento de despesas, sem amparo legal, de multa de 40%
incidente do FGTS e aviso prévio indenizado, pela exoneração de empregados
públicos, ocupantes de cargo em confiança.
A terminologia utilizada pelo Corpo Técnico e pela e. Corte
de Contas para descrever o cargo sob exame é “empregado público”. Existem
diferenças entre a denominação “cargo” e “empregos” que fazem surgir
modificações no regime jurídico que dirige a prestação do serviço.
Quando se trata de cargo público, o regime é estatutário e o
servidor público será detentor de um cargo efetivo, com estabilidade no serviço
público. No caso do emprego público a situação é diferente, pois mesmo sendo
exigida a observância da regra que impõe o certame público para a contratação,
o servidor público neste caso não está sujeito a nenhum estatuto institucional,
por assim dizer, uma lei que regulamente o serviço de maneira geral, da mesma
forma que também não há estabilidade no emprego, tendo em vista que o regime
jurídico imposto pela própria Carta Magna às sociedades de economia mista não
permite que seus funcionários gozem de tal benefício.
Celso Antônio Bandeira de Melo
apresenta a seguinte distinção conceitual entre emprego e cargo público:
"Cargo público – cargos são as mais simples e indivisíveis unidades de competência a serem expressadas por um agente, previstas em número certo, com denominação própria, retribuídas por pessoas jurídicas de direito público e criados por lei. Os servidores titulares de cargos públicos submetem-se a um regime especificamente concebido para reger esta categoria de agentes. Tal regime é estatutário ou institucional; logo, de índole não-contratual. Emprego Público – Empregos púbicos são núcleos de encargos de trabalho a serem preenchidos por ocupantes contratados para desempenhá-los, sob relação trabalhista. Sujeitam-se a uma disciplina jurídica que, embora sofra algumas inevitáveis influências advindas da natureza governamental da entidade contratante, basicamente, é a que se aplica aos contratos trabalhistas em geral; portanto, a prevista na Consolidação das Leis do Trabalho". (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, Editora Malheiros, São Paulo: 1999, p. 126 e 127)
Percebe-se que há distinção entre
empregado público e servidor público estatutário em função do regime jurídico
ao qual se submetem tais servidores públicos, ou seja, emprego público não pode
ser confundido com cargo público, e os regimes de trabalho também são diversos.
Aos empregados públicos se aplica o
mesmo regime de trabalho imposto aos empregados de empresas particulares, com
algumas ressalvas, e que importa diferenciar empregado público dos demais
empregados abrangidos pela Consolidação das Leis do Trabalho.
Nesse ínterim, há que se observar
que a análise de processos demissionários de empregados públicos deve ser
examinada sob outra ótica àquela utilizada para os cargos em comissão, no que
tange a funcionários de empresas públicas ou sociedades de economia mista.
O artigo 173, § 1º, II da Constituição Federal determina que as empresas públicas e
as sociedades de economia mista seguirão o regime
próprio das empresas privadas quando tratar de
matéria trabalhista.
A extinção do Regime Jurídico Único
(EC 19/1998) abriu a possibilidade de vínculo empregatício – celetista – entre o cidadão e a
administração pública direta. Porém, como ordem constitucional posta, exige-se
que os atos da administração estejam submetidos a princípios próprios, gerando
exceções ao regime privado impostas por normas de ordem pública.
Para tanto, assumiu a legislação trabalhista o papel de
regradora dos sistemas dos empregados públicos. Em assim sendo, uma vez regidos
pelo regime celetista, naturalmente serão regidos por todas as normas próprias
do regime privado, inclusive a possibilidade de demissão sem justa causa.
No entanto, não deverá o ato demissionário deixar de
preencher todas as formalidades próprias desse instrumento jurídico.
Podemos destacar tal fundamento em Decisão do Tribunal Superior do
Trabalho, em que manifesta tal entendimento:
DEMISSÃO SEM JUSTA CAUSA.
SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. A empresa estatal,
seja qual for o seu tipo, dedicada à exploração da atividade econômica, está
regida pelas normas trabalhistas das empresas privadas, por força do disposto
no art. 173,§1º, da Constituição Federal. Assim, dada a sua natureza jurídica,
pode rescindir sem justa causa, contratos de
empregados seus, avaliando apenas a conveniência e a oportunidade, porque o ato
será discricionário, não exigindo necessariamente que seja formalizada a motivação.Ressalte-se
que, no terreno específico da administração pública direta, indireta e
fundacional, a constituição não acresceu nenhuma outra obrigação, salvo a
investidura (art. 37, II) por meio de concurso público de provas e títulos.
Não cogitou a Lei Magna em momento algum acrescer a obrigação de existir motivação da dispensa. Recurso conhecido e
desprovido. (TST. Decisão 04.04.2001 Proc. RR Num 632808 Ano 2000 Região 07
Recurso de Revista Turma 01 Órgão Julgador –
primeira Turma) (grifo nosso).
Cabe observar que a norma em questão, muito
embora discipline também a respeito da investidura em emprego impondo mesma
condição (concurso público), nada autorizou (como fez em relação ao cargo), que
se
verificasse exercício em função pública, sem concurso.
Na hipótese dos autos não se
cogita de violação à lei que disporia sobre o exercício dessas funções.
A norma, aliás, ainda que não constante dos autos disciplina a
questão, instituindo as funções em questão.
Assim, o emprego da
terminologia “função” pode ser interpretada como conjunto de atribuições
do servidor, podendo este, no caso ser o estatutário, bem como o empregado.
Cabe destacar ainda, que pode haver função sem cargo.
O artigo 61 da Carta Magna, ao
dispor sobre competência legislativa, disciplinou ser privativa do
Presidente da República a edição de leis que disponham sobre criação de
cargo, funções ou empregos públicos .
Houve, assim, nesse artigo, referência as duas
hipóteses previstas na norma do art. 37, II, acrescendo-se uma terceira,
qual seja, as funções de confiança, a respeito das quais essa disposição
legal não vinculou ao regime estatutário ou empregatício.
Dessa forma, se encontra
adequada ao sistema legislativo em questão a interpretação de que a disposição
do art. 37, V, da CF autoriza contratação de pessoal, em função de confiança
seja no regime estatutário (onde também se possibilita contratação para cargo
em comissão), seja no regime de vínculo empregatício.
Em se admitindo tal
prerrogativa, e ao se configurar a contratação na função de “empregado
público”, como descrito na Decisão em comento, não há que se falar em
irregularidade no pagamento da multa incidente no Fundo de Garantia por Tempo
de Serviço, visto que não se tratar de cargo em comissão.
Outrossim, alega o Recorrente
que contratou empresa especializada para efetuar o cálculo das verbas
rescisórias, não sendo auferidas incorreções naquele procedimento. Por essa
razão, considerou acordes com a legislação pertinente à matéria.
Descreve o Corpo Técnico do
Tribunal de Contas no Relatório DCE nº 311/03, que os cargos foram admitidos
por intermédio de contrato de trabalho, como se celetistas fossem, sem concurso
público.
Em assim sendo, seguindo o
Enunciado nº 363/2003, do TST, que trata da Contratação de Servidor Público sem Concurso,
assim dispõe:
A contratação de servidor
público, após a CF/1988, sem prévia aprovação em concurso público, encontra
óbice no respectivo art. 37, II e § 2º, somente lhe conferindo direito ao
pagamento da contraprestação pactuada, em relação ao número de horas
trabalhadas, respeitado o valor da hora do salário mínimo, e dos valores
referentes aos depósitos do FGTS.
Ante tais argumentos,
considerando a inexistência de má-fé e a indistinta utilização na terminologia
para definir o cargo em questão, pugno em considerar inepta a aplicação da
sanção de débito ao ora Recorrente para considerar improcedente a restrição
apontada.
a) Pagamento, sem autorização da Assembléia Geral, de Abono,
Gratificação Natalina e Média Variável do 13º Integral a Diretores e Gerentes
da PROMOTUR.
A
finalidade essencial da Administração Pública é o atendimento das necessidades
da coletividade, e para fazê-lo, exercita o serviço público diretamente através
de seus órgãos, ou indiretamente, transferindo a execução de serviços a outros
entes com personalidade jurídica própria.
Mesmo
que haja o repasse de serviço, sempre caberá à Administração Pública o controle
e a regulamentação, com vistas ao cumprimento da satisfação das necessidades
públicas.
Quanto
à finalidade, a Carta Magna diferencia as entidades estatais entre duas
categorias distintas: as que intervêm na atividade econômica em sentido estrito
e as que prestam serviços públicos.
As
que fazem parte do primeiro grupo são as sociedades de economia mista ou empresas
públicas que exercem atividades de natureza privada a título de intervenção no
domínio econômico e estão submetidas ao disposto no art. 173 da Constituição
Federal.
As
do segundo grupo, que também podem ser sociedades de economia mista ou empresas
públicas, são as que exercem atividade econômica assumida como serviço público
e estão regidas pelo art. 175 da Constituição Federal.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro
apresenta a seguinte diferenciação:
1. as que desempenham
atividade econômica com base no artigo 173 e que se submetem ao regime próprio
das empresas privadas; como é a Constituição que estabelece essa regra geral
tem que ter fundamento na própria Constituição; não se aplicam a essas empresas
as leis ordinárias que derrogam o direito comum;
2. as que desempenham
serviços públicos e que se submetem ao artigo 175; embora atuem sob regime de
direito privado, as derrogações a esse princípio constam não apenas da própria
Constituição, como também de leis ordinárias; aqui as derrogações podem ser
maiores, porque não encontram a barreira da norma constitucional que determinou
a adoção desse regime. (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito
administrativo. 19ª ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 390)
Observa-se que o objetivo
precípuo da Companhia de Promoção e Turismo de Joinville é fortalecer e
melhorar o turismo naquele Município. Tem-se, portanto, que o serviço prestado
por aquele Órgão possui caráter essencialmente público.
Vejamos conceito de serviço público formulado pelo Ministro Eros Roberto Grau:
É inteiramente equivocada a tentativa de conceituar
serviço público como atividade sujeita a regime de serviço público. Ao
afirmar-se tal que serviço público é atividade desempenhada sob esse regime,
além de privilegiar-se a forma, em detrimento do conteúdo, perpetra-se
indesculpável tautologia. Determinada atividade fica sujeita a regime de
serviço público porque é serviço público; não o inverso, como muitos propõem,
ou seja, passa a ser tida como serviço público porque assujeitada a regime de
serviço público. (A Ordem Econômica na
Constituição de 1988. São Paulo).
Assim, nos casos em que
empresa pública ou sociedade de economia mista for prestadora de serviço
público, deverá ser afastada a incidência do art. 173 da Constituição Federal,
que trata da exploração direta pelo ente público de atividade econômica, sendo
mais adequando, neste caso, a aplicação das regras do direito público.
Perfilha-se a esse
entendimento Lucas Rocha Furtado:
É de se observar; todavia;
que se a empresa estatal for prestadora de serviço público, não se lhe será
aplicável o art. 173 da Constituição Federal, sendo permitido que lei adote,
inclusive para seu pessoal, regras do Direito Público (Curso de Direito
Administrativo, p.216).
Vejamos as afirmações de Fernando
Herren Aguillar:
O regime de privilégio,
típico dos serviços públicos, supõe o exercício de atividade econômica pelo
Estado com exclusividade em relação aos particulares e em relação aos demais
entes federativos não titulares. Opera verdadeiro monopólio de uma dada
atividade econômica. Daí que o mesmo regime imposto ao Estado para o fim de
monopolizar uma determinada atividade econômica é também aplicável para as
hipóteses de criação de novo serviço público.
Não se pode dizer, por outro
lado, que bastaria uma lei, com base
Sendo assim, é inadequado
questionar a legalidade do pagamento de abono, gratificação natalina e média
variável do 13º integral aos diretores e gerentes com base na Lei 6.604/76,
norma eminentemente de direito privado.
Pelo exposto, pugno pelo
cancelamento do débito imposto ao Responsável neste quesito.
3. CONCLUSÃO
Ante o exposto, esta Procuradoria junto ao Tribunal
de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, inciso II, da Lei
Complementar no 202/2000, pugna pela total improcedência das medidas
impostas por essa e. Corte de Contas.
Florianópolis, em 27 de setembro de 2010.
MÁRCIO DE SOUSA ROSA
Procurador Geral Adjunto do
Ministério Público
Junto ao Tribunal de Contas
af