PARECER nº: |
MPTC/6557/2009 |
PROCESSO nº: |
DEN-07/00591605 |
ORIGEM : |
Companhia
de Gás de Santa Catarina - SCGÁS |
INTERESSADO: |
Leandro
Ribeiro Maciel |
ASSUNTO : |
Denúncia contra a SCGÁS - Contrato SCGÁS nº
DL 090-06 - Inexigibilidade de Licitação - Contratação de serviço jurídico. |
1 – DO RELATÓRIO
Trata-se de Denúncia formulada
pelo Sr. Leandro Ribeiro Maciel, comunicando supostas irregularidades referentes
à Inexigibilidade de Licitação da Companhia de Gás de Santa Catarina – SCGÁS,
cujo objeto é a execução de serviços de Consultoria Jurídica para defesa em
Ação Trabalhista, bem como para a defesa e acompanhamento de procedimento investigatório
promovido pelo Ministério Público do Trabalho.
Os auditores da Diretoria de Controle
de Licitações e Contratações apresentaram o Relatório nº 564/2007, de fls. 52/60,
sugerindo o conhecimento da Denúncia, e a audiência do responsável, Sr. Otair
Becker, Diretor-Presidente da SCGÁS, para apresentação de justificativas acerca
da seguinte irregularidade:
-
Ausência de preenchimento de requisitos para fundamentar a contratação direta
através da inexigibilidade de licitação no art. 25, II, da Lei nº 8.666/93.
O então Procurador deste
Ministério Público emitiu o Parecer nº 8459/2007, de fls. 61/72, opinando pela
audiência dos responsáveis, Sr. Otair Becker, Diretor-Presidente da SCGÁS, Sr.
Rogério Bezerra Lima, Diretor Administrativo-Financeiro da SCGÁS, e Sr.
Humberto Rodacki Gomes, Assessor Jurídico, para apresentação de justificativas
a respeito da irregularidade descrita no Relatório da Diretoria de Controle de Licitações
e Contratações, e ainda da seguinte irregularidade:
-
Terceirização de atividade contínua e permanente de Unidade (serviços
advocatícios), em afronta ao art. 37, II, da Constituição.
O Exmo. Conselheiro Relator
conheceu a Denúncia, determinando a audiência dos responsáveis, conforme despacho
de fls. 123/124.
Foi procedida à audiência do Sr. Ivan César
Ranzolin, Diretor-Presidente da SCGAS em época posterior aos fatos (fls.
126/127).
Foram justadas as justificativas de fls.
128/163.
Os auditores da Diretoria de
Controle de Licitações e Contratações apresentaram o Relatório de fls. 168/172,
sugerindo a audiência dos responsáveis nominados no Relatório nº 564/2007 da
DLC e no Parecer nº 8459/2007 do MPTC.
O Sr. Otair Becker apresentou as
justificativas de fls. 177/218; e o Sr. Humberto Rodacki Gomes as justificativas
de fls. 225/268.
Foi realizada a audiência por
edital do Sr. Rogério Bezerra Lima (fl. 275).
Por fim, mediante o Relatório nº 186/2009,
de fls. 277/305, os auditores da Diretoria de Controle de Licitações e
Contratações sugeriram a aplicação de multa aos responsáveis, em face da
seguinte irregularidade:
-
Ausência de preenchimento dos requisitos para fundamentar a contratação direta
através de inexigibilidade de licitação no art. 25, II, da Lei nº 8.666/93.
2 – DO MÉRITO
Trata-se da contratação do Escritório Umberto Grillo Advocacia e
Consultoria Jurídica S/C, por meio de Inexigibilidade de Licitação, sem os
requisitos legais para tanto, em desacordo com o art. 25, II, da Lei nº
8.666/93.
Conforme os auditores da Diretoria de
Controle de Licitações e Contratações, nas fls. 295/296:
In casu, é incontroversa a notória
especialização do responsável pelo escritório de advocacia contratado, conforme
se depreende do curriculum vitae juntado
(...).
Melhor sorte,
no entanto, não assiste aos responsáveis no que concerne à singularidade do
objeto, (...).
No presente
feito, trata-se de simples reclamatória trabalhista, sem qualquer complexidade
ou relevância econômica, cuja representação judicial poderia ser realizada por
qualquer advogado militante na área do direito.
De fato, os serviços de assessoria jurídica
constituem atividades inerentes à Administração Pública, devendo ser
desempenhados por servidores públicos; e a contestação em ação trabalhista não
constitui um objeto singular.
Sobre a contratação direta de advogados,
transcrevo trechos do Parecer nº 3636/2010, exarado no Processo nº TCE 06/00152251, da lavra da Exma. Procuradora deste Ministério
Público, Dra. Cibelly Farias:
O inc. II do art. 25 da Lei n. 8.666/93 estabelece
três requisitos para a inexigibilidade de licitação. São eles: serviço técnico
previsto no art. 13 da Lei n. 8.666/93; natureza singular do serviço técnico; e
profissional ou empresa de notória especialização, nos termos do § 1º do art.
25 da Lei n. 8.666/93.
Entretanto, para que se
proceda à referida inexigibilidade, é necessário que sejam preenchidos todos
os requisitos do referido dispositivo legal concomitantemente.
(...)
O Tribunal de Contas da
União,
‘Considerando o entendimento
manso e pacífico deste Tribunal de que é imprescindível a realização de prévio
certame licitatório para a contratação de profissionais ou empresas da área de
advocacia, exceto nas hipóteses de exigência de conhecimentos específicos;
ACORDAM os Ministros do Tribunal de
Contas da União, reunidos em Sessão Plenária, ante as razões expostas pelo
Relator, em:
[...]
8.4.2. providencie, de
imediato, as medidas necessárias para a regularização da contratação de
escritório ou profissional de advocacia, mediante prévio procedimento
licitatório, mantendo o atual contrato firmado com o escritório Prazeres
& Prazeres Advogados Associados até a assinatura do novo ajuste [grifei].’
E do relatório do Ministro
Relator, Sr. Benjamin Zymler, colho o seguinte trecho:
‘A questão da contratação de
serviços advocatícios por inexigibilidade de licitação é tema pacífico nesta
Corte de Contas, cujo entendimento é a necessidade de processo licitatório para
a contratação de serviços dessa natureza, exceto quando ficar comprovada a
notória especialização e a singularidade do objeto. Ocorre
que o termo notória especialização é comumente mal interpretado por alguns
administradores públicos, confundindo seu significado da Lei de Licitações com
seu significado popular. (...)
Como vemos não se trata apenas de o
profissional gozar de renomado conceito profissional, e sim, de seu trabalho
ser essencial e o mais adequado à administração pública. Entendemos que
serviços gerais de advocacia podem ser desenvolvidos por inúmeros profissionais
da área jurídica.’
O responsável aduz que a
contratação em análise nestes autos enquadra-se como inexigibilidade de
licitação, nos termos do art. 25, inciso II, da Lei n. 8.666/93. Entretanto,
como assinalou a instrução, é necessário que sejam preenchidos requisitos
cumulativos e indispensáveis à referida inexigibilidade, quais sejam, serviço
técnico previsto no art. 13 da Lei n. 8.666/93, natureza singular do serviço
técnico, e profissional ou empresa de notória especialização, nos termos do
art. 25, § 1º, da mesma Lei.
(...)
Já o segundo requisito, a natureza singular do
serviço técnico, refere-se à complexidade técnica da sua execução. Assim, pelo
ensinamento de Antônio Roque Citadini,
essa singularidade se consubstancia no fato do
objeto do contrato ser de natureza
pouco comum, com razoável dose de complexidade, de tal forma individualizadora,
que justifique a dispensa de todo o procedimento licitatório.
Pode-se dizer então que a caracterização do serviço
como de natureza singular se dá com o enquadramento da atividade como atuação
padrão e comum da Administração Pública. Se a atividade for rotineira, comum ou
padrão, não poderá ser caracterizada como singular e, por conseguinte, deverá
haver o procedimento licitatório.
No caso em tela, não
verifico a existência de singularidade do serviço, uma vez que o objeto do
contrato (...) refere-se a atividades típicas da Administração Municipal,
rotineiras e contínuas.
Imperioso destacar, ainda, que as atividades
analisadas não poderiam ter sido delegadas, conforme se depreende do Prejulgado
1579 dessa Corte de Contas, que estabelece que a execução das funções típicas e
permanentes da Administração deve ser atribuída a servidores de seu quadro de
pessoal, ocupantes de cargos efetivos ou por ocupantes de cargo comissionado.
(...)
Desta forma, resta desrespeitado o requisito da
classificação do serviço como singular. Uma vez que os três requisitos devem
ser verificados cumulativamente, já está caracterizada a irregularidade.
No presente caso, os responsáveis não foram
capazes de justificar a contratação direta, tendo em vista não terem
demonstrado os requisitos necessários para a inexigibilidade de licitação,
mormente a singularidade do objeto.
Assim, a contratação é ilegítima.
No que diz respeito à responsabilidade
solidária da assessoria jurídica quanto a editais de licitação, cito Marçal
Justen Filho:[1]
(...)
poderá (deverá) punir-se o servidor público que adota interpretação contrária
ao Direito, aberrante, ou se o prolator do parecer desvirtuar os fatos
ocorridos, adotando versão não fundamentada em documentos ou outras provas.
(...) Tanto mais por ser inadmissível uma espécie de ‘responsabilização
política’ ao sujeito que desempenha função de assessoramento, sancionando-o
apenas em virtude da consumação de um resultado reputado incompatível com
valores protegidos pelo Direito. Aquele que desempenha atividade de
assessoramento jurídico ou técnico sujeita-se ao regime jurídico genérico: a
responsabilização civil, penal ou administrativa dependendo da culpabilidade.
Enfim, é essencial preservar a autonomia da função de assessoramento jurídico.
O autor citado traz a baila decisão do STF
proferida pelo Ministro Carlos Velloso, no Mandado de Segurança nº 24.073-3/DF,
sobre o assunto:[2]
Advogado de
empresa estatal que, chamado a opinar, oferece parecer sugerindo contratação
direta, sem licitação, mediante interpretação da lei de licitações. Pretensão
do Tribunal de Contas da União de responsabilizar o advogado solidariamente com
o administrador que decidiu pela contratação direta: impossibilidade, dado que
o parecer não é ato administrativo, sendo, quando, muito, ato de administração
consultiva, que visa a informar, elucidar, sugerir providências administrativas
a serem estabelecidas nos atos de administração ativa. O advogado somente será
civilmente responsável pelos danos causados a seus clientes ou a terceiros, se
decorrentes de erro grave, inescusável, ou de ato ou omissão praticado com
culpa, em sentido largo (...).
Mediante Parecer Jurídico de fls. 17/21, o
Assessor Jurídico opinou pela possibilidade de contratação por meio de
inexigibilidade de licitação.
A posição defendida no Parecer, ainda que
contrária ao Direito, não é aberrante ou esdrúxula.
Há que se considerar que o parecer jurídico é
ato opinativo, e não ato administrativo decisório; e que a responsabilização do
advogado se dá nas esferas civil, penal e administrativa, conforme os ilícitos
previstos na legislação própria.
Ademais, o art. 38, parágrafo único, da Lei
nº 8.666/93 traz previsão de prévio exame e aprovação pelo assessor jurídico da
administração dos documentos relativos a licitações, e não de sanções no caso
de resultado incompatível com o Direito.
Por fim, ressalto a existência de
controvérsia jurídica acerca da possibilidade da imposição de sanção pelos
Tribunais de Contas aos pareceristas jurídicos, por atos decorrentes de suas
opiniões.
Assim sendo, deverão ser responsabilizados,
tão-somente, o Diretor-Presidente e o Diretor Administrativo-Financeiro da
SCGAS, titulares do poder de decidir na Unidade Gestora.
No
que diz respeito à suposta terceirização de atividade contínua e permanente da
administração, tenho que a
questão se confunde com a ausência de requisitos para a configuração da inexigibilidade
de licitação, uma vez que ambas as irregularidades dizem respeito à mesma
controvérsia: singularidade ou não do objeto da contratação de serviços
advocatícios.
Assim,
deve-se adotar cautela quanto à aplicação de multas pelo mesmo fato, o que
constituiria um bis in idem.
Neste
ínterim, lembro que a gravidade da conduta não se afere pela quantidade de
irregularidades pelas quais responde o Gestor, mas pode ser dimensionada no quantum da multa aplicada pelo Tribunal
de Contas, a critério do Exmo. Conselheiro Relator.
Dessarte,
ratifico os termos do Relatório nº 186/2009 da Diretoria de
Controle de Licitações e Contratações.
3 – DA CONCLUSÃO
Ante
o exposto, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, com amparo na
competência conferida pelo art. 108 da Lei Complementar nº 202/2000,
manifesta-se pela adoção das seguintes providências:
- DECISÃO de IRREGULARIDADE do ato descrito no item 5.1.2.1 da conclusão do Relatório nº 186/2009 da Diretoria de Controle de Licitações e Contratações;
- APLICAÇÃO de MULTA prevista no
artigo 70, II, da Lei Complementar nº 202/2000 aos responsáveis, Sr. Otair
Becker, ex-Diretor Presidente, e
Sr. Rogério Bezerra Lima, ex-Diretor Administrativo-Financeiro da SCGAS.
Florianópolis, 18 de agosto de 2010.
Aderson Flores
Procurador
rss