Parecer no:

 

MPTC/4.831/2008

                       

 

 

Processo nº:

 

PCP 08/00089332

 

 

 

Origem:

 

Município de Rio Rufino – SC

 

 

 

Assunto:

 

Prestação de Contas realizada pelo Prefeito, referente ao exercício financeiro de 2007.

 

 

Trata-se de Prestação de Contas efetuada pelo Chefe do Poder Executivo do Município em epígrafe, consoante regra da Constituição Estadual, art. 113, § 1º.

Foram juntados os documentos relativos à prestação de contas em comento nas fls. 02-227.

A Diretoria de Controle dos Municípios apresentou o Relatório Técnico de fls. 228-269, consignando remanescentes as seguintes irregularidades:

I – Do Poder Executivo

I – A. Restrição de ordem constitucional:

I.A.1. Abertura de Créditos Adicionais Suplementares por conta de transposição, remanejamento ou transferência de recursos de uma categoria de programação para outra, no montante de R$ 128.000,00, sem autorização legislativa específica, em desacordo com o disposto no artigo 167, V e VI, da Constituição Federal.

I-B. Restrições de ordem legal:

I.B.1 – Meta Fiscal de Resultado Nominal prevista na LDO em conformidade com a Lei Complementar nº 101/2000, art. 4º, § 1º e art. 9º, não realizada no exercício de 2007, descumprindo preceitos contidos no art. 2º da Lei nº 349/2007, de 19/01/2007;

I.B.2. Meta Fiscal de Resultado Primário prevista na LDO em conformidade com a Lei Complementar nº 101/2000, art. 4º, § 1º e art. 9º, não realizada no exercício de 2007, descumprindo preceitos contidos no art. 2º da Lei nº 349/2007, de 19/01/2007;

I.B.3. Ausência da remessa do Parecer do Conselho do Fundeb, em desacordo com a Lei nº 11.494/07, art. 27, caput e § único.

 

Este o relatório.

A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da entidade em questão está inserida entre as atribuições dessa Corte de Contas, consoante os dispositivos constitucionais, legais e normativos vigentes (art. 31, § 1º e art. 71 c/c art. 75 da Constituição Federal, art. 113 da Constituição Estadual, arts. 50 a 54 da Lei Complementar Estadual nº. 202/2000; arts. 20 a 26 da Resolução TC nº. 16/1994 e arts. 82 a 94 da Resolução TC nº. 6/2001).

 

A análise destes autos revela que o Relatório DMU não atendeu aos requisitos da Lei Complementar nº 202/2000 ao deixar de conter as informações previstas no art. 53, parágrafo único, inciso III, relacionadas ao reflexo da administração financeira e orçamentária municipal no desenvolvimento econômico e social do Município.

Informação relevante ainda, inexplicavelmente suprimida, este ano, da maior parte dos relatórios produzidos pela DMU, é aquela relacionada às contratações terceirizadas para atividades públicas de natureza permanente.

Sobre os grandes números da administração, cuja análise conforma, por definição constitucional, as chamadas contas anuais apresentadas pelo Sr. Prefeito Municipal, objeto do parecer prévio a ser exarado pela Corte e de futuro julgamento pelo Poder Legislativo, foram apurados pela Diretoria de Controle da Administração Municipal - DMU:

1. O confronto entre a receita arrecada e a despesa realizada resultou no superávit de execução orçamentária da ordem de R$ 56.956,43, correspondendo a 1,05% da receita arrecadada;

2. O resultado financeiro do exercício apresentou-se superavitário, atendendo, portando, aos ditames legais aplicáveis;

 

3. O disposto no art. 212 da Constituição Federal, referente à aplicação mínima de 25% das receitas resultantes de impostos em manutenção e desenvolvimento do ensino revelou-se cumprido;

4. Foram aplicados, pelo menos, 95% dos recursos oriundos do FUNDEB em despesas com manutenção e desenvolvimento da educação básica, conforme exige o art. 21 da Lei nº 11.494/2007;

5. Restou atendido o art. 60, inciso XII, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, e o art. 22 da Lei nº 11.494/2007, que preconizam seja aplicado pelo menos 60% dos recursos recebidos do FUNDEB na remuneração dos profissionais do magistério do ensino fundamental;

6. No capítulo das despesas com saúde, constata-se que foram aplicados em ações e serviços públicos de saúde valores correspondentes ao percentual mínimo do produto de impostos, conforme exige o art. 198 da Constituição Federal c/c o art. 77, inciso III e § 1º, do ADCT.

No que refere aos diversos limites para gastos com pessoal do Poder Executivo ou Legislativo:

7. Os gastos com pessoal do Município no exercício ficaram abaixo do limite de 60% da Receita Corrente Líquida, conforme o exigido pelo art. 169 da Constituição Federal e pela Lei Complementar 101/2000, em seu art. 19;

8. Os gastos com pessoal do Poder Executivo no exercício em exame ficaram abaixo do limite máximo de 54% da Receita Corrente Líquida - RCL, conforme exigido pelo art. 20, III, “b” da Lei Complementar 101/2000.

9. O limite de gastos com pessoal do Poder Legislativo previsto no art. 20, III, “a” da Lei de Responsabilidade Fiscal, situado no percentual de 6% da RCL, foi observado nas despesas próprias da Câmara Municipal do Município em epígrafe;

10. A remuneração máxima do Vereador em relação ao Deputado Estadual, de que cuida o art. 29, VI da Constituição mostrou-se cumprida;

11. O limite de 5% da receita do Município aplicado ao total da remuneração dos Vereadores revelou-se atendido;

12. A despesa relacionada à folha de pagamento da Câmara (incluindo o subsídio dos Vereadores) situou-se dentro do limite máximo de 70% admitido pelo art. 29-A, § 1º da Carta Federal;

13. Por fim, o limite máximo de transferências de receitas tributárias, previsto pela Constituição, destinadas à manutenção do Poder Legislativo (exceto, dos seus inativados), foi corretamente observado.

 

Quanto à remessa bimestral dos Relatórios de Controle Interno, constata-se que foram observadas as disposições regulamentares.

 

Da abertura de Créditos Adicionais Suplementares sem prévia autorização legislativa específica

O relatório DMU noticia a abertura de Créditos Adicionais Suplementares por conta de transposição, remanejamento ou transferência de recursos de uma categoria de programação para outra ou de um órgão para outro, no montante de R$ 128.000,00, sem prévia autorização legislativa específica, em desacordo com o disposto no artigo 167, V e VI da CF/88.

Em que pese tal irregularidade não estar relacionada pela Portaria TC 233/2003 dentre aquelas consideradas irregularidades gravíssimas, a ensejar a rejeição das contas apresentadas, não se pode fechar os olhos para tão expressivo descumprimento de preceito fundamental da ordem constitucional financeira e corolário da forma republicana adotada pela Constituição Federal: não pode haver despesa pública sem a autorização legislativa prévia[1].

Nesse sentido, os incisos I, II e, especialmente, o inciso VI do art. 167 da Constituição Federal não poderiam ser mais claros ao estabelecer:

Art. 167. São vedados:

I - o início de programas ou projetos não incluídos na lei orçamentária anual;

II - a realização de despesas ou a assunção de obrigações diretas que excedam os créditos orçamentários ou adicionais;

(...)

VI - a transposição, o remanejamento ou a transferência de recursos de uma categoria de programação para outra ou de um órgão para outro, sem prévia autorização legislativa;

 

Fosse possível ao Executivo alterar livremente a dotações autorizadas pelo Legislativo, transpondo, remanejando ou transferindo-as de uma categoria de programação para outro ou de um órgão para outro, restaria subvertido todo o sistema de limitação acerca dos gastos públicos construídos a partir da Magna Carta inglesa de 1217, e que culminou com a atribuição ao parlamento (representantes do povo) da prerrogativa de autorizar o montante e a natureza das despesas que poderiam ser executadas pelo Chefe do Executivo.

O Município de Rio Rufino executou despesas da ordem de R$ 4.124.677,91 (Comparativo da despesa realizada com a autorizada - anexo 11 da Lei 4.320/64). As despesas realizadas ao arrepio da Constituição perfazem 3,10% de toda a despesa realizada pelo Município, ou seja, este percentual de despesas deixou de ser autorizado pelo Poder Legislativo local.

Ora, não pode ser tido como normal que mesmo as demonstrações contábeis ilustrando fato dessa magnitude, relacionado à posição orçamentária do Município em 31 de dezembro (Lei Complementar nº 202/2000, art. 53), sejam as contas entendidas como boas.

O fato é de extrema gravidade e requer a citação do Gestor, facultando-lhe o exercício do contraditório.

 

O Despacho nº 292/2008, negando o pedido de citação, por considerar regulares as transposições de recursos verificadas nestes autos, revela-se dissonante com os fatos ilustrados por estes autos e com as normas constitucionais aplicáveis.

Algo deve ser dito porém e ainda sobre as reiteradas negativas por parte da Corte ou de seus alguns de seus conselheiros, em atender aos pedidos de citação originados deste Ministério Público.

O que comumente se vê nos processos que tramitam pelo Tribunal é o acolhimento, sem qualquer questionamento, de todos os pedidos de citação quando originados de seus órgãos de instrução, e a imposição de todos os óbices possíveis e imagináveis para o atendimento dos mesmos pedidos quando provenientes desta Procuradoria.

Não se deveria olvidar da atribuição constitucionalmente estabelecida para este Ministério Público, e nem da sua aptidão para contribuir com a melhoria da qualidade das decisões da Corte.

Executar despesas públicas consoante as regras ditadas pelos representantes do povo é, pelo menos desde a Magna Charta (1217), um dos fundamentos do estado democrático de direito.

Nossa Constituição também reclama esta sujeição do Poder Executivo (art. 1º, parágrafo único c/c art. 37).

A previsão do art. 7º da Lei municipal nº 350/2007[2] tem seu fundamento de validade no art. 167, V da Constituição Federal:

Art. 167. São vedados:

(...)

V - a abertura de crédito suplementar ou especial sem prévia autorização legislativa e sem indicação dos recursos correspondentes;

 

Referida lei, contudo, não contém nenhuma previsão no sentido de angariar a autorização legislativa prevista no art. 167, VI da Carta Federal:

Art. 167. São vedados:

(...)

VI - a transposição, o remanejamento ou a transferência de recursos de uma categoria de programação para outra ou de um órgão para outro, sem prévia autorização legislativa;

 

Que não se interprete ter ocorrido a abertura de créditos adicionais suplementares prevista no art. 167, V (e autorizada pelo art. 7º da Lei municipal) por meio das transposições, remanejamentos ou transferência de recursos (estas previstas no art. 167, VI). Tal entendimento implicaria aceitar que a Constituição possui palavras inúteis, o que, como se sabe, não merece acolhida entre as técnicas de interpretação constitucional (princípio da força normativa da constituição):

(...) todas as normas constitucionais desempenham uma função útil no ordenamento, sendo vedada a interpretação que lhe suprima ou diminua a finalidade.[3]

 

Especificamente sobre o tema das alterações orçamentárias lecionam Heraldo da Costa Reis e J. Teixeira Machado Jr.:

Necessário observar que essas anulações [as anulações que são fonte de recursos para suplementação prevista no art. 167, V] não têm a mesma conotação dos fatos de que trata o inciso VI, do art. 167, da Constituição do Brasil por terem objetivos completamente diferentes, ainda que possam ter como característica comum a realocação de recursos orçamentários.[4]

 

As condutas vedadas em ambos os incisos do art. 167 têm alcances distintos. A suplementação de que trata o art. 167, V da Carta Federal poderia ocorrer com recursos provenientes do excesso de arrecadação verificado no exercício, superávit financeiro do exercício anterior, operações de crédito, ou mesmo da anulação de dotações desde que limitadas aos níveis inferiores de programação[5], o que corresponderia aos objetos ou elementos despesa[6].

Há, pois, uma hierarquia de autorizações delimitada pelos incisos V e VI do art. 167 da Constituição.

O art. 167, V dirige-se a orientar possíveis autorizações de alterações orçamentárias de cunho menos profundo no planejamento orçamentário materializado na lei do orçamento anual. Caso o executivo tenha esta autorização do poder legislativo, ele poderá movimentar elementos de despesa, por exemplo, da rubrica “material de consumo” para “material de distribuição gratuita”, mas sempre dentro da mesma categoria de programação e dentro do mesmo órgão.

A movimentação de recursos de uma categoria de programação para outra ou de um órgão para outro exige autorização legislativa distinta, aquela de que se ocupa o art. 167, VI da Constituição federal. As alterações orçamentárias desta espécie implicam na repriorização de ações governamentais. Dado corporificarem mudanças substantivas de cunho altamente inovador na norma orçamentária, exigem autorizações específicas, e não aquela genérica editada na própria lei orçamentária. Neste sentido aponta a doutrina:

(...) dando margem a reformulações de gastos nos três níveis de programação sob as denominações de remanejamentos, transposições e transferências de recursos de uma dotação para outra ou de um órgão para outro órgão, conforme disposto no art. 167, VI da Constituição da República. Estas alterações só podem ser autorizadas cada uma de per si, em lei específica.[7]

 

No mesmo sentido aponta a jurisprudência do Tribunal de Contas, vertida inclusive para o Prejulgado 1.312:

A transposição, o remanejamento ou a transferência de recursos de uma categoria de programação para outra ou de um órgão para outro, de que trata o art. 167, VI, da Constituição Federal, devem ocorrer mediante prévia autorização legislativa específica, sendo incabível previsão neste sentido na Lei Orçamentária Anual.

 

O que se verifica nestes autos, contudo, é a anulação de dotações ocorrida no mais alto nível de programação, o que encontraria vedação no art. 167, VI da Constituição.

Aparentemente, o entendimento da DMU situa como transposição, remanejamento ou transferências ilícitas aquelas ocorridas até mesmo no nível de programação correspondente a “projetos” e “atividades”.

Remanejaram-se[8] (para usar o verbo empregado nas respectivas leis municipais) recursos de funções[9]/programas[10] ou órgãos governamentais, como se demonstra abaixo:

 

Ato normativo

Função[11], programa ou órgão original

Função, programa ou órgão após alteração do orçamento

Dec. 143/07 (fl.219)

Gestão ambiental

 

Habitação

 

Dec. 140/07 (fl.220)

Administração , educação, agricultura, transporte

Gestão Ambiental, Urbanismo, Assistência Social

Dec. 137/07 (fl.223)

Secretaria de educação, cultura, esporte e turismo

Secretaria de planejamento, administração e finanças

Dec. 132/07 (fl.225)

Ensino infantil

Ensino fundamental

Dec. 131/07 (fl.226)

Administração , educação, transporte

Agricultura, urbanismo

Dec. 128/07 (fl.227)

administração

Educação, transporte, urbanismo

 

Correto portanto o entendimento da DMU a respeito da ilicitude dos atos revelados nestes autos. Isto permite afirmar que o Gestor conferiu, sem autorização legislativa, e portanto, ao arrepio da Constituição Federal, destinação diversa daquela pretendida pelo legislador municipal aos recursos apontados pela DMU. A propósito do tema discorrem Regis Fernandes de Oliveira e Estevão Horvath:

(...) uma vez aprovado o orçamento, deve ele ser cumprido.Não pode o executivo, a pretexto de melhor atendimento das necessidades públicas, alterar as categorias de programação nem transferir verbas de um órgão para outro, porque estaria adulterando a definição das necessidades, dada pelo próprio Legislativo.[12]

 

No caso em tela, mais de 3% dos recursos municipais foram aplicados sem autorização legislativa para os fins em que foram aplicados. Rigorosamente, estes recursos foram aplicados sem respeitar o poder conferido pela Constituição aos vereadores para orientar os gastos públicos. Esta conduta, portanto, afasta a necessária e obrigatória autorização legislativa para a aplicação dos referidos recursos e, desta forma, põe por terra princípios que se vêm consolidando há mais de 800 anos, desde a Magna Charta Libertatum.

Os fatos são de extremada gravidade, ao ponto mesmo de constar entre aqueles que, no novo Projeto de Decisão Normativa que estabelece critérios para apreciação das contas anuais prestadas pelos prefeitos, justificarem a recomendação de rejeição das contas (PNO 06/00444970).

Não fossem todos os argumentos acima, ainda assim o entendimento que permeia o Despacho de fls. 277-278, ao dar por lícita a alteração orçamentária apontada pela DMU, encontraria óbice ainda em entendimento consolidado pela Corte:

Prejulgado 1312

Os créditos suplementares e especiais necessitam de autorização legislativa através de lei de iniciativa do Chefe do Poder Executivo, devendo a abertura se dar através de decreto do Executivo, mediante prévia exposição justificativa e indicação da origem dos recursos correspondentes. Pode haver autorização na Lei Orçamentária Anual, conforme arts. 165, §8º, da Constituição Federal e 7º, I, da Lei nº 4.320/64, somente para as hipóteses de superávit financeiro do exercício anterior, excesso de arrecadação e operações de crédito, sendo irregulares as autorizações na Lei Orçamentária Anual para as suplementações cujos recursos sejam resultantes de anulação parcial ou total de dotações orçamentárias, de que trata o art. 43, III, da Lei nº 4.320/64.[13]

 

Por esta razão este Ministério Público de contas reitera o pedido de citação anteriormente feito.

 

Na hipótese, contudo, de ser negado novamente este pedido, impõe-se a instauração de procedimento apartado para a apuração do fato.

Se mesmo essa instauração de procedimento apartado não for acolhida, como talvez indiquem as inexplicáveis resistências encontradas na Corte, materializando, não raras vezes, indevida disposição do interesse público em ver condutas ilícitas serem investigadas, requerer-se-á, nos termos do art. 66 da Lei Complementar nº 202/2000, o acolhimento deste aspecto da análise aqui procedida como representação deste órgão ministerial, para fins de apuração do fato em questão.

 

 

Importa observar que além do tema cima deverá constar ainda do Parecer Prévio a determinação para a oportuna apreciação em sede da competência para julgamento de atos, privativa da Corte (PROCESSO APARTADO):

1) das responsabilidades pela ausência de remessa do Parecer do Conselho do Fundeb (item I.B.3 da conclusão do Relatório nº 982/2008);

 

Da instauração de processo apartado em razão da abertura de Créditos Adicionais Suplementares sem prévia autorização legislativa específica

O relatório DMU noticia a abertura de Créditos Adicionais Suplementares por conta de transposição, remanejamento ou transferência de recursos de uma categoria de programação para outra ou de um órgão para outro, no montante de R$ 128.000,00, sem prévia autorização legislativa específica, em desacordo com o disposto no artigo 167, V e VI da CF/88.

Em que pese tal irregularidade não estar relacionada pela Portaria TC 233/2003 dentre aquelas consideradas irregularidades gravíssimas, a ensejar a rejeição das contas apresentadas, não se pode fechar os olhos para tão expressivo descumprimento de preceito fundamental da ordem constitucional financeira e corolário da forma republicana adotada pela Constituição Federal: não pode haver despesa pública sem a autorização legislativa prévia[14].

Nesse sentido, os incisos I, II e, especialmente, o inciso VI do art. 167 da Constituição Federal não poderiam ser mais claros ao estabelecer:

Art. 167. São vedados:

I - o início de programas ou projetos não incluídos na lei orçamentária anual;

II - a realização de despesas ou a assunção de obrigações diretas que excedam os créditos orçamentários ou adicionais;

(...)

VI - a transposição, o remanejamento ou a transferência de recursos de uma categoria de programação para outra ou de um órgão para outro, sem prévia autorização legislativa;

 

Fosse possível ao Executivo alterar livremente a dotações autorizadas pelo Legislativo, transpondo, remanejando ou transferindo-as de uma categoria de programação para outro ou de um órgão para outro, restaria subvertido todo o sistema de limitação acerca dos gastos públicos construídos a partir da Magna Carta inglesa de 1217, e que culminou com a atribuição ao parlamento (representantes do povo) da prerrogativa de autorizar o montante e a natureza das despesas que poderiam ser executadas pelo Chefe do Executivo.

O Município de Rio Rufino executou despesas da ordem de R$ 4.124.677,91 (Comparativo da despesa realizada com a autorizada - anexo 11 da Lei 4.320/64). As despesas realizadas ao arrepio da Constituição perfazem 3,10% de toda a despesa realizada pelo Município, ou seja, este percentual de despesas deixou de ser autorizado pelo Poder Legislativo local.

O fato apurado pela DMU, caso não se proceda à citação do Gestor, requer a instauração do procedimento adequado para a apuração de responsabilidades.

 

Considerações gerais sobre a instauração de processos apartados

Os chamados “processos apartados” oportunizam a concretização do princípio da indisponibilidade do interesse público. Por estes processos a Corte investigará aquilo que não pode ser investigado no processo de contas por não representar matéria passível de exame em sede de contas, ou por não possuir conteúdo suficiente para macular o conjunto das contas anuais, não obstante revele indícios de práticas ilícitas.

Observado sob a óptica interna dos processos de contas, o ditos “apartados” são também a concretização, em alguma medida, do princípio da proporcionalidade, pois não seria sustentável que todo o conjunto de atos que conformam a gestão financeira, orçamentária e patrimonial de todo um ano, e que são apreciados nesses processos, fosse comprometida pela prática de atos isolados, mesmo que ilegais. Estes atos deverão ser apreciados isoladamente em outro processo – o chamado “processo apartado”.

Não é, contudo, facultativa esta apreciação desses atos isolados. Se a matéria está entre as atribuições do Tribunal de Contas ela deverá ser apreciada em sede da competência para julgar conferida às cortes de contas.

O manejo de argumentos relacionados à falta de estrutura para o exercício do múnus constitucional, como comumente tem ocorrido, também reclama maior cautela.

O Tribunal de Contas de Santa Catarina está, por certo, entre os órgãos melhor aparelhados do Estado e, porque não dizer, da Federação, para o exercício de suas obrigações. Nos últimos anos realizou diversos concursos públicos que culminaram com a nomeação de um invejável quadro de altíssima qualidade técnica. Não lhe faltam também recursos de informática ou de qualquer sorte. Trata-se, pois, de um dos mais afortunados órgãos de controle do Brasil e que possui os meios para o exercício pleno de todas as suas atribuições. Poderiam ser melhores e maiores os recursos a serem disponibilizados para os tribunais de contas? Sempre poderiam!

Também o manejo do princípio da razoabilidade, como sustentam alguns (normalmente sem demonstrar a aplicação do princípio...), para afastar a atuação da Corte, não pode ocorrer sem a demonstração clara dos subprincípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade stricto sensu dessa não-atuação do Tribunal de Contas.

 

Em razão do exposto, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, incisos I e II, da Lei Complementar 202/2000, manifesta-se:

1) por reiterar o pedido de citação feito por ocasião do Parecer nº 4.084/2008, retornando os autos a esta Procuradoria no momento oportuno para sua manifestação de mérito.

 

Alternativamente,

2) pela emissão de parecer recomendando à Câmara Municipal a aprovação das contas do Município de Rio Rufino, relativas ao exercício de 2007;

2) por determinar ao Chefe do Poder Executivo municipal que:

2.1) abstenha-se de promover a abertura de Créditos Adicionais Suplementares por conta de transposição, remanejamento ou transferência de recursos de uma categoria de programação para outra, sem autorização legislativa específica (item I.A.1 da conclusão do Relatório nº 982/2008);

3) pela determinação à Diretoria de Controle dos Municípios para que:

3.1) instaure o procedimento adequado à verificação (PROCESSO APARTADO):

3.1.1) das responsabilidades pela ausência de remessa do Parecer do Conselho do Fundeb (item I.B.3 do Relatório nº 982/2008)

3.1.2) da abertura de Créditos Adicionais Suplementares por conta de transposição, remanejamento ou transferência de recursos de uma categoria de programação para outra, no montante de R$ 128.000,00, sem autorização legislativa específica, em desacordo com o disposto no artigo 167, V e VI, da Constituição Federal;

3.2) acompanhe o cumprimento da Decisão a ser exarada pela Corte e a eventual tipificação de reincidências no exame que processará do exercício seguinte;

4) caso o pedido do item 3.1.2 acima não seja acolhido, seja autuada como representação, nos termos do art. 66 c/c o art. 65 da Lei Complementar 202/2000, para que a Corte adote providências visando apurar os atos ilícitos de transposição, transferência e remanejamento de recursos orçamentários, providenciando-se para tal a extração de cópias das peças necessárias destes autos, e também deste Parecer, para serem juntadas ao respectivo processo.

5) pela solicitação de comunicação do resultado do julgamento e ressalvas propugnados pela Instrução;

6) pela ciência ao Chefe do Poder Executivo nos termos do propugnado pela Instrução Técnica, estendendo-se o conhecimento da Decisão da Corte ao Poder Legislativo municipal.

Florianópolis, 20 de agosto de 2008.

 

Diogo Roberto Ringenberg

Procurador do Ministério

Público de Contas

 

 

 

 

 

 

 

 



[1] PASCOAL, Valdecir. Direito Financeiro e Controle Externo. 4 ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005.

[2] Parto do pressuposto de que referida norma possua mesmo o conteúdo sugerido pelos atos normativos de fls. 219-227 e pelo Despacho de fls. 277-278, pois a cópia da referida lei não integra estes autos!

[3] MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 21 ed. São Paulo: Atlas, 2007. p.11.

[4] COSTA REIS, Heraldo da e MACHADO JR, J. Teixeira. A lei 4.320 comentada. 27ed. Rio de Janeiro: IBAM, 1996. p. 96.

[5] Cf. anexo II da Portaria Interministerial nº 163, de 4 de maio de 2001.

[6] Cf. AGUIAR, Afonso Gomes. Direito Financeiro: A Lei 4.320 comentada ao alcance de todos. p. 68: “elemento de despesa é o nível de detalhamento que agrupa em torno de si as contas definidoras do objeto-fim da despesa ou objeto de gasto”.

[7] COSTA REIS, Heraldo da e MACHADO JR, J. Teixeira. A lei 4.320 comentada. 27ed. Rio de Janeiro: IBAM, 1996. p. 96.

[8] Verdadeiramente não vislumbro situação de remanejamento, mas de transposição e ou transferência. Cf. AGUIAR, Afonso Gomes. Direito Financeiro: A Lei 4.320 comentada ao alcance de todos. p. 35: “Transposição é o instrumento de que se serve a administração pública para movimentar recursos orçamentários de um para outro Programa de Trabalho; Transferência é a forma de que dispõe o administrador para movimentar recursos orçamentários de uma para outra Atividade integrante do mesmo Programa de Trabalho; e Remanejamento é a via pela qual o administrador redistribui os recursos orçamentários do órgão que foi extinto, para relocá-los em favor dos demais órgãos, ou para atender as despesas com o pagamento de servidor público removido de um Quadro de Pessoal de um órgão para um de outro órgão”.

[9] Portaria nº 42/1999. Art. 1º. 1º § 1º Como função, deve entender-se o maior nível de agregação das diversas áreas de despesa que competem ao setor público.

[10] Portaria nº 42/1999. Art. 2º Para os efeitos da presente Portaria, entendem-se por:

a) Programa, o instrumento de organização da ação governamental visando à concretização dos objetivos pretendidos, sendo mensurado por indicadores estabelecidos no plano plurianual;

[11] cf. anexo da Portaria nº 42/1999.

[12] OLIVEIRA, Régis Fernandes e HORVATH, Estevão. Manual de direito financeiro. 6 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. p. 143.

[13] SANTA CATARINA. Tribunal de Contas do Estado. Processo nº CON-02/04993296. Relator: José Carlos Pacheco. Data da Sessão: 10/03/2003. Representante do Ministério Público de Contas: César Filomeno Fontes.

[14] PASCOAL, Valdecir. Direito Financeiro e Controle Externo. 4 ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005.