PARECER nº:

MPTC/11/2011

PROCESSO nº:

RLA-09/00372788    

ORIGEM:

Câmara Municipal de Dionísio Cerqueira

INTERESSADO:

 

ASSUNTO:

Auditoria em licitações e contratos referentes ao exercício de 2008 a março de 2009.

 

 

 

 

 

 

 

Trata-se de auditoria realizada na Câmara Municipal de Dionísio Cerqueira – SC, abrangendo licitações e contratos referentes ao período de 2008 a março de 2009.

A Diretoria de Controle de Licitações e Contratações emitiu relatório técnico (fls. 29-33), sugerindo a realização de audiência dos Srs. Flávio Berté, ex-Presidente da Câmara Municipal de Vereadores de Dionísio Cerqueira e Paulo Acélio Cézar, Presidente da Câmara Municipal de Vereadores de Dionísio Cerqueira, para apresentação de justificativas, em face da irregularidade referente à “previsão de pagamento mensal com  valor fixo na contratação de serviços de publicidade, em desacordo com o princípio da economicidade previsto no art. 70 da Constituição Federal e a busca da proposta mais vantajosa para a Administração Publicam prevista no caput do art. 3° da Lei n° 8.669/93, através do Convite n° 002/2009”.

O Relator, em seu despacho de fl. 34, determinou a audiência dos responsáveis, que remeteram justificativas e documentos às fls. 39-98.

A Diretoria de Controle de Atos de Pessoal emitiu novo relatório técnico (fls. 102-108), opinando pelo conhecimento do relatório de auditoria em tela e pela aplicação de multas ao Sr. Flávio Berté, ex-Presidente da Câmara Municipal de Dionísio Cerqueira e ao Sr. Paulo Acélio Cézar, Presidente da Câmara Municipal de Dionísio Cerqueira, em face das restrições apontadas nos itens 3.2.1 e 3.2.2 da conclusão do relatório de instrução.

A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da entidade em questão está inserida entre as atribuições dessa Corte de Contas, consoante os dispositivos constitucionais, legais e normativos vigentes (Art. 59, IV, da Constituição Estadual, Art. 25, inciso III, da Lei Complementar n. 202/2000 e Resolução n° 16/94).

Passo à análise da irregularidade apontada pela instrução.

1. Previsão de pagamento mensal com valor fixo na contratação de serviços de publicidade, em desacordo com o princípio da economicidade previsto no art. 70 da Constituição Federal e a busca da proposta mais vantajosa para a Administração Pública, prevista no caput do art. 3° da Lei n° 8.666/93, através do Convite n° 001/2008 e do Convite n° 002/2009 (item 2.1.1 do Relatório de Auditoria DLC/INSP2/DIV6 – 127/2009)

Em que pese a apresentação de justificativas extensas, a revisão realizada pela Unidade Técnica aponta de forma contundente para a manutenção da restrição originalmente apontada.

Os contratos n. 5/2008 e n. 2/2009, a que se refere a irregularidade em tela, asseveram da seguinte forma o pagamento dos serviços prestados:

TERMO DE CONTRATO n° 05/2008

[...]

Cláusula Terceira – Dos Valores

Pelos materiais/serviços entregues na forma e nas condições previstas neste contrato, a Câmara pagará à Contratada a importância total de R$ 14.520,00 a serem pagos em 11 (onze) parcelas iguais, conforme a entrega dos produtos/serviços e mediante comprovante de recebimento mensal.

 

TERMO DE CONTRATO n° 006/2009

[...]

Cláusula Terceira – Dos Valores

Pelos materiais/serviços entregues na forma e nas condições previstas neste contrato, a Câmara pagará à Contratada a importância total de R$ 16.800,00 a serem pagos conforme a entrega dos produtos/serviços e mediante comprovante de recebimento mensal.

De plano, questiona-se a existência de contratos que estipulam valores fixos mensais por um serviço cuja necessidade é demasiadamente volátil, haja vista que existem, por certo, meses de baixa demanda pelo serviço.

Embora não esteja explicitamente configurando pela instrução o prejuízo ao erário, é certa a impossibilidade de liquidação de despesas conforme os parâmetros fornecidos pelo art. 63 da Lei 4.320/64, pois os valores fixos não permitem aferir se houve ou não a prestação de serviços correspondente aos valores despendidos.

Há que se questionar, ainda, a forma de pagamento adotada em face do princípio da economicidade, segundo o qual deve o administrador adotar, sempre, o procedimento que configure claramente a opção administrativa mais vantajosa, o que não se pode inferir no presente caso.

Acerca do citado princípio, trago as esclarecedoras palavras de Marçal Justen Filho[1]:

A Administração Pública está obrigada a gerir os recursos financeiros do modo mais razoável. O princípio da economicidade pode reputar-se também como extensão do princípio da moralidade.

Significa que os recursos públicos deverão ser administrador segundo regras éticas, com integral respeito à probidade. O administrador público não pode superpor eventuais e egoísticos interesses privados ao interesse coletivo. Não se respeita o princípio da economicidade quando as decisões administrativas conduzem a vantagem pessoal do administrador antes do que ao benefício de toda coletividade.

Mas economicidade significa, ainda mais, o dever da eficiência. Não bastam honestidade e boas intenções para validação de atos administrativos. A economicidade impõe adoção da solução mais conveniente e eficiente sob o ponto de vista da gestão dos recursos públicos. Toda atividade administrativa envolve uma relação sujeitável a enfoque de custo-benefício. O desenvolvimento da atividade implica produção de custos em diversos níveis. Assim, há custos relacionados com o tempo, com a mão-de-obra, etc. Em contrapartida, a atividade produz certos benefícios, também avaliáveis em diversos âmbitos.

A economicidade consiste em considerar a atividade administrativa sob prisma econômico. Como os recursos públicos são extremamente escassos, é imperioso que sua utilização produza os melhores resultados econômicos, do ponto de vista quantitativo e qualitativo. Há dever de eficiência gerencial que recai sobre o agente público. Ele tem o dever de buscar todas as informações pertinentes ao problema enfrentado.

Como regra, a seleção da alternativa far-se-á em face dos benefícios potenciais de natureza econômica e dos riscos envolvidos. Quanto maiores os benefícios econômicos que poderão advir de uma certa solução, tanto mais intenso será o dever de adotá-la.

O princípio da economicidade adquire grande relevo na disciplina do exercício das competências discricionárias atribuídas ao Estado. O legislador não se encontra em condições de definir, de antemão, a solução mais adequada em face da economicidade. Há escolhas que somente poderão ser adotadas no caso concreto, tendo em vista as circunstâncias específicas, variáveis em face das peculiaridades. Por isso, a lei remete a escolha ao administrador, atribuindo-lhe margem de liberdade que permita a satisfação do princípio da economicidade. Sob esse ângulo, a discricionariedade resulta (também) do princípio da economicidade. Ainda que outros fundamentos condicionem a instituição de discricionariedade, é impossível considerar a liberdade ao agente administrativo precisamente para assegurar que opte pela melhor solução possível, em face do caso concreto.

Por outro lado, a economicidade delimita a margem de liberdade atribuída ao agente administrativo. Ele não está autorizado a adotar qualquer escolha, dentre aquelas teoricamente possíveis. Deverá verificar, em face do caso concreto, aquela que se afigure como a mais vantajosa, sob o ponto de vista das vantagens econômicas.

E para corroborar a existência da irregularidade, trago como parâmetro comparativo as despesas da mesma natureza realizadas pela Câmara Municipal de Laguna, no mesmo exercício, conforme a seguir descrito.

Consoante o Convite n° 001/2008[2], observa-se que o Município de Laguna optou por uma forma de pagamento proporcional às horas de trabalho prestadas, nos seguintes termos:

7. DO PREÇO E FORMA DE PAGAMENTO

7.1 O preço ofertado deverá ser cotado em moeda nacional, em expressão numérica e por extenso. Em caso de discordância entre os preços ofertados, ou entre a expressão numérica ou por extenso prevalecerá sua expressão por extenso.

7.2 No preço ofertado deverão estar inclusos todos os custos inerentes à contratação, inclusive impostos, taxas, encargos trabalhistas, previdenciários e demais despesas correlatas.

7.3 Transcorrida a fase de habilitação dos proponentes, a proposta entregue é irretratável e irrenunciável.

7.4 O pagamento acontecerá mensalmente, de acordo com as horas trabalhadas no mês completado.

Pode-se facilmente verificar no trecho destacado uma forma de adequar aos valores pagos ao quantitativo de serviços de publicidade prestados mensalmente à Administração, o que vai ao encontro da regra prevista no art. 63 da Lei n° 4.320/64 e do citado princípio da economicidade.

Utilizando como parâmetros comparativos elementos relevantes à gestão de ambos os municípios, pode-se identificar ainda mais claramente o descompasso entre as opções das duas Unidades Gestoras.

O Município de Laguna[3] possui aproximadamente 441 km2 de área, atingindo a marca de 51.691 habitantes e gerenciando a receita de R$ 47.056.047,36 (quarenta e sete milhões, cinquenta e seis mil e quarenta e sete reais e trinta e seis centavos). O gasto previsto no edital, para prestação do serviço de publicidade da Câmara, possuía o teto de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), sendo desclassificada, portanto, proposta que não atendesse tal requisito. Conforme consta no endereço eletrônico[4], a proposta vencedora para esse edital atingiu o valor de R$ 29.900,00 (vinte e nove mil e novecentos reais).

Conforme se extrai também do site da Câmara Municipal de Laguna, no que se refere aos contratos firmados em 2008[5], verifica-se que houve a substituição da prestação global por prestações individualizadas do serviço (possivelmente em face da anulação ou revogação do edital de licitação).

O fato é que se verifica uma drástica redução de custos ao se comparar a soma dos contratos que substituíram, in concreto, a proposta vencedora anterior, ao atingir o valor total de R$ 4.982,73 (quatro mil novecentos e oitenta reais), conforme demonstra a tabela que segue:

CONTRATOS

OBJETO

VALOR

FORMA DE PAGAMENTO

Contrato nº 001/CML/2008

Manutenção e hospedagem de site

 R$        600,00

Bimestralmente -  R$ 300,00

Contrato nº 005/CML/2008

Publicização dos atos

 R$     1.800,00

Trimestralmente -   R$ 600,00

Contrato nº 004/CML/2008

Divulgação dos atos da Câmara, resumo das sessões, entre outros, em Rádio

 R$     1.800,00

Mensalmente -   R$ 300,00

Contrato nº 003/CML/2008

Elaboração, hospedagem e manutenção do site de contas públicas

 R$        782,73

Trimestralmente -   R$ 260,91

 

 

 

 

 

 

TOTAL

 

 

 

 R$     4.982,73

 

 

Nos presentes autos, trata-se de gastos da Câmara Municipal de Dionísio Cerqueira, município que possui 378 km2 de área, 15.399 habitantes e gerencia uma receita de R$ 16.818.946,83 (dezesseis milhões, oitocentos e dezoito mil, novecentos e quarenta e seis reais e oitenta e três centavos). Os gastos contratados para prestação do serviço de publicidade por meio dos Convites retro mencionados foram de R$ 14.520,00 e R$ 16.800,00, respectivamente, representando os anos de 2008 e 2009.

Em objetiva análise, pode-se observar que mesmo possuindo população próxima a um terço da população do Município de Laguna, um terço em termos de receita (diferença de, aproximadamente, trinta milhões de reais), a Câmara Municipal de Dionísio Cerqueira contratou serviços de publicidade com um custo aproximadamente três vezes maior, valores certamente relevantes no orçamento do município e em total descompasso com os princípios da economicidade e da razoabilidade que devem nortear as opções administrativas do gestor.

Assim, constata-se claramente no caso em tela o descumprimento dos arts. 62 e 63, § 1°, incisos I, II e III da Lei 4.320/64, em face da ausência de liquidação de despesas, a possibilidade de desrespeito ao princípio da economicidade previsto no art. 70 da Constituição Federal, e, ainda, o cerceamento da busca por proposta mais vantajosa nos Convites n° 001/2008 e 002/2009 para a Administração Pública, conforme previsto no caput do art. 3° da Lei n° 8.666/93.

Ante o exposto, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, inciso II, da Lei Complementar n. 202/2000, manifesta-se:

1. pela IRREGULARIDADE dos Convites n° 001/2008 e 002/2009, na forma do art. 36, § 2º, alínea “a”, da Lei Complementar n. 202/2000, em face dos atos descritos nos itens 3.2.1 e 3.2.2 da conclusão do relatório de instrução;

2. pela APLICAÇÃO DE MULTAS aos Srs. Flávio Berté, ex-Presidente da Câmara Municipal de Vereadores de Dionísio Cerqueira e Paulo Acélio Cézar, Presidente da Câmara Municipal de Vereadores de Dionísio Cerqueira, na forma prevista no art. 70, inciso II, da Lei Complementar n. 202/2000, em virtude das citadas irregularidades.

Florianópolis, 12 de janeiro de 2011.

 

 

 

 

Cibelly Farias

Procuradora do Ministério Público de Contas

 



[1] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos: 11ª ed. Dialética. São Paulo, 2005. p. 54-55.

[2] Disponibilizado no endereço eletrônico: http://www.camaradelaguna.sc.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=1602&itemid=75

[3] Todos os dados estatísticos foram retirados do endereço eletrônico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatítica – IBGE: http://www.ibge.gov.br/home/

[4] http://www.camaradelaguna.sc.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=1637&Itemid=75

[5]http://www.camaradelaguna.sc.gov.br/index.php?option=com_content&task=category&sectionid=23&id=119&Itemid=76