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Processo n°: | REC - 03/03034190 |
Origem: | Secretaria de Estado do Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente |
RESPONSÁVEL: | Fábio Sarda |
Assunto: | Recurso (Recurso de Reconsideração - art. 77 da LC 202/2000) -SPC-0203310/78 |
Parecer n° | COG-251/07 |
"Recurso de Reconsideração. Solicitação de prestação de contas. Imputação de débitos. Conhecer e dar provimento parcial.
"Intempestividade. Solicitação de prorrogação de prazo. Notificação equivocada. Prejuízo ao Recorrente. Impossibilidade.
Em caso de indeferimento, pelo Exmo. Presidente desta Corte de Contas, de pedido de prorrogação de prazo para interposição de recurso se, equivocadamente, a notificação emitida ao interessado comunicou o contrário, não se pode prejudicá-lo pela intempestividade.
Uma vez autorizada a prorrogação do prazo mediante notificação ao solicitante, que entende regular o ato em face da presunção de legitimidade dos atos administrativos, deve-se conhecer do mérito recursal, em homenagem aos principios do contraditório e da ampla defesa.
Atos normativos. Resoluções. Criação de direitos e deveres não previstos em lei. Impossibilidade.
Os atos normativos possuem conteúdo análogo ao das leis, com a principal diferença de que não podem inovar o ordenamento jurídico, criando direitos ou deveres para os administrados que não se encontrem previstos em lei.
Culpa por omissão. Dano ao erário. Responsabilização.
Ao constatar falhas na comprovação das despesas e ainda assim efetuar os pagamentos, o Administrador Público torna-se conivente com a situação e assume o risco de ser responsabilizado pelas irregularidades em virtude de sua omissão." (Processo nº REC-03/03038853 - Parecer nº COG-100/07)
Senhor Consultor,
Tratam os autos de Recurso de Reconsideração interposto pelo Sr. Fábio Sardá - Servidor da Secretaria de Estado do Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente, em face do Acórdão n. 0937/2002, proferido nos autos do Processo n. SPC- 020331078.
O citado Processo concerne à Solicitação de Prestação de Recursos Antecipados, referente à Nota de Empenho n. 141, de 15/04/1996, no valor de R$ 12.000,00 (doze mil reais), repassados ao ora Recorrente a título de adiantamento pela Secretaria de Estado supracitada.
Levada a efeito a mencionada análise, a Diretoria de Controle da Administração Estadual - DCE procedeu à elaboração da Informação n. 0141/2002 (fls. 203/211), na qual sugeriu a citação do Sr. Fábio Sardá, Gerente de Administração Financeira e Contábil da Secretaria do Desenvolvimento Urbano e do Meio Ambiente e do Sr. Admar Frederico Duwe, Secretário do Desenvolvimento Urbano e do Meio Ambiente, à época, para apresentarem defesa em relação às irregularidades suscitadas.
Devidamente citado, o Sr. Fábio Sardá compareceu aos autos, apresentando as razões que entendeu necessárias (fls. 216/224), bem como juntou os documentos de fls. 225/234.
Da mesma forma, o Sr. Ademar Frederico Duwe apresentou as alegações de defesa às fls. 236/239.
Em seqüência, os autos foram reexaminados pela DCE que elaborou a Informação n. 418/2002 (fls. 241/248), sugerindo o julgamento irregular as contas dos recursos antecipados referentes à nota de empenho n. 420/96, no valor de R$ 11.750,00 (onze mil setecentos e cinquenta reais), dando quitação ao montante de R$ 250,00 (duzentos e cinquenta reais), de acordo com documentos juntados aos autos, além de sugerir a aplicação de multas aos Responsáveis.
O Ministério Público junto a este Tribunal, representado pelo Procurador Geral, Sr. Márcio de Sousa Rosa, manifestou-se nos autos, através do Parecer MPTC n.º1865/2002, acompanhando o entendimento do Corpo Técnico (fls.251/253).
Por sua vez, o Conselheiro Relator do feito, Auditor Clóvis Mattos Balsini, acompanhou parcialmente o entendimento da DCE (fls. 254/258), pois não sugeriu ao Plenário a aplicação das multas ao Sr. Fábio Sardá, conforme entendimento da Instrução Técnica, por considerar que o responsável já estava sendo penalizado com o ressarcimento total dos valores irregularmente utilizados.
Na Sessão Ordinária de 04/11/2002, o Processo n. SPC- 020331078 foi levado à apreciação do Tribunal Pleno, sendo prolatado o Acórdão n. 0937/2002, portador da seguinte dicção:
6.1. Julgar irregulares, com imputação de débito, com fundamento no art. 18, inc. III, alínea "c", da Lei Complementar n. 202/2000, as contas de recursos antecipados referentes à Nota de Empenho n. 141, de 15/04/1996, P/A 2263, item 311102.03, fonte 00, no valor de R$ 12.000,00 (doze mil reais), repassados ao Sr. Fábio Sardá.
6.1.1. Dar quitação ao Responsável da parcela de R$ 250,00 (duzentos e cinqüenta reais), de acordo com os pareceres emitidos nos autos;
6.1.2. Condenar o Responsável Sr. Fábio Sardá - Gerente da Unidade de Administração Financeira e Contábil da Secretaria de Estado do Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente em 1996 ao pagamento da quantia de R$ 11.750,00 (onze mil setecentos e cinqüenta reais), relativa à parte irregular da nota de empenho citada acima, em face das irregularidades abaixo descritas, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial do Estado, para comprovar a este Tribunal o recolhimento do valor do débito aos cofres do Estado, atualizado monetariamente e acrescido de juros legais, calculados a partir da data da ocorrência do fato gerador do débito (arts. 40 e 44 da Lei Complementar n. 202/2000), ou interpor recurso na forma da lei, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial (art. 43, II, do mesmo diploma legal):
6.1.2.1. R$ 11.505,00 (onze mil quinhentos e cinco reais), pertinente ao pagamento de diárias sem que fossem apresentados os necessários Relatórios-Resumo de Viagem, em descumprimento aos arts. 44, III, 58 e 62, I, da Resolução n. TC-16/94 (item 2.5 do Relatório DCE);
6.1.2.2. R$ 245,00 (duzentos e quarenta e cinco reais), referente a dispêndios sem documentação comprobatória de suporte dos mesmos, sem recolhimento do saldo e documento de estorno no valor mencionado, em descumprimento aos arts. 63 da Lei Federal n. 4.320/64 e 44, VI, da Resolução n. TC-16/94 (item 2.6 do Relatório DCE).
6.2. Aplicar ao Sr. Ademar Frederico Duwe - ex-Secretário de Estado do Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente, com fundamento nos arts. 70, inc. II, da Lei Complementar n. 202/00 e 109, inc. II, c/c o 307, inc. V, do Regimento Interno instituído pela Resolução n. TC-06/2001, a multa no valor de R$ 500,00 (quinhentos reais), com base nos limites previstos no art. 239, inc. III, do Regimento Interno (Resolução n. TC-11/1991) vigente à época da ocorrência da irregularidade, em face da concessão de adiantamentos ao Sr. Fábio Sardá, considerado em "alcance" para receber recursos a título de Antecipação de Recursos do Poder Público já que o mesmo não prestou contas de nenhum dos adiantamentos concedidos, em descumprimento ao estabelecido nos arts. 69 da Lei Federal n. 4.320/64, 33, I, II e III, da Resolução n. TC-16/94, e 18, VII, da Lei Estadual n. 9.831/95 (item 2.7 do Relatório DCE), fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial do Estado, para comprovar ao Tribunal o recolhimento ao Tesouro do Estado da multa cominada, ou interpor recurso na forma da lei, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000.
6.3. Declarar o Sr. Fábio Sardá impedido de receber novos recursos do erário até a regularização do presente processo, consoante dispõe o art. 5°, "c", da Lei Estadual n. 5.867/81.
6.4. Dar ciência deste Acórdão, bem como do Relatório e Voto que o fundamentam, aos Srs. Fábio Sardá - Gerente da Unidade de Administração Financeira e Contábil da SDM em 1996, e Ademar Frederico Duwe - ex-Secretário de Estado, à Secretaria de Estado do Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente, à Secretaria de Estado da Fazenda e à Procuradoria Geral do Estado.
Visando à modificação da decisão supra, o Sr. Fábio Sardá interpôs o presente Recurso de Reconsideração.
É o breve relatório.
II . ADMISSIBILIDADE
O Recorrente, na condição de servidor público estadual recebedor dos recursos objeto de análise no Processo n. SPC-018021070, figura nos autos como responsável, consoante definição do art. 133, § 1º, "a" do Regimento Interno desta Corte, e como tal possui legitimidade para pugnar pela reforma da decisão sob comento, conforme prevê o art. 139 do mesmo regulamento.
Considerando que o Processo n. SPC-018021070 consiste em solicitação de prestações de contas, tem-se que o Sr. Fábio Sardá utilizou-se da espécie recursal adequada, em consonância com o art. 77 da Lei Complementar nº 202/2000.
No que concerne ao tempo de interposição, verifica-se que o Recorrente não observou o prazo legal de interposição do Recurso de Reconsideração previsto no art. 77 da Lei Orgânica, tendo-se em conta que o Acórdão proferido nos autos fora publicado no Diário Oficial do Estado em 14/03/2003 (fl. 153) e que a peça recursal, ora examinada, fora protocolizada neste Tribunal em 06/05/2003 (fl. 02 do recurso).
No entanto, analisando o requerimento de dilação de prazo protocolado pelo Sr. Fábio Sardá, constante das fls. 161/162 dos autos principais, denota-se que o então Presidente desta Corte de Contas, Conselheiro Salomão Ribas Júnior, proferiu o seguinte despacho:
A Secretaria Geral desta Corte de Contas entretanto, equivocadamente, emitiu o Ofício nº 4.033/03 (fl. 163) comunicando ao procurador do Sr. Fábio Sardá o deferimento da prorrogação solicitada.
Diante dos acontecimentos acima relatados, constatam-se os motivos que levaram o ora Recorrente a protocolizar a peça recursal somente em 06/05/03, tendo em vista encontrar-se esta data dentro do prazo supostamente prorrogado pelo Exmo. Presidente desta Corte à época.
Assim, considerando que houve equívoco no teor da notificação emitida por este Tribunal de Contas, comunicando o deferimento do pedido formulado pelo Sr. Fábio Sardá entendemos, salvo melhor juízo, que este não poderá ver o seu recurso não conhecido sob o argumento da intempestividade. Para tanto, nos subsidiamos na presunção de legitimidade dos atos administrativos e no direito ao contraditório e à ampla defesa.
Dos termos do Parecer COG nº 094/07 (autos nº REC-03/06209535), da lavra do Parecerista Theomar Aquiles Kinhirin, analisando situação semelhante, extraímos as oportunas lições abaixo transcritas:
Levando em consideração todo o acima exposto, nosso posicionamento é pelo conhecimento da presente Reconsideração.
III. MÉRITO
III.1) Débito imputado no item 6.1.2.1 do Acórdão nº 0937/2002:
O Recorrente alega:
A matéria já fora analisada em processo semelhante (autos nº REC- 03/03038853), nos termos do percuciente Parecer COG nº 100/07, da lavra da Parecerista Anne Christine Brasil Costa, do qual extraímos as lições abaixo transcritas:
Analisando as alegações esboçadas pelo Recorrente, constata-se que lhe assiste razão. Vejamos os ensinamentos de Celso Antônio Bandeira de Mello sobre o assunto:
"(...) O próprio processo de elaboração das leis, em contraste com o dos regulamentos, confere às primeiras um grau de controlabilidade, confiabilidade, imparcialidade e qualidade normativa muitas vezes superior ao dos segundos, ensejando, pois, aos administrados um teor de garantia e proteção incomparavelmente maiores.
(...)
São visíveis, pois, a natural inadequação e os imensos riscos que adviriam para os objetivos essenciais do Estado de Direito - sobreposse, repita-se, em um país ainda pouco afeito a costumes políticos mais evoluídos - de um poder regulamentar que pudesse definir, por força própria, direitos ou obrigações de fazer ou não fazer imponíveis ao administrados.
Resoluções, instruções e portarias
Tudo quanto se disse a respeito do regulamento e de seus limites aplica-se, ainda com maior razão, a instruções, portarias, resoluções, regimentos ou quaisquer outros atos gerais do Executivo. É que, na pirâmide jurídica, alojam-se em nível inferior ao próprio regulamento. Enquanto este é ato do Chefe do Poder Executivo, os demais assistem a autoridades de escalão mais baixo e, de conseguinte, investidas de poderes menores.
Tratando-se de atos subalternos e expedidos, portanto, por autoridades subalternas, por via deles o Executivo não pode exprimir poderes mais dilatados que os suscetíveis de expedição mediante regulamento.
Assim, toda a dependência e subordinação do regulamento à lei, bem como os limites em que se há de conter, manifestam-se revigoradamente no caso de instruções, portarias, resoluções, regimentos ou normas quejandas. Desatendê-los implica inconstitucionalidade. A regra geral contida no art. 68 da Carta Magna, da qual é procedente inferir vedação a delegação ostensiva ou disfarçada de poderes legislativos ao Executivo, incide e com maior evidência quando a delegação se faz em prol de entidades ou órgãos administrativos sediados em posição jurídica inferior à do Presidente e que se vão manifestar, portanto, mediante atos de qualificação menor.
Se o regulamento não pode criar direitos ou restrições à liberdade, propriedade e atividades dos indivíduos que já não estejam estabelecidos e restringidos na lei, menos ainda poderão fazê-lo instruções, portarias ou resoluções. Se o regulamento não pode ser instrumento para regular matéria que, por ser legislativa, é insuscetível de delegação, menos ainda poderão fazê-lo atos de estirpe inferior, quais instruções, portarias ou resoluções. Se o Chefe do Poder Executivo não pode assenhorear-se de funções legislativas nem recebê-las para isso por complacência irregular do Poder Legislativo, mesmo ainda poderão outros órgãos ou entidades da Administração direta ou indireta."
No artigo entitulado "Poder Regulamentar ante o Princípio da Legalidade" (publ. na RTDP nº 4, 1993), o mestre Celso Bandeira de Mello, ainda acrescenta:
"(...) São inconstitucionais as disposições regulamentares produzidas na conformidade de delegações disfarçadas, resultantes de leis que meramente transferem ao Executivo o encargo de disciplinar o exercício da liberdade e da propriedade da pessoas."
Torna-se, nesse contexto, oportuna a transcrição de trechos da Informação nº COG-172/05, da lavra da Auditora Fiscal Walkíria Maciel, emitida nos autos do Processo nº REC-04/01498034 que, com muita propriedade, analisou situação análoga:
"(...)
Em distinto artigo, Luís Roberto Barroso, no texto abaixo transcrito, faz uma importante análise acerca do exercício do poder regulamentar pelo Tribunal de Contas, a partir de uma acepção constitucional:
Convém, a próposito deste tópico, traçar algumas distinções essenciais entre lei, regulamento e atos administrativos inferiores. Com a ascensão da ideologia liberal e a consagração da separação de Poderes, os Estados democráticos, há mais de duzentos anos, se organizam atribuindo as funções estatais de legislar, administrar e julgar a órgãos diversos. Como corolário de tal ordenação de Poderes, é nota essencial desta modalidade de Estado a submissão de todas as atividades dos cidadãos e dos órgãos públicos a normas gerais preexistentes. Tal peculiariade recebe a designação de princípio da legalidade.
O tema abriga complexidades e sutilezas que envolvem conceitos como os de preferência da lei e reserva da lei, e, dentro desta última, a reserva absoluta e relativa, e a reserva de lei formal e de lei material. Não será necessário tal aprofundamento para os fins do raciocínio aqui desenvolvido. Basta que se assinale que o princípio da legalidade, na sua aplicação aos particulares, traduz-se em que "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei", na locução clássica reproduzida no inciso II do art. 5º da Carta de 1988. Inversamente, no que toca à Administração Pública, seus órgãos e agentes, o princípio tem significado simétrico: só se pode fazer aquilo que a lei autoriza ou determina. A nova Constituição também abrigou a regra (art. 37, caput).
Pois é de tal circunstância que decorre a distinção fundamental, ao ângulo material, entre a lei e o regulamento. Um e outro, é certo, são atos normativos, de caráter geral e impessoal. Mas somente a lei - e não o regulamento - pode inovar na ordem jurídica, modificando situação preexistente. Sempre a lei, e jamais o regulamento, será a via legítima de se criarem obrigações para os particulares. A doutrina é indiscrepante na matéria. A faculdade regulamentar, lembra Sergio Ferraz, longe de infirmar o princípio da separação dos Poderes, antes o confirma: o regulamento é uma das princípais formas de manifestação da atuação administrativa, e não poderá contrariar a lei formal.
O conceito de poder regulamentar foi expresso, com a clareza habitual, pelo saudoso professor Hely Lopes Meirelles:
"O poder regulamentar é a faculdade de que dispõem os Chefes do Executivo (Presidente da República, Governadores e Prefeitos) de explicar a lei para sua correta execução, ou de expedir decretos autônomos sobre a matéria de sua competência ainda não disciplinada por lei. É um poder inerente e privativo do Chefe do Executivo (CF, art. 84, IV)."
No mesmo sentido veja-se a lição do professor Caio Tácito, expondo, de forma didática, os diferentes níveis de atuação normativa do Estado:
"A capacidade ordinária do Estado se manifesta por meio de círculos concêntricos que vão, sucessivamente, da Constituição à lei material e formal, isto é, aquela elaborada pelos órgãos legislativos; desce aos regulamentos por meio dos quais o Presidente da República complementa e particulariza as leis; e, finalmente, aos atos administrativos gerais, originários das várias escalas de competência administrativa."
Como se constata, singelamente, não é controvertido, em doutrina, que o poder regulamentar é privativo do Chefe do Executivo. A única polêmica que existe na matéria é sobre a existência ou não de regulamentos autônomos, ao lado dos regulamentos de execução, generalizadamente admitidos. Estes últimos têm seu fundamento constitucional no art. 84, IV, ao passo que os primeiros legitimar-se-iam nos incisos II e VI do mesmo artigo. A discussão não é importante para os fins aqui visados.
À vista da clareza da dicção constitucional, bem como da univocidade da doutrina quanto à competência privativa do Chefe do Executivo para exercer o poder regulamentar, coloca-se a questão da validade da norma do inciso I, do art. 4º, da Lei Complementar 63, de 1º de agosto de 1990, do Estado do Rio de Janeiro - a chamada Lei Orgânica do Tribunal de Contas -, onde se lê:
"Art. 4º Compete, ainda, ao Tribunal de Contas:
I - exercer o poder regulamentar, podendo, em conseqüência, expedir atos e instruções normativas sobre a aplicação de leis pertinentes a matéria de suas atribuições e organização dos processos que lhe devam ser submetidos, obrigando ao seu cumprimento, sob pena de responsabilidade."
É de grande interesse assinalar, desde logo, que a regra acima transcrita foge do modelo da lei federal, que não faz menção a atos e instruções "sobre a aplicação de leis pertinentes a matéria de suas atribuições", utilizando tão-somente a locução "atos e instruções normativas sobre matéria de suas atribuições." Vale dizer: o que vai ser regulamentado não são as leis - porque jamais poderia caber ao Tribunal de Contas fazê-lo - mas apenas as matérias que a lei já lhes atribuiu. Confira-se o texto federal, extraído do art. 3º da Lei 8.443, de 16 de julho de 1992:
"Art. 3º Ao Tribunal de Contas da União, no âmbito de sua competência e jurisdição, assiste o poder regulamentar; podendo, em conseqüência, expedir atos e instruções normativas sobre matéria de suas atribuições e sobre a organização dos processos que lhe devam ser submetidos, obrigando ao seu cumprimento, sob pena de responsabilidade."
De todo modo, embora a diferença assinalada acima não seja de pouca relevância, o problema é com as palavras "poder regulamentar", presentes em ambos os textos. Entendida no seu sentido mais óbvio, a expressão é evidentemente inconstitucional. De fato, do longo elenco de competências atribuídas ao Tribunal de Contas, constante dos onze incisos do art. 71, da Constituição, não consta a referida expressão, até porque, como já se viu, o poder regulamentar é privativo do Poder Executivo. A inconstitucionalidade, portanto, seria patente.
Porém, a doutrina e a jurisprudência brasileiras, inspiradas pela produção do Tribunal Constitucional Federal alemão, têm desenvolvido e aplicado a diversos casos a chamada interpretação conforme a Constituição. Por este mecanismo, procura-se resguardar a validade de uma determina norma, excluindo-se expressamente a interpretação mais óbvia - que conduziria à sua inconstitucionalidade - e estabelecendo uma outra interpretação, que permita ao dispositivo ser aplicado em harmonia com o texto constitucional maior. Por esta técnica, é possível admitir a validade da expressão "poder regulamentar", desde que se entenda que o legislador quis referir-se a uma competência administrativa normativa. Vale dizer: fez referência à espécie - regulamento -, quando queria significar o gênero: ato administrativo normativo.
De fato, parece aceitável reconhecer-se ao Tribunal de Contas competência para editar atos normativos administrativos, como seu Regimento Interno, ou para baixar uma Resolução ou outros atos internos. Poderá, igualmente, expedir atos ordinatórios, como circulares, avisos, ordens de serviço. Nunca, porém, será legítima a produção de atos de efeitos externos geradores de direitos e obrigações para terceiros, notadamente quando dirigidos a órgãos constitucionais de outro Poder. Situa-se ao arrepio da Constituição, e foge inteiramente ao razoável, o exercício, pelo Tribunal de Contas, de uma indevida competência regulamentar, equiparada ao Executivo, ou mesmo, em alguns casos de abuso mais explícito, de uma competência legislativa, com inovações à ordem jurídica.
Tal é o caso, por exemplo, de Deliberação que estabeleça regras para contratação de empresas para prestação de serviços à Administração ou para terceirização. Não pode o Tribunal de Contas expedir regulamento autônomo, nem muito menos invadir esfera legislativa, impondo requisitos e vedações que não têm lastro em texto legal. Da mesma sorte, não há juridicidade em editar o Tribunal de Contas normatização sobre contratação temporária, estabelecendo critérios próprios, substituindo-se ao administrador e ao legislador.
O Supremo Tribunal de Federal, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 828-5-RJ, fulminou, por insconstitucionais, pretensões normativas do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro. Assim é que considerou inválida a Deliberação nº 45, na qual se previa que a solução de consulta encaminhada ao Tribunal teria caráter normativo. Também já se pronunciou a invalidade da Resolução Normativa que, em estranhíssimo conteúdo, adiou, no Rio de Janeiro, a vigência da Emenda à Constituição Federal nº 1/92, que limitou a remuneração de deputados estaduais e vereadores.
Não bastassem os argumentos incontestáveis até aqui deduzidos, um outro fundamento evidencia a implausibilidade do exercício de poder regulamentar pelo Tribunal de Contas. É que, na hipótese de abuso de poder regulamentar pelo Executivo, a Constituição provê expressamente o mecanismo de sanção: compete ao Legislativo "sustar os atos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar". Não existe qualquer mecanismo constitucional destinado a neutralizar o abuso por parte do Tribunal de Contas. Como não há competência constitucional insuscetível de controle, a conclusão é que simplesmente não há a competência invocada pelo Tribunal de Contas.
Em síntese das idéias enunciadas neste tópico, é possível deixar assentado que a referência feita pela lei ao poder regulamentar do Tribunal de Contas somente será constitucional se interpretada no sentido de uma competência normativa limitada, consistente na ordenação interna de sua própria atuação. Não tem competência o Tribunal de Contas para editar atos normativos genéricos e abstratos, vinculativos para a Administração, nem muito menos para invadir esfera legislativa, estabelecendo direitos e obrigações não contemplados no ordenamento. (grifo nosso)
(...)
Também não é demais frisar que nenhuma penalidade deve ser criada por resolução ou instrução normativa sem que tenha amparo na Lei Complementar nº 202/00, neste sentido é o julgado do Superior Tribunal de Justiça:
ADMINISTRATIVO. MULTA. CRIADA POR RESOLUÇÃO DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DA PARAÍBA. FALTA DE PREVISÃO LEGAL. ILEGALIDADE. OFENSA AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE DAS PENAS (ART. 5º, XXXIX, DA CF).
1 1. A Resolução nº 12/2001 do Tribunal de Contas do Estado da Paraíba, ao regulamentar o art. 56 da Lei Orgânica daquele órgão, extrapolou os limites aí estabelecidos, criando nova hipótese de incidência de multa, o que ofende, além da própria Lei Orgânica, o princípio constitucional da legalidade.
2. A ilegalidade manifesta-se na criação de nova hipótese típica, não prevista na lei, bem como pelo caráter automático da multa, que não permite a sua gradação, o que afronta o comando contido no §2º do art. 56 da referida Lei Orgânica.
3. Voto pelo provimento do recurso. (MS nº 15.577/PB, Superior Tribunal de Justiça, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 17/06/2003, por unanimidade). (grifo nosso)
No tocante ao Recurso Extraordinário nº 190.985-4, mencionado no ofício, em nada choca-se com o posicionamento desta Consultoria, ao contrário em muitos aspectos o afirma, como por exemplo, a amplitude do termo dano ao erário, a existência de um poder de polícia dos Tribunais de Contas, a distinção entre multa-sanção e coerção, etc.
Portanto, o entendimento esboçado sequer teve o condão de negar o poder regulamentar desta Corte de Contas, apenas o interpreta à luz dos princípios gerais que norteiam o Direito Administrativo, sobretudo, das Constituições federal e estadual, e da própria Lei Complementar nº 202/00.
(...)"
Hely Lopes Meirelles, em sua obra "Direito Administrativo Brasileiro", nos traz a seguinte lição acerca dos denominados "atos normativos":
"Atos administrativos normativos são aqueles que contêm um comando geral do Executivo, visando à correta aplicação da lei. O objetivo imediato de tais atos é explicitar a norma legal a ser observada pela Administração e pelos administrados. Esses atos expressam em minúcia o mandamento abstrato da lei, e o fazem com a mesma normatividade da regra legislativa, embora sejam manifestações tipicamente administrativas. A essa categoria pertencem os decretos regulamentares e os regimentos, bem como as resoluções, deliberações e portarias de conteúdo geral.
Tais atos, conquanto normalmente estabeleçam regras gerais e abstratas de conduta, não são leis em sentido formal. São leis apenas em sentido material, vale dizer, provimentos executivos com conteúdo de lei, com matéria de lei. Esses atos, por serem gerais e abstratos, têm a mesma normatividade da lei e a ela se erquiparam para fins de controle judicial, mas, quando, sob a aparência de norma, individualizam situações e impõem encargos específicos a administrados, são considerados de efeitos concretos e podem ser atacados e invalidados direta e imediatamente por via judicial comum, ou por mandado de segurança, se lesivos de direito individual líquido e certo." (grifo nosso)
Na mesma seara, Edmir Netto de Araújo, em seu livro "Curso de Direito Administrativo", traça os seguintes comentários:
"(...) No aspecto formal, em uma escala gradativa de imperatividade ou cogência para a Administração e para a coletividade em geral, o Direito Administrativo tem como fonte por excelência a lei formal, que em seu sentido mais amplo abrange a Constituição, Emendas constitucionais, Leis Orgânicas municipais, Leis complementares, Leis Delegadas e Leis ordinárias. Sem esquecermos, entretanto, as Medidas Provisórias, que como lei se qualificam, enquanto vigentes.
Ressalta-se a importância desse tipo de fonte, ao constatar-se que a própria Constituição Federal, em seu artigo 5º, II, declara que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, o que, para o Poder Público, significa fazer apenas o que a lei determina ou autoriza (princípio da restritividade).
Seguem-se, nessa gradação, as norma jurídicas administrativas que não são leis formais, tais como os decretos gerais e regulamentares, decretos legislativos, provimentos dos Tribunais, despachos normativos, resoluções, portarias e outros atos administrativos dotados dos atributos de imperatividade, presunção de legitimidade e auto-executoriedade, cada qual com aplicabilidade restrita à sua esfera político-jurídica, e aos administrados que se enquadrem nas respectivas hipóteses normativas.
(...)
O princípio da legalidade nos termos do art. 5º, II, da Carta Magna, significa, para os particulares, que estes poderão fazer tudo o que a lei não proíbe, e que só a lei poderá obrigá-los a fazer ou deixar de fazer alguma coisa.
Já o seu correspondente para o Poder Público, mencionado no srt. 37, significa que o agente público, as autoridades, a Administração, enfim, só poderão fazer o que a lei determina ou permite expressamente, devendo agir de acordo com a lei e o interesse público, não podendo prevalecer frente a este decisões e interesses individuais. Este desdobramento do princípio da legalidade é conhecido, em Direito Administrativo, como princípio da legalidade estrita, ou princípio da restritividade: as leis administrativas são de ordem pública, contendo "poderes-deveres" irrelegáveis pelos agentes públicos, que não as podem, portanto, descumprir.
A ilegalidade pode ser explícita ou considerada em sentido amplo, como nos casos de desvio, abuso ou excesso de poder: tudo se reflete sobre a legalidade ocasionando a nulidade do ato da Administração, e deflagrando as respectivas responsabilidades do Estado, de suas atividades e de seus agentes.
Na verdade, o princípio da legalidade estrita significa que a Administração não pode inovar na ordem jurídica por simples atos administrativos, não pode conceder direitos, criar obrigações, impor vedações, compelir comportamentos: para tudo isso, e em outras hipóteses, é necessário o respaldo da lei, e mesmo que em certos casos a atividade administrativa pareça realizar-se sem essa particularidade, só será legítima se houver lastro em determinação ou autorização legal.
(...)" (grifo nosso)
Os doutrinadores Marcelo Alexandrino a Vicente Paulo, na obra "Direito Administrativo", afirmam:
"(...) Os atos normativos possuem conteúdo análogo ao das leis, com a principal diferença de que não podem inovar o ordenamento jurídico criando direitos ou deveres para os administrados que não se encontrem previstos em lei.
A função dos atos normativos não é, entretanto, simplesmente repetir o que se encontra enunciado na lei. Sendo destinados a possibilitar a fiel execução de leis pela Administração, os atos normativos devem esmiuçar, explicitar o conteúdo das leis que regulamentam. (...)"
O STJ, no mesmo sentido, já averbou:
"Lei e Regulamento - Distinção - Poder Regulamentar - Ampliação.
É da nossa tradição constitucional admitir o regulamento apenas como ato normativo secundário subordinado à lei, não podendo expedir comando contra ou extra legem, mas tão-somente secundum legem" (Resp nº 3.667-SC, 1ª Turma, Rel. Min. Pedro Aciolik, 1990).
José dos Santos Carvalho Filho, em seu "Manual de Direito Administrativo", colabora com os entendimentos já esboçados:
"(...) Por via de conseqüência, não podem considerar-se legítimos os atos de mera regulamentação, seja qual for o nível da autoridade de onde se tenha originado, que, a pretexto de estabelecerem normas de complementação da lei, criam direitos e impõem obrigações aos indivíduos. Haverá, nessa hipótese, indevida interferência de agentes administrativos no âmbito da função legislativa, com flagrante ofensa ao princípio sa separação de Poderes insculpido no art. 2º da CF. Por isso, de inegável acerto a afirmação de que só por lei se regula liberdade e propriedasde; só por lei se impõem obrigações de fazer ou não fazer, e só para cumprir dispositivos legais é que o Executivo pode expedir decretos e regulamentos."
Por fim, trazemos os comentários de Robertônio Santos Pessoa, em seu livro "Curso de Direito Administrativo Moderno", acerca das limitações ao poder regulamentar no direito positivo brasileiro, mais especificamente sobre os regulamentos:
"(...) Uma questão importante que aqui se impõe diz respeito aos limites deste poder de criação de normas novas. Este é um dos problemas cruciais a serem enfrentados pela doutrina e pela jurisprudência em matéria de poder regulamentar. Nesta matéria, dois critérios básicos podem ser apontados com vista a fazer com que o regulamento mantenha sua identidade básica de operação de "execução" DA LEI (ART. 84, IV, da CF): o critério do "complemento indispensável" e o critério da "não contradição".
Para delimitação dos contornos desta atividade de desenvolvimento e complementação, Santamaría Pastor assinala que a doutrina tem se utilizado do conceito de "complemento indispensável", de origem francesa, que compreende dois aspectos básicos. Primeiro, o de que o regulamento não pode limitar os direitos ou situações jurídicas favoráveis que a lei estabelece, nem tão pouco ampliar ou endurecer as obrigações ou situações desfavoráveis. E segundo, que o regulamento deve incluir todo o indispensável para assegurar a correta aplicação e a plena efetividade da lei que pretende executar e desenvolver. Por outro lado, o regulamento não pode acrescentar mais do que seja estritamente indispensável para a garantia destes fins (PASTOR, 2001:349)."
À vista de todo o exposto, e ainda, analisando a irregularidade ensejadora da imputação de débito no caso em tela, concluímos que a mesma, por ser fundamentada em norma administrativa que hierarquicamente é inferior à norma legal e não possui "força" para, sozinha, caracterizar a obrigação do Recorrente de ressarcir ao erário.
Ademais, a ausência de relatório-resumo de viagem, por si só, não demonstra a existência do dano, não significa que efetivamente ocorreu o prejuízo, tendo em vista não ser este o único documento hábil a comprovar a despesa. Vejamos o teor dos artigos 44, 58 e 62 da Resolução n. TC-16/94:
Art. 44 - As prestações de contas de recursos antecipados a título de adiantamentos, subvenções, auxílios, contribuições e delegação de recursos e encargos, inclusive por Convênios, Acordos e Ajustes, ficarão em poder e guarda do sistema de Controle Interno da unidade gestora repassadora dos recursos, e deverão ser compostas de forma individualizada, de acordo com a finalidade da despesa e no valor da parcela do recurso antecipado a serem encaminhadas ao Tribunal de Contas, se requisitadas, no prazo que for determinado, contendo os seguintes documentos:
I - Balancete de Prestação de Contas de Recursos Antecipados;
II- Notas de empenho e ordens de pagamento emitidas, quando tratar-se de unidade da Administração Pública;
III - Documento comprobatório das despesas realizadas (notas fiscais, recibo, folhas de pagamento, roteiros de viagem, ordens de tráfego, bilhetes de passagem, guias de recolhimento de encargos sociais e de tributos, faturas, duplicatas, etc..);
IV- Referências aos processos licitatórios ou justificativas de dispensa ou de inexigibilidade de licitações, em se tratando de antecipações de recursos na forma de Adiantamentos, de Delegações de Recursos e Encargos ou de Transferências a títulos de Auxílios e Contribuições, neste último caso quando a unidade beneficiada for sujeita às normas pertinentes à licitação;
V - Extratos bancários da conta especial, com a movimentação completa do período;
VI - Guia de recolhimento de saldo não aplicado, se for o caso, acompanhado da nota de estorno da despesa ou do comprovante de ingresso na Receita Orçamentária;
VII -Declaração do responsável, no documento comprobatório da despesa, certificando que o material foi recebido ou o serviço prestado, e que está conforme as especificações nele consignadas;
VIII-Declaração do responsável, quando se tratar de obra, dos serviços executados, com sucinta caracterização das etapas efetuadas e, no caso de sua conclusão, acompanhada do respectivo termo de recebimento;
IX - Declaração passada pelo ordenador da despesa que os recursos foram rigorosamente aplicados aos fins concedidos, exceto no caso de adiantamento.
Parágrafo único - No caso de antecipações de recursos, a prestação de contas da primeira parcela deverá conter, além dos elementos indicados anteriormente, referências do Termo de Delegação de Recursos e Encargos, Acordo, Ajuste ou Convênio e de seus respectivos aditivos.
Art. 58 - Constituem-se comprovantes regulares da despesa pública, a nota fiscal, recibo, folha de pagamento, roteiro de viagem, ordem de tráfego, bilhete de passagem, guia de recolhimento de encargos sociais e tributos, entre outros, que deverão ser fornecidos pelo vendedor, prestador de serviços, empreiteiro e outros.
Parágrafo único - Os comprovantes de despesa deverão apresentar-se preenchidos com clareza e sem rasuras que possam comprometer a sua credibilidade.
Art. 62 - O pagamento de diárias deverá ser comprovado com os documentos seguintes :
I - Roteiro de viagem, que deverá consignar :
a) Identificação do servidor - nome, matrícula, cargo, função ou emprego;
b) Deslocamentos - data e hora de saída e de chegada à origem e local de destino;
c) Meio de transporte utilizado;
d) Descrição sucinta do objetivo da viagem;
e) Número de diárias e cálculo do montante devido;
f) Quitação do credor;
g) Nome, cargo ou função e assinatura da autoridade concedente;
II - Documento comprobatório da efetiva realização da viagem: ordem de tráfego, bilhete de passagem, relatório, ata de presença, nota fiscal ou outros documentos;
III -Justificativa, firmada pelo ordenador da despesa, da urgência e inadiabilidade ou da conveniência de uso de transporte aéreo ou de veículo particular do servidor, este quando cadastrado no órgão público, na forma da legislação vigente, quando cabível.
Conforme se constata através da leitura dos dispositivos supra, a comprovação da realização da viagem não é demonstrada somente com a entrega dos relatórios, existem outros documentos capazes de suprir essa falta tais como bilhetes de passagem, notas fiscais, etc. A simples ausência de um relatório não pode caracterizar o prejuízo passível de ressarcimento pelo ora Recorrente, tratando-se, apenas, de uma irregularidade formal.
O art. 63 da Lei Federal n. 4.320/64 elucida:
Art. 63. A liquidação da despesa consiste na verificação do direito adquirido pelo credor tendo por base os títulos e documentos comprobatórios do respectivo crédito.
§ 1° Essa verificação tem por fim apurar:
I - a origem e o objeto do que se deve pagar;
II - a importância exata a pagar;
III - a quem se deve pagar a importância, para extinguir a obrigação.
Ora, verificada a aplicação dos recursos dentro dos fins solicitados mediante a entrega de outros documentos hábeis pelo credor da despesa, o responsável não poderá deixar de efetuar o pagamento pela falta do relatório de viagem e, da mesma forma, não poderá ser condenado a restituir o valor aos cofres públicos se não ficar comprovado o prejuízo.
Nesse sentido, nos posicionamos pelo cancelamento do débito.
Diante do exposto, conclui-se pelo cancelamento do débito, tendo em vista que a irregularidade ensejadora da imputação de débito fora fundamentada em norma administrativa, qual seja, a Resolução n. TC-16/94, a qual não pode caracterizar sozinha a obrigação do Recorrente em ressarcir ao erário.
III.2) Débito imputado no item 6.1.2.2 do Acórdão nº 0937/2002:
6.1.2.2. R$ 245,00 (duzentos e quarenta e cinco reais), referente a dispêndios sem documentação comprobatória de suporte dos mesmos, sem recolhimento do saldo e documento de estorno no valor mencionado, em descumprimento aos arts. 63 da Lei Federal n. 4.320/64 e 44, VI, da Resolução n. TC-16/94 (item 2.4 do Relatório DCE).
Com relação ao débito constante do item "6.1.2.2" o dano ao erário encontra-se tipificado pela ausência de liquidação da despesa, consoante o disposto no art. 63 da Lei Federal n. 4.320/64.
O próprio Relatório de Auditoria Interna da Secretaria da Fazenda DIAG nº 001/97 (fls. 191/201 dos autos principais) confirma a ausência de comprovantes da despesa relativa à Nota de Empenho nº 141, bem como a ocorrência do prejuízo em virtude da não liquidação da mesma, e determina a adoção de providências para assegurar o ressarcimento ao erário.
Da mesma forma, há que se transcrever o que já fora dito no Parecer COG nº 100/07, da lavra da Parecerista Anne Christine Brasil Costa, em razão da identidade do apontamento feito pelo Tribunal, bem como das alegações recursais apresentadas pelo Responsável, vejamos:
O Recorrente não traz aos autos nenhum documento que comprove as despesas, apenas limita-se a atacar as normas fundamentadoras da imputação do débito, a alegar que não restou demonstrado o dano no processo e, ainda, que a responsabilidade pela sua "suposta" ocorrência deveria ter sido atribuída ao ordenador primário da despesa, in casu, ao Secretário de Estado, titular da pasta à época.
Ora, o Sr. Fábio Sardá, na qualidade de responsável pelos pagamentos, tinha a obrigação de conferir toda a documentação enviada pelas Regionais antes de efetuar os pagamentos, averiguando detalhadamente se a comprovação da despesa encontrava-se de acordo com as exigências legais. Ao concluir que havia falhas na comprovação das despesas e ainda assim efetuar os pagamentos, o ora Recorrente tornou-se conivente com a situação e assumiu o risco de ser responsabilizado pelas irregularidades em virtude de sua omissão, quando poderia e deveria ter se recusado a fazê-lo.
Assim, as alegações do Recorrente não ilidem a existência da irregularidade, ao contrário, limitam-se apenas a confirmá-la.
No caso em tela, tornou-se clara a omissão do Recorrente ao deixar de analisar detalhadamente as prestações de contas, demonstrando sua culpa caracterizada pela negligência, bem como sua falta de zelo pelo patrimônio público.
Sobre as peculiaridades que cercam o tema "culpabilidade do administrador" no âmbito dos processos instaurados nos Tribunais de Contas, primorosa lição é trazida pelo Ministro Benjamin Zymler:
"Desde já frise-se que o TCU, ao examinar os atos dos gestores e demais agentes sujeitos à sua "jurisdição", leva em conta o aspecto subjetivo de suas condutas.
A responsabilidade subjetiva, deve-se ressaltar, contrapõe-se à responsabilidade objetiva. Da responsabilidade objetiva decorre a obrigação de reparar o dano causado, desde que estejam presentes os seguintes requisitos clássicos:
a) ação (comissiva ou omissiva) e antijurídica do agente;
b) existência de dano;
c) nexo de causalidade entre a ação e o dano verificado.
Ao se tratar, porém, da responsabilidade subjetiva, exige-se, além dos elementos anteriormente relacionados, a identificação de culpa do agente. Ressalte-se, a propósito, que culpa abrange as modalidades de culpa em senso estrito (negligência, imprudência e imperícia) e o dolo, que é caracterizado pela intenção deliberada de produzir determinado resultado ilícito. Vale frisar que a culpa, em sentido estrito, cinge-se ao critério do homem médio, de quem não se espera providências de cautela extrema e a quem não se permite o descuido excessivo.
A responsabilidade objetiva configura exceção à regra geral e se impõe ao Estado e aos entes a ele vinculados, na medida revelada pela norma contida no § 6º do art. 37 da Constituição Federal.
[...]
O Tribunal de Contas da União, em síntese, ao extrair dos atos que examina as conseqüências de natureza civil ou administrativa pondera o elemento subjetivo da conduta do responsável. Ao desempenhar essa tarefa, busca dosar suas decisões levando em consideração o referencial do "administrador médio". Avalia, também, as condições concretas que circundavam a realidade vivenciada pelo agente que tem suas contas examinadas e indaga se teria ele atuado de forma satisfatória ou se seria razoável exigir-lhe que houvesse adotado providências distintas das que adotou.
[...]
Os aplicadores do direito convergem para o entendimento de que há necessidade de que seja configurada a culpa do agente público para que se possa puni-lo. Nem por isso há de se concluir que a avaliação da gestão pública é isenta de dificuldades.
Na verdade, a avaliação da conduta do gestor, sob a perspectiva da responsabilidade subjetiva, exige do julgador extrema cautela. Exatamente porque pressupõe avaliação pormenorizada dos contornos fáticos e normativos concernentes aos atos examinados. As dificuldades concretas consistem justamente na identificação de peculiaridades que circundam tais atos.
Aponta-se, a propósito, a sensível evolução do TCU em direção ao aprimoramento da atividade de deliberar sobre a regularidade ou não da gestão pública. Pode-se dizer que já se encontra sedimentada, no âmbito do Tribunal, a percepção de que a mera identificação de irregularidade não é requisito suficiente para a apenação do responsável.
Há várias etapas a serem superadas para que se possa concluir pela necessidade de apenação do gestor. Esquadrinho, em seguida, tal rotina de investigação da conduta dos agentes públicos, quais sejam: existência da irregularidade, autoria do ato examinado, culpa do agente e grau de culpa do agente.
Naturalmente, há de se perquirir se restou configurada violação a norma legais e regulamentares ou a cláusulas de termos do convênio ou de outros instrumentos do gênero.
[...]
Nessa primeira etapa de investigação, o julgador é chamado a avaliar a compatibilidade de determinado ato com as normas jurídicas que o regulam.
[...]
Superada a etapa anterior (verificação da existência da irregularidade), impõe-se avaliar se o agente efetivamente praticou o ato impugnado (ato comissivo). Ou, ainda, se deixou de agir, quando estava obrigado a fazê-lo (conduta omissiva). " (grifo nosso)
Diante de todo o exposto, esta Consultoria posiciona-se no sentido de manter a responsabilização imputada ao Recorrente.
Ante o consignado por esta Coordenadoria de Recursos anterioremente em recurso semelhante, sugere-se a manutenção do débito impugnado ao Responsável.
Em conformidade com o acima exposto sugere-se ao Exmo. Relator que, em seu voto, propugne ao Plenário:
1. Conhecer do Recurso de Reconsideração, nos termos do art. 77 da Lei Complementar n. 202/2000, interposto contra o Acórdão n. 0937/2002, exarado na Sessão Ordinária de 04/11/2002, nos autos do Processo n. SPC- 020331078, e, no mérito, dar-lhe provimento parcial para:
1.1. cancelar o débito constante do item 6.1.2.1 da decisão recorrida;
1.2. ratificar os demais termos do Acórdão nº 0937/2002.
2. Dar ciência deste Acórdão, do Relatório e Voto do Relator que o fundamentam, bem como deste Parecer COG, à Secretaria de Estado do Desenvolvimento Social, Trabalho e Renda e ao Sr. Fábio Sardá - ex-Servidor da SEDUMA.
MARCELO BROGNOLI DA COSTA Consultor Geral |