ESTADO DE SANTA CATARINA
    TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO
    CONSULTORIA GERAL

Processo n°: REC - 08/00048300
Origem: Fundação de Apoio à Pesquisa Científica e Tecnológica do Estado de Santa Catarina - FAPESC
Recorrentes: João Carlos Biezus e Antônio Carlos Hack
Assunto: Referente ao Processo -TCE-07/00068570 + REC-08/00048148 + REC-08/00048229
Parecer n° COG-211/08

RECURSO DE RECONSIDERAÇÃO. CONHECER. PROVER, EM PARTE.

Guarda. Dever de Custódia.

A guarda dos bens de terceiro gera dever de custódia.

Multa. Proporcionalidade. Art. 68, LC Nº 202/2000.

A multa prevista no artigo 68 da Lei Complementar nº 202/2000 deve ser proporcional à gravidade da lesão.

Comissão de Licitação. Responsabilidade Solidária.

Os membros das Comissões de Licitação responderão solidariamente por todos os atos praticados, salvo se a posição individual divergente estiver devidamente fundamentada e registrada em ata lavrada na reunião em que tiver sido tomada a decisão.

Senhor Consultor,

Trata-se de Recurso de Reconsideração interposto pelo Sr. João Carlos Biezus, ex-Diretor Administrativo da Universidade do Contestado - UnC e pelo Sr. Antônio Carlos Hack, Presidente da Comissão de Licitação da UnC, contra Acórdão nº 2399/2007, proferido pelo Tribunal Pleno desta Corte de Contas, em sessão do dia 05 de dezembro de 2007, nos autos do processo nº TCE 07/00068570 (fls. 5048/5057).

O processo iniciou com expediente de fls. 02/1807 encaminhado para esta Corte relatando a ocorrência de irregularidades na implantação, implementação e operacionalização de laboratórios de controle da qualidade da água e laboratório de controle de alimentos pela UnC, com financiamento da FAPESC e intermediação técnica da CIDASC.

Os autos foram remetidos à Diretoria de Atividades Especiais - DAE, que procedeu à inspeção colhendo os documentos de fls. 1828/2565. Após, seguiu-se a elaboração do Relatório DAE nº 04/07, fls. 2566/2648, sugerindo ao Tribunal Pleno o conhecimento da Representação, a conversão do processo em Tomada de Contas Especial - TCE e a Citação dos Responsáveis para apresentarem suas defesas sobre as restrições apontadas.

Veio o Parecer nº 1593/2003 emitido pelo Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, fls. 2650, e a Decisão nº 1486/2007, fls. 2688/2696, determinando a conversão do processo em Tomada de Contas e a Citação dos Responsáveis.

As defesas vieram nas fls. 2781/2849 (Sr. Mário Sérgio Ampesi), fls. 2851/2894 (Sr. Neuri Comin), fls. 2895/3179 (Sr. José Plínio Garcia Pacheco), fls. 3180/3204 (Sr. Gécio Humberto Meller), fls. 3205/3262 (Sr. Ubiratam S. Rezende - CIDASC), fls. 3263/3270 (Empresa Millenium Mac), fls. 3271/3959 (Srs. João Carlos Biezus e Antônio Carlos Hack), fls. 3960/4456 e 4630/4631 (Sr. Alípio Egídio Kulkamp), fls. 4465/4476 (Empresa New Spectro), fls. 4475/4478 (Empresa Cryssil) e fls. 4817/4823 (Sr. Rogério Silva Portanova). Também foram juntados aos autos os documentos de fls. 4491/4495 e 4497/4628.

A DAE reanalisou o caso, emitindo o Parecer nº 06/07, de fls. 4876/4971, concluindo pelo julgamento irregular das contas, com a imposição de débito e multas aos Responsáveis.

Os autos foram submetidos à manifestação do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, que emitiu o Parecer nº 6720/2007 (fls. 4973/4974), acompanhando a análise procedida pelo Corpo Técnico.

Sobreveio o voto do Exmo. Sr. Conselheiro Relator consubstanciado nas fls. 5023/5043, no sentido de julgar irregulares as contas, com imposição de débito e aplicação de multas aos Responsáveis.

Levado perante o Tribunal Pleno desta Corte de Contas, o caso foi decidido pelo Acórdão nº 2399/2007, de fls. 5048/5057, nos seguintes termos:

Inconformando-se com o Acórdão, os Srs. João Carlos Biezus e Antônio Carlos Hack interpuseram o presente Recurso de Reconsideração.

É o Relatório.

II. ADMISSIBILIDADE

No caso, verifica-se a legitimidade dos Recorrentes em face de suas condenações em débito e multas pelo Acórdão recorrido, assumindo a qualidade de Responsáveis, pois ocupavam, na época, os cargos de Diretor Administrativo da UnC (Sr. João Carlos Biezus) e de Presidente da Comissão de Licitações da UnC (Sr. Antônio Carlos Hack), atendendo, assim, ao disposto no § 1.º, alínea "a", do artigo 133, do R.I. e aos princípios do contraditório e da ampla defesa consubstanciados no inc. LV do art. 5º da Constituição Federal.1

      Em resumo, os acordos firmados envolvem o repasse de recursos da FAPESC à UnC para instalação de um laboratório desenvolvido através da parceria entre UnC e a CIDASC.
      Comprovada a inexistência dos microcomputadores e monitores, a controvérsia dos autos passa a girar em torno da responsabilidade pelo desaparecimento dos materiais adquiridos para o laboratório.
      O Recorrente alega que o Contrato nº 8105/05 estabelece no item 1.1 da cláusula terceira a responsabilidade exclusiva da CIDASC pelo laboratório.
      De acordo com os termos do acordo citado, verifica-se que competia à CIDASC a administração do laboratório. Contudo, a administração do laboratório pela CIDASC não conduz à isenção de responsabilidade da UnC.
      Diante das circunstâncias, infere-se que a responsabilidade pelo desaparecimento dos equipamentos adquiridos com recursos públicos é da CIDASC, enquanto administradora do laboratório, e da UnC, enquanto guardiã do local onde foi instalado o laboratório.
      Na doutrina, Pontes de Miranda demonstra que o dever de custódia pode derivar das circunstâncias do caso concreto.
          Ademais, há que se destacar que a UnC também se beneficiou com os acordos sob análise.
          Na cláusula nona do Convênio firmado entre a FAPESC e a UnC tem-se:
              A Convenente, que no caso é a UnC, assumiu no § 3º da cláusula terceira do termo aditivo firmado com a CIDASC, o compromisso de lhe repassar uma parcela dos equipamentos comprados com recursos da FAPESC, cabendo-lhe o saldo remanescente. Veja-se:
                      Dos recursos oriundos da FAPESC para aquisição dos Equipamentos para o Laboratório Regional de Desenvolvimento da Análise da Qualidade e Pesquisas em Alimentos, serão aplicados única e exclusivamente no objeto proposto, sendo que:
                      - serão doados à Companhia Integrada de Desenvolvimento Agrícola de Santa Catarina - CIDASC, a quantidade de equipamentos no valor equivalente a R$ 1.000.000,00 (hum milhão) de reais, os quais serão numerados e cadastrados no patrimônio da empresa.
                As vantagens usufruídas pela UnC também vêm demonstradas na cláusula segunda do referido aditivo, que trata da distribuição de recursos:
                        Os recursos arrecadados com as prestações de serviços dos Laboratórios serão destinados da seguinte forma:
                        1. 20% (dez) em conta específica à UNC, ficando como fundo de reservas, sendo que sua utilização destinar-se-á a atividades de manutenção, aquisição de equipamentos, reembolso de despesas dos agentes envolvidos direta ou indiretamente no laboratório, pagamento de diárias (nos moldes da CIDASC), financiamento de pesquisas e propaganda do referido laboratório, sendo que necessário a concordância explícita, assinada pelo Diretor Executivo de Laboratório-convênio CIDASC/UNC, quando da necessidade da utilização dos recursos.
                        2. A UNC se compensará dos recursos arrecadados, os custos de pessoal e encargos sociais, mediante a apresentação prévia, de planilha mensal, onde discriminará os custos individualizados de pessoal por lotação (salários e encargos sociais)
                        3. O saldo disponível terá o seguinte destino
                        3.1 - 10% (dez) será destinado à UNC, para aplicação em Projetos de Pesquisas da Instituição, aprovados pela Direção acadêmica, pela Direção administrativa e pelo Diretor Executivo de Laboratório-Convênio CIDASC/UNC.
                    Situações envolvendo dever de custódia, sem estar caracterizado o contrato de depósito, já foram objeto de análise pelo Superior Tribunal de Justiça como fonte de responsabilidade civil, quando a guarda do bem reverte em benefício do responsável.
                          Por sua vez, a Súmula 130 dispõe que "A EMPRESA RESPONDE, PERANTE O CLIENTE, PELA REPARAÇÃO DE DANO OU FURTO DE VEICULO OCORRIDOS EM SEU ESTACIONAMENTO".
                          Nesse caso, assim como na hipótese dos autos, a responsabilidade decorre de uma relação jurídica de fato, ou seja, de circunstâncias que colocam a UnC na condição de responsável pela custódia dos equipamentos guardados no laboratório instalado em seu campus.
                          Consoante já observado, os equipamentos não foram encontrados pela equipe de auditoria, fato que enseja a responsabilidade da UnC.
                          Por derradeiro, resta esclarecido que não se trata apenas do desaparecimento de equipamentos comprados com recursos públicos, mas também, que parte desse material reverteria em benefício de uma empresa estatal.
                          Com relação à alegação de que o Recorrente não era o responsável pelo setor de patrimônio, compras e almoxarifado, melhor sorte não lhe assiste.

                        O art. 38, "b" e "d", do Estatuto da UnC/Concórdia dispõe:

                                Compete ao Diretor-Administrativo:
                                ... b) Ter sob sua direção as atividades administrativas e financeiras da UnC/CONCÓRDIA;

                        Ao tempo dos fatos, o Recorrente era o Diretor-Administrativo da UnC/Concórdia, portanto, deve ser responsabilizado pelas restrições.

                        Ante o exposto, não procedem no tópico as razões recursais.

                            III.I.II Item 6.1.2.1. Débito. Não Prover.
                          Guarda. Dever de custódia.

                          Sobre o débito imposto em face da inexistência de 03 seladoras, supostamente adquiridas por meio dos Processos Licitatórios 012/2002 e 012/01/2005, o Recorrente repisa os argumentos colacionados no item anterior alegando que os materiais foram recebidos e repassados à CIDASC, permanecendo sob exclusiva responsabilidade desta.

                          Sobre o fato das seladoras encontradas pela equipe de auditoria não serem compatíveis com as especificações da Concorrência nº 012/2005, o Recorrente alega que não pode ser responsabilizado porque não participava da Comissão de Licitação.

                          A questão relativa à responsabilidade pela guarda do laboratório já foi objeto de análise no tópico anterior.

                          Quanto ao argumento de que o Recorrente não seria responsável pelo recebimento dos equipamentos, destacam-se as observações da equipe de auditoria, após enfrentar a mesma tese de defesa suscitada no curso da instrução.

                                  b) as seladoras de Collilert apresentadas como ausentes no primeiro relatório de inspeção foram considerados como presentes pelo Sr. Clóvis em seu levantamento e apontados pelos responsáveis, que juntaram foto para defenderem suas alegações (fl. 4045/4046). Na nova inspeção procedeu-se à averiguação dos equipamentos apresentados pelos responsáveis e descobriu-se que, na verdade, as fotos mostradas eram de seladoras de saquinhos plásticos comuns, não tendo qualquer relação com as seladoras de amostras para análise em outros equipamentos, como é a função de uma seladora de Collilert, além de se tratar de equipamento bem diferente fisicamente (maiores).

                          Seguindo a linha de entendimento esposada no item antecedente, não procedem as razões recursais.

                              III.I.III Item 6.1.2.2. Débito. Prover.
                              ResponsabilIDADE. Nexo Causal. Ausência.
                              A responsabilidade exige nexo causal entre a conduta do agente e o resultado danoso.

                          No que se refere às despesas com viagens, hospedagens e publicidade, sem a comprovação do interesse público e de sua efetiva realização, o Recorrente argumenta que não teve qualquer ingerência sobre a análise dos gastos e das decisões que lhes autorizaram.

                          Alega novamente que a administração do laboratório era responsabilidade da CIDASC, e que as prestações de contas foram aprovadas pela CIDASC e pela FAPESC.

                          Estando vencida a questão acerca da responsabilidade pela administração do laboratório no item III.I.I deste Parecer e, mesmo considerando irrelevante a aprovação das contas para fins de exclusão de responsabilidade, destaca-se a tese recursal quanto à participação do Recorrente nos gastos apontados como irregulares.

                          A matéria ora suscitada já foi enfrentada pela DAE, nas fls. 4946, onde concluiu:

                                  Na análise das alegações do Sr. João Carlos Biezus, cabe lembrar que a administração dos recursos do laboratório é, contratualmente, de responsabilidade conjunta da UnC e CIDASC cabendo à primeira a administração dos recursos e à segunda a autorização prévia dos gastos, conforme estabelecido na cláusula quinta do Contrato de Cooperação Técnica nº. 8105/2005:
                                  CLÁUSULA QUINTA – Dos recursos
                                  Os recursos angariados com a cobrança dos serviços dos laboratórios serão recolhidos através de guias próprias em contas bancárias específicas à UNC-LQLA, junto ao Banco BESC respeitadas as proporções estabelecidas na cláusula sexta. A administração dessa conta será a cargo da UNC, mediante autorização prévia do indicado pela CIDASC para sua movimentação, juntamente com o representante indicado pela CIDASC.
                                   
                                  Entendia-se por "administração dessa conta", o gerenciamento dos recursos provenientes de receitas dos laboratórios, não apenas o pagamento de despesas, mas também sua análise e autorização. Confirma este entendimento o fato de que o Diretor Presidente da UnC/Concórdia, Sr. José Plínio Garcia Pacheco, assinar diversas ordens de compra que resultariam nas despesas com finalidade pública questionada (fls. 3605, 3614, 3616 e 3619). Nas próprias ordens de compra o Diretor Presidente autorizava o fornecimento (e não apenas o pagamento), indicando que tinha conhecimento prévio da operação e que sua autorização era necessária antes da efetivação da despesa. (grifei)

                          Verifica-se na análise da DAE que as despesas com a finalidade pública questionada resultaram de ordens de compra assinadas pelo Diretor Presidente da UnC/Concórdia, ou seja, pela autoridade máxima da instituição.

                          Trata-se, pois, de ato praticado por titular de cargo superior em relação ao Recorrente, não lhe cabendo correição do ato e, conseqüentemente, responsabilidade.

                          A demonstração de que o Recorrente não participou do ato irregular leva à ruptura do nexo causal. Para Venosa,

                              Assim, são procedentes as razões colacionadas no tópico recursal.

                                  III.I.IV Itens 6.1.3 e 6.1.4. Débito. Item 6.2.2.2. Multa. Não Prover.

                              Multa. Proporcionalidade. Art. 68, LC Nº 202/2000.

                              A multa prevista no artigo 68 da Lei Complementar nº 202/2000 deve ser proporcional a gravidade da lesão.

                              O Recorrente contesta "em bloco" os itens 6.1.3, 6.1.4 e 6.2.2.2 que lhe impuseram débitos e multas em face dos superfaturamentos na aquisição de equipamentos com recursos públicos.

                              Alega, em síntese, que não houve má-fé e que agiu de forma regular como Diretor Administrativo da UnC, inclusive determinando a realização de auditoria independente a fim de apurar os fatos.

                              Aduz que após a descoberta do superfaturamento o Recorrente oficiou a empresa responsável para que devolvesse os valores, e que a empresa reconheceu o erro, devolvendo-os de forma parcelada.

                              Argúi que não pertencia a Comissão de Licitação e, na condição de Diretor Administrativo da UnC-Concórdia, não lhe cabia "acompanhar ou fiscalizar os Processos Licitatórios em discussão, razão pela qual seria impossível ao mesmo ter conhecimento da prática de superfaturamento".

                              Por fim, requer a redução das multas em caso de indeferimento do pedido principal.

                              A tese recursal labora no sentido de excluir a responsabilidade pelas contratações superfaturadas considerando não participação do acusado na Comissão de Licitação.

                              Entretanto, restou demonstrado nas fls. 1493/1497, 1519/38 e 1548/1551 que o Recorrente emitiu as ordens de compra dos materiais superfaturados relacionados nos quadros 7 e 8, fls. 2600 e 2601, do Relatório DAE 04/07.

                              No que se refere ao montante da sanção, há que se analisar o valor da multa aplicada em confronto com a gravidade da infração.

                              De acordo com o item 6.2.2 as multas aplicadas ao Recorrente tem como fatos geradores os danos causados ao erário provenientes da prática de superfaturamento. A base legal das multas é o art. 68 da LC nº 202/2000 c/c o art. 108, caput, do Regimento Interno, os quais dipõem:

                                            LC 202/2000.
                                            Art. 68. Quando o responsável for julgado em débito, além do ressarcimento a que está obrigado, poderá ainda o Tribunal aplicar-lhe multa de até cem por cento do valor do dano causado ao erário.
                                      R.I.
                                      Art. 108. Quando o responsável for julgado em débito, além do ressarcimento a que está obrigado, o Tribunal poderá aplicar-lhe multa de até cem por cento do valor do dano causado ao erário atualizado na forma da lei.

                              Os dispositivos legais sob análise permitem a aplicação de multas de até cem por cento do valor do dano causado ao erário.

                              No caso, as três multas de R$5.000 têm como fundamento o prejuízo ao erário no valor de R$ 197.652,16, apontado no item 4.2.7.3 do Parecer DAE 06/07, fls. 4918. Observa-se, também, que o mesmo montante serviu de base para imputação de débito pelos itens 6.1.3 e 6.1.4 do Acórdão recorrido.

                              Contudo, quando da apuração dos débitos consignados nos itens 6.1.3 e 6.1.4 a quantia de R$ 197.652,16 ficou reduzida para R$ 21.278,28 (decomposto em R$ 6.301, R$ 13.104 e R$ 1.873,28), pois foi descontado o ressarcimento parcial dos danos causados.

                              Tal fato nos remete à seguinte questão:

                              Qual deve ser o valor de referência para aplicação da multa, o valor do dano causado ao erário ou o saldo devedor calculado após o ressarcimento parcial do dano?

                              Os arts. 68 da LC nº 202/2000 e 108, caput, do Regimento Interno são claros em permitir ao Tribunal a aplicação de multa em até cem por cento do valor do dano causado ao erário, quando o responsável for julgado em débito.

                              Essa observação é importante porque permite inferir que o valor de referência da multa é o montante do dano causado ao erário e não o débito remanescente de um ressarcimento posterior. Assim, uma vez configurada a lesão ao patrimônio público, é a gravidade da ofensa que servirá de paradigma para aplicação da multa.

                              Celso Antônio Bandeira de Mello23 ensina que a multa pode ter três diferentes funções: a função exclusivamente intimidadora; a função intimidadora e compensatória, quando visa ressarcir a Administração do prejuízo sofrido, e a função cominatória, quando a multa tem por finalidade compelir alguém a fazer ou deixar de fazer algo.

                              A multa prevista no art. 68 da LC 202/2000 tem como requisito o julgamento em débito do responsável, ao mesmo tempo que utiliza o valor do dano como referencial de pena máxima.

                              Dessa forma, conclui-se que a função da multa aplicada com amparo no art. 68 é meramente punitiva, posto que o ressarcimento ao erário ocorre através da imputação em débito que lhe precede.

                              Na hipótese dos autos, observa-se que o princípio da proporcionalidade foi respeitado pois as multas aplicadas somam R$15.000, valor inferior ao apurado nos itens 6.1.3 e 6.1.4.

                              Ademais, a análise do valor das multas à luz dos bens atingidos mostra-se escorreita.

                              A prática de superfaturamento em procedimento licitatório é ato grave pois além da ofensa ao princípio da economicidade previsto no art. 3º da Lei nº 8.666/93, também restam malferidos os princípios da legalidade, da moralidade e da eficiência insculpidos no caput do art. 37 da Constituição Federal.

                              Subsistem, pois, os itens atacados.

                                III.II Recorrente: Antônio Carlos Hack.
                                  III.II.I. Item 6.2.1.3.1. Multa. Não Prover.
                                  IRREGULARIDADE. CONFISSÃO. IDONEIDADE.
                                  A confissão válida, quando confirmada pelos demais elementos constantes dos autos, constitui elemento probatório apto a manter a restrição apontada.
                                  Licitação. Procedimento formal.
                                  O procedimento licitatório caracteriza ato administrativo formal, cujo descumprimento configura lesão independente da existência de dano concreto ao bem juridicamente protegido ou de ma-fé.

                              Sobre a multa aplicada no item 6.2.1.3.1 em face ao descumprimento do prazo mínimo de trinta dias previsto no art. 21, § 2º, II, "a", da Lei nº 8.666/93, para abertura das propostas, o Recorrente alega em sua defesa que "o desrespeito ao prazo de 30 dias para abertura das propostas não ocorreu por culpa do mesmo" e que a "irregularidade, caso seja confirmada, não trouxe qualquer prejuízo ao erário público, pois trata-se de vício meramente formal".24

                              Neste ponto, a descrição das razões recursais faz-se necessária para demonstrar a expressa confissão do Recorrente.

                              Ao referir que o desrespeito do prazo não ocorreu por culpa sua, o próprio Recorrente ratifica os fundamentos da irregularidade constatada, o que vem corroborado pelas observações da DAE nas fls. 4892/4894 dos autos do processo principal.

                              Em caso análogo, já me pronunciei acerca da força probante da confissão:

                              Ademais, as sanções aplicadas pela Corte de Contas ganham relevo na tutela da ordem legal, pois a ofensa ao procedimento estabecelecido na Lei nº 8.666/93, enquanto ato administrativo formal, caracteriza lesão, independente de dano concreto.

                              Dispõe o art. 4º, parágrafo único, da Lei nº 8.666/93:

                                      Art. 4º...
                                      Parágrafo Único. O procedimento licitatório previsto nesta lei caracteriza ato administrativo formal, seja ele praticado em qualquer esfera da Administração Pública.

                              No mesmo sentido, já me manifestei no Parecer COG-455/07, autos do processo REC - 03/08109732:

                                      ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. DESCUMPRIMENTO DE PROCEDIMENTO DE NATUREZA FORMAL. LESÃO CONFIGURADA. NÃO PROVER.
                                      Consoante o parágrafo único do art. 4º da Lei nº 8.666/93, o procedimento licitatório caracteriza ato administrativo formal, por isso, o descumprimento das disposições da Lei de Licitações implica lesão à norma de conteúdo formal, cuja ofensa se configura independente de um dano concreto ao bem juridicamente protegido, ou de ma-fé do autor, mormente por se tratar de norma-coerção.

                              Dessa forma, a publicação na imprensa oficial pelo prazo menor que o determinado em lei caracteriza lesão à norma de regência e razão suficiente para manutenção do item atacado.

                                  III.II.II Item 6.2.1.3.2. Multa. Não Prover.
                                  Comissão de Licitação. Responsabilidade Solidária.

                              Os membros das Comissões de Licitação responderão solidariamente por todos os atos praticados, salvo se a posição individual divergente estiver devidamente fundamentada e registrada em ata lavrada na reunião em que tiver sido tomada a decisão.

                              A multa aplicada no item 6.2.1.3.2. tem como base duas irregularidades, quais sejam:

                              a) a ausência de fundamentação e motivação na análise dos recursos impetrados pelos participantes contra a decisão da Comissão de Licitação, contrariando os arts. 44, § 1º da Lei nº 8.666/93 e 16, § 5º, da Constituição Estadual; e

                              b) a falta de remessa à autoridade superior, contrariando a Cláusula 11.2 dos editais e o art. 109, § 4º, da Lei (federal) n. 8.666/93.

                              Em suas razões, o Recorrente trata apenas da ausência de fundamentação e de motivação, alegando que não acompanhou os passos dos processos licitatórios pois a análise e julgamento dos recursos interpostos era feita exclusivamente pelo membro da Comissão de Licitação designado pela CIDASC.

                              Desde logo, verifica-se a preclusão da matéria quanto aos fundamentos do Acórdão relacionados no subitem "b" supracitado.

                              Restringindo a análise deste tópico recursal apenas ao que se relaciona ao subitem "a", melhor sorte não assiste ao Recorrente.

                              A tese recursal não deve prosperar, pois, de acordo com o § 3º do art. 51 da Lei nº 8.666/93, os membros das comissões de licitação responderão solidariamente por todos os atos praticados, salvo se posição individual divergente estiver devidamente fundamentada e registrada em ata lavrada na reunião em que tiver sido tomada a decisão.

                              Nota-se que os argumentos ora colacionados têm como fundamento apenas a ausência de responsabilidade do Recorrente e a culpa exclusiva de um dos membros da Comissão. Em momento algum o Recorrente se utiliza da ressalva prevista no dispositivo em tela.

                              Também chama atenção o fato do Recorrente ser o Presidente da Comissão de Licitação, nomeado pela Resolução GDP nº 326.056/2005, constante nas fls. 163 dos autos do processo principal.

                              No caso, exsurge a responsabilidade do Recorrente enquanto membro da Comissão de Licitação. Nesse aspecto, colhe-se a lição de Marçal Justen Filho:

                                      Como a comissão delibera em conjunto, todos os seus integrantes têm o dever de cumprir a Lei e defender as funções atribuídas ao Estado. Mais ainda, cada membro da comissão tem o dever de opor-se à conduta dos demais integrantes quando viciada. O dispositivo se assemelha ao princípio consagrado no art. 158, §§ 1º e 2º, da Lei nº 6.404/76, que disciplina as sociedades por ações.

                              Os atos praticados pela Comissão de Licitação, pelos quais todos os membros são solidariamente responsáveis, atingiram a matriz principiológica sobre a qual está construído o ordenamento jurídico.

                              Por oportuno, traz-se à colação precedente do Tribunal de Contas da União acerca dos deveres da Comissão de Licitação.

                              Dessa forma, subsiste a restrição apontada.

                              III.II.III Itens 6.2.1.3.3, 6.2.1.3.4 e 6.2.1.3.5. Multa. Não Prover.

                                  Comissão de Licitação. Responsabilidade Solidária.

                              O itens do Acórdão ora combatidos tem como fundamento irregularidades praticadas pela Comissão de Licitação sobre as quais o Recorrente repisa a tese de que a responsabilidade pelo procedimento licitatório foi assumida exclusivamente pela CIDASC.

                              Trata-se de questão debatida no tópico anterior, invocando-se novamente o § 3º do art. 51 da Lei nº 8.666/93, para buscar a responsabilidade solidária do Recorrente, enquanto Presidente da Comissão de Licitação.

                              Ante o exposto, permanecem hígidos os itens guerreados.

                              III.II.IV. Item 6.2.1.3. Multa. Não Prover.

                              Multa. Circunstâncias Subjetivas. Competência.

                                  Diante de circunstâncias subjetivas que conduzam a um juízo de discricionariedade, a fixação do valor da multa compete exclusivamente ao Tribunal Pleno da Corte de Contas.

                              O Recorrente contesta o valor das multas aplicadas no item 6.2.1.3 alegando que sua condição econômica não lhe permite pagá-las sem comprometer o seu sustento e de sua família.

                              Diante das circunstâncias, requer a redução das multas.

                              As multas têm fundamento no art. 70, II, da LC nº 202/2000 c/c o art. 108, II, do Regimento Interno, os quais dispõem:

                                            LC 202/2000.
                                      Art. 70. O Tribunal poderá aplicar multa de até cinco mil reais aos responsáveis por:
                                      II – ato praticado com grave infração a norma legal ou regulamentar de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial;
                                      R.I.
                                      Art. 109. O Tribunal poderá aplicar multa de até cinco mil reais, observada a gradação abaixo, aos responsáveis por:
                                      II - ato praticado com grave infração à norma legal ou regulamentar de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, no valor compreendido entre oito por cento e oitenta por cento do montante referido no caput deste artigo;

                              Da leitura dos dispositivos, constata-se que o valor da multa pode variar entre R$ 400 e R$ 4.000. No caso, o item em análise foi dividido em cinco subitens, dos quais dois aplicaram multas de R$ 400, dois aplicaram multas de R$ 1.000 e um aplicou multa de R$ 1.500.

                              O Recorrente argumenta que o montante total das multas, no valor de R$ 4.300, é muito elevado para o seu padrão orçamentário. Entretanto, há que se analisar as sanções em face dos fatos geradores.

                              Na espécie, houveram sete fatos irregulares distribuídos em cinco sanções, sendo que as multas foram aplicadas em valores inferiores a metade do máximo permitido.

                              Nessas circunstâncias, a redução de multa que não foi aplicada em grau máximo requer a análise de elementos subjetivos que conduzem a um juízo de discricionariedade exclusivo do Tribunal Pleno desta Corte de Contas.

                              Ademais, é facultado ao Tribunal Pleno, em qualquer etapa do processo, autorizar o recolhimento do débito ou da multa em até 48 parcelas mensais e sucessivas, consoante dispõe o art. 41 da LC nº 202/2000 c/c o art. 61 do R.I.

                                      LC 202/2000
                                      Art. 41. Em qualquer fase do processo, o Tribunal poderá autorizar o recolhimento parcelado da importância devida, na forma estabelecida em provimento próprio, incidindo sobre cada parcela os correspondentes acréscimos legais.
                                      Parágrafo único. A falta de recolhimento de qualquer parcela importará o vencimento do saldo devedor.
                                      R.I.
                                      Art. 61. É facultado ao Tribunal Pleno, em qualquer etapa do processo, autorizar o recolhimento do débito ou da multa em até 48 parcelas mensais e sucessivas.
                                      § 1º Após a publicação da decisão, o Presidente do Tribunal pode autorizar o pagamento parcelado do débito imputado ou das multas cominadas, na forma prevista no caput mediante requerimento do interessado.
                                      § 2º Autorizado o pagamento parcelado, incidirão sobre cada parcela, corrigida monetariamente, os correspondentes acréscimos legais.
                                      § 3º A falta de recolhimento de qualquer parcela importará no vencimento antecipado do saldo devedor.

                              Por todo exposto, não procedem as razões do Recorrente.

                                V. CONCLUSÃO

                                Ante o exposto, sugere-se ao Exmo. Sr. Conselheiro Relator do processo que em seu Voto proponha ao Egrégio Plenário o que segue:

                                1. Conhecer do Recurso de Reconsideração, nos termos do art. 77 da Lei Complementar nº 202/2000, interposto contra o Acórdão nº 2399/2007, exarado na Sessão Ordinária de 05/12/2007 nos autos do Processo nº TCE - 07/00068570, e, no mérito:

                                1.1 Prover, em parte, o recurso interposto pelo Sr. João Carlos Biezus para lhe excluir da responsabilidade pelo débito imposto no item 6.1.2.2;

                                1.2 Negar provimento ao recurso interposto pelo Sr. Antônio Carlos Hack;

                                1.3 Manter os demais termos do Acórdão recorrido.

                                2. Dar ciência deste Acórdão, do relatório e voto que o fundamentam, bem como deste Parecer COG, ao Sr. João Carlos Biezus, ao Sr. Antônio Carlos Hack, aos Procuradores dos Recorrentes, à FAPESC, à UnC - Campus Concórdia, à CIDASC, à EPAGRI e ao Representante dos autos do processo nº RPJ-07/00068570.

                                    COG, em 17 de abril de 2008.
                                    CLAUTON SILVA RUPERTI
                                                Auditor Fiscal de Controle Externo
                                                De Acordo. Em ____/____/____
                                                HAMILTON HOBUS HOEMKE
                                                Coordenador de Recursos
                                    DE ACORDO.
                                    À consideração do Exmo. Sr. Relator Gerson dos Santos Sicca, ouvido preliminarmente o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas.
                                      COG, em de de 2008.
                                      MARCELO BROGNOLI DA COSTA

                                    Consultor Geral


                                      1 CF/88. Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: ...LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; ...

                                      2 Art. 66, § 3.º, do Regimento Interno.

                                      3 Rec.

                                      4 Cláusula Primeira. Do Objeto. TCE, fls. 1849.

                                      5 Cláusula Primeira. Objeto. TCE, fls. 50.

                                      6 Relatório DAE nº 04/07, TCE, fls. 2573

                                      7 Relatório DAE nº 06/07, TCE, fls. 4916.

                                      8 Contrato nº 8105/05, cláusula terceira item 1.1, fls. 47, c/c cláusula terceira, §3º, Aditivo 001/05, fls. 51.

                                      9 Contrato nº 8105/05, cláusula terceira item 2., TCE, fl. 47.

                                      10 Código Civil. Art. 627. Pelo contrato de depósito recebe o depositário um objeto móvel, para guardar, até que o depositante o reclame. A hipótese dos autos não caracteriza contrato de depósito porque os bens não foram entregues à UnC com o objetivo de ser posteriormente devolvidos à CIDASC. Segundo Venosa: Para caracterizar o depósito, é necessário que o contratante manifeste o animus de receber a coisa depositada, quando o depósito não decorre da lei. Não existe manifestação de vontade de depositário, por exemplo, no guarda-chuva ou no chapéu que se deixa na sala de espera de um consultório ou escritório, nem no paletó ou bolsa que se coloca sobre a cadeira de um restaurante. Haverá depósito, porém, se preposto do restaurante recebe a coisa com a precípua finalidade de custodiá-la durante a permanência do consumidor no local. Também não se caracterizarão como depósito, como regra, atos de simples gentileza ou cortesia, como alguém que se dispõe a guardar objeto por certo período, durante viagem em ônibus, por exemplo, sem assumir obrigação de custódia. (in Sílvio de Salvo Venosa. Direito Civil. Contratos em Espécie. 6ªEd. São Paulo: Atlas, 2006. P. 248)

                                      11 MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de Direito Privado. Parte Especial. Tomo XLII. Rio de Janeiro: Borsoi, 1963. P. 328.

                                      12 VENOSA, ob. cit., p. 249.

                                      13 Cláusula Segunda - Local de Instalação. TCE, fls. 46.

                                      14 MIRANDA, ob. cit., p. 330.

                                      15 TCE, fls. 1854.

                                      16 TCE, fls. 50/51.

                                      17 TCE, fls. 50.

                                      18 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RECURSO ESPECIAL nº 120719/SP. Rel. Min. RUY ROSADO DE AGUIAR. Data do Julgamento: 22/10/1997. Data da Publicação/Fonte: DJ 12/04/1999. P. 156.

                                      19 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RECURSO ESPECIAL nº 57712/RJ. Rel. Min. RUY ROSADO DE AGUIAR. Data do Julgamento: 11/04/1995. Data da Publicação/Fonte: DJ 29/05/1995. P. 15524.

                                      20 TCE, fls. 1844.

                                      21 TCE, fls. 4915.

                                      22 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil - Responsabilidade Civil. v.4, 6.ª ed. São Paulo: Atlas, 2006. P. 42.

                                      23 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 23ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2007. P. 832.

                                      24 Rec, fls. 18.

                                      25 Parecer COG-282/07, Autos do Processo nº REC 03/07544028.

                                      26 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 11ª Ed. São Paulo: Dialética, 2005. P. 480/481.

                                      27 BRASIL. Tribunal de Contas da União. Ob. Cit. P. 24, Acórdão 984/2003. Plenário.