PROCESSO Nº:

REC-09/00705264

UNIDADE GESTORA:

Prefeitura Municipal de Água Doce

RESPONSÁVEL:

Antônio Araújo Guerreiro

ASSUNTO:

Recurso de Reexame - art. 80 da Lei Complementar nº 202/2000 - da decisão exarada no proc. REP n. 01/01929560 Rep. de Agente Público acerca de irregularidades na admissão de pessoal decorrente do Edital (de Concurso Público) n. 001/99 e na execução de funções

PARECER Nº:

COG - 760/2011

 

Recurso de Reexame. Administrativo. Nomeação. Cargo. Pressuposto. Habilitação especial. Ausência. Multa.

Segundo o art. 144 do Código de Trânsito Brasileiro (Lei nº 9.503/97), o trator de roda, o trator de esteira, o trator misto ou o equipamento automotor destinado à movimentação de cargas ou execução de trabalho agrícola, de terraplenagem, de construção ou de pavimentação só podem ser conduzidos na via pública por condutor habilitado nas categorias C, D ou E.

É passível de aplicação de multa a irregularidade originada por nomeação de servidor para cargo de Operador de Trator Agrícola ou Operador de Máquina sem que possua a necessária habilitação exigida.

Administração Municipal. Desvio de função. Concurso público. Multa.

Tem-se o desvio de função diante da atribuição a servidor de função estranha à competência do cargo para o qual foi nomeado.

A ocorrência do desvio de função implica em ofensa direta ao enunciado disposto no inciso II do art. 37 da CF/88, em que se exige aprovação prévia em concurso público como forma de acesso em cargo ou emprego público (Parecer COG 471/07).

É passível de aplicação de multa a irregularidade originada pelo desvio de função, com fundamento no art. 70, II, da LC nº 202/00 (LO-TCE/SC), c/c o art. 109, II, do Regimento Interno do TCE/SC.

 

Sr. Consultor,

 

1. INTRODUÇÃO

 

 

Trata-se de Recurso de Reexame (art. 80 da Lei Complementar nº 202/2000) da decisão exarada no processo REP-01/01929560 (Representação do Poder Judiciário), interposto pelo Sr. Antônio Araújo Guerreiro, na qualidade de responsável, em objeção ao Acórdão nº 1335/2009, que considerou irregulares os atos de nomeação de pessoal sem a necessária habilitação exigida no Edital de Concurso Público nº 001/99, bem como o exercício, por parte de servidores, de funções diversas para as quais foram admitidos, e aplicou multas. 

O processo em questão é resultante de representação acerca de irregularidades na Prefeitura Municipal de Água Doce, cometidas no exercício de 1999, com reflexos também em 2000 e 2001.

Conforme a Decisão nº 2151/2001[1], o Tribunal Pleno conheceu da representação e determinou à Diretoria de Auditorias Especiais (DEA) a adoção de providências.

Efetuada diligência à Prefeitura de Água Doce, foi elaborado o Relatório de Auditoria DEA nº 14/02[2].

Em razão de dúvidas existentes, o Tribunal Pleno, através da Decisão nº 0976/2002[3], decidiu sobrestar o julgamento do processo e determinar o encaminhamento dos autos à DEA, que, posteriormente, elaborou a Informação nº 018/02[4].

O Conselheiro Relator Substituto Gerson dos Santos Sicca, através do despacho de fl. 88 dos autos principais, manifestou-se no sentido de que fosse procedido levantamento da atual situação funcional dos servidores relacionados às irregularidades denunciadas.

Os autos foram encaminhados à Diretoria de Controle dos Municípios (DMU), que promove diligência à Prefeitura de Água Doce, conforme o Relatório DMU nº 1789/2007[5].

O atendimento à diligência deu-se através da juntada aos autos da documentação de fls. 93-103 dos autos principais.

A DMU manifestou-se através do Relatório nº 4437/2007[6].

Citado, o Sr. Antônio Araújo Guerreiro apresentou defesa e juntou documentos às fls. 119-207 dos autos principais.

A equipe técnica, por meio do Relatório de Reinstrução DMU nº 2855/2008 (fls. 209-218 dos autos principais), opinou no sentido de considerar irregular a nomeação de três servidores sem que esses possuíssem a necessária habilitação exigida no edital de concurso público, assim como a existência de quatro servidores em desvio de função.

O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas (MPTC), através do Parecer nº 1515/2009 (fls. 220-228 dos autos principais), acompanhou o entendimento, e do mesmo modo a Relatoria do feito (fls. 230-233 dos autos principais).

 

Em Sessão Ordinária realizada no dia 19/10/09, o processo foi julgado pelo Tribunal Pleno, que, por unanimidade, acompanhou o voto do Relator, exarando o Acórdão nº 1335/2009 (fls. 234-236 dos autos principais) nos seguintes termos:

 

ACORDAM os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro no art. 59 c/c o art. 113 da Constituição do Estado e no art. 1° da Lei Complementar n. 202/2000, em:

 

6.1. Conhecer do Relatório de Auditoria realizada na Prefeitura Municipal de Água Doce, para considerar irregulares os atos de nomeação de pessoal sem a necessária habilitação exigida no Edital (de Concurso Público n. 001/99), bem como o exercício, por parte de servidores, de funções diversas para as quais foram admitidos, tratados nos itens 6.2.1 e 6.2.2 desta deliberação.

 

6.2. Aplicar ao Sr. Antônio Araújo Guerreiro - ex-Prefeito Municipal de Água Doce, CPF n. 250.292.909-15, com fundamento no art. 70, II, da Lei Complementar n. 202/2000 c/c o art. 109, II, do Regimento Interno, as multas abaixo relacionadas, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico desta Corte de Contas, para comprovar ao Tribunal o recolhimento ao Tesouro do Estado das multas cominadas, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000:

 

6.2.1. R$ 1.000,00 (mil reais), em face da nomeação de três[7] servidores, decorrente do Edital (de Concurso Público) n. 001/99, sem que estes possuíssem a necessária habilitação exigida, em desacordo com o disposto no referido Edital, bem como em afronta aos princípios da legalidade e impessoalidade insertos no caput do art. 37 da Constituição Federal (item 1.1 do Relatório DMU);

 

 6.2.2. R$ 1.000,00 (mil reais), pela existência de quatro[8] servidores exercendo atividades diversas das originalmente para as quais foram admitidos, caracterizando desvio de função, contrariando o Edital (de Concurso Público) n. 001/99 e o princípio da legalidade insculpido no art. 37, caput, da Constituição Federal (itens 2.1.1, 2.2 e 2.3 do Relatório DMU).

 

6.3. Determinar à Prefeitura Municipal de Água Doce que sejam adotadas providências com vistas:

 

 6.3.1.

à verificação da habilitação exigida aos detentores do cargo de motorista, com revisão do ato de nomeação de servidores que não preencham os requisitos do cargo;

 

6.3.2. à abstenção de autorização a servidores para exercerem atividades diversas às inerentes ao cargo para os quais foram nomeados, de forma a não caracterizar desvio de função.

 

6.4. Alertar a Prefeitura Municipal de Água Doce, na pessoa do Prefeito Municipal, que o não cumprimento do item 6.3, e subitens, desta deliberação implicará a cominação das sanções previstas no art. 70, VI e § 1º, da Lei Complementar (estadual) n. 202/00, conforme o caso, e o julgamento irregular das contas, na hipótese de reincidência no descumprimento de determinação, nos termos do art. 18, § 1º, do mesmo diploma legal.

 

6.5. Determinar à Secretaria Geral - SEG, deste Tribunal, que comunique à Diretoria Geral de Controle Externo - DGCE, após o trânsito em julgado, acerca das determinações constantes do item 6.3 retrocitado para fins de registro no banco de dados e encaminhamento à Diretoria de Controle competente para juntada ao processo de contas do gestor.

 

Inconformado com a supracitada decisão, o Sr. Antônio Araújo Guerreiro interpôs o presente Recurso de Reexame.

 

É o relatório.

 

2. ANÁLISE

2.1 Pressupostos de admissibilidade

Em relação à tempestividade, verifica-se ser o recurso tempestivo, vez que o Acórdão nº 1335/2009 (fls. 234-236 dos autos principais) foi publicado no DOTC-e nº 367, de 3/11/09. Tendo o presente recurso sido protocolado no dia 3/12/09, foi interposto, portanto, dentro do prazo de 30 dias estabelecido no art. 80 da Lei Complementar nº 202/2000 (Lei Orgânica do TCE/SC), que assim dispõe:

Art. 80. O Recurso de Reexame, com efeito suspensivo, poderá ser interposto uma só vez por escrito, pelo responsável, interessado, ou pelo Ministério Público junto ao Tribunal, dentro do prazo de trinta dias contados a partir da publicação da decisão no Diário Oficial do Estado.

 

O referido dispositivo legal foi reprisado no art. 139 da Resolução nº TC-06/2001, que institui o Regimento Interno do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina.

Quanto aos pressupostos legais e regimentais tangentes à legitimidade, foram estes atendidos, uma vez que o recurso foi manejado por parte legítima - no caso o responsável.

Outrossim, o recurso cumpre o requisito da singularidade, visto que interposto pela primeira vez.

No que concerne à adequação, o Recurso de Reexame é adequado, uma vez que sua interposição é cabível, a teor do art. 79 da Lei Complementar nº 202/2000 (Lei Orgânica do TCE/SC), que assim estatui:

 

Art. 79. De decisão proferida em processos de fiscalização de ato e contrato e de atos sujeitos a registro, cabem Recurso de Reexame e Embargos de Declaração.

 

Restam cumpridos, portanto, os pressupostos de admissibilidade indispensáveis ao conhecimento do presente Recurso de Reexame.

2.2  Da ausência de habilitação (item 6.2.1)

A decisão guerreada aplicou multa ao responsável em razão da nomeação de três servidores – Claudemir dos Santos, Pedro de Oliveira e Antônio Adão Putton - sem que esses possuíssem a necessária habilitação exigida, em desacordo com o disposto no Edital de Concurso Público nº 001/99.

Em sua defesa, o recorrente aduz que a habilitação exigida no art. 144 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) diz respeito à condução de máquinas em via pública; que a transporte das máquinas pesadas seria feito através de veículo especial; que eventuais movimentações de máquinas nas vias públicas dava-se em operação de trabalho, o que não seria contemplado pelo CTB, ou em descumprimento de regra; que no edital de concurso não estaria prevista a necessidade de habilitação CNH para o exercício das atividades de Operador de Trator Agrícola e Operador de Máquinas.

Requer em virtude disso o cancelamento da multa imposta.

Sem razão o recorrente.

Tais argumentos reproduzem aqueles já apresentados e analisados pelas unidades técnicas.

Extrai-se do Relatório de Reinstrução DMU nº 2855/2008 (fl. 210-112 dos autos principais):

Segundo as alegações da defesa, o Edital de Concurso Público nº 01/99 não previa a necessidade da Carteira Nacional de Habilitação - CNH para o exercício das atividades de Operador de Trator Agrícola e Operador de Máquinas.

 

O Edital nº 01/99, assim define as atribuições destes dois cargos:

 

Operador de Trator Agrícola:

“Conhecimentos gerais s/ o manejo e manutenção; conhecimento sobre mecânica e motor  e outros equipamentos; ter treinamento específico para a função”(Grifo nosso)

Operador de Máquinas:

“Conhecimentos gerais s/ o manejo e manutenção; conhecimento sobre mecânica e motor  e outros equipamentos; ter treinamento específico para a função”(Grifo nosso)

Entre as atribuições do Operador de máquinas e de Trator Agrícola, está o manejo do equipamento, embora não previsto expressamente no Edital de Concurso Público, o manejo destes veículos exige a Carteira Nacional de Habilitação, de acordo com o que dispõe o art. 144 da  Lei nº 9.503, de 23/09/97, que institui o Código de Trânsito Brasileiro:

“Art. 144. O trator de roda, o trator de esteira, o trator misto ou o equipamento automotor destinado à movimentação de cargas ou execução de trabalho agrícola, de terraplenagem, de construção ou de pavimentação só podem ser conduzidos na via pública por condutor habilitado nas categorias C, D ou E”

No que se refere à alegação de que as máquinas não transitavam em via pública, por ser mecanicamente inviável fazer a transposição do equipamento rodando para o local de trabalho, o que seria feito por um veículo especial, o Responsável omitiu-se do envio de qualquer documentação que viesse a comprovar esta afirmação.

 

Considera-se ainda que, de acordo com o Relatório n. 14/02, o servidor Claudemir dos Santos deu causa a um acidente com a patrola da Prefeitura quando estava a caminho da garagem de máquinas, o que registra que este transitava em via pública.

 

Salienta-se, que de acordo com o apurado no Relatório de Audiência nº 4.437/2007, o servidor Claudemir dos Santos, atualmente possui carteira compatível com o cargo ocupado, categoria “D” (fl. 97, dos autos). Porém, no momento da Auditoria possuía CNH nº 071377472, expedida em 18.08.98, na categoria “B” (fl. 61 dos autos).

 

Em relação aos Srs. Pedro de Oliveira e Antônio Adão Putton, a Unidade não enviou informação quanto à habilitação exigida para ocupação do cargo.

 

Colhe-se também do Parecer MPTC nº 1515/2009, às fls. 222-224 dos autos principais:

Os cargos públicos de operador de trator agrícola e de máquinas, preenchidos pelo Concurso Público nº 01/99 exigiam habilitação especial nos termos do art. 144 do Código Brasileiro de Trânsito.

 

O Edital do concurso público, embora seja a “lei” do certame, não possui o condão de revogar leis em sentido estrito. Assim, era precondição estabelecida por regramento legal federal, que o provimento daqueles cargos ocorresse apenas mediante a apresentação da necessária habilitação especial.

 

O Sr. Claudenir dos Santos, assim como os Srs. Pedro de Oliveira e Antônio Adão Putton não possuíam a habilitação adequada para exercício do cargo, como revelam os autos.

 

 

O Código de Trânsito Brasileiro, em seu art. 144, estabelece a exigência de carteira de habilitação C, D ou E para a condução em via pública de trator de roda, trator de esteira, trator misto ou equipamento automotor destinado à movimentação de cargas ou execução de trabalho agrícola, de modo que somente poderiam ser preenchidos os cargos de Operador de Trator Agrícola e Operador de Máquinas, previstos no Edital de Concurso Público nº 001/99, por quem tivesse a necessária habilitação especial.

 

Ainda que o recorrente tivesse trazido aos autos prova do transporte das máquinas pesadas através de veículo especial, é inegável que as atividades desenvolvidas nesses cargos envolvem a execução de trabalhos em via pública.

 

Não há como admitir a manobra de tais automotores em uma via pública sem que o seu condutor tenha capacitação para isso, ou seja, sem que tenha conhecimentos de regras de circulação e aptidões técnicas.

 

Embora o edital do concurso, via de regra, seja a lei do certame, não se pode olvidar que as normas nele contidas obrigatoriamente devem estar harmonizadas com o princípio da legalidade, que norteia todos os atos da Administração Pública.

 

Ressalta-se ainda que um edital de concurso não é capaz de derrogar uma lei ordinária, estando o Edital de Concurso Público nº 001/99 da Prefeitura de Água Doce em descompasso com o que está previsto no Código de Trânsito Brasileiro.

 

Assim sendo, deve ser mantida a multa constante do item 6.2.1 imposta ao recorrente pela nomeação de servidores sem que esses possuíssem a necessária habilitação para o exercício da função.

 

No que tange à argumentação trazida pelo recorrente com relação ao servidor Helioberto Marcel Ramos, deve essa ser desconsiderada, pois, conforme o Relatório de Reinstrução DMU nº 2855/2008 (fl. 212/213 dos autos principais), a restrição com relação ao Sr. Helioberto Marcel Ramos foi considerada improcedente.

2.3  Do desvio de função (item 6.2.2)

A decisão guerreada aplicou multa ao responsável em razão da existência de quatro servidores - Pedro de Oliveira, Adão Putton, Marilde de Matos Knebel e Nilvo Luiz Pelegrini - exercendo atividades diversas daquelas para as quais foram originalmente admitidos.

A argumentação apresentada pelo recorrente novamente reproduz aquela já apresentada e analisada pela unidade técnica, conforme se verá adiante.

2.3.1 Da servidora Marilde de Matos Knebel

A auditoria in loco realizada pela área técnica (Relatório de Auditoria nº 14/02, às fls. 54-79 dos autos principais) apontou que a servidora Marilde de Matos Knebel, nomeada para o cargo de Técnico Tributário, foi designada para o “Controle de Patrimônio”, função típica do cargo de Escriturária.

 

Em sua defesa, o recorrente aduz que a servidora Marilde de Matos Knebel foi designada para proceder inventário do patrimônio pelos seus conhecimento jurídicos; e que o Secretário de Estado da Fazenda, através da Portaria nº 75/91, também designou um fiscal de tributos e um exator para o levantamento de patrimônio.

Os argumentos apresentados pelo recorrente já foram devidamente afastados pela área técnica. Extrai-se do Relatório de Reinstrução DMU nº 2855/2008 (fl. 214/215 dos autos principais):

De acordo com informações do responsável, o trabalho desenvolvido pela servidora Marilde de Matos Knebel, na inspeção e inventário do patrimônio exigia conhecimentos jurídicos, confiabilidade e responsabilidade.

A servidora, através da Portaria n. 80, de 29/03/2000, foi provida em caráter efetivo para o cargo de Técnico Tributário, que de acordo com o  Edital nº 01/99, previa os seguintes pré-requisitos:

“2º Grau, Curso na área Financeira, conhecedor do Código Tributário Municipal e do Nacional, Legislação pertinente e experiência na função.”

Conforme Relatório de Auditoria “in loco” n. 014/02, a servidora através da Portaria n.122/00 (fls. 32 dos autos), de 23/05/2000, foi designada a proceder o inventário do patrimônio, atualizando os registros e afixando as etiquetas.

 

Para o preenchimento do cargo de Técnico Tributário, foi exigido conhecimentos específicos, desnecessários para proceder o inventário do patrimônio. A designação da servidora para exercer atribuições incompatíveis com seu cargo, caracteriza desvio de função, nos termos do Prejulgado n. 586, deste Tribunal de Contas:

 

Desvio de função é a atribuição a servidor de funções não próprias do cargo para o qual foi nomeado.”

 

Em 06/02/2006, a senhora Marilde de Matos Knebel foi exonerada do Cargo, a pedido.

 

O desvio de função “consiste no exercício, pelo servidor, de funções relativas a outro cargo, que não o que ocupa efetivamente”[9].

No caso em apreço o desvio de função é inconteste, haja vista que, além da Portaria nº 122/00 (fl. 32 dos autos principais), o próprio recorrente confessa que a Sra. Marilde de Matos Knebel, nomeada para o cargo de Técnico Tributário, foi designada para o registro de Controle do Patrimônio.

A matéria já foi apreciada por essa Consultoria Geral, podendo-se citar o Parecer COG nº 471/07[10], nos autos do REC nº 04/03667909, o qual teve a seguinte ementa:

Desvio de função. Concurso público. 

A ocorrência do desvio de função implica em ofensa direta ao enunciado disposto no inciso II do art. 37 da CF/88, em que se exige aprovação prévia em concurso público como forma de acesso em cargo ou emprego público.

Assim preceitua o dispositivo dado como atingido:

Art. 37. Omissis.

(...)

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas a nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;

 

 

A necessidade de realização de novo certame público para o fim pretendido pelo responsável mostra-se patente e irrefutável.

 

Cumpre destacar ainda que as boas intenções do recorrente não se prestam para eximi-lo da responsabilidade, uma vez que é dever do gestor público agir sempre e somente conforme a lei.

 

Segundo Celso Antônio Bandeiro de Mello[11], o princípio da legalidade “é o princípio basilar do regime jurídico-administrativo”, sendo “fruto da submissão do Estado à lei”, ou seja, “é a consagração da ideia de que a Administração Pública só pode ser exercida na conformidade da lei”.

 

Ademais, o cometimento de uma irregularidade por terceiro não tem o condão de justificar a sua nova ocorrência.

Não se sustentam, portanto, os argumentos do recorrente.

2.3.2 Do servidor Nilvo Luiz Pelegrini 

A auditoria in loco realizada pela área técnica (Relatório de Auditoria nº 14/02, às fls. 54-79 dos autos principais) apontou que o servidor Nilvo Luiz Pelegrini, nomeado para o cargo de Operador de Máquinas, vinha exercendo, desde a sua posse, as atividades do cargo de Auxiliar de Serviços Gerais.

 

O recorrente afirma que até dezembro de 2000 o Sr. Nilvo Luiz Pelegrini encontrava-se em sua função de operador de máquinas; que no aterro sanitário existia uma retroescavadeira doada pelo Governo Federal para fazer os trabalhos de manejo do aterro sanitário; que havia também um trator agrícola com carreta para transporte de resíduos não reciclados da usina de triagem até o aterro; que essas máquinas eram operadas exclusivamente pelo servidor Nilvo; e que por isso estaria o servidor no desempenho de suas funções.

Os argumentos apresentados pelo recorrente já foram devidamente rebatidos. Extrai-se do Relatório de Reinstrução DMU nº 2855/2008 (fl. 216/217 dos autos principais):

Conforme informação do responsável, o servidor Nilvo Luiz Pelegrini, exercia a função de Operador de Máquinas no aterro sanitário, no transporte de resíduos não reciclados. De acordo com o Relatório de Auditoria “in loco” n. 14/02, referido servidor prestou concurso para o cargo de Operador de Máquinas e, desde sua posse, vinha cumprindo atribuições pertinentes ao cargo de Auxiliar de Serviços Gerais.

 

A documentação encaminhada em resposta a Diligência nº 1.798/2007, bem como os documentos e esclarecimentos prestados, não foram suficientes para comprovar que o servidor efetivamente exerce a função para a qual foi designado através de concurso público.

 

Diante da constatação da auditoria in loco, cabia ao recorrente comprovar nos autos que o servidor exercia a função para a qual havia sido nomeado. Essa prova, contudo, inexiste. Apresentar argumentos sem qualquer suporte probatórios nos autos não se presta para afastar a sua responsabilidade.

Não há como dar guarida, assim, aos argumentos do recorrente.

2.3.3 Dos servidores Pedro de Oliveira e Adão Putton

Segundos os apontamentos da área técnica, os servidores Pedro de Oliveira e Adão Putton já pertenciam ao quadro funcional da Prefeitura, na condição de Auxiliar de Serviços Gerais, e foram irregularmente nomeados para os cargos de Operador de Máquina e Operador de Trator Agrícola, respectivamente.

O recorrente não se insurgiu acerca do desvio de função e burla ao concurso público no caso dos supracitados servidores, nem tampouco trouxe aos autos documentação apta a sanar a irregularidade, aquiescendo, portanto, com a irregularidade indicada.

2.4 Do princípio da proporcionalidade

 

O recorrente alega que não houve má-fé ou dolo e que, por isso, deveria ser aplicado o princípio da proporcionalidade, isentando-o do pagamento de qualquer multa. Aduz também que o concurso público em análise foi efetuado por uma comissão designada, com o cumprimento de todos os requisitos legais e formais para a sua validade.

 

O princípio da proporcionalidade, juntamente com o princípio da razoabilidade, “constituem instrumentos de controle dos atos estatais abusivos”[12].

 

O grande fundamento do princípio da proporcionalidade é, portanto, o excesso de poder, no sentido de que cabe ao Poder Público, ao intervir nas atividades sob o seu controle, atuar porque a situação reclama realmente a sua intervenção, que deve se dar com equilíbrio, sem excessos e proporcionalmente ao fim a ser atingido[13]. “Aplica-se a todas as atuações administrativas para que sejam tomadas decisões equilibradas, refletidas, com avaliação adequada da relação custo-benefício”[14].

 

Cumpre ressaltar ainda que a aplicação do princípio da proporcionalidade deve ser verificada caso a caso e “exige equilíbrio e comedimento por parte do julgador, que deverá considerar com acuidade todos os elementos da hipótese sob apreciação”[15].

 

No caso em tela é gritante a violação da norma constitucional e da norma infraconstitucional pertinentes, assim como dos princípios basilares que regem a Administração Pública, em sete situações distintas.

 

Diante disso, verifica-se que a medida sancionadora adotada por essa Corte de Contas mostra-se adequada e necessária face à conduta irregular do gestor público.

 

3. CONCLUSÃO

 

Diante do exposto, a Consultoria Geral emite o presente Parecer no sentido de que o Auditor Gerson dos Santos Sicca proponha ao egrégio Tribunal Pleno decidir por:

 

          3.1. Conhecer do Recurso de Reexame, interposto nos termos do art. 80 da Lei Complementar nº 202, de 15 de dezembro de 2000, contra o Acórdão nº 1335/2009, exarado na Sessão Ordinária de 19/10/09, nos autos do processo REP nº 01/01929560, e no mérito negar provimento, ratificando na íntegra a Deliberação recorrida.

          3.2. Dar ciência da Decisão, do Relatório e Voto do Relator e do Parecer da Consultoria Geral ao Sr. Antônio Araújo Guerreiro e à Prefeitura Municipal de Água Doce.

 

Consultoria Geral, em 30 de novembro de 2011.

 

 ANDREZA DE MORAIS MACHADO

AUDITOR FISCAL DE CONTROLE EXTERNO

 

De acordo:

 

 JULIANA FRITZEN

COORDENADORA

 

 

 

Encaminhem-se os autos à elevada consideração do Exmo. Sr. Relator Auditor Gerson dos Santos Sicca, ouvido preliminarmente o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas.

 

 HAMILTON HOBUS HOEMKE

CONSULTOR GERAL



[1] Fl. 52 dos autos principais.

[2] Fls. 54-79 dos autos principais.

[3] Fl. 84 dos autos principais.

[4] Fls. 85/86 dos autos principais.

[5] Fls. 89-91 dos autos principais.

[6] Fls. 105-108 dos autos principais.

[7] Servidores Claudemir dos Santos, Pedro de Oliveira e Antônio Adão Putton.

[8] Servidores Pedro de Oliveira, Antônio Adão Putton, Marilde de Matos Knebel e Nilvo Luiz Pelegrini.

[9] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 24 ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011. p. 557.

[10] De autoria da Auditora Fiscal de Controle Externo Karine de Souza Zeferino Fonseca de Andrade.

[11] Curso de Direito Administrativo. 20ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 89

[12] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 24ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 38.

[13] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 24ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 38.

[14] MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 6ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.  p. 158.

[15] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 24ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 38.