PROCESSO Nº:

REC-11/00430579

UNIDADE GESTORA:

Prefeitura Municipal de Chapecó

RESPONSÁVEL:

João Rodrigues

INTERESSADO:

 

ASSUNTO:

Recurso de Reexame da decisão do processo REP-0900376180 - Representação do Poder Judiciário - Peças de Ação Trabalhista encaminhadas pela 1ª Vara do Trabalho de Chapecó com informe de contratação irregular de servidora no período de 09/04/06 a 31/09/09

PARECER Nº:

COG - 848/2012

 

RECURSO DE REEXAME. PROGRAMA EMERGENCIAL DE AUXÍLIO-DESEMPREGO. CONTRATAÇÃO IRREGULAR. CONHECER E NEGAR PROVIMENTO.

A Lei 5.055, de 07 de julho de 2006, do Município de Chapecó, institui o Programa Emergencial de Auxílio-Desemprego. A participação no PEAD, dirigido a população desempregada do Município, implica, segundo o disposto 4º da referida Lei, na colaboração de caráter eventual com a prestação de serviços de interesse da comunidade local ou da Administração Pública direta ou indireta, sem vínculo de subordinação e sem comprometimento das atividades.

Todavia, ao contrário do que prevê o dispostivo da Lei supremencionada, a prestação de serviços não se dá de caráter eventual, além de que o Município absorve a mão-de-obra dos trabalhadores para a consecução de serviços inerentes à sua atividade-fim, perdendo o programa, assim, sua legitimidade.

Outrossim, o art. 37, inciso I, § 2º, da Constituição Federal, condiciona a investidura em cargo ou emprego público à aprovação em concurso público, não tendo a servidora preenchido tal requisito constitucional

Por fim, pelos movitos supracitados, configura-se contratação irregular.

 

Sr. Consultor,

 

1. INTRODUÇÃO

 

1.1. Relatório

 

Tratam os autos de Recurso de Reexame interposto pelo Sr. João Rodrigues, ex-Prefeito do Município de Chapecó, nos termos do art. 80 da Lei Complementar Estadual nº 202/00, em face do Acórdão n. 0313/2011 (fls. 97/98 dos autos do REP-09/00376180), que considerou irregular a contratação da Sra. Maria Madalena da Silva, entre o período de 09/04/2006 a 31/09/2007, pela Prefeitura Municipal de  Chapecó, cujo teor é o que segue:

 

ACORDAM os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro no art. 59 c/c o art. 113 da Constituição do Estado e no art. 1° da Lei Complementar n. 202/2000, em:

6.1. Considerar irregular, com fundamento no art. 36, § 2º, alínea “a”, da Lei Complementar n. 202/2000, a contratação por tempo determinado da Sra. Maria Madalena da Silva no período de 09/04/2006 a 31/09/2007 pela Prefeitura Municipal de Chapecó.

6.2. Aplicar ao Sr. João Rodrigues – ex-Prefeito Municipal de Chapecó, CPF n. 232.789.513-87, com fundamento no art. 70, II, da Lei Complementar n° 202/2000, e art. 109 do Regimento Interno, a multa no valor de R$ 400,00 (quatrocentos reais), em face da contratação por tempo determinado da Sra. Maria Madalena da Silva no período de 09/04/2006 a 31/09/2007, em atividade de limpeza pública, sem restar caracterizada a real necessidade temporária e o excepcional interesse público, em desacordo com o art. 37, II e IX, da Constituição Federal, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico desta Corte de Contas, para comprovar ao Tribunal o recolhimento ao Tesouro do Estado da multa cominada, sem o quê, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000.

6.3. Dar ciência deste Acórdão, do Relatório e Voto do Relator que o fundamentam, bem como do Relatório DAP/Insp.1/Div.4 n. 447/2010, à Prefeitura Municipal de Chapecó, ao Sr. João Rodrigues - ex-Prefeito daquele Município, e à 1ª Vara do Trabalho de Chapecó.

 

O Acórdão n. 0313/2011 foi publicado no Diário Oficial Eletrônico do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina nº 740 em 16/05/2011 (fls. 97/98).

É o relatório.

 

1.2. Pressupostos de Admissibilidade

 

Os artigos 79 e 80 da Lei Complementar Estadual nº 202/00, disciplinam o Recurso de Reexame nos seguintes termos:

 

Art. 79. De decisão proferida em processos de fiscalização de ato e contrato e de atos sujeitos a registro, cabem Recurso de Reexame e Embargos de Declaração.

 

Art. 80. O Recurso de Reexame, com efeito suspensivo, poderá ser interposto uma só vez por escrito, pelo responsável, interessado ou pelo Ministério Público junto ao Tribunal, dentro do prazo de trinta dias contados a partir da publicação da decisão no Diário Oficial do Estado. (grifou-se)

 

Desta forma, diante dos dispositivos supracitados, os pressupostos de admissibilidade do Recurso de Reexame são cabimento, adequação, legitimidade, tempestividade e singularidade.

No que se refere ao cabimento e adequação, verifica-se que o ato impugnado é uma decisão proferida quando da fiscalização de ato de contrato, portanto, o Recurso de Reexame foi interposto corretamente.

No que diz respeito aos requisitos de singularidade e prazo recursal, observa-se que o recurso em análise cumpriu as exigências legais pertinentes, uma vez que, o Acórdão n. 0313/2011 (fls. 97/98) foi publicada em 16/05/2011 no Diário Oficial Eletrônico do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina nº 740, tendo o recurso sido protocolado em 26/05/2011, bem como, interposto uma única vez.

Quanto ao requisito da legitimidade para o manejo do recurso, constata-se a condição de responsável do recorrente – ex-Prefeito do Município de Chapecó -, em conformidade com o disposto no art. 133, § 1º, da Resolução nº 16/2001 do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina que, assim dispõe:

 

Art. 133. Em todas as etapas do processo de julgamento de contas, de apreciação de atos sujeitos a registro e de fiscalização de atos e contratos será assegurada aos responsáveis ou interessados ampla defesa.

§ 1° Para efeito do disposto no caput, considera-se:

a) responsável aquele que figure no processo em razão da utilização, arrecadação, guarda, gerenciamento ou administração de dinheiro, bens, e valores públicos, ou pelos quais o Estado ou o Município respondam, ou que, em nome destes assuma obrigações de natureza pecuniária, ou por ter dado causa a perda, extravio, ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário;

b) interessado o administrador que, sem se revestir da qualidade de responsável pelos atos objeto de julgamento ou de apreciação pelo Tribunal de Contas, deva se manifestar nos autos na condição de atual gestor. (grifei)

 

 Portanto, preenchidos os requisitos para propositura do recurso em análise.

 

2. ANÁLISE

 

Tratam os autos originais de Representação, interposta pela Sra. Vera Marisa Vieira Ramos, Juíza da 1ª Vara do Trabalho da Comarca de Chapecó/SC, com fundamento no artigo 1º, inciso XVI c/c artigo 65, da Lei Complementar n. 202/00, contra o procedimento da Prefeitura Municipal de Chapecó, referente à contratação da Sra. Maria Madalena da Silva, entre o período de 09/04/2006 a 31/09/2007, sem aprovação em concurso público, fato contrário ao disposto no artigo 37, inciso II, da Constituição Federal.

O Tribunal de Contas após análise do Relatório DAP/Insp.1/Div.4 n. 447/2010, bem como das alegações prestadas pelo Recorrente, julgou, por meio do Acórdão n. 0313/2011, irregular, com fundamento no art. 36, § 2º, alínea “a”, da Lei Complementar 202/2000, a contratação por tempo determinado da Sra. Maria Madalena da Silva.

O Recorrente insurge-se em decorrência da aplicação multa no valor de R$ 400,00 (quatrocentos reais), com base no art. 70, II, da Lei Complementar 202/2000.

Em suas razões recursais, o Recorrente discorre acerca de fatos alheios a discussão em tela, tendo em vista que as contratações das Cooperativas de Trabalhadores da Vila Elisabeth, e Vida e Esperança feitas pela Prefeitura do Município de Chapecó não foram os motivos ensejadores da penalidade aplicada.

A Sra. Maria Madalena da Silva atuava, durante o período de 09/04/2006 a 31/09/2007, na área de limpeza pública, atividade fim e essencial do Poder Público. Extrai-se da sentença prolatada nos autos do processo trabalhista, a qual promoveu a instauração dos autos originais do Processo de Representação n. REP-09/00376180, a alegação do Recorrente afirmando que, em realidade, a Prefeitura Municipal de Chapecó não possuía vínculo de emprego com a Sra. Maria Madalena da Silva, sendo que esta era bolsita do Programa Emergencial de Auxílio-desemprego, instituído pela Lei Municipal de Chapecó n. 5.055, de 07 de julho de 2006. Afirma também (fls. 38 dos autos do Processo n. REP-09/00376180) que “o Programa tem como objetivo instruir e preparar o desempregado para o reingresso no mercado de trabalho”.

Contudo, o art. 4º da Lei supramencionada prevê a prestação de determinados serviços e a jornada de atividade de cada bolsista, in verbis:

 

Art. 4º A participação no PEAD implica a colaboração, em caráter eventual, com a prestação de serviços de interesse da comunidade local ou da Administração Pública direta ou indireta, sem vínculo de subordinação e sem comprometimento das atividades já desenvolvidas por esses órgãos.

 

§ 1º Dentre os serviços de interesse local, priorizar-se-ão:

I - obras de pavimentação de logradouros e paralelepípedos;

II - obras de canalização pluvial e/ou cloacal com sistema de tubulação e outros aspectos referentes;

III - limpeza, capina e consertos diversos em praças e canteiros públicos;

IV - limpeza, varrição e conservação de logradouros públicos;

V - limpeza, remoção de entulhos, capina e/ou roçada em terrenos baldios;

VI - consertos de passeios públicos;

VII - organização e execução de obras públicas em regime de mutirão;

VIII - outros serviços e obras públicas compatíveis;

IX - situações de emergência ou estado de calamidade pública;

X - campanhas e ações de saúde de caráter de emergência ou para combater surtos endêmicos;

XI - realização de recenseamentos, coleta de dados ou pesquisa, no âmbito do município

 

§ 2º A jornada de atividade de cada bolsista no PEAD será de 8 (oito) horas por dia, durante 4 (quatro) dias por semana, mais 1 (um) dia destinado a curso de qualificação profissional ou alfabetização.

 

 

Observa-se, assim, que, na verdade, o programa utiliza-se da absorção da mão-de-obra dos trabalhadores inscritos no Programa Emergencial de Auxílio-desemprego para a obtenção de serviços públicos inerentes à sua atividade-fim, o que desconfigura a sua legitimidade.

Imperioso ressaltar que o art. 37, inciso I, § 2º, da Constituição Federal condiciona a investidura em cargo ou emprego público à aprovação em concurso público, o que não ocorreu neste caso concreto.

Vale lembrar que a Prefeitura do Município de Chapecó também teria outras duas opções, além da elaboração de concurso público, para contratar um prestador de serviços públicos no âmbito da limpeza urbana, senão vejamos.

A Constituição Federal prevê em seu art. 175 que compete ao Poder Público a prestação de serviços públicos:

 

Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. (grifo nosso)

 

Neste ponto, então, faz-se necessário o conceito de serviços públicos. Nas palavras de Hery Lopes Meirelles:

 

“Serviço público é todo aquele prestado pela Administração ou por seus delegados, sob normas e controles estatais para satisfazer necessidades essenciais ou secundárias da coletividade ou simples conveniência do Estado”.

 

“Serviços públicos não essenciais: São de regra, delegáveis e podem ser remunerados por preço público. Exemplos são o serviço postal, os serviços telefônicos, telégrafos, de distribuição de energia elétrica, de gás, etc.

[...]

a) serviços gerais ou uti universi: Os serviços ditos gerias são prestados a toda coletividade, indistintamente, ou seja, seus usuários são indeterminados e indetermináveis. Não é possível à Administração identificar separadamente as pessoas beneficiadas por um serviço prestado uti universi, não sendo, também, possível mensurar a parcela utilizada por cada um. Os serviços gerais, analisados sob a ótica da utilização por parte dos usuários, são ditos indivisíveis, ou seja, não é possível determina-se quem os utiliza ou quanto é utilizado por cada um.

Exemplos de serviços gerais são o serviço de iluminação pública, de limpeza urbana, de conservação de logradouros públicos, de policiamento urbano, garantia de segurança nacional, etc”. (grifo nosso)

 

Concluindo-se, assim, tratando-se o presente caso de serviços na área de limpeza urbana, que a prestação de tais serviços pelo Poder Público poderia também ser delegada, através de licitação, sob o regime de concessão ou permissão. Neste liame, prevê a Lei n. 11.445/2007, das Diretrizes Nacionais para o Saneamento Básico:

 

Art. 3º. Para os efeitos desta Lei, considera-se:

I - saneamento básico: conjunto de serviços, infra-estruturas e instalações operacionais de:

[...]

c) limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos: conjunto de atividades, infra-estruturas e instalações operacionais de coleta, transporte, transbordo, tratamento e destino final do lixo doméstico e do lixo originário da varrição e limpeza de logradouros e vias públicas;

 

[...]

 

Art. 8o Os titulares dos serviços públicos de saneamento básico poderão delegar a organização, a regulação, a fiscalização e a prestação desses serviços, nos termos do art. 241 da Constituição Federal e da Lei no 11.107, de 6 de abril de 2005.

 

[...]

 

Art. 10. A prestação de serviços públicos de saneamento básico por entidade que não integre a administração do titular depende da celebração de contrato, sendo vedada a sua disciplina mediante convênios, termos de parceria ou outros instrumentos de natureza precária.

§ 1º Excetuam-se do disposto no caput deste artigo:

I - os serviços públicos de saneamento básico cuja prestação o poder público, nos termos de lei, autorizar para usuários organizados em cooperativas ou associações, desde que se limitem a:

a) determinado condomínio;

b) localidade de pequeno porte, predominantemente ocupada por população de baixa renda, onde outras formas de prestação apresentem custos de operação e manutenção incompatíveis com a capacidade de pagamento dos usuários;

II - os convênios e outros atos de delegação celebrados até o dia 6 de abril de 2005.

§ 2º A autorização prevista no inciso I do § 1o deste artigo deverá prever a obrigação de transferir ao titular os bens vinculados aos serviços por meio de termo específico, com os respectivos cadastros técnicos. (grifo nosso)

 

Outrossim, também havia a possibilidade de a Unidade Gestora em questão criar um ente integrante da Administração Pública Indireta com a finalidade específica de realizar a limpeza urbana, como também prevê o art. 16, da Lei supracitada:

 

Art. 16. A prestação regionalizada de serviços públicos de saneamento básico poderá ser realizada por:

 

I - órgão, autarquia, fundação de direito público, consórcio público, empresa pública ou sociedade de economia mista estadual, do Distrito Federal, ou municipal, na forma da legislação;

II - empresa a que se tenham concedido os serviços. (grifo nosso)

 

A esse respeito, acrescenta Marçal Justen Filho:

 

“Não existe concessão em sentido próprio porque os sujeitos que se associam são entes federativos. Não se aplica o regime próprio da concessão, que é incompatível com a condição jurídica dos entes políticos. Essa ponderação se aplica mesmo nas hipóteses em que o convênio envolve a participação de uma entidade integrante da Administração Pública Indireta de um ente político. Tal como exposto a propósito da concessão-descentralização, o serviço público continuará a ser prestado com recursos estatais mediante uma pessoa administrativa que está sob controle público e que pode ser extinta a qualquer tempo.

Também nessa hipótese não há incidência do regime de concessão de serviço público, o que exclui a necessidade de prévia licitação.” (grifo nosso)

 

Verifica-se, entretanto, que a Prefeitura Municipal de Chapecó não observou nenhuma das situações acima expostas, o que configura a irregularidade na contratação temporária da Sra. Maria Madalena da Silva.

Desta forma, sugere-se a manutenção do acórdão proferido.

 

3. CONCLUSÃO

 

Diante do exposto, a Consultoria Geral emite o presente Parecer no sentido de que o Conselheiro Herneus De Nadal proponha ao Egrégio Tribunal Pleno decidir por:

 

          3.1. Conhecer do Recurso de Reexame, interposto nos termos do art. 80 da Lei Complementar nº 202, de 15 de dezembro de 2000, contra o Acórdão n. 0313/2011 exarada na Sessão Ordinária de 02/05/2011, nos autos do Processo n. REP-09/00376180, e no mérito negar provimento, ratificando na íntegra a Deliberação Recorrida.

 

Consultoria Geral, em 24 de julho de 2012.

 

 THEOMAR AQUILES KINHIRIN

AUDITOR FISCAL DE CONTROLE EXTERNO

 

 

Encaminhem-se os Autos à elevada consideração do Exmo. Sr. Relator  Herneus De Nadal, ouvido preliminarmente o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas.

 

 JULIANA FRITZEN

CONSULTOR GERAL EM EXERCÍCIO