ESTADO DE SANTA CATARINA

TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO
GABINETE DO CONSELHEIRO WILSON ROGÉRIO WAN-DALL

 

 

Processo nº:

REC-07/00265210

Unidade Gestora:

Prefeitura Municipal de Imaruí

Responsável:

Sr. Pedro Motta Roussenq

Assunto:

Recurso de Reconsideração – art. 77 da LC 202/2000 – TCE-959240595

Parecer nº:

GC/WRW/2008/072/ES

 

 

Legislação. Efeito no tempo.

Regra geral, a lei, a partir de sua publicação, dirige-se à disciplina de situações futuras. Logo, não cabe a utilização de disposições legais para atingir fatos passados, se a lei assim não o dispuser de modo explícito.

 

Contrato. Cláusulas uniformes.

Não pode ser considerado contrato com cláusulas uniformes, o contrato administrativo que é consensual, formal, oneroso, comutativo e realizado ‘intuito personae’, objetivando o interesse público pela Administração Pública e o lucro pelo particular, além de comportar, entre outras particularidades, alterações contratuais efetuáveis bilateralmente e a garantia do contrato ao equilíbrio econômico-financeiro do contrato.

 

 

1.   RELATÓRIO

 

Cuidam os autos de Recurso de Reconsideração, interposto pelo Ilmo. Sr. Pedro Motta Roussenq, ex-Prefeito do Município de Imaruí, em face do Acórdão n. 745/2007, proferido nos autos n. TCE-9592405/95.

 

Seguindo os trâmites regimentais, a peça recursal foi examinada pela Consultoria-Geral deste Tribunal, a qual, por meio do Parecer n. COG-858/2007, entendeu presentes os pressupostos de admissibilidade e, no mérito, propugnou que lhe fosse negado provimento.[1]

 

O Ministério Público, em parecer da lavra de seu Procurador-Geral, Dr. Márcio de Souza Rosa, acompanhou o entendimento do órgão consultivo.[2]

 

Este o sucinto relatório, passo, a seguir, às minhas considerações.

 

Examinando os autos principais, constato que o acórdão recorrido possui a seguinte dicção:

 

“[...] ACORDAM os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro no art. 59 c/c o art. 113 da Constituição do Estado e no art. 1° da Lei Complementar n. 202/2000, em:

 

6.1. Julgar irregulares, com imputação de débito, com fundamento no art. 18, inciso III, alíneas "b" e "c", c/c o art. 21, caput, da Lei Complementar n. 202/2000, as contas pertinentes à presente Tomada de Contas Especial, que trata de irregularidades constatadas quando da auditoria realizada na Prefeitura Municipal de Imaruí, referentes aos exercícios de 1998 e 1999, em decorrência de Denúncia formulada a este Tribunal de Contas, e condenar o Responsável – Sr. Pedro Motta Roussenq - ex-Prefeito daquele Município, CPF n. 305.838.539-00, ao pagamento das quantias abaixo relacionadas, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial do Estado para comprovar, perante este Tribunal, o recolhimento dos valores dos débitos aos cofres do Município, atualizados monetariamente e acrescidos dos juros legais (arts. 40 e 44 da Lei Complementar n. 202/2000), calculados a partir das datas de ocorrência dos fatos geradores dos débitos, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial (art. 43, II, do mesmo diploma legal):

 

6.1.1. R$ 8.160,00 (oito mil cento e sessenta reais), pertinente a despesas com pagamento irregular de valores remuneratórios (diferença entre as remunerações) quando da acumulação do mandato de Vice-prefeito e do cargo de Secretário Municipal de Administração, em afronta ao princípio constitucional da legalidade insculpido no art. 37, caput, da Constituição Federal, aos arts. 62 e 63 da Lei Federal nº 4.320/64 e ao entendimento deste Tribunal disposto no Prejulgado n. 218 (item 2.8 do Parecer DDR);

 

6.1.2. R$ 500,00 (quinhentos reais), referente à despesa com pagamento de cirurgia de parente do Ordenador Primário, em infringência ao princípio da impessoalidade insculpido no art. 37, caput, da Constituição Federal e à Lei Municipal n. 507/97, não suportada por documento regular, em transgressão aos arts. 62 e 63, § 2º, III, da Lei Federal n. 4.320/64 e 58 da Resolução n. TC-16/94 (item 2.9 do Parecer DDR).

 

6.2. Aplicar aos Responsáveis abaixo discriminados, com fundamento no art. 70, II, da Lei Complementar n. 202/2000 e 109, II c/c 307, V, do Regimento Interno Instituído pela Resolução n. TC-06/2001, as multas a seguir especificadas, com base nos limites previstos no art. 239, III, do Regimento Interno (Resolução n. TC-11/1991) vigente à época da ocorrência das irregularidades, fixando-lhes o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial do Estado, para comprovarem ao Tribunal o recolhimento ao Tesouro do Estado das multas cominadas, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos artigos 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000:

 

6.2.1. ao Sr. PEDRO MOTTA ROUSSENQ - qualificado anteriormente, as seguintes multas:

 

6.2.1.1. R$ 400,00 (quatrocentos reais), devido à não-deflagração de processo seletivo para o preenchimento dos contratos temporários para o magistério, nos anos letivos de 1998 e 1999, em afronta aos princípios constitucionais da impessoalidade, moralidade e publicidade inscritos no caput do art. 37 da Constituição Federal (item 2.10 do Parecer DDR);

 

6.2.1.2. R$ 400,00 (quatrocentos reais), pela ausência de formalização de dispensa de licitação e pela não-vinculação das cláusulas constantes do Edital de Concorrência Pública n. 001/98 ao contrato firmado para a concessão de uso do Hotel e Restaurante, de propriedade do Município, contrariando o disposto nos arts. 3º (princípio da vinculação ao instrumento convocatório) e 24, inciso V, da Lei Federal n. 8.666/93 - dispensa de licitação somente com a manutenção das condições pré-estabelecidas (item 2.11 do Parecer DDR);

 

6.2.1.3. R$ 400,00 (quatrocentos reais), em face da contratação irregular – por Inexigibilidade de Licitação – da Fundação de Amparo à Pesquisa e Extensão Universitária (FAPEU) para realização de Curso de Capacitação de Recursos Humanos em Educação Continuada para Professores da Rede de Ensino Fundamental, contrariando o art. 25, inciso II, c/c art. 13 da Lei Federal n. 8.666/93 (item 2.12 do Parecer DDR);

 

6.2.1.4. R$ 400,00 (quatrocentos reais). em razão da contratação de empresas pertencentes a parentes do Chefe do Poder Executivo, contrariando o art. 82 da Lei Orgânica do Município (item 2.2 do Parecer DDR). [...]”[3]

 

Transcrito o acórdão atacado, examino as razões apresentadas pelo Recorrente, no tocante às irregularidades que lhe foram atribuídas.

 

Irregularidades ensejadoras de imputação de débito:

 

 

- R$ 8.160,00 (oito mil cento e sessenta reais), pertinente a despesas com pagamento irregular de valores remuneratórios (diferença entre as remunerações) quando da acumulação do mandato de Vice-prefeito e do cargo de Secretário Municipal de Administração, em afronta ao princípio constitucional da legalidade insculpido no art. 37, caput, da Constituição Federal, aos arts. 62 e 63 da Lei Federal nº 4.320/64 e ao entendimento deste Tribunal disposto no Prejulgado n. 218

 

Aduziu o recorrente que:

 

“Em razão de ter tido conhecimento do teor do referido Prejulgado [n. 218] somente em fevereiro de 1998, tendo sido alertado pelo próprio Prefeito, que retornara de férias, na época, o Vice-Prefeito solicitou ao Contador da Prefeitura, para que providenciasse processo, para que fosse apurado o valor que era de direito, porque havia recebido durante o ano de 1997, o valor de R$ 22.000,00 [...] referente à verba de representação mais remuneração.

Aqui cabe salientar que os pagamentos foram feitos como sendo remuneração mais verba de representação de Vice-Prefeito. O que foi pago posteriormente foi exatamente a diferença entre remuneração de Vice-Prefeito e a remuneração de Secretário (R$ 612,00 mensais).

[...]

O que realmente ocorreu foi o pagamento que corresponde a:

- Representação de Vice-Prefeito R$ 1.000,00 mensais, multiplicado por 15 meses, temos R$ 15.000,00;

- Representação de Secretário R$ 1.612,00 mensais, multiplicado por 15 meses, temos R$ 24.180,00.

- A soma total foi de R$ 39.180,00.

O valor pago foi de R$ 30.000,00 existindo aqui uma diferença de R$ 9.180,00. Foi pago o valor de R$ 8.160,00, ou seja, R$ 1.020,00 a menor, em virtude da substituição do Prefeito, por duas oportunidades, quando o Vice recebeu como aquele, não percebendo o valor de Secretário.

[...]

Por isso reafirmo a regularidade da despesa, direito previsto no Prejulgado n. 218 desse Tribunal, ao mesmo tempo em que solicito a retirada de imputação do débito referido.”[4]

Transcrevo, por oportuno, o entendimento do Corpo Técnico, exarado no Parecer n. DDR-44/06, quando da instrução dos autos principais, elucidando a questão nos seguintes moldes:

“[...] Sustenta o responsável que as referidas despesas são regulares. Para complementar a defesa escrita juntou os documentos de fls. 1626/1633. Passamos a análise dos mesmos, embora, consoante se referiu, não ser competente esta Diretoria tal análise na presente fase processual.

[...]

Como se vê, o único documento novo é o de fl. 1633, o qual trata de um comprovante de rendimentos pagos, emitido pela Prefeitura Municipal de Imaruí e que demonstra que efetivamente o responsável recebeu valores na ordem de R$ 22.000,00 no ano de 1997.

Em que pese os documentos não serem novos, fato este que não contribuiria para a defesa, é certo que o prejulgado nº 218, desta Corte de Contas e à época dos acontecimentos, estava em pleno vigor e tinha a seguinte redação:

Não havendo norma impeditiva, pode o Vice-Prefeito assumir o cargo de Secretário Municipal, cumulativamente, com direito de receber a verba de representação mais a remuneração de Secretário Municipal, observando o limite para a esfera municipal, estabelecido pela Constituição Federal, artigo 37, XI.

(Processo: PC-AM0002360/47 Parecer: COG-314/94 Origem: Câmara Municipal de Paulo Lopes Data da Sessão: 15/06/1994)[5]

Pelos termos do referido prejulgado, havia possibilidade de acumular a verba de representação de vice-prefeito com a remuneração de secretário municipal. No Município de Imaruí, especificamente no período de janeiro de 1997 a março de 1998, o vice-prefeito (responsável) exerceu as funções ou o cargo de secretário municipal, porém, recebeu somente a remuneração de vice-prefeito que era composta de verba de representação no valor de R$ 1.000,00 e subsídios no valor de R$ 1.000,00. Recebia mensalmente, portanto, a quantia de R$ 2.000,00.

Os termos do prejulgado acima só permitiam a acumulação da verba de representação no valor de R$ 1.000,00 (e não do subsídio) com a remuneração de secretário municipal. Ocorre que, pelo exercício das funções de secretário municipal, não recebeu o responsável nenhum valor a título de remuneração, o que veio acontecer somente em abril (fl. 1626) e junho (fl. 1628) de 1998, quando reconhecida a diferença de R$ 8.160,00, exatamente o valor que esta Diretoria Técnica entendia como indevida.

Tal valor até poderia constituir direito do responsável caso a Lei Municipal nº 593, de 12 de março de 1998 (fl. 1046) estivesse em vigor desde janeiro de 1997. Ora, a lei entrou em vigor somente em 18 de março de 1998 (fl. 1047), assim, não poderia ter retroagido para contemplar situação passada. Até 18 de março de 1998 vigia a Lei nº 507, de 15 de janeiro de 1997 (fls. 1035/1043) e previa o vencimento de secretário municipal na ordem de R$ 581,08 (fl. 1045).

Cumpre salientar, ademais e assim como esclarecido à fl. 1517, que não houve nenhum ato do então Prefeito Municipal, Sr. Odimar Pires Pacheco, autorizando a gratificar em 100% os vencimentos de secretário municipal, nos termos previstos no art. 22, da Lei nº 507/97 (fl. 1042). Logo, os vencimentos de secretário municipal no período de janeiro de 1997 a março de 1998 ficaram na cifra de R$ 581,08 e não no valor de R$ 1.612,00, assim como refere o Sr. Pedro Motta Roussenq.

É por tal razão que o responsável (Sr. Pedro Motta Roussenq) à época optou pelo recebimento da remuneração de vice-prefeito (subsídio + representação), o que lhe era mais vantajoso.

Jamais o responsável poderia ter se utilizado de uma Lei de março de 1998, fazendo-a retroagir até janeiro de 1997 em benefício próprio. Além de não poder retroagir a lei até janeiro de 1997, não lhe foi autorizado o direito de perceber gratificação de 100% sobre os vencimentos de acordo com o art. 22, da Lei nº 507/97 (fl. 1042), portanto, correto o entendimento exarado por esta Diretoria nas diversas vezes que se manifestou no feito.

Ante o exposto, não há nada a reparar no parecer de fls. 1588/1600 no que se refere ao pagamento indevido de diferenças entre a remuneração de secretário municipal e de vice-prefeito.[6] Grifo nosso

No mesmo sentido, asseverou a Consultoria-Geral:

“O recorrente, às fls. 02/04 do REC-07/00265210, limita-se a repetir as mesmas argumentações contidas na TCE-9592405/95 (fls. 1621/1633). Sendo assim, percebe-se que todas as alegações foram refutadas nos Relatórios DDR n. 075/2003 (fls. 1588/1600) e DDR n. 044/2006 (fls. 1637/1648).

 

Em relação à aplicabilidade do Prejulgado n. 218 do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, a instrução às fls. 1645/1646 da TCE-9592405/95, ressaltou que "tal valor até poderia constituir direito do responsável caso a Lei Municipal nº 593 (...), estivesse em vigor desde janeiro de 1997. Ora, a lei entrou em vigor somente em 18 de março de 1998, assim, não poderia ter retroagido para contemplar situação passada". (g.n.)

 

Tendo em conta o que foi exposto acima, percebe-se, também, que a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 38, inciso II proíbe a acumulação de cargo de Vice-Prefeito com a de Secretário Municipal.

 

Nesse sentido, é o posicionamento do Supremo Tribunal Federal - STF, no qual entende que o servidor público investido no mandato de Vice-Prefeito, aplicam-se-lhe, por analogia, as mesmas disposições contidas no inciso II do art. 38 da Constituição Federal, senão vejamos:

“Suspensão cautelar da eficácia do § 2º do art. 38 da Constituição do Ceará, que autoriza o afastamento do cargo, sem prejuízo dos salários, vencimentos e demais vantagens, de servidor público eleito Vice-Prefeito.

(ADI 143-MC-MC, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 2-9-93, DJ de 30-3-01)

 

Servidor público investido no mandato de Vice-Prefeito. Aplicam-se-lhe, por analogia, as disposições contidas no inciso II do art. 38 da Constituição Federal..

(ADI 199, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 22-4-98, DJ de 7-8-98)

 

Vice-Prefeito, que é titular de emprego remunerado em empresa pública. Não pode o Vice-Prefeito acumular a remuneração decorrente de emprego em empresa pública estadual com a representação estabelecida para o exercício do mandato eletivo (...). O que a Constituição excepcionou, no art. 38, III, no âmbito municipal, foi apenas a situação do Vereador, ao possibilitar-lhe, se servidor público, no exercício do mandato, perceber as vantagens de seu cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração do cargo eletivo, quando houver compatibilidade de horários; se não se comprovar a compatibilidade de horários, será aplicada a norma relativa ao Prefeito (CF, art. 38, II).

(RE 140.269, Rel. Min. Néri da Silveira, julgamento em 1º-10-96, DJ de 9-5-97).

 

Dispositivo que se ressente de inconstitucionalidade material (...) por haver instituído hipótese de disponibilidade do servidor civil e efeito do exercício, por este, de mandato eletivo, que não se acham previstos na Carta da República (arts. 38 e 41, §§ 2.º e 3.º), nesse ponto, de observância imperiosa para os Estados.

(ADI 1.255, Rel. Min. Ilmar Galvão, julgamento em 20-6- 01, DJ de 6-9-01)".

 

Ante o exposto, sugere-se ao N. Relator a manutenção do débito previsto no item 6.1.1 da decisão recorrida.”[7]

Assinalo que, no mesmo sentido, o Tribunal de Justiça catarinense tem decidido, conforme demonstram as ementas dos julgados abaixo transcritos:

ADMINISTRATIVO - ACUMULAÇÃO DE CARGOS - VICE-PREFEITO E MÉDICO VETERINÁRIO DA CIDASC - PERCEPÇÃO DE DUPLA REMUNERAÇÃO - IMPOSSIBILIDADE - VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL

    "Salvo as exceções expressamente nela previstas, veda a Constituição Federal a 'acumulação remunerada de cargos públicos' (art. 37, XVI). São inacumuláveis a verba de representação do vice-prefeito com a remuneração pelo exercício do cargo de secretário" (AC n. 2003.001176-5, Des. Newton Trisotto). (Apelação Cível n. 2005.010910-7, Des. Relator: Luiz Cézar Medeiros – Data da Decisão: 28/06/2005).

Do corpo do acórdão colhe-se:

“ II -VOTO:

  Por ocasião do julgamento das Apelações Cíveis n. 2003.001176-5 e 2002.010823-0, ambas da lavra do Desembargador Newton Trisotto, esta Câmara julgou matéria idêntica à presente, decidindo, por maioria de votos, pela impossibilidade da percepção simultânea da representação de Vice-Prefeito com a remuneração pelo exercício de outro cargo efetivo da Administração Pública. Assim, como substrato de minha razão de decidir, adoto a fundamentação e os argumentos consignados por Sua Excelência na primeira Apelação Cível:

                 "1. Ao julgar a Apelação Cível n.º 2002.010823-0, decidiu a Câmara, por maioria de votos:

                 " 'Salvo as exceções expressamente nela previstas, veda a Constituição Federal a 'acumulação remunerada de cargos públicos' (art. 37, XVI).'

                 "Do acórdão, da minha lavra, transcrevo o excerto que segue:

                 " '1. O autor reclama o pagamento de verba de representação relativa ao período em que ocupou, concomitantemente, os cargos de Vice-Prefeito e de Secretário Municipal da Educação e Cultura.

                 "A sua pretensão esbarra no art. 37 da Constituição Federal, que com a redação da Emenda Constitucional 19/98 dispõe:

                 " 'XVI - é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI:

                 "a) a de dois cargos de professor;

                 "b) a de um cargo de professor com outro, técnico ou científico;

                 "c) a de dois cargos privativos de médico;

                 [...]

                 "XVII - a proibição de acumular estende-se a empregos e funções e abrange autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista, suas subsidiárias, e sociedades controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público'.

                 "A regra se aplica à hipótese sub examine. Da doutrina e da jurisprudência colaciono lições e julgados que, pela similitude com o caso sub judice, respaldam a tese:

                 " 'A Constituição, seguindo a tradição, veda as acumulações remuneradas de cargos, empregos e funções na Administração direta e nas autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações mantidas pelo Poder Público, significando isso que, ressalvadas as exceções expressas (infra), não é permitido a um mesmo servidor acumular dois ou mais cargos ou funções ou empregos, nem cargo com função ou emprego, nem função com emprego, quer sejam um e outros da Administração direta ou indireta, quer sejam um daquela e outro desta (art. 37, XVI e XVII).

                 "Autorizam-se, contudo, exceções, para possibilitar a acumulação nos seguintes casos: a) de dois cargos de professor; b) de um cargo de professor com outro técnico ou científico; c) de dois cargos privativos de médico. As exceções, como se nota das alíneas do inc. XVI do art. 37, só se referem a cargos; como se trata de exceção ao princípio da inacumulatividade, é de ter-se o texto como excepcionando exclusivamente em relação a cargos, não permitindo acumulações com empregos ou funções. Reforça esse entendimento o disposto nos §§ 1º e 2º do art. 17 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, quando asseguram o exercício cumulativo de dois cargos ou empregos privativos, respectivamente, de médico e de profissionais da saúde que estejam sendo por eles exercidos na Administração Pública direta ou indireta. Observe-se, também que, em qualquer das hipóteses excepcionadas, a acumulação só será lícita em havendo compatibilidade de horário, notando-se que a Constituição não exige mais a correlação de matérias entre os cargos acumuláveis de professores ou um de professor e outro técnico ou científico' (José Afonso da Silva, Curso de direito constitucional positivo, Malheiros, 1991, 8ª ed., p. 585).

                 " 'Não pode o Vice-Prefeito acumular a remuneração decorrente de emprego em empresa pública estadual com a representação estabelecida para o exercício do mandato eletivo' (RE n.º 140.269, Min. Néri da Silveira).

                 " 'O vice-prefeito não está impedido de exercer cargo em comissão na administração direta ou indireta do município. Não pode, contudo, receber acumulada a verba de representação proveniente do mandato eletivo de vice-prefeito com a remuneração do cargo em comissão. Cabe-lhe optar por uma ou por outra. Se o recebimento á cumulado, obriga-se a devolver o excedente recebido' (TJPR, RN n.º 16.185, Des. Jesus Sarrão).

                 " 'O vice-prefeito não exerce cargo, nem mandato, enquanto não substitui o prefeito, podendo exercer o cargo de assessor de gabinete, só proibida a acumulação de remunerações' (TJPR, AC n.º 10.272, Des. Troiano Neto).

[...] “1.2. A acumulação remunerada de cargos públicos decorre da Constituição Federal, mais precisamente dos dispositivos legais antes transcritos. É ela a lei máxima do país, que se sobrepõe a todas as demais normas do ordenamento jurídico brasileiro, incluindo a Lei Orgânica do Município".

                 Perfilhando este entendimento, a Primeira Câmara de Direito Público decidiu recentemente:

                 "ADMINISTRATIVO. RESSARCIMENTO DE DANOS. ACUMULAÇÃO DE CARGOS. VICE-PREFEITO E DE CARGO EM COMISSÃO. DUPLA REMUNERAÇÃO. VEDAÇÃO (ARTS. 37, XVI E 39, §4º DA CF/88). RESTITUIÇÃO DEVIDA. PREFEITO. SOLIDARIEDADE.

                 "1. Excetuadas as ressalvas constitucionais, não pode haver no serviço público a acumulação remunerada de funções, impondo-se ao beneficiário a restituição dos valores auferidos indevidamente.

                 "2. O Prefeito Municipal, como gestor da coisa pública e como autor do ato de nomeação do Vice-Prefeito para exercer, com remuneração cumulada, cargo em comissão, responde solidariamente pela repetição do indébito aos cofres públicos" (AC n. 2003.004625-9, Des. Newton Janke).

                 No caso em apreço, a cessação do pagamento da representação do cargo de Vice-Prefeito ao autor ocorreu em razão de ele ocupar outro cargo - médico veterinário do CIDASC - com percepção de remuneração, o que afronta o comando constitucional do art. 37, XVI. Procedeu, portanto, de maneira correta o Alcaide municipal ao determinar a supressão do referido pagamento. A verba pleiteada pelo autor é indevida.”

E ainda:

ADMINISTRATIVO - ACUMULAÇÃO DE CARGOS - VICE-PREFEITO E SECRETÁRIO MUNICIPAL – REMUNERAÇÃO

Salvo as exceções expressamente nela previstas, veda a Constituição Federal a "acumulação remunerada de cargos públicos” (art. 37, XVI). São inacumuláveis a verba de representação do vice-prefeito com a remuneração pelo exercício do cargo de secretário. (Apelação Cível n. 2003.001176-5 – Des. Relator: Newton Trisotto – Data da Decisão: 16/02/2004).

 

À vista do exposto e considerando que o Recorrente se utilizou inadequadamente da Lei Municipal n. 593/98, fazendo-a retroagir até janeiro de 1997, mantenho inalterado o acórdão recorrido, em relação à imputação de débito sob comento.

 

- R$ 500,00 (quinhentos reais), referente à despesa com pagamento de cirurgia de parente do Ordenador Primário, em infringência ao princípio da impessoalidade insculpido no art. 37, caput, da Constituição Federal e à Lei Municipal n. 507/97, não suportada por documento regular, em transgressão aos arts. 62 e 63, § 2º, III, da Lei Federal n. 4.320/64 e 58 da Resolução n. TC-16/94

 

Alegou o Recorrente que:

“[...] Reafirmando aqui a regularidade da despesa, embora admita que não seja facilmente visível da forma como ocorreu.

Quanto ao princípio da impessoalidade, insculpido na Carta Magna, convém salientar que o art. 37, não revoga o art. 5º e 6º da mesma, onde o direito é igual para todos e o direito à saúde e à dignidade está garantido.

O fato de ser um parente, o beneficiado com o valor de R$ 500,00, para auxiliar na realização de uma cirurgia de cataratas, não o exclui dos direitos previstos na Constituição, bem como na Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS (Lei 8.7425/93).

[...]

Não houve nenhum ato pessoal e nenhum privilégio ao necessitado pelo fato de ser tio do Prefeito, o atendimento seguiu os procedimentos de costume.

Os arts. 62 e 63 da Lei 4.320/64, bem como o art. 58 da Resolução TC n. 16/94, que se referem à comprovação de serviço e seu respectivo documento fiscal, pode parecer apenas desculpas, mas no caso em particular, ficaria complicado exigir a comprovação do serviço antes de realizá-lo, da mesma forma o documento fiscal. Havia necessidade do auxílio financeiro para  realizar a cirurgia e o documento fiscal somente poderia ser emitido após a realização da mesma. Por isso não foram exigidos, limitando-se à apresentação junto à avaliação social, um  orçamento (doc.06).

Após já passado algum tempo, também não havia mais como ter o documento fiscal próprio com aquela data. Por isso foi solicitada uma declaração do próprio médico que havia realizado a cirurgia [...]

Quanto à Lei Municipal 507/97, que estabeleceu a Secretaria de Saúde e Promoção Social como órgão fim para a concessão de auxílio financeiro para doentes carentes, também reafirmamos o respeito ao seu conteúdo.

Senão vejamos:

Lei 507/97

Art. 10 – A Secretaria da Saúde e Promoção Social é o órgão que tem por finalidade:

I – [...]

II – receber os necessitados que procuram a Administração em busca de ajuda individual, estudar cada caso e dar-lhes a orientação e solução cabíveis.

Como se pode observar a Secretaria que também era de Promoção Social, realizou o seu trabalho, elaborando a avaliação social em visita “in loco” ao necessitado, propondo auxílio de R$ 750,00 para realização de cirurgia. Após isso encaminhou para o Prefeito, ordenador da despesa, para ver a possibilidade.

A referida Lei não prevê a exclusividade de pagar com fundos da saúde ou qualquer outro as despesas com auxílio financeiro para atender os necessitados.

Portanto, o pagamento, como sempre, foi realizado com dotação específica e adequada (doc. 7):

Projeto/Atividade: Manutenção do Gabinete do Prefeito

Elemento Despesa: 3250.00.000 – Transferência a Pessoas]

Dotação inicial: 21.000,00

O fato de se utilizar recursos do Gabinete do Prefeito para este fim, o que era permitido pela Lei Orçamentária não implicou em nenhuma concorrência paralela na prestação de serviços relacionados a esta natureza, conforme alegado por esta Corte.

O Parecer n. 75/2003, se refere às folhas de n. 1592, final, alegando desrespeito à Lei 057 de 2000, quando estamos tratando de um caso ocorrido em junho de 1998.

Assim, embora reconhecendo pequenas falhas, no encaminhamento dos procedimentos, porém, sem ferir o princípio alegado e as leis citadas, reafirmo aqui a regularidade no valor de R$ 500,00 [...]”[8]

 

Durante a instrução dos autos principais, o Corpo Instrutivo já havia refutado a argumentação do ex-gestor:

“Sustenta o responsável que o beneficiado não possuía condições econômicas para arcar com a cirurgia, desimportando, neste caso, o fato do mesmo ser seu tio. Não juntou o responsável nenhum documento novo para contribuir com a defesa escrita.

Com relação à referida despesa, também deve ser mantido os termos do parecer de fls. 1588/1600. Com efeito, as ações na área da saúde devem ser ordenadas e de acordo com a lei federal, estadual e municipal. Com efeito, a lei municipal nº 507/97 (fl. 1039) estabelece claramente no seu art. 10, VII e VIII os seguintes termos:

Art. 10. A Secretaria da Saúde e Promoção Social é o órgão que tem por finalidade:

[...]

VII - receber necessitados que procuram a Administração em busca de ajuda individual, estudar cada caso e dar-lhes a orientação e solução cabíveis;

VIII - propor a concessão de auxílio financeiro, em caso de pobreza extrema e outros de emergência. 

Ora, havia uma norma municipal a ser seguida pelo responsável para atendimento na área da saúde, assim, a adoção de um sistema diferenciado, beneficiando determinada pessoa, além de contrariar o disposto na lei municipal, afrontou diretamente o princípio da impessoalidade disposto no caput do art. 37 da Constituição Federal.

Portanto, deve ser mantido os termos do parecer de fls. 1588/1600 pelos seus próprios e jurídicos termos.[9]

 

Na mesma esteira, a conclusão do órgão consultivo:

“O recorrente, às fls. 04/05 do REC-07/00265210, cinge-se a repetir as mesmas argumentações contidas na TCE-9592405/95 (fls. 1621/1633). Sendo assim, percebe-se que todas as alegações foram refutadas nos Relatórios DDR n. 075/2003 (fls. 1588/1600) e DDR nº 044/2006 (fls. 1637/1648).

 

Desse modo, resta evidente que a despesa com pagamento de cirurgia foi realizada sem a comprovação das formalidades previstas em lei, tais como títulos e documentos comprobatórios do respectivo crédito, violando assim, os artigos 62 e 63 da Lei n. 4.320/64.

 

Ademais, impende ressaltar que a despesa com a cirurgia foi empenhada em dotações orçamentárias do gabinete do prefeito municipal, e não como corretamente deveria ser, da Secretaria Municipal de Saúde, violando assim, o art. 10, incisos VII e VIII da Lei Municipal n. 507/97.”[10]

 

As justificativas apresentadas pelo Recorrente não afastam a obrigação de, na condição de ordenador primário, comprovar a despesa de acordo com os balizamentos legais.

Ademais, cumpre ressaltar que o empenhamento da despesa foi realizado de modo inadequado, posto que devesse ser suportado pelas dotações orçamentárias da Secretária de Saúde e não do Gabinete do Prefeito Municipal.

A irregularidade é mantida, bem como o débito cominado.

 

Irregularidades passíveis de aplicação de multa:

 

- R$ 400,00 (quatrocentos reais), devido a não-deflagração de processo seletivo para o preenchimento dos contratos temporários para o magistério, nos anos letivos de 1998 e 1999, em afronta aos princípios constitucionais da impessoalidade, moralidade e publicidade inscritos no caput do art. 37 da Constituição Federal (item 2.10 do Parecer DDR)

 

Esclareceu o Recorrente que:

 

“[...]  Primeiro tenho a dizer que na verdade não foram realizados os processos seletivos em 1998 e 1999, bem como não foram realizados nos anos de 1988, 1989 [...] ou seja, nos dez anos que antecederam nossa gestão, desde a promulgação da Constituição Federal de 05/10/1988.

 

[...]  entendo que não deveríamos pagar pela omissão dos outros, pois foi graças ao desleixo e à irresponsabilidade dos nossos antecessores que demoramos a adequar as coisas às normas legais. Como normalmente é realizado o processo no ano anterior, a partir de 1999 começamos a deflagar processo seletivo para admissão de professores em caráter temporário e em 2000 realizamos o primeiro concurso público para todas as funções.

 

Saliento que está em questão os exercícios de 1998 e 1999, esclareço que em 1998, como as contratações ocorrem no início do ano e, o processo normalmente é feito no ano anterior, eu ainda não era prefeito naquela oportunidade, pois assumi o comando da Prefeitura em 04 de abril de 1998.

 

Admitindo, neste caso em particular, a falha involuntária, pois tivemos problemas de toda ordem no início de uma nova administração em Imaruí, completamente diferente ao sistema instalado, mas por julgar injusta a multa aplicada, solicito a sua retirada [...]”[11] Grifo nosso

 

 

A Consultoria manteve a irregularidade, ante o reconhecimento de sua existência pelo próprio Recorrente.

 

Tendo-se em conta que o ex-gestor afirma que não houve processo seletivo para a contratação temporária de professores, restou confirmada a irregularidade, sendo devida a multa cominada no acórdão recorrido.

 

 

- R$ 400,00 (quatrocentos reais), pela ausência de formalização de dispensa de licitação e pela não-vinculação das cláusulas constantes do Edital de Concorrência Pública n. 001/98 ao contrato firmado para a concessão de uso do Hotel e Restaurante, de propriedade do Município, contrariando o disposto nos arts. 3º (princípio da vinculação ao instrumento convocatório) e 24, inciso V, da Lei Federal n. 8.666/93 - dispensa de licitação somente com a manutenção das condições pré-estabelecidas

 

Segundo o Recorrente:

 

“O imóvel em questão está situado na parte superior do prédio do mercado público, construído em 1978. [...]

Quando assumimos a Administração Municipal procuramos regularizar a situação. O hotel estava fechado e morava nas dependências uma família que havia tocado o negócio por um tempo e depois parou.

Tivemos muitas dificuldades para retomar o imóvel e lançarmos o Edital de Concorrência Pública.

Ocorre que ninguém se habilitou para a licitação, não houve nenhum interessado, apesar da ampla divulgação, pois tínhamos o interesse de fazer funcionar aquele hotel, vez que não existia nenhum outro na cidade.

Tendo sido julgado deserto o processo, foi realizado um contrato a título precário e em caráter experimental, com o Sr. Amides João da Rosa, que há havia trabalhado ali como garçom, em seguida ele desistiu do contrato.

Numa outra tentativa de fazer funcionar aquele hotel foi realizado um outro contrato de cessão de uso com a Sra. Enedina Nunes Floriano. Aqui já formalizado nos moldes da Lei.

Aqui há um questionamento da data do Termo de Permissão de Uso (15/06/2000), alegando-se estar fora da data de abrangência da inspeção. Ocorre que fica demonstrado a formalização de um documento que estabelece as condições de uso e que se algum  procedimento foi deixado de ser executado, não foi por má-fé e nem por querer favorecer quem quer que seja, mas sim, por desatenção ou até mesmo por desconhecimento, o que não trouxe nenhum prejuízo ao Município. Ao contrário, o hotel e restaurante se permanecem até os dias atuais em funcionamento é porque agimos com determinação, em busca do interesse do Município, caso contrário estaria fechado e aí sim, causando prejuízo do Município e à Sociedade. [...]

Assim sendo, entendo que a multa aplicada deve ser retirada, levando-se em conta tudo que ocorreu e nas condições que ocorreram as pequenas falhas apontadas.”[12]

A Consultoria rechaçou a argumentação expedida pelo ex-gestor da seguinte forma:

“Em relação ao presente item da decisão recorrida, o recorrente não trouxe em sua peça recursal, nenhum argumento técnico-jurídico que possa fundamentar o cancelamento da restrição, limitando-se a alegar que "não houve dolo, não houve má fé, não houve prejuízo ao erário (...)".

 

Em que pese as argumentações do recorrente, cumpre salientar que o artigo 113 da Lei n. 8.666/93, enuncia o princípio da inversão da presunção de legitimidade do ato administrativo, ao prescrever que "o controle das despesas decorrentes dos contratos e demais instrumentos regidos por esta Lei será feito pelo Tribunal de Contas competente, na forma da legislação pertinente, ficando os órgãos interessados da Administração responsáveis pela demonstração da legalidade e regularidade da despesa e execução, nos termos da Constituição e sem prejuízo do sistema de controle interno nela previsto".

 

Nesse sentido, preceitua a doutrina, senão vejamos:

 

"o art. 113 derroga a presunção de legalidade e legitimidade dos atos administrativos relativos à execução da despesa pública, porquanto transfere para a autoridade que os expediu o ônus de comprovar sua regularidade se esta for impugnada pelos Tribunais de Contas".[13] (g.n.)

 

 

"Subtrai-se da inteligência do caput do artigo 113 da Lei nº 8.666/93 que especificamente em relação à demonstração da legalidade e regularidade das despesas públicas, não opera a presunção de legalidade e legitimidade dos atos administrativos, aspectos que deverão ser explicitados pela Administração Pública"[14]. (g.n.)

 

"Na dicção do art. 113 da Lei n.° 8.666, de 1993, as autoridades administrativas têm o dever de demonstrar a regularidade e a legalidade dos atos que praticam, numa inversão do tradicional princípio da presunção de legitimidade".[15] (g.n.)

 

Ante o exposto, sugere-se ao N. Relator a manutenção da multa prevista no item 6.2.1.2 da decisão recorrida.”[16]

 

Considerando que os atos emanados do Poder Público estão adstritos à observância da lei, ou seja, apenas pode-se fazer aquilo que está previsto em lei, não se podendo usar a desatenção ou desconhecimento das normas legais como justificativas para o não-cumprimento dos preceitos normativos.

 

Considerando que não houve comprovação da realização do processo de dispensa, tampouco que o contrato de permissão de uso do hotel estava vinculado ao preceituado no instrumento convocatório, a irregularidade apontada não é sanada, sendo mantida a multa cominada ao ex-gestor.

 

- R$ 400,00 (quatrocentos reais), em face da contratação irregular – por Inexigibilidade de Licitação – da Fundação de Amparo à Pesquisa e Extensão Universitária (FAPEU) para realização de Curso de Capacitação de Recursos Humanos em Educação Continuada para Professores da Rede de Ensino Fundamental, contrariando o art. 25, inciso II, c/c art. 13 da Lei Federal n. 8.666/93

 

O Recorrente aduziu que:

 

“A modalidade de licitação utilizada para realização de cursos de capacitação de professores poderia ser questionada, se não fosse a particularidade existente. Ocorre no caso em particular que a FAPEU foi contratada para completar uma segunda etapa do trabalho já realizado anteriormente.

 

Neste caso a singularidade justifica-se, como já dissemos, pelo interesse público e pela razoabilidade dos custos e até mesmo pela continuidade de um trabalho pela mesma equipe.

 

Assim, se questionável, admito a advertência, mas injusta será a multa aplicada, caso não seja retirada, pois o rigor da lei está sendo imposto sem levar em conta o interesse do Município, que teve seus funcionários capacitados com melhor resultado da forma foi realizada e pela Instituição contratata.

 

Consciente de ter agido conforme os ditames das Leis, embora para isto tenha que se levar em conta a singularidade pouco perceptível para alguns do caso em particular, solicito a retirada da multa aplicada.”[17] Grifo nosso

 

De outra parte, o órgão consultivo asseverou que:

 

“Em relação ao presente item da decisão recorrida, o recorrente não trouxe em sua peça recursal, nenhum argumento técnico-jurídico que possa fundamentar o cancelamento da restrição, limitando-se a alegar que "ocorre no caso em particular que a FAPEU foi contratada para completar uma segunda etapa do trabalho já realizado anteriormente".

 

Em que pese as argumentações do recorrente, resta evidente que a Lei n. 8.666/93, não pode ter sua aplicabilidade afastada por motivos de continuidade dos serviços já prestados.

 

Ante o exposto, sugere-se ao N. Relator a manutenção da multa prevista no item 6.2.1.3 da decisão recorrida.”[18]

 

Da doutrina colho o ensino de Marçal Justen Filho acerca do alcance da “singularidade” no processo de inexigibilidade de licitação. Conforme o citado administrativista:

 

“[...]  a ‘natureza singular’ deve ser entendida como uma característica especial de algumas contratações de serviços técnicos profissionais especializados. Enfim e para concluir essa questão, singular é a natureza do serviço, não o número de pessoas capacitadas a executá-lo.

[...] A natureza singular caracteriza-se como uma situação anômala, incomum, impossível de ser enfrentada satisfatoriamente por todo e qualquer profissional ‘especializado’. Envolve os casos que demandam mais do que a simples especialização, pois apresentam complexidades que impedem a obtenção de solução satisfatória a partir da contratação de qualquer profissional (ainda que especializado)

[...] A identificação de um ‘caso anômalo’ depende da conjugação da natureza própria do objeto a ser executado com as habilidades titularizadas  por um profissional-padrão que atua no mercado. [...] Ou seja, a natureza singular resulta da conjugação de dois elementos, entre si relacionados. Um deles é a excepcionalidade da necessidade a ser satisfeita. O outro é a ausência de viabilidade de seu atendimento por parte de um  profissional especializado padrão.” [19]

In casu, o Recorrente justificou a contratação da FAPEU, mediante inexigibilidade de licitação, amparado apenas no fato de que a dita fundação realizou a primeira etapa de capacitação dos professores, ou seja, para dar continuidade ao trabalho.

Não houve comprovação de que os serviços prestados estavam marcados pela singularidade, seja para impedir que outra instituição pudesse executá-los, seja para criar empecilho à realização de certame licitatório.

Por esses fundamentos, mantenho a multa.

 

- R$ 400,00 (quatrocentos reais), em razão da contratação de empresas pertencentes a parentes do Chefe do Poder Executivo, contrariando o art. 82 da Lei Orgânica do Município

O Recorrente argumentou que a proibição de o Prefeito, Vice-Prefeito, Vereadores e Servidores Municipais, bem como as pessoas ligadas a eles por matrimônio ou parentesco, até o segundo grau, não se aplica em relação aos contratos, cujas cláusulas e condições sejam uniformes para todos os interessados.

Explicou ainda que:

“Conforme pode ser verificado nos autos, as compras efetuadas nos estabelecimentos dos parentes do Vice-Prefeito e Prefeito de Imaruí, a partir de 04 de abril de 1998, Sr. Pedro Motta Roussenq, sempre se deram quando de pequeno vulto, através de três orçamentos, quando maiores, através de licitação.

Embora na cidade existisse à época somente um posto de combustíveis, as compras eram realizadas através de processo licitatório. [...]”[20]

 

A Consultoria afastou a justificativa apresentada pelo Recorrente, nos seguintes moldes:

“Em relação ao presente item da decisão recorrida, o recorrente alega que "a Lei Orgânica do Município de Imaruí, não veda a contratação quando as cláusulas e condições são uniformes para todos interessados. E é justamente o que ocorreu no caso".

 

Em que pese as argumentações do recorrente, impende ressaltar que contratos administrativos formalizados a partir da realização de licitação, não podem ser considerados como contrato de adesão (cláusulas uniformes). Nesse diapasão, são os precedentes do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, in verbis:

 

"PREJULGADO 1797

De acordo com o art. 94 da Lei Orgânica do Município de Catanduvas, não podem contratar com a municipalidade o Prefeito, seu cônjuge, e demais parentes consangüíneos ou afins, até o terceiro grau inclusive.


A proibição em contratar não importa na modalidade (convite, tomada de preços, concorrência, concurso ou leilão) utilizada para a seleção do contratado, nem que esta tenha sido de forma direta (dispensa ou inexigibilidade de licitação).


Contratos de cláusulas uniformes são os contratos que já possuem conteúdo preconstituído de adesão, tais como: seguro, transporte, fornecimento de gás, luz e força, e prestação de serviços de telefonia.

[...]

Processo
:
CON-06/00021823 Parecer: COG-0148/06 e parecer Relator Decisão: 1131/2006 Origem: Prefeitura Municipal de Catanduvas Relator: Conselheiro Wilson Rogério Wan-Dall Data da Sessão: 03/05/2006 Data do Diário Oficial: 27/06/2006

 

PREJULGADO 1296

O Vice-Prefeito está impedido de negociar com o Município através de empresa de sua propriedade, pois os contratos de cláusulas uniformes, aos quais faz referência o parágrafo único do art. 102 da Lei Orgânica Municipal, são os contratos de adesão, tais como o de seguro, o de transporte, o de fornecimento de gás, luz e força, o de prestação de serviços de telefones, certos contratos bancários e alguns de direito marítimo, e que já possuem conteúdo preconstituído, como acima frisado, do qual não fazem parte os contratos administrativos, persistindo a vedação do caput do referido artigo.

O contrato administrativo é consensual, formal, oneroso, comutativo e realizado intuito personae, objetivando o interesse público pela administração e o lucro pelo particular, e por possuir características e peculiaridades próprias, além de comportar entre outras particularidades, alterações contratuais efetuáveis bilateralmente, e a garantia do contrato ao equilíbrio econômico-financeiro do contrato, que resulta de dispositivo constitucional (art. 37, XXI), não podendo ser considerado contrato de cláusulas uniformes
.


O princípio da igualdade consiste no tratamento isonômico que se deve dar a todos os participantes do certame licitatório, em qualquer modalidade, concorrência, convite, tomada de preços, leilão ou concurso, do qual o administrador não pode afastar-se, concedendo benefícios ou vantagens que não sejam extensivos a todos os participantes.

Processo: CON-02/06543409 Parecer: COG-721/02 Decisão: 222/2003 Origem: Prefeitura Municipal de Caçador Relator: Conselheiro Luiz Roberto Herbst Data da Sessão: 17/02/2003 Data do Diário Oficial: 28/05/2003

 

PREJULGADO 1039

Não se permite a realização de contrato entre Município e Prefeito, Vice-Prefeito e Vereadores, eis que é vedado a estes, desde a expedição do diploma, firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público, salvo, quando o contrato obedecer a cláusulas uniformes, nos termos do artigo 98, da Lei Orgânica Municipal de Laurentino, combinado com os artigos 29, inciso IX e 54, inciso I, alínea a, da Constituição Federal, e artigo 111, inciso VI da Constituição do Estado de Santa Catarina.


Não pode ser considerado contrato de cláusulas uniformes o contrato administrativo que é consensual, formal, oneroso, comutativo e realizado intuitu personae, objetivando o interesse público pela Administração e o lucro pelo particular, por possuir características e peculiaridades próprias, além de comportar entre outras particularidades, alterações contratuais efetuáveis bilateralmente, e a garantia do contratado ao equilíbrio econômico-financeiro do contrato, que resulta de dispositivo constitucional (art. 37, inciso XXI).

Processo: CON-01/01847084 Parecer: COG - 537/01 Decisão: 2144/2001 Origem: Prefeitura Municipal de Laurentino Relator: Conselheiro Luiz Suzin Marini Data da Sessão: 22/10/2001 Data do Diário Oficial: 21/12/2001".

Ante o exposto, sugere-se ao N. Relator a manutenção da multa prevista no item 6.2.1.4 da decisão recorrida.”[21]

 

Pelo exposto, acompanho o entendimento do órgão consultivo para manter a multa aplicada, em razão da irregularidade sob comento.

Destarte, devidamente examinadas as irregularidades atribuídas ao Recorrente, bem como as razões por ele sustentadas, posiciono-me por seguir a conclusão emanada da Consultoria-Geral e do Ministério Público, para negar provimento ao presente recurso.

 

2.   VOTO

 

CONSIDERANDO o que mais dos autos consta, VOTO em conformidade com os pareceres da Consultoria e do Ministério Público, no sentido de que o Tribunal adote a decisão que ora submeto à sua apreciação:

 

6.1. Conhecer do Recurso de Reconsideração, nos termos do art. 77 da Lei Complementar n. 202/2000, interposto contra o Acórdão n 0745/2007, exarado na Sessão Ordinária de 18/04/2007, nos autos do Processo n. TCE-9592405/95 e, no mérito, negar-lhe provimento, ratificando na íntegra os termos da decisão recorrida.

 

6.2. Dar ciência deste Acórdão, do Relatório e Voto do Relator que o fundamentam, bem como do Parecer n. COG-858/2007 ao Sr. Pedro Motta Roussenq - ex-Prefeito do Município de Imaruí.

 

 

 

 

                        Gabinete do Conselheiro, em 12 de março de 2008.

 
 
 
 
WILSON ROGÉRIO  WAN-DALL

Conselheiro Relator

 

 

 

 

 

 

 

 

 



[1] Fls. 45/56 dos autos do Processo n. REC-07/00265210.

[2] Fl. 57 dos autos do Processo n. REC-07/00265210.

[3] Fls. 1658/1660 dos autos do Processo n. TCE-9592405/95.

[4] Fls. 02/04 dos autos do Processo n. REC-07/00265210.

[5] Revogado pelo Tribunal Pleno em sessão de 02.12.2002, através da decisão nº 3089/2002 exarada  no processo nº PAD-02/10566680.

[6] Fls. 1.644/1.647 dos autos do Processo n. TCE-959240595.

[7] Fls. 49/50 dos autos do Processo n. REC-07/00265210.

[8] Fls. 04/06 dos autos do Processo n. REC-07/00265210.

[9] Fl. 1.647 dos autos do Processo n. TCE-959240595.

[10] Fl. 51 dos autos do Processo n. REC-07/00265210.

[11] Fl. 07 dos autos do Processo n. REC-07/00265210.

[12] Fls. 07/08 dos autos do Processo n. REC-07/00265210.

[13]PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres. Comentários à lei das licitações e contratações da Administração Pública. Rio de Janeiro. Renovar, 1994, p. 602.

[14]GUIMARÃES, Edgar. O controle das licitações pelos Tribunais de Contas. Fórum de Contratação e Gestão Pública - FCGP, Belo Horizonte, ano 5, n. 60, p. 8187/8191, dez. 2006.

[15]DOTTI, Marinês Restelatto. LEI COMPLEMENTAR N.º 123, DE 14 DE DEZEMBRO DE 2006 - IMPLICAÇÕES JURÍDICAS E SOLUÇÕES OPERACIONAIS. In: Revista da AGU, n. 64. https://redeagu.agu.gov.br/UnidadesAGU/CEAGU/eagu.htm.

[16] Fls. 52/53 dos autos do Processo n. REC-07/00265210.

[17] Fl. 09 dos autos do Processo n. REC-07/00265210.

[18] Fl. 53 dos autos do Processo n. REC-07/00265210.

[19] JUSTEN FILHO. Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 11. ed. São Paulo: Dialética, 2005, p. 282/283.

[20] Fl. 09 dos autos do Processo n. REC-07/00265210.

[21] Fls.54/55 dos autos do Processo n. REC-07/00265210.