ESTADO DE SANTA CATARINA

TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO

GABINETE DO AUDITOR GERSON DOS SANTOS SICCA

Processo n°: CON-08/00462661
UNIDADE GESTORA: Companhia de Gás de Santa Catarina-SCGÁS
Interessado: Sr. Luiz Divonsir Shimoguiri
Assunto: Reembolso de despesas com a contratação de advogados para seus funcionários, no caso de sociedade de economia mista. Seguro de responsabilidade civil.

I. RELATÓRIO

O Sr. Ivan Ranzolin, Diretor-Presidente da Companhia de Gás de Santa Catarina, formulou Consulta perante este Tribunal, nos seguintes termos(fls.02-03):

A disposição estatutária a que faz referência a Consulta é o art. 34 do Estatuto Social da empresa, que estabelece o seguinte:

Por intermédio do parecer nº COG-598/08, a Consultoria Geral sugeriu resposta à Consulta nos seguintes termos:

O Ministério Público acompanhou o entendimento da Consultoria Geral(fls.119-121).

É o relatório.

II. FUNDAMENTAÇÃO

Constato, inicialmente, que a Consultoria Geral referiu não ter o Consulente juntado aos autos parecer jurídico, como determina o art. 104, inciso V, do Regimento Interno do Tribunal de Contas, requisito esse que pode não ser impeditivo na Consulta, caso assim entenda o Tribunal Pleno, na forma do §2º do mesmo artigo acima citado.

Conquanto ausente o parecer jurídico, entendo que o requisito pode ser dispensado neste processo, tendo em vista que se mostra importante o oferecimento de uma resposta à Unidade, já que se trata de analisar a legitimidade de uma espécie de despesa que suscita inúmeras controvérsias. Em vista disso, deve-se admitir a Consulta, considerando-se a legitimidade do Consulente e tratar-se o objeto de questão formulada em tese.

Quanto ao mérito, a Consulta envolve a discussão sobre a possibilidade de cobertura pela SCGÁS de despesas decorrentes de processos judiciais e/ou administrativos movidos por terceiros contra membros do Conselho de Administração, do Conselho Fiscal e da Diretoria Executiva, durante ou após os respectivos mandatos. A autorização para a realização dessa despesa encontra-se no art. 34 do Estatuto Social da Comanhia de Gás de Santa Catarina-SC Gás.

Não obstante a previsão estatutária, a dúvida que surge reside na legitimidade da disposição estatutária frente aos princípios e regras que regem a atividade administrativa da Administração Direta e Indireta. Como bem asseverou a Consultoria Geral, "Em que pese a SCGÁS estar subordinada aos ditames da Lei Federal 6.404/76 não se pode permitir que seus Administradores queiram comandar a companhia como uma empresa privada constituída por ações, pois, por tratar-se de entidade integrante da Administração Pública, a sociedade de economia mista, em especial quando prestadora de serviço público, sofre limitações decorrentes das normas de direito administrativo"(fl.09).

Afirma a Consultoria Geral que diversas decisões deste Tribunal tratam da contratação de advogados pela Administração Pública, sendo certo que o serviço jurídico é uma atividade contínua e permanente, daí porque o exercício de tais funções deve ser incumbida a profissional selecionado mediante concurso público e que componha o quadro de pessoal do órgão. A contratação de advogados estranhos ao quadro somente seria possível em circunstâncias excepecionais, como bem refere o Prejulgado nº 1485.

No que concerne à defesa de agentes ou ex-agentes da companhia, a Consultoria Geral adotou o entendimento consolidado no Prejulgado 1767 para considerar que a atuação dos advogados que compõem o quadro de empregados deve ocorrer no interesse da empresa, e não especificamente em nome daquele que pratica o ato de gestão, tendo em vista a incidência dos princípios da finalidade, impessoalidade, moralidade e economicidade. Eis o teor do Prejulgado mencionado, julgado em 21/12/2005 , cujo Relator foi o ilustre Conselheiro Wilson Rogério Wan-Dall:

Sem dúvida, a matéria em apreço reclama uma reflexão cuidadosa. Os responsáveis pela prática de atos na Administração Direta e Indireta não raras vezes figuram como partes em demandas judiciais e processos administrativos, o que traz à baila a indagação sobre a legitimidade de que seus interesses sejam defendidos por intermédio de advogados da própria Administração. Por óbvio, a dificuldade surge em casos determinados, já que na maior parte das demandas sempre figurará a pessoa jurídica, e não o administrador. Via de regra, este surgirá no pólo passivo quando houver questionamento de maior gravidade aos seus atos, notadamente em situações nas quais se alegue abuso de poder, ilícito penal e improbidade administrativa.

No âmbito das pessoas jurídicas de direito público a matéria tende a ser resolvida por meio da legislação que define as competências dos procuradores. O pressuposto dessas atribuições, deve-se dizer, é que os advogados públicos agem em defesa dos interesses do Poder Público. Logo, qualquer tentativa de exigir desses servidores a atuação em nome de interesses particulares representaria claro desvio de finalidade, isso porque um agente público estaria desempenhando sua função em prol de interesse privado. Nesse sentido é a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, como se pode observar nos julgados a seguir apresentados:

Em vista disso, é aconselhável que a legislação trate de forma conclusiva sobre a matéria, como foi feito em âmbito federal pelo art. 22 da Lei nº 9.028/95, na redação conferida pela Medida Provisória nº 2.216-37/2001:

Quando a legislação disciplina de forma adequada a matéria não surgem maiores controvérsias, ainda que possam remanescer eventuais dificuldades de interpretação. O problema está nas hipóteses em que o legislador não concedeu o devido tratamento normativo e, no que interessa para o processo em análise, nas situações que se refiram aos entes da Administração Indireta dotados de personalidade jurídica de direito privado, o que lhes confere uma maior autonomia para ordenar suas atividades.

Conquanto os entes da Administração Indireta que tenham personalidade jurídica de direito privado possuam uma maior capacidade de decisão do conteúdo de seus atos, mediante deliberação interna, isso não significa que estejam desvinculados dos princípios regentes da atividade administrativa.Por via de conseqüência, a distinção que o Superior Tribunal de Justiça faz entre defesa dos interesses do Poder Público e defesa dos interesses do agente é plenamente aplicável à hipótese em análise, isso porque se trata de uma preservação dos princípios da supremacia do interesse público, da impessoalidade e da proporcionalidade. A defesa do agente por um advogado vinculado à sociedade de economia mista ou por ela contratado, quando o interesse seja pessoal, não guardaria conexão com a finalidade perseguida pela companhia, indicando verdadeiro desvio de finalidade.

Portanto, correta a posição aventada pela Consultoria Geral, inclusive no que se refere aos limites para a contratação de advogado estranho ao quadro de pessoal. Entretanto, faço pequena modificação no texto proposto para o item 2.1, para que fique clara a vinculação da atuação dos advogados da companhia ou por ela contratados à defesa dos interesses estatutários.

III-PROPOSTA DE VOTO

Diante do exposto, submeto ao Plenário a seguinte proposta de voto:

1. Conhecer da Consulta formulada pelo Sr. Ivan Ranzolin, Diretor Presidente da Companhia de Gás de Santa Catarina, em razão do preenchimento dos requisitos previstos no art. 104 do Regimento Interno do Tribunal de Contas, instituído pela Resolução nº TC-06/2001, dispensado o parecer jurídico no presente processo;

2. Responder a Consulta nos seguintes termos:

2.1. Os órgãos da Administração Pública Direta e Indireta somente podem disponibilizar seu corpo jurídico ou custear a contratação de advogados particulares para atuarem na defesa dos seus legítimos interesses, sendo vedada a defesa de interesse pessoal de administradores.

2.2. A contratação de seguro de responsabilidade civil deve estar adstrita à cobertura de eventuais indenizações decorrentes de sinistros que tenham por base a atividade desempenhada pelo órgão da Administração. Não é admissível a contratação de seguro para futuras e incertas despesas com custas processuais e honorários advocatícios decorrentes de processos judiciais.

3. Dar ciência da decisão ao consulente, acompanhada do relatório e voto do Relator, bem como do parecer Nº COG 598/08(fls.03-18), ao Sr. Ivan Ranzolin, Diretor Presidente da Companhia de Gás de Santa Catarina-SCGÁS.

4. Determinar o arquivamento dos autos.

Gabinete do Auditor, em 17 de novembro de 2008.

Auditor GERSON DOS SANTOS SICCA

Relator