TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SANTA CATARINA

DIRETORIA DE CONTROLE DOS MUNICÍPIOS - DMU

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PROCESSO RPA 06/00401227
UNIDADE Prefeitura Municipal de Jaraguá do Sul
INTERESSADO Sr. Rudolfo Gesser - Vereador da Câmara de Jaraguá do Sul
   
RESPONSÁVEIS Sr. Moacir Antônio Bertoldi - Prefeito Municipal à época

Sr. Jurandyr Hilário Bertoldi - Procurador Geral do Município à época

ASSUNTO Auditoria "in loco" para apuração de supostas irregularidades representadas a este Tribunal, relativas à extinção de crédito tributário por dação em pagamento - Audiência
RELATÓRIO N° 1.950/2007

INTRODUÇÃO

Cumprindo as atribuições de fiscalização conferidas ao Tribunal de Contas pela Constituição Federal, art. 31, pela Lei Complementar n.º 202, de 15/12/2000, art. 65, §§ 1º ao 5º e pela Resolução N.º TC 16/94, a Diretoria de Controle dos Municípios realizou auditoria "in loco" para apuração de supostas irregularidades cometidas no âmbito da Prefeitura Municipal de Jaraguá do Sul.

A representação foi protocolada neste Tribunal em 20/07/2006, sendo procedida autuação do processo sob o nº RPA 06/00401227. A Diretoria de Denúncias e Representações apreciou o processo emitindo o Relatório de Admissibilidade nº 257/2006, de 26/10/2006 (fls. 273 - 275).

O Exmo. Relator acolheu a representação por meio do Despacho nº 148/2006, de 07/12/2006, constante à fl. 279 dos autos, determinando a adoção de providências, inclusive inspeção, auditoria ou diligência, para apuração das supostas irregularidades ocorridas na extinção de crédito tributário, por dação em pagamento, realizada no Município de Jaraguá do Sul, no exercício de 2005.

Posteriormente, pela redistribuição de competências dos órgãos auxiliares do Tribunal de Contas de Santa Catarina promovida através da Resolução TC nº 10/2007, o presente foi encaminhado a esta Diretoria de Controle dos Municípios para instrução, no mês de março do corrente.

Neste sentido, designou-se equipe para auditoria in loco dos fatos representados, sobre os quais apresenta-se o presente relatório.

II - DA representação

1 - Da Matéria Enfocada

Trata-se de representação encaminhada pelo Sr. Rudolfo Gesser, Vereador de Jaraguá do Sul no exercício de 2006, na qual submete à apreciação deste Tribunal indícios de supostas irregularidades praticadas pelo Chefe do Executivo, relacionadas à extinção de crédito tributário por meio de dação em pagamento de dois ônibus e concessão de benefícios diversos, com possível prejuízo ao erário público.

2 - DA INSPEÇÃO E DA ANÁLISE DOS FATOS DENUNCIADOS

A auditoria "in loco", efetuada entre os dias 13 e 17 de agosto de 2007, nas dependências da Prefeitura Municipal de Jaraguá, seguiu os seguintes procedimentos:

- Apresentação da equipe, composta pelos Auditores Fiscais de Controle Externo Teresinha de Jesus Basto da Silva (Coordenadora), Edson José Sehnem, Eduardo Corrêa Tavares, Marianne da Silva Brodbeck (Ofício TC/DMU nº 11.532/2007);

DISCRIMINAÇÃO
Montante do crédito tributário extinto por meio de dação em pagamento de bens móveis (dois ônibus) no exercício de 2005, o qual teve como beneficiária a empresa Auto Viação Canarinho.
Código Tributário vigente em 2005 e alterações até a data atual.
Atos e Leis que autorizaram a extinção do crédito tributário relativo a ISS devido pela empresa Auto Viação Canarinho.
Documentos comprobatórios da transação ou quitação dos débitos do beneficiário.
Comprovação do recebimento dos dois ônibus pelo Município.
Laudo de avaliação dos dois ônibus à época e atual, bem como identificação dos responsáveis pela avaliação.
Forma de contabilização dos bens móveis recebidos (dois ônibus) pela Prefeitura, bem como destinação dos mesmos.
Comprovação da incorporação ao patrimônio dos bens recebidos (dois ônibus).
Processo de ação civil pública.
Relatório da Comissão Especial de Inquérito da Câmara.
Montante dos créditos tributários existentes no presente momento para receber da empresa Auto Viação Canarinho.
Comprovação de reincorporação do débito extinto indevidamente ao montante dos créditos a receber pela Prefeitura, demonstrando inclusive os critérios de correção dos valores.
Identificação do responsável (nome, CPF e endereço).

- Contato com o Responsável pelo Controle Interno, Sr. Tarcísio Schneider, e o Sr. Eduardo Marquardt, Presidente da Comissão de Licitação à época e atual Procurador do Município.

- Diligência à Câmara de Vereadores para verificação da Comissão Especial de Inquérito nº 1/2006.

- Diligência ao Fórum da Comarca de Jaraguá do Sul, para verificação da Ação Civil Pública intentada pelo Ministério Público.

De acordo com as informações e documentos obtidos durante a inspeção, o crédito tributário foi constituído pelo agente fiscal em decorrência do não recolhimento parcial do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza - ISSQN incidente sobre o serviço de transporte coletivo de passageiros promovido pela empresa Canarinho no Município de Jaraguá do Sul e região metropolitana, prestado pelo regime de concessão.

O contribuinte foi notificado em 16/11/2005, conforme Notificação Fiscal n. 2291 (fls. 48 e 49), no montante de R$ 193.590,72, para quitar ou interpor recurso em 30 dias. Poderia ainda, com base no art. 47 da Lei Complementar Municipal n. 35/2003, efetuar o pagamento integral com redução de 50% do valor da multa pecuniária, juros e correção monetária, se a quitação ocorresse no prazo de 15 dias.

Em 21/11/05, antes de qualquer manifestação oficial da empresa interessada, o então Secretário da Fazenda, Sr. Sérgio José Félix, encaminhou o Memorando nº 18/2005 (fls. 292), ao então Procurador Geral, Sr. Jurandyr Hilário Bertoldi, informando que a dação em pagamento não comprometeria a situação financeira da Fazenda Municipal.

Transcorridos 03 (três) dias, foi encaminhado o Projeto de Lei Complementar nº 15/2005 à Câmara de Vereadores, incluindo como modalidade de extinção do crédito tributário, no Código Tributário Municipal, a dação em pagamento de bens móveis e imóveis.

Posteriormente, no dia 01/12/05, o contribuinte protocolou o requerimento pela extinção do crédito através da dação em pagamento de dois ônibus (fls. 101), avaliados pela empresa em R$ 146.000,00 (cento e quarenta e seis mil reais), e do pagamento de R$ 15.284,94 (quinze mil, duzentos e oitenta e quatro reais e noventa e quatro centavos) em espécie. A diferença entre o total proposto (R$ 161.284,94) e o valor notificado (R$ 193.590,72) decorreria da concessão do benefício previsto para o pagamento à vista, no prazo estabelecido pelo Código Tributário Municipal.

O referido Projeto de Lei tramitou e foi aprovado pela Câmara de Vereadores em 19 dias (sessão do dia 12/12/05), resultando na Lei Complementar nº 46/2005, sancionada no dia 13/12/05 e publicada no dia 14/12/05. Ocorre que, em seu art. 5º, a Lei estabelecia a vigência somente a partir de 01/01/2006.

Ignorando a regra de vigência expressa no texto legal, o processo administrativo nº 25.485/2005, instaurado para apreciar o pedido de dação em pagamento apresentado pela Viação Canarinho Ltda., prosseguiu nos termos estabelecidos pela Lei nº 46/2005, culminando com a homologação pelo Prefeito Municipal, no dia 23/12/2005.

Após o período de recesso (que, de acordo com as informações prestadas pelo Sr. Tarcísio Schneider, compreendeu o período de 26/12/05 a 16/01/06), os bens foram efetivamente transferidos para o Município, com a emissão das notas fiscais pela Viação Canarinho Ltda., em favor da municipalidade, e o registro da operação junto ao DETRAN/SC.

No intuito de regularizar o procedimento, encaminhou-se o Projeto de Lei nº 01/2006, em 10/02/2006, alterando a vigência da Lei Complementar nº 46/2005 para retroagir seus efeitos até o dia do requerimento da empresa, dia 01/12/05 (cfe. Ofício nº 770/2006, fls. 96 e 97 dos autos). Esta iniciativa foi retirada antes de qualquer apreciação pela Câmara de Vereadores, pela repercussão junto aos meios de comunicação.

A ordem cronológica dos eventos, de acordo com a documentação, deu-se da seguinte forma:

13/04/05 – Termo de Início de Fiscalização, emitido pelo Sr. Aurélio Bernardo Maenchen, Auditor Fiscal da Prefeitura Municipal de Jaraguá do Sul, abrangendo o período de 04/2000 a 04/2005, após um período de 10 anos sem qualquer procedimento fiscalizatório;

16/11/05 – Notificação Fiscal nº 2291/2005, no montante de R$ 193.590,72;

21/11/05 – Memorando do Secretário da Fazenda, Sr. Sérgio José Félix, ao Procurador Geral, Sr. Jurandyr H. Bertoldi, atestando que a dação não comprometeria a situação financeira da Fazenda Pública Municipal;

18 a 23/11/05 – Avaliação dos dois ônibus pertencentes à empresa;

24/11/05 – Apresentação à Câmara de Vereadores do Projeto de Lei Complementar nº 15/2005, incluindo como modalidade de extinção do crédito tributário a dação em pagamento de bens móveis e imóveis;

01/12/05 – Requerimento da empresa Viação Canarinho Ltda., oferecendo os dois ônibus em dação, e o pagamento de R$ 15.284,94 para a extinção do crédito lançado pela autoridade (data do documento: 30/11/05);

14/12/05 – Publicação da Lei Complementar nº 46/2005, criando a modalidade da dação em pagamento de bem móvel como forma de extinção dos créditos tributários municipais, com vigência a partir de 01/01/2006;

19/12/05 – Informação do Coordenador de Manutenção de Veículos, Sr. Valmor Zonta Filho, de que os dois ônibus se encontravam em bom estado de conservação;

20/12/05 – Informação do Coordenador de Patrimônio, Sr. Renato Miguel Hinterholz, ao Secretário de Administração, Sr. Marcelino Schmidt, atestando serem os ônibus servíveis e aptos a serem utilizados pelas Secretarias de Educação, Cultura, Esporte e Lazer, Desenvolvimento Social;

22/12/05 – Laudo de avaliação dos bens móveis em questão (fls. 105 e 106), conforme Lei Complementar 46/2005, pela Comissão Permanente de Avaliação (constituída pela Comissão Especial de Licitação), emitido com base nos orçamentos apresentados;

23/12/05:

– Homologação da extinção do crédito tributário, mediante dação em pagamento de bem móvel de parte, e pagamento do saldo remanescente de R$ 19.897,42, pelo Prefeito Municipal;

– Recebimento dos ônibus pela Prefeitura Municipal de Jaraguá do Sul pelo Procurador Geral do Município;

– Recebimento pela Prefeitura do valor de R$ 19.897,42, relativo ao saldo remanescente do crédito, de acordo com o processo administrativo;

26/12/06 – Baixa do crédito tributário lançado;

17/01/06 – Emissão das notas fiscais pela Viação Canarinho Ltda., relativa aos dois ônibus, em favor da Prefeitura Municipal de Jaraguá do Sul, e transferência junto ao DETRAN/SC;

10/02/06 – Apresentação na Câmara de Vereadores do Projeto de Lei Complementar nº 01/2006, para retroagir os efeitos da Lei Complementar nº 46/05 para o dia 01/12/05;

O procedimento foi objeto de denúncia a Câmara de Vereadores, que instaurou Comissão Especial de Inquérito. A conclusão desta comissão foi pelo encaminhamento ao Ministério Público e a este Tribunal de Contas, para as medidas cabíveis. Com as informações obtidas neste inquérito, o MP ajuizou a Ação Civil Pública nº 036.06.009672-7, que tramita na 1ª Vara Cível da Comarca de Jaraguá do Sul, e no TCE/SC foi instaurado o RPA 06/00534375.

Considerando tratar-se dos mesmos fatos, foi determinado pelo Exmo. Relator o apensamento dos processos DEN 06/00401146 e RPA 06/00401227, conforme despacho à fl. 270. Posteriormente apensou-se também o processo RPA 06/00534375, com objeto idêntico aos demais.

Durante os trabalhos in loco da equipe de auditoria, obteve-se acesso aos autos da ação civil pública, na qual foram verificados o substrato probatório e as manifestações dos envolvidos e do Ministério Público. O exíguo tempo disponível pela equipe inviabilizou o contato pessoal com o Promotor de Justiça encarregado, bem como da extração de cópias documentais necessárias, razão pela qual solicitou-se posteriormente, através da Presidência desta Casa.

Em resposta, obteve-se a documentação solicitada e o Termo de Ajustamento de Conduta, celebrado pelas partes da referida ação civil pública no dia 21/09/2007.

O acordo, ainda pendente de homologação judicial, prevê (fls. XX a XX):

- a devolução dos ônibus;

- o restabelecimento do crédito tributário, com a devida atualização;

- o parcelamento deste crédito pela Viação Canarinho Ltda., em 36 parcelas mensais;

Sobre os eventos, foram ouvidos ainda o atual Procurador Geral do Município, Sr. Eduardo Marquardt, e o Prefeito Municipal, Sr. Moacir Bertoldi, que informaram sobre a possibilidade de composição judicial com a empresa Viação Canarinho Ltda., com acompanhamento do Ministério Público, e posterior homologação judicial. Por esta razão, não haveriam ações na esfera administrativa no sentido de anular o ato administrativo, para a reconstituição e cobrança do crédito tributário e respectivos acréscimos legais, bem como no sentido de indenizar eventual depreciação dos bens utilizados pelo Poder Público até a presente data.

No encerramento dos trabalhos in loco, em reunião com o Prefeito Municipal e o Responsável pelo Controle Interno, orientou-se sobre a inviabilidade da execução de procedimentos, em desacordo com os ditames legais vigentes, e da responsabilidade do gestor, independentemente da orientação dos que o assessoram.

Foi informado ainda pelo Prefeito que os ônibus estariam instrumentalizando a execução de importantes programas sociais, nas áreas da educação, esporte e saúde, com economia à municipalidade na contratação de serviços de transporte.

Assim, da análise do fato representado, resta caracterizada a restrição a seguir:

2.1 - Aquisição de bens móveis usados, sem procedimento licitatório, contrariando artigo 37, XXI, da Constituição Federal c/c os artigos 1º, 2º e 24, da Lei Federal nº 8.666/93, através da extinção ilegal de crédito tributário, realizada com a dação dação em pagamento de bens móveis, em desacordo com o art. 146, III, b, da CF c/c arts. 111, I, 141 e 156, XI, do Código Tributário Nacional

O Prefeito Municipal de Jaraguá do Sul, com a assessoria do Procurador Geral do Município (conforme Matriz de Responsabilidade - Anexo 1), homologou a extinção de crédito tributário municipal, originário do inadimplemento da empresa Viação Canarinho Ltda., no final do exercício 2005.

Tal procedimento, conforme acima mencionado, foi realizado de maneira imprópria, envolvendo até mesmo o encaminhamento de projetos de lei, na tentativa de tornar legal os atos administrativos praticados.

O direcionamento adotado pelos responsáveis, no sentido de validar seus atos, independentemente da vigência da Lei Complementar Municipal nº 46/2003, ou mesmo da aplicação da Lei Municipal nº 3.875/2005, contrariam o Sistema Tributário Nacional estabelecido pela Constituição Federal, por serem incompatíveis com as normas gerais previstas no Código Tributário Nacional.

De fato, o amparo em diplomas legais municipais que inovam em matérias de competência do Congresso Nacional é inócuo para sustentar a validade dos atos administrativos inválidos praticados.

A competência para legislar sobre matéria tributária está prevista no art. 24, I, § 1º, da Carta Magna:

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico; (...)

§ 1º - No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.

Percebe-se, portanto, que a norma constitucional estabelece com clareza a capacidade política do Congresso Nacional, por meio de Lei Complementar, de legislar sobre normas gerais de Direito Tributário.

Aos Municípios, em uma interpretação sistêmica do art. 24, I, § 2º, combinado com o art. 30, II e III, da Constituição, cabe instituir seus tributos, no âmbito de competência tributária, e apenas "suplementar a legislação federal e estadual no que couber".

Poder-se-ia, então, suplementar matérias reguladas, dentro dos limites da norma pré-existente, o que não implica em inovar, especialmente quanto ao crédito tributário, tratado de forma abrangente pelo Código Tributário Nacional.

O CTN, recepcionado pela Constituição de 1988, conforme art. 24, I, § 1º, compõe as normas gerais sobre Direito Tributário, de obediência obrigatória pelos entes federados. Esta normatização, especificamente quanto aos créditos, é expressamente determinada pela Carta Magna, que impõe inclusive a espécie normativa necessária, garantindo o status de Lei Complementar a este Código:

"Art. 146. Cabe à lei complementar: (...)

III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: (...)

b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;" (g.n)

Regulando a matéria, o CTN não apenas elenca taxativamente as modalidades de extinção do crédito passíveis de utilização, como também estabelece as regras de hermenêutica aplicáveis, vedando qualquer forma de flexibilização ou inovação:

"Art. 111. Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre:

I - suspensão ou exclusão do crédito tributário;

(...)

Art. 141. O crédito tributário regularmente constituído somente se modifica ou extingue, ou tem sua exigibilidade suspensa ou excluída, nos casos previstos nesta Lei, fora dos quais não podem ser dispensadas, sob pena de responsabilidade funcional na forma da lei, a sua efetivação ou as respectivas garantias.

(...)

Art. 156. Extinguem o crédito tributário: (...)

XI – a dação em pagamento em bens imóveis, na forma e condições estabelecidas em lei." (g.n.) 

Extrai-se, portanto, três regras básicas aplicáveis ao caso:

  1. A legislação sobre a exclusão do crédito deve ser interpretada literalmente, inexistindo margem para flexibilizações ou inovações, senão por expressa autorização da norma geral (art. 111, I);

  1. A lista de hipóteses de extinção do crédito tributário é taxativa (art. 141);

  2. A única hipótese de dação em pagamento capaz de extinguir o crédito tributário é a prevista para bens imóveis (incluída no CTN pela L.C. nº 104/01), desde que prevista em lei específica do ente tributante (art. 156, XI).

    Assim, sem analisar a constitucionalidade das leis municipais em questão, considerando a competência desta Corte de Contas, constata-se a absoluta invalidade do ato de dação em pagamento praticado no Município de Jaraguá, independentemente de haver ou não legislação municipal autorizativa.

    A impossibilidade de criação legítima deste procedimento pelo Município implica na classificação do ato como aquisição direta de bem móvel usado sem processo licitatório, por força do art. 2º, parágrafo único, da Lei nº 8.666/93:

"Art. 2o As obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações, concessões, permissões e locações da Administração Pública, quando contratadas com terceiros, serão necessariamente precedidas de Licitação, ressalvadas as hipóteses previstas nesta Lei.

Parágrafo único. Para os fins desta Lei, considera-se contrato todo e qualquer ajuste entre órgãos ou entidades da Administração Pública e particulares, em que haja um acordo de vontades para a formação de vínculo e a estipulação de obrigações recíprocas, seja qual for a denominação utilizada." (g.n.)

A aquisição nestes termos, além de acarretar na extinção irregular de crédito tributário, contraria os preceitos constituicionais da isonomia, da igualdade, da eficiência e da moralidade, previstos no art. 37, caput, e XXI, da Carta Magna, bem como os arts. 1º, 2º e 24, da Lei n. 8.666/93, conforme o entendimento desta Corte de Contas:

"A utilização da dação em pagamento no âmbito administrativo, pelos contribuintes devedores do fisco municipal, com entrega de bens móveis, execução de obras ou prestação de serviços, contraria o disposto no caput do artigo 37 da Constituição Federal, porquanto caracteriza quebra do princípio da isonomia e da impessoalidade, e também o disposto no artigo 37, XXI, da Constituição Federal c/c os artigos 1º, 2º e 24, da Lei Federal nº 8.666/93, além de que permitiu ao município adquirir bens, obras e serviços, sem o prévio processo licitatório." (TCE/SC, Prejulgado nº 599, processo CON-TC0350000/87)

Neste sentido, cabe referência à ação civil pública intentada contra os envolvidos, que resultou no Termo de Ajustamento de Conduta (fls. 391 a 394 dos autos), celebrado pela Prefeitura Municipal de Jaraguá, Viação Canarinho Ltda., e Ministério Público, objetivando a cessação das irregularidades.

Neste sentido, recomenda-se o acompanhamento do feito, para a imputação de débito aos responsáveis no caso de eventuais indenizações que possam ficar a cargo do erário, além das providências que deverão ser tomadas pela Administração a partir da decisão judicial.

Tal situação torna precipitado a imputação de débito pelo valor total notificado (R$ 193.590,72, além dos acréscimos legais, calculados até a presente data), ou mesmo da diferença entre o total constituído e o irregularmente extinto, considerando a nulidade do ato e a provável constituição integral do crédito.

Destaca-se ainda que tal postura está sujeita à apreciação da Câmara de Vereadores, pelas infrações político-administrativas, e do Poder Judiciário, pelos crimes de responsabilidade, conforme dispõe os artigos 1º, III, e 4º, VIII, do Decreto-Lei nº 201/67:

"Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores:

(...)

III - desviar, ou aplicar indevidamente, rendas ou verbas públicas;

(PENDENTE - Talvez já tenha sido objeto da ação civil pública)

Art. 4º São infrações político-administrativas dos Prefeitos Municipais sujeitas ao julgamento pela Câmara dos Vereadores e sancionadas com a cassação do mandato:

(...)

VIII - Omitir-se ou negligenciar na defesa de bens, rendas, direitos ou interesses do Município sujeito à administração da Prefeitura;" (g.n.)

Diante de todo o exposto, aponta-se como restrição a aquisição de bens móveis usados, sem procedimento licitatório, contrariando artigo 37, XXI, da CF, c/c os artigos 1º, 2º e 24, da Lei Federal nº 8.666/93, através da extinção ilegal de crédito tributário, realizada pela dação em pagamento de bens móveis, em desacordo com o art. 146, III, b, da CF c/c arts. 111, I, 141 e 156, XI, do CTN.

CONCLUSÃO

À vista do exposto no presente Relatório, referente à apuração de irregularidades em processo de representação, relativas à Prefeitura Municipal de Jaraguá do Sul, com alcance ao exercício de 2005, entende a Diretoria de Controle dos Municípios – DMU, com fulcro nos artigos 59 e 113 da Constituição do Estado c/c o artigo 1º, inciso III da Lei Complementar n.º 202/2000, que possa o Excelentíssimo Sr. Relator, por despacho singular:

1 – DEFINIR A RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA, consoante o disposto no art. 15, inciso I, da mencionada Lei, para que se proceda a audiência do Sr. Moacir Antônio Bertoldi - Prefeito Municipal no exercício de 2005, CPF 310.551.339-68, residente à Rua Fiscal Verdi Francisco Lenzi, nº 79, Jaraguá do Sul/SC, e do Sr. Jurandyr Hilário Bertoldi - Procurador Geral à época, CPF 352.452.719-15, residente à Rua Irmão Leão Magna, 200, Jaraguá do Sul/SC, com posterior remessa dos autos à Diretoria de Controle dos Municípios - DMU, nos termos 34, caput da Resolução n.º TC 06/2001 - Regimento Interno do Tribunal de Contas c/c a Decisão Normativa n.º 01/2002, para, no prazo de 30 (trinta) dias a contar do recebimento desta:

1.1 - Apresentar justificativas relativamente às restrições abaixo especificadas, passíveis de cominação de multas, conforme art. 70, inciso II, da Lei Complementar n.º 202/2000:

1.1.1 - Aquisição de bens móveis usados, sem procedimento licitatório, contrariando artigo 37, XXI, da Constituição Federal c/c os artigos 1º, 2º e 24, da Lei Federal nº 8.666/93, através da extinção ilegal de crédito tributário, realizada com a dação em pagamento de bens móveis, em desacordo com o art. 146, III, b, da CF c/c arts. 111, I, 141 e 156, XI, do Código Tributário Nacional (item 2.1 deste Relatório);

2 - DETERMINAR à Diretoria de Controle dos Municípios - DMU, que dê ciência deste despacho, com remessa de cópia do Relatório n.º 1950/2007 aos responsáveis, Sr. Moacir Antônio Bertoldi - Prefeito Municipal (à época dos fatos e atualmente), e Sr. Jurandyr Hilário Bertoldi - Procurador Geral do Município à época.

É o Relatório.

TCE/DMU, em 19/10/2007.

Teresinha de J.B. da Silva Edson José Sehnem
Auditora Fiscal de Controle Externo Auditor Fiscal de Controle Externo
Coordenadora da Auditoria  

 
Eduardo Correa Tavares Marianne da Silva Brodbeck
Auditor Fiscal de Controle Externo Auditora Fiscal de Controle Externo

De Acordo

EM, ....../......./2007.

Paulo César Salum

Coordenador de Controle

Inspetoria 2

Anexo 1 - Matriz de Responsabilização

PROCESSO RPA 06/00401227
UNIDADE Prefeitura Municipal de Jaraguá do Sul
ASSUNTO Auditoria "in loco" para apuração de supostas irregularidades representadas a este Tribunal, relativas à extinção de crédito tributário por dação em pagamento - Audiência

Achado Responsável Conduta Nexo de Causalidade Culpabilidade
Item 2.1 deste relatório Moacir Antônio Bertoldi - Prefeito Municipal à época (novembro de 2005 a fevereiro de 2006) Homologação da extinção de crédito tributário através de dação em pagamento Termo de homologação da extinção parcial, entrevistas e declarações à CPI da Câmara de Vereadores Como Chefe do Executivo e ordenador primário, possue a obrigação de exercer suas funções de acordo com a CF e a legislação vigente
Jurandyr Hilário Bertoldi - Procurador Geral à época (novembro de 2005 a fevereiro de 2006) Assessoramento ao Prefeito Municipal para que a dação ocorresse, com a participação ativa durante todo o procedimento Menção em ofícios sobre a dação, antes mesmo do requerimento pelo contribuinte, entrevistas em que afirma a regularidade do procedimento, Termo de recebimento dos bens Como ocupante do cargo de Procurador Geral, estava encarregado de orientar o gestor sobre a legislação aplicável, considerando os conhecimentos técnicos decorrentes de sua formação e a confiança implícita do gestor em suas opiniões.