ESTADO DE SANTA CATARINA
    TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO
    CONSULTORIA GERAL

Processo n°: CON - 08/00541537
Origem: Prefeitura Municipal de Araranguá
Responsável: Mariano Mazzuco Neto
Assunto: Consulta
Parecer n° COG - 761/08

Aposentadoria. Contrato. Extinção. Acumulação.

A aposentadoria espontânea não extingue o contrato de trabalho, mas é vedado ao empregado que mantém vínculo com a Administração Pública perceber concomitantemente proventos e vencimentos, salvo se os cargos, empregos ou funções forem acumuláveis na atividade.

Empregado público. Direito de opção.

O empregado público deverá, caso tenha a intenção de continuar a relação contratual, optar entre os proventos ou vencimentos, quando os cargos, empregos ou funções não forem acumuláveis na atividade.

Demissão. FGTS. Multa.

Ao empregado que solicita demissão são devidas as verbas rescisórias, mas não há a incidência da multa de 40% do FGTS.

Senhor Consultor,

1. RELATÓRIO

4. Como proceder nos casos futuros de servidores públicos municipais celetistas que venham a obter a aposentadoria espontânea?

Eis o breve relatório.

2. PRELIMINARES DE ADMISSIBILIDADE

Prefacialmente, necessário analisar as formalidades inerentes às consultas, definidas no artigo 104 do Regimento Interno desta Corte de Contas, in verbis:

Art. 104 - A consulta deverá revestir-se das seguintes formalidades:

I - referir-se à matéria de competência do Tribunal;

II - versar sobre interpretação de lei ou questão formulada em tese;

III - ser subscrita por autoridade competente;

IV - conter indicação precisa da dúvida ou controvérsia suscitada;

V - ser instruída com parecer da assessoria jurídica do órgão ou entidade consulente, se existente.

2.1. Da competência

2.2. Do objeto

A consulta prevista no inciso XII do art. 59 da Constituição do Estado de Santa Catarina, bem como no inciso XV do art. 1º da Lei Estadual Complementar 202/2000, objetiva esclarecer incertezas acerca de interpretação de lei ou questão formulada em tese.

Da análise dos autos verificou-se que a dúvida apresentada pelo Consulente versa sobre as consequências decorrentes da aposentadoria voluntária de servidores públicos municipais com regime celetista de trabalho.

Assim, os questionamentos apresentados pelo Consulente possuem natureza interpretativa, bem como foram formulados em tese, razões pelas quais está preenchido o requisito previsto no art. 104, inciso II, do Regimento Interno.

Entretanto, quanto ao item 3, que diz respeito à possibilidade de reintegração do empregado e anulação do ato rescisório, facilmente verifica-se que somente seria possível responder à consulta quando da análise do caso concreto. A resposta ao questionamento exigiria analisar a situação específica de cada empregado, se há direito à estabilidade, se há intenção ou não em manter o vínculo, dentre outros questionamentos os quais somente a Justiça do Trabalho detém competência para análise e julgamento.

Outrossim, somente os Tribunais do Trabalho detém competência para decidir a melhor solução no caso concreto, ou seja, se há a possibilidade de reintegração do empregado ou apenas o pagamento da multa de 40% do FGTS1.

Por oportuno, imperioso alertar que, nos termos das Súmulas ns. 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal (STF), a Administração Pública pode anular seus próprios atos quando eivados de vícios que os tornam ilegais, observado o prazo decadencial de cinco anos.

Portanto, quanto aos ítens 1, 2, e 4, a presente consulta preenche os requisitos previstos no inciso XII do art. 59 da Constituição do Estado de Santa Catarina, bem como no inciso XV do art. 1º da LCE n. 202/2000.

Impende registrar que a resposta oferecida em processo de consulta não constitui prejulgamento de fato ou caso concreto, mas apenas prejulgamento de tese apresentada pelo Consulente.2

2.3. Da legitimidade

Nesse contexto, no tocante à legitimidade, verifica-se que o Consulente, na qualidade de Prefeito do Município Araranguá, detém legitimidade para o encaminhamento de peças indagativas a esta Corte de Contas.

2.4. Da INDICAÇÃO PRECISA DA DÚVIDA/CONTROVÉSIA

Conforme relatado acima, o Consulente indicou de forma precisa sua dúvida, o que faz com que o requisito previsto no art. 104, inciso IV, do Regimento Interno esteja preenchido.

2.5. Do parecer da assessoria jurídica

Verifica-se que a consulta não veio instruída com parecer da assessoria jurídica da entidade consulente. Contudo, o Tribunal Pleno poderá conhecer de consulta que não atenda a esta formalidade, conforme autoriza o parágrafo 2º do artigo 105 do referido Regimento, cabendo essa ponderação ser efetuada pelo Exmo. Relator e demais julgadores.

Compete-nos, contudo, alertar acerca de uma passagem da decisão 1555, proferida na sessão de 11 de junho de 2007, em que o Relator expõe suas razões nos seguintes termos:

[...]

O art. 104, §2º, contudo, não pode representar uma total desconsideração do requisito exigido pelo próprio Regimento Interno, de maneira que qualquer interpretação que entenda desnecessário, em qualquer caso, o parecer jurídico, subverte a intenção contida no preceito que regula o processamento das consultas.

Por outro lado, é fundamental que se considere o fato de que a aceitação indiscriminada de consultas, nas quais o consulente não tenha demonstrado ter seu órgão interno de consultoria analisado a matéria e, ainda assim, manifestado dúvidas relevantes, cuja resposta segura somente poderia ser conferida pelo Tribunal de Contas, poderia fazer com que esta Corte se tornasse um verdadeiro setor de emissão de pareceres para a Administração Pública. Nesse cenário, o administrador, ao invés de aparelhar seu setor jurídico, tomará o fácil caminho de enviar todas as suas dúvidas para o Tribunal, que passaria, assim, a lhe prestar atividade de assessoramento jurídico.

Esse não é o propósito perseguido com a atribuição disposta aos Tribunais de Contas para responder Consultas. Consentâneo com a finalidade perseguida pela Constituição Estadual, o Regimento Interno exige o parecer jurídico, não como mero requisito formal, e sim como demonstração de que a matéria passou pelo crivo do setor jurídico da Administração, conquanto não tenha sido possível obter uma resposta definitiva. Essa providência demonstra que a questão somente foi enviada ao Tribunal porque os órgãos administrativos do Consulente não conseguiram fornecer uma resposta conclusiva.

Portanto, a dispensa do parecer jurídico, no meu entendimento, somente é admissível quando a Corte verifique tratar-se de matéria nebulosa, dependente de uma reflexão acurada, ou seja situação de grande relevância, sobre a qual se mostre aconselhável o pronunciamento do Tribunal de Contas. (grifo nosso)

[...]

2.6. Do exame dos pressupostos de admissibilidade

Por conseguinte, desde que superada a falta do parecer jurídico, sugerimos ao Exmo. Relator o conhecimento da presente consulta no tocante aos ítens 1, 2 e 4. Quanto ao item 3, sugerimos não conhecer da consulta, em razão de que a matéria foge à competência desta Corte de Contas, bem assim por referir-se a situações que somente quando da análise do caso concreto possibilitaria responder.

3. MÉRITO

A presente consulta diz respeito à situação de servidores públicos celetistas, da Administração Pública Municipal, que venham a se aposentar voluntariamente pelo Regime Geral de Previdência Social, no sentido de saber da extinção ou não do vínculo de emprego.

Prefacialmente, é imperioso salientar que a matéria em questão é complexa e envolve diversos ramos do Direito, sendo que a resposta à consulta não pode implicar invasão de matéria de competência alheia a deste Tribunal de Contas.

Ora, "existem, com certeza, áreas não muito claras, nas quais a competência do Tribunal de Contas, não raro, vem a se confundir com a de outros órgãos e Poderes, ausente um 'divisor de águas' que, de forma rígida, defina até onde se estende a esfera de um, até onde inicia a esfera do outro"3.

Disso se conclui que o empregado que se aposenta espontaneamente, quer por tempo de contribuição, quer por idade (quando requerida pelo segurado), pode continuar prestando serviços ao seu empregador, porque a aposentadoria espontânea não extingue o contrato de trabalho original.

3.2. Do entendimento do STF a respeito da impossibilidade de acumulação de proventos com vencimentos dos empregados públicos

O Supremo Tribunal Federal - STF, no julgamento do mérito da ADI 1.770, explicitamente afirmou não ser possível acumular proventos e vencimentos quando se tratar de empregado de sociedade de economia mista ou de empresa pública, salvo na ocorrência dos casos excepcionais permitidos pela Constituição da República.

Eis a ementa da referida decisão:

Inclusive, em recente decisão proferida nos autos da Reclamação n. 5679/SC, o Exmo. Min. Cesar Peluso deferiu pedido liminar da CIDASC, a fim de suspender a decisão do juízo da 4ª Vara do Trabalho de Criciúma-SC até o julgamento definitivo da reclamação, em virtude de que a decisão proferida na Justiça Laboral não observou a decisão do STF na ADI n. 1770 a respeito da vedação de acumulação de proventos com vencimentos.

Eis a íntegra da r. decisão:

Diante disso, conclui-se que o Supremo Tribunal Federal considera que a vedação de acumulação de proventos com vencimentos é aplicável não apenas para os servidores públicos da Administração Direta, Autárquica e Fundacional mas também aos empregados das Empresas Estatais.

3.3. Dos servidores da Administração Pública - regime de emprego público

A situação, em tese, formulada na presente consulta, diz respeito aos servidores públicos da Administração Direta, Autárquica e Fundacional, contratados sob o regime de emprego público.

Primeiramente, é preciso delinear a abrangência da expressão "servidor público". Para tal desiderato, imperioso trazer à colação o conceito do mestre Bandeira de Mello5:

        Com efeito, a designação 'servidor público', já hoje, tem alcance mais restrito do que dantes. Não mais é adequada para abarcar também os empregados das entidades da Administração indireta de Direito Privado, porquanto, sob a rubrica constitucional 'Dos Servidores Públicos' (...) é visível que só estão considerados os integrantes de cargo ou emprego nas pessoas jurídicas de Direito Público. Assim, na atualidade, o nomen juris "servidor público" é uma espécie do gênero 'servidores estatais'". (grifo nosso)

    Destarte, os servidores públicos são os titulares de cargo ou emprego no âmbito das pessoas jurídicas de direito público.
    Com relação ao Consulente - Município de Araranguá - nos termos da Lei Complementar Municipal n. 2, de 22 de agosto de 1997, houve a adoção do "regime jurídico único celetista" para seus servidores.

13 TST. Processo AIRR - 477/2007-003-06-40, 2ª Turma, Relator Ministro Vantuil Abdala, DJ 29/08/2008.

14 Art. 19. Os servidores públicos civis da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, da administração direta, autárquica e das fundações públicas, em exercício na data da promulgação da Constituição, há pelo menos cinco anos continuados, e que não tenham sido admitidos na forma regulada no art. 37, da Constituição, são considerados estáveis no serviço público.

15 CHIMENTI, Ricardo Cunha; CAPEZ, Fernando; ROSA, Márcio Fernando Elias; SANTOS, Marisa Ferreira dos. Curso de Direito Constitucional. 3ª edição. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 406/407.

16 MOTTA FILHO, Sylvio Clemente da; e SANTOS, William Douglas Resinente dos. Direito Constitucional: teoria, jurisprudência e 1000 questões. 11ª edição. Rio de Janeiro: Impetus, 2002. p. 521/553.

17 PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Controle de Constitucionalidade. 3ª edição. Rio de janeiro: Impetus, 2005. p. 90/91.

18 MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado de Injunção, Habeas Data, Ação Direta de Inconstitucionalidade, Ação Declaratória de Inconstitucionalidade, Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental. 25ª edição. São Paulo: Malheiros, 2003. p.389.