ESTADO DE SANTA CATARINA
    TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO
    CONSULTORIA GERAL

Processo n°: CON - 09/00157623
Origem: Prefeitura Municipal de Marema
Interessado: José Antonio Marchetti
Assunto: Consulta
Parecer n° COG-229/09

Senhora Consultora,

1. RELATÓRIO

O Prefeito Municipal de Marema, Senhor José Antonio Marchetti, em conjunto com o Presidente da Câmara de Vereadores, Vereador Egídio Percio, por meio de expediente recepcionado nesta Corte de Contas em 06 de abril de 2009, formula consulta a este Tribunal indagando o seguinte:

O Prefeito Municipal pretende esclarecer sobre a fixação do subsídio dos agentes políticos, fazendo a seguinte colocação. Considerando que esta Lei de Iniciativa do Poder Legislativo e que deve ser sancionada pelo Chefe do Poder Executivo. Considerando que o Poder Legislativo editou a Lei devidamente aprovada pelos vereadores fixando o subsídio no último dia, ou ainda que nos últimos dias, mas dentro do prazo legal (Seis meses antes do término da legislatura). Porém, a Secretaria da Casa Legislativa somente remete a Lei para que seja sancionada pelo Poder Executivo quando já esgotado o prazo de seis meses. Ou seja já no mês de julho de 2008. Assim a Lei foi editada dentro do prazo legal, mas remetida para sanção do Poder Executivo após o prazo. Então, sobre qual subsídio deve o Executivo realizar o pagamento sobre o subsídio fixado nestas circunstâncias (fixado no prazo e remetido para sanção fora do prazo) ou pagar pelo subsídio da Legislatura passada? Há que se considerar que a Câmara de Vereadores pode reunir-se no último dia e editar a Lei, o que acarretaria em remessa somente no dia seguinte. Que por certo mesmo que fosse assinada e promulgada pelo Executivo no dia do recebimento estaria fora do prazo. Conforme art. 111 da Constituição Estadual, inciso VI - diz "subsídio do Prefeito, do Vice-Prefeito e dos Secretários Municipais, fixados por lei de iniciativa da Câmara Municipal, observado o disposto no art. 29, V, da Constituição Federal;" VII "subsídio dos Vereadores será fixado pelas respectivas Câmaras Municipais, em cada legislatura para a subseqüente, com antecedência Mínima de seis meses, observados os critérios estabelecidos nas respectivas leis orgânicas e os limites máximos dispostos na Constituição Federal;" A Lei Orgânica do Município diz que a remuneração do Prefeito, do Vice-Prefeito e Secretários Municipais ou Diretores equivalentes e Vereadores será fixado até 60 (sessenta) dias antes das eleições. Assim a pergunta é: Vale a Lei que fixa o subsídio editada no prazo legal, (seis meses antes da eleição), conforme Constituição Estadual mesmo que sancionada fora do prazo legal? Ainda que a Lei Orgânica do Município diga que é de 60 (sessenta) dias antes das eleições.

2. REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE

Para o conhecimento de consulta encaminhada ao Tribunal de Contas nos termos do artigo 59, XII, da Constituição do Estado de Santa Catarina, necessário se faz o atendimento dos seguintes pressupostos regimentais:

3. DISCUSSÃO

3.1. Da legislação correlata

A disposição vigente no inciso VI do artigo 29 da Constituição Federal não insere a Constituição Estadual como legitimada a estabelecer critérios para as regras fixadoras dos subsídios dos Vereadores.

A redação original do art. 29, inc. V e VI, da Constituição Federal de 1988, antes das alterações promovidas pelas Emendas Constitucionais ns. 19/98 e 25/00, era a seguinte:

Com o advento das Emendas Constitucionais n. 19/98 e 25/00, os incisos V e VI do art. 29 da Constituição Federal passaram a ter a seguinte redação:

A Emenda Constitucional n. 25/2000 reafirmou a autonomia política deferida aos Municípios pela Constituição da República, à medida que afasta a exigência de observância dos critérios postos nas respectivas Constituições Estaduais quanto à fixação dos subsídios dos agentes políticos.

No entanto, a Constituição do Estado de Santa Catarina manteve com a Emenda Constitucional n. 38/2004 que o subsídio dos vereadores para a legislatura subseqüente deverá ser fixado com antecedência mínima de seis meses. É o que se depreende do inciso VII do art. 111:

3.2. Do trato da matéria pelo Tribunal de Contas

A questão firmada na presente consulta já fora objeto de exame e deliberação plenária deste Tribunal de Contas.

Antes da nova redação do inciso VI promovida pela EC n. 25/00, esta Corte de Contas já se manifestava no sentido da aplicabilidade do prazo de seis meses fixado na Constituição Estadual, salvo prazo mais restritivo fixado pela Lei Orgânica. Nesse sentido, Prejulgado 872:

Com a entrada em vigor da EC n. 25/2000, a qual afastou a exigência de observância do princípio da anterioridade na fixação do subsídio dos prefeitos, vice-prefeitos e secretários municipais, esta Corte adequou seus prejulgados, porém manteve o entendimento de que o prazo constante na Constituição Estadual deve ser observado pelos Entes Municipais. A título exemplificativo, prejulgado 1271:

3.3. Da questão referente à autonomia municipal

As disposições vigentes nos incisos V e VI do artigo 29 da Constituição Federal não inserem a Constituição Estadual como legitimada a estabelecer critérios para as regras fixadoras dos subsídios dos agentes públicos municipais.

Referido entendimento ganha reforço com a alteração promovida pela Emenda Constitucional n. 25/2000, a qual, como acima comentado, suprimiu a exigência de observância dos critérios postos nas respectivas Constituições Estaduais, pelos Municípios, quando da fixação dos subsídios de seus Vereadores, medida coerente com a autonomia política deferida aos Municípios pela Constituição da República.

Como preleciona José Afonso da Silva, a autonomia municipal conferida pela Constituição Federal de 1988 manifesta-se pela capacidade de auto-organização (lei orgânica própria); capacidade de autogoverno (eletividade dos Prefeitos e Vereadores); capacidade normativa própria (competência exclusiva e suplementar) e capacidade de auto-administração.

Com efeito, a ingerência dos Estados nos assuntos municipais ficou limitada aos aspectos estritamente indicados na Constituição Federal, como, por exemplo, os referentes à criação, incorporação, fusão e ao desmembramento de Municípios (art. 18, § 4º) e à intervenção (arts. 35 e 36).1

O Estado, nessa atual conjuntura, não detém mais poder de organizar os municípios, definir suas competências, sua estrutura e respectivos limites, uma vez que as normas constitucionais dirigem-se diretamente aos Municípios.

Para bem explicitar o assunto, oportuno citar os ensinamentos do ilustre constitucionalista Paulo Bonavides:

      Nesse contexto, o c. STF, a quem compete interpretar as normas constitucionais, aborda com maestria o tema referente à autonomia municipal frente à constituição estadual, conforme decisões proferidas nos autos da ADI 2112, assim ementadas:

              EMENTA. I. Ação direta de inconstitucionalidade e emenda constitucional superveniente: critério jurisprudencial. Julga-se prejudicada a ação direta quando, de emenda superveniente à sua propositura, resultou inovação substancial da norma constitucional que - invocada ou não pelo requerente - compunha necessariamente o parâmetro de aferição da inconstitucionalidade do ato normativo questionado: precedentes.
              II. ADIn e emenda constitucional de vigência protraída: prejuízo inexistente. Proposta e ação direta contra emenda de vigência imediata à Constituição de Estado, relativa a limites da remuneração dos Vereadores, não a prejudica por ora a superveniência da EC 25/2000 à Constituição da República, que, embora cuide da matéria, só entrará em vigor em 2001, quando do início da nova legislatura nos Municípios.
              III. Município: sentido da submissão de sua Lei Orgânica a princípios estabelecidos na Constituição do Estado.
              1. Dar alcance irrestrito à alusão, no art. 29, caput, CF, à observância devida pelas leis orgânicas municipais aos princípios estabelecidos na Constituição do Estado, traduz condenável misoneísmo constitucional, que faz abstração de dois dados novos e incontornáveis do trato do Município da Lei fundamental de 1988: explicitar o seu caráter de "entidade infra-estatal rígida" e, em conseqüência, outorgar-lhe o poder de auto-organização, substantivado, no art. 29, pelo de votar a própria lei orgânica. 2. É mais que bastante ao juízo liminar sobre o pedido cautelar a aparente evidência de que em tudo quanto, nos diversos incisos do art. 29, a Constituição da República fixou ela mesma os parâmetros limitadores do poder de auto-organização dos Municípios e excetuados apenas aqueles que contém remissão expressa ao direito estadual (art. 29, VI, IX e X) - a Constituição do Estado não os poderá abrandar nem agravar. (destaque nosso)
              IV - Emenda constitucional estadual e direito intertemporal. Impõem-se, em princípio, à emenda constitucional estadual os princípios de direito intertemporal da Constituição da República, entre os quais as garantias do direito adquirido e da irredutibilidade de vencimentos. (Decisão em sede cautelar. Relator Min. Sepúlveda Pertence. DJ 18-05-2001)
              EMENTA. I. Vereador: subsídio: critérios de fixação impostos por norma constitucional estadual: ADIn prejudicada pela subseqüente eficácia da EC 25/2000 à Constituição Federal.
              II. Prefeito e Vice-Prefeito: subsídios: critérios de fixação impostos por norma constitucional do Estado: violação do art. 29, V, CF: inconstitucionalidade. (Decisão de mérito. Relator: Min. Sepúlveda Pertence. Julgamento: 15/05/2002 Órgão Julgador: Tribunal Pleno. DJ 28-06-2002)

      Para compreender o alcance da interpretação feita pela Suprema Corte, imperioso transcrever excertos do Voto do Exmo. Ministro Sepúlveda Pertence:

              O raciocínio "estadualista", contudo, além de pecar por certa "petição de princípio", incide talvez no vício frequente do misoneísmo constitucional e, em conseqüência, de fazer abstração de dois dados novos e incontornáveis do trato do Município na Constituição de 1988: o de explicitar o seu caráter - que, a rigor, já se vinha desenhando desde 1934 - de "entidade intra-estatal rígida", como já acentuava Pontes de Miranda (Comentários à Constituição de 1946, 2ª ed., 1953, I), avalizado por Reale (O município na estrutura do Estado Federal Brasileiro, em Nos Quadrantes do Dir. Positivo, 1961, p. 41 e ss.) E, sobretudo, a de dar a essa explicitação uma relevante conseqüência dogmática, qual seja, a de inaugurar, no plano constitucional federal, a outorga ao Município do poder de auto-organização, substantivado, no art. 29, pelo de votar lei orgânica própria.
              Certo, é curial - como igualmente sucede ao do Estado-membro - esse poder municipal de auto-organização não é absoluto. E mais: além dos princípios da Constituição Federal, a que igualmente se subordina a autonomia constitucional do Estado-membro, a de auto-organização dos Municípios se sujeita, ademais, aos princípios estabelecidos na Constituição do respectivo Estado-membro.
              Mas, é preciso enfatizar, se essa sujeição aos princípios estabelecidos na Constituição do Estado equivale à observância compulsória de quanto a respeito ao constituinte estadual aprouver dispor, então de nada valeu o que, passo a passo, a República construiu no particular e o Município continuaria a ser nada mais que uma divisão administrativa do Estado-membro, de autonomia por ele demarcada.
              [...]
              Os municípios têm, por outorga constitucional, uma esfera impenetrável e irredutível de competências, cujo exercício não pode, a nenhum título, ser considerado ou restringido pela Constituição Estadual. Nessa esfera inclui-se a auto-organização (através da lei orgânica), a edição da leis sobre assuntos de interesse local (leis comuns) e sua aplicação (através de atos da Administração).
              Portanto, não teria cabimento a pretensão do Estado-membro absorver parcelas de atribuições normativas municipais, exercendo-as por via de comandos inseridos na Carta Estadual.
              [...]
              A ordem jurídica municipal não deve sua existência à ordem jurídica estadual; logo, uma não é subordinada à outra. Ao contrário, ambas se submetem a uma mesma ordem jurídica (a Carta Constitucional da República) à qual devem igual obediência. Advém daí a conseqüência de as duas ordens jurídicas (estadual e municipal) relacionarem-se nos estritos limites constitucionais, só interferindo uma na outra pelos meios e para os fins previstos na Constituição.
              O Constituinte Estadual não está titulado a impor padrões de conduta aos entes locais, mas tão-somente a definir a organização dos Poderes Estaduais.
              Tanto é assim que, quando o Constituinte Nacional quis submeter a organização do Município a certas regras a serem editadas pelo Constituinte Estadual, disse-o expressamente. Consulte-se o artigo 29, inciso VIII, mandado aplicar aos vereadores as normas sobre proibições e incompatibilidades dos deputados estaduais. Ele é a demonstração definitiva de que a Constituição Estadual não tem poderes normativos em relação aos Municípios, porquanto: a) apenas trata do regime de proibições e incompatibilidades para os parlamentares estaduais - que se aplica aos vereadores por força específica do artigo 29, VII, não pela vontade do legislador estadual -, não podendo estabelecer regras específicas para vereadores; b)se do caput do artigo 29 resultasse um genérico poder de ditar regras aos Municípios, não haveria porque o inciso VII conferir novamente tal poder, com vistas a um tema em especial.
              A interferência específica da Constituição Estadual na lei orgânica municipal é, em conseqüência, ínfima. A Carta do Estado deve obediência aos princípios do Texto Nacional (art. 25, caput), de modo que os princípios daquela não serão (ao menos no essencial) diversos dos princípios deste. (destaque nosso)

      Assim, quanto aos critérios de reajuste dos subsídios dos vereadores, prefeitos, vice-prefeito e secretários municipais, a lei orgânica do município deverá observar tão-somente o que estabele a Constituição Federal, mais precisamente os incisos V e VI do artigo 29, in verbis:

      Art. 29. (...)

      V - subsídios do Prefeito, do Vice-Prefeito e dos Secretários Municipais fixados por lei de iniciativa da Câmara Municipal, observado o que dispõem os arts. 37, XI, 39, § 4°, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I;

      VI- subsídios de Vereadores será fixado pelas respectivas Câmaras Municipais em cada legislatura para a subseqüente, observado o que dispõe esta Constituição, observados os critérios estabelecidos na respectiva Lei Orgânica (...)

      Da simples leitura dos dispositivos constitucionais supra verifica-se que a Constituição não fez remissão à Constituição Estadual, tampouco estipulou prazo para a fixação dos subsídios dos vereadores para a legislatura subseqüente.

      De fato, quanto aos subsídios dos Vereadores, o inciso VI do art. 29 da CF, com a redação dada pela Emenda Constitucional n. 25/2000, restabeleceu a observância ao princípio da anterioridade. Todavia, a Constituição não especificou qual o prazo mínimo de antecedência para a fixação do subsídio dos Vereadores.

      Contudo, a título de norte interpretativo, oportuno citar o posicionamento do c. STF, ao apreciar o Recurso Extraordinário n. 62.594, em que o Exmo. Relator Min. Djaci Falcão entendeu que a anterioridade estará observada desde que a fixação da remuneração seja anterior às eleições, quando ainda não se conhece o resultado das urnas:

      4 Excerto do Voto do Exmo. Relator Marco Aurélio nos autos do Recurso Extraordinário n. 213524/SP. 2ª Turma. DJ 11/02/2000.

      5 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. 15. ed. Malheiros. São Paulo: 2006, p. 627.

      6 MORAES, Alexandre. Direito constitucional. 18. Ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 583.

      7 Op. cit. p. 528.

      8 Op. cit. p. 528.