ESTADO DE SANTA CATARINA
    TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO
    CONSULTORIA GERAL

Processo n°: CON - 10/00235847
Origem: Instituto de Previdência dos Servidores Públicos do Município de Içara -
Interessado: Ricardo Lino da Silva
Assunto: Consulta
Parecer n° COG 292/10

RPPS. Redução da idade de dependente prevista pelo RGPS. Impossibilidade.

O município, no uso da competência suplementar prevista no artigo 30, inciso II, da Constituição Federal, não pode limitar o alcance das normas gerais editadas pela União na utilização da competência concorrente prevista no artigo 24, da Constituição Federal.

Senhora Consultora,

1. RELATÓRIO

Trata-se de consulta formulada pelo Diretor-Presidente do Instituto de Previdência dos Servidores Públicos de Içara - IÇARAPREV, Sr. Ricardo Lino da Silva, relativa à concessão de benefício previdenciário.

Expõe o consulente que a Lei Municipal nº 1.822/2002, em seu artigo 12, inciso II, considerava como beneficiário do regime de previdência social dos servidores públicos de Içara, o dependente do segurado filho não emancipado, de qualquer condição, menor de vinte um anos ou inválido.

Ocorre que o § 6º, do artigo 12, da citada Lei Municipal, reduziu a idade do dependente supra citado para 18 anos a partir da vigência novo do Código Civil.

Aponta o consulente que a Lei Federal nº 8.213/91, que dispõe sobre os planos de benefícios da Previdência Social, bem como o Decreto nº 3048/99, que regulamenta a Previdência Social, estabelecem que a idade do segurado em questão é de 21 anos.

O consulente cita o artigo 51 da Orientação Normativa SPS nº 02/2009, segundo o qual os regimes próprios de previdência deverão observar os dependentes elencados no regime geral, "devendo estabelecer em norma local, as condições necessárias para enquadramento e qualificação dos dependentes".

Por fim, diante da legislação apresentada, formula o seguinte questionamento:

Consta às fls. 06/31 cópia da Lei Municipal nº 1822/2002.

É o relatório.

2. PRELIMINARES DE ADMISSIBILIDADE

O Regimento Interno deste Tribunal de Contas - Resolução nº TC-06/2001 - define as formalidades inerentes à consulta:

Art. 104 - A consulta deverá revestir-se das seguintes formalidades:

I - referir-se à matéria de competência do Tribunal;

II - versar sobre interpretação de lei ou questão formulada em tese;

III - ser subscrita por autoridade competente;

IV - conter indicação precisa da dúvida ou controvérsia suscitada;

V - ser instruída com parecer da assessoria jurídica do órgão ou entidade consulente, se existente.

Art. 105 - A consulta dirigida ao Tribunal de Contas será encaminhada ao órgão competente para verificação dos requisitos de admissibilidade, autuação e instrução dos autos.

§ 1º - O Tribunal de Contas não conhecerá as consultas que não se revestirem das formalidades previstas nos incisos I, II e III do artigo anterior.

2.1 DA COMPETÊNCIA

2.2 DO OBJETO

Da análise dos autos verificou-se que as questões apresentadas pelo consulente possuem natureza interpretativa, bem como foram formuladas em tese, o que está de acordo com o que dispõem o inciso XII do art. 59 da Constituição do Estado de Santa Catarina e inciso XV do art. 1º da Lei Estadual Complementar 202/2000, razão pela qual está preenchido o requisito previsto no art. 104, inciso II, do Regimento Interno.

O consulente, na condição de Diretor-Presidente do Instituto de Previdência dos Servidores Públicos de Içara - IÇARAPREV, está legitimado a encaminhar consultas de acordo com o disposto no art. 103, II, do Regimento Interno desta Corte, motivo pelo qual o requisito previsto no art. 104, inciso III, encontra-se preenchido.

2.4 DA INDICAÇÃO PRECISA DA DÚVIDA/CONTROVÉSIA

Conforme relatado acima, o consulente indicou de forma precisa sua dúvida, o que faz com que o requisito previsto no art. 104, inciso IV, do Regimento Interno esteja preenchido.

2.5 DO PARECER DA ASSESSORIA JURÍDICA

A consulta não veio instruída com parecer da assessoria jurídica da entidade consulente.

Dessa forma, o requisito previsto no art. 104, inciso V, não está preenchido, contudo, por força do que dispõe o § 2º do art. 105, ambos do Regimento Interno, o Tribunal Pleno poderá conhecer de consulta que não atenda a esta formalidade, cabendo essa ponderação ao Relator e aos demais julgadores.

2.6 DO EXAME DOS PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE

Da análise dos pressupostos de admissibilidade, constatou-se que os requisitos previstos no art. 104, incisos I a III, essenciais para o conhecimento da consulta nos termos do art. 105, § 1º, ambos do Regimento, foram preenchidos, razão pela qual, caso superada a ausência de parecer jurídico, sugere-se o conhecimento do presente processo.

3. ANÁLISE DA CONSULTA

Preliminarmente, é importante registrar que como o processo de consulta não envolve julgamento ou exame de legalidade para fins de registro por este Tribunal de Contas, conforme leciona Hélio Saul Mileski, a resposta ora oferecida não constitui prejulgamento do fato ou caso concreto, mas apenas o prejulgamento da tese apresentada pelo consulente.

Com a palavra, Hélio Saul Mileski1:

Nesse sentido, assim dispõe o § 3º, do art. 1º, da Lei Orgânica deste Tribunal de Contas (Lei Complementar nº 202/2000):

Quanto ao mérito, o consulente deseja saber se, para fins de concessão de pensão por morte aos filhos dos segurados vinculados ao IÇARAPREV, deverá ser considerada a idade máxima de 18 anos conforme legislação municipal ou a idade limite de 21 anos nos termos da legislação federal.

Para melhor elucidação da matéria, a seguir serão transcritas as legislações citadas pelo consulente.

A Lei Municipal nº 1.822/03 possui o seguinte teor:

E a Lei Federal nº 8.213/91 dispõe:

A Orientação Normativa SPS nº 02/2009, art. 51, § 2º, diz:

Pois bem, o cerne da questão apresentada está concentrada em um aparente conflito de normas, vale dizer, deve prevalecer a lei municipal que define como dependente o filho do segurado com 18 anos de idade ou a lei federal que estipula a idade de 21 anos para este dependente?

Diz-se que o conflito é aparente, pois o presente caso não trata de um verdadeiro conflito de normas, insolucionável, mas sim de diferentes campos de atuação do ente legislador, pois cada unidade federada tem a sua esfera de competência, devendo, pois, ser aplicada a lei do ente que possui autorização constitucional para legislar sobre a matéria.

Desse modo, será analisado em seguida qual ente possui competência para legislar sobre previdência social, bem como o alcance e os limites de cada um deles.

A Constituição Federal prevê em seu artigo 24, inciso XII, que a competência para legislar sobre previdência social é concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal, senão veja-se:

De outro lado, a Constituição Federal determina, no artigo 30, inciso II, que cabe ao município suplementar a legislação federal e estadual no que couber, nos seguintes termos:

No cotejo das normas constitucionais supra transcritas, deduz-se que compete à União estabelecer normas gerais de conteúdo previdenciário, cabendo aos municípios a competência suplementar.

No campo da competência suplementar dos municípios, é cediço que a atuação deste ente não pode contrariar ou limitar disposições de cunho geral já editadas pela União.

Nesse sentido, Alexandre de Moraes2:

E o Supremo Tribunal Federal:

E ainda o Superior Tribunal de Justiça:

Em suma, pode-se dizer que em matéria previdenciária, cabe à União editar normas gerais e aos municípios suplementar tais normas, desde que não contrarie nem limite as normas federais.

No que diz respeito ao assunto objeto desta consulta, a União editou lei dispondo sobre regras gerais para organização e funcionamento dos regimes próprios de previdência social dos servidores públicos, inclusive dos municípios, que é a Lei Federal nº 9.717/98.

Desta lei, destaca-se o artigo 5º, segundo o qual os regimes próprios de previdência dos servidores públicos não poderão conceder benefícios distintos dos previstos para o Regime Geral de Previdência Social, nos seguintes termos:

Dentre as demais normas gerais editadas pela União concernentes a regime próprio de previdência dos servidores públicos, ressalta-se ainda a Portaria nº 402/2008, que ao regulamentar a Lei 9.717/98 estabeleceu em seu artigo 23, parágrafo primeiro:

Diante do panorama acima apresentado acerca das normas gerais sobre regime próprio de previdência dos servidores públicos editadas pela União, nota-se que o RPPS deve observar o mesmo rol de dependentes previsto pelo RGPS de que trata a Lei Federal 8.213/91, conclusão esta que está em sintonia com o disposto no § 12, do artigo 40 da Constituição Federal que assim dispõe:

Acrescenta-se ainda que Ministério da Previdência Social3 disponibilizou em seu site modelo de projeto de lei para instituição e reestruturação de regime próprio de previdência social municipal, modelo este que repete o rol dos beneficiários previstos pela Lei Federal nº 8.213/91, inclusive a idade de 21 anos para o dependente filho do segurado, senão veja-se:

        Dos Dependentes
        Art. 8º São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado:
        I - o cônjuge, a companheira ou o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de vinte e um anos ou inválido;
        II - os pais; ou
        III - o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de vinte e um anos ou inválido.
        § 2º  Considera-se companheira ou companheiro a pessoa que mantenha união estável com segurado ou segurada.
        §  3º  Equiparam-se aos filhos, nas condições do inciso I, mediante declaração escrita do segurado e comprovada a dependência econômica, o enteado e o menor que esteja sob sua tutela e desde que não possua bens suficientes para o próprio sustento e educação.
        § 4º  O menor sob tutela somente poderá ser equiparado aos filhos do segurado quando, além de atender aos requisitos do § 6º, houver a apresentação do termo de tutela.
        § 5º A dependência econômica das pessoas indicadas no inciso I é presumida e das demais deve ser comprovada.
        (Obs.: O rol de dependentes é taxativo, não podendo ser ampliado. O Município pode e deve regulamentar outras questões a respeito dos dependentes, tais como sobre a documentação necessária para inscrição e comprovação da dependência econômica, conceito de união estável, documentação para habilitação aos benefícios previdenciários, dentre outras) (g.n.)

A observação contida no modelo de projeto de lei e que está destacada acima, esclarece que a parte final do § 2º da Orientação Normativa SPS nº 02/2009 citada pelo consulente, ao dizer que o RPPS deve estabelecer em norma local, as condições necessárias para enquadramento e qualificação dos dependentes, permitiu ao município apenas dispor sobre outras questões tais como documentação necessária para inscrição e comprovação da dependência econômica, conceito de união estável e demais instruções do gênero, não sendo possível a alteração da idade dos dependentes contida na Lei Federal nº 8.213/91 com base nesta Orientação Normativa nº 02/2009, cujo texto assevera que:

        Salvo disposição em contrário da Constituição Federal, da Emenda Constitucional nº 20, de 1988, da Emenda Constitucional nº 41, de 19 de dezembro de 2003, e da Emenda Constitucional nº 47, de 06 de julho de 2005, o regime próprio não poderá conceder benefício distinto dos previstos no RGPS, ficando restritos as seguintes:
        [...]
        § 2º Os regimes próprios deverão observar também a limitação de concessão de benefício apenas aos dependentes constantes do rol definido para o RGPS, que compreende o cônjuge, o companheiro, a companheira, os filhos, os pais e os irmãos, devendo estabelecer, em norma local, as condições necessárias para o enquadramento e qualificação dos dependentes.

Por conseguinte, responde-se ao consulente que:

1. O município, no uso da competência suplementar prevista no artigo 30, inciso II, da Constituição Federal, não pode limitar o alcance das normas gerais editadas pela União na utilização da competência concorrente prevista no artigo 24, da Constituição Federal;

2. A Portaria nº 402/2008, que regulamentou a Lei Federal nº 9.717/98 estabeleceu em seu artigo 23, parágrafo primeiro, que o Regime Próprio de Previdência Social - RPPS, na concessão de benefícios, deverá observar o mesmo rol de dependentes previsto pelo Regime Geral de Previdência Social - RGPS, inclusive no tocante a idade dos beneficiários;

3. Na concessão de pensão por morte a filhos de beneficiários vinculados ao instituto prórpio de previdência, deverá ser considerado o limite de 21 anos estabelecido pela Lei Federal nº 8.213/91.

4. CONCLUSÃO

Em consonância com o acima exposto e considerando:

    1. Que o consulente está legitimado à subscrição de consultas para este Tribunal de Contas, nos termos do inciso II do art. 103 do Regimento Interno desta Corte de Contas;

    2. Que a consulta trata de situações em tese e de interpretação de lei, conforme determina o inciso XII do art. 59 da Constituição do Estado de Santa Catarina, bem como o inciso XV do art. 1º da Lei Complementar Estadual 202/2000;

    Sugere-se ao Exmo. Sr. Relator Cleber Muniz Gavi que submeta voto ao Egrégio Plenário sobre consulta formulada pelo Diretor-Presidente do Instituto de Previdência dos Servidores Públicos de Içara - IÇARAPREV, Sr. Ricardo Lino da Silva, nos termos deste parecer, que em síntese propõe:

    1. Conhecer da consulta por preencher os requisitos de admissibilidade previstos no Regimento Interno.

    2. Responder a consulta nos seguintes termos:

    2.1 O município, no uso da competência suplementar prevista no artigo 30, inciso II, da Constituição Federal, não pode limitar o alcance das normas gerais editadas pela União na utilização da competência concorrente prevista no artigo 24, da Constituição Federal;

    2.2 A Portaria nº 402/2008, que regulamentou a Lei Federal nº 9.717/98 estabeleceu em seu artigo 23, parágrafo primeiro, que o Regime Próprio de Previdência Social - RPPS, na concessão de benefícios, deverá observar o mesmo rol de dependentes previsto pelo Regime Geral de Previdência Social - RGPS, inclusive no tocante a idade dos beneficiários;

    2.3 Na concessão de pensão por morte a filhos de beneficiários vinculados ao instituto próprio de previdência, deverá ser considerado o limite de 21 anos conforme a Lei Federal nº 8.213/91.

    3. Dar ciência desta Decisão, do Relatório e Voto do Relator que a fundamenta, bem como deste parecer ao Diretor-Presidente do Instituto de Previdência dos Servidores Públicos de Içara - IÇARAPREV, Sr. Ricardo Lino da Silva.

    COG, em 16 de julho de 2010

    Valéria Rocha Lacerda Gruenfeld

    Auditora Fiscal de Controle Externo

    De Acordo. Em ____/____/____

    HAMILTON HOBUS HOEMKE

    Coordenador

    DE ACORDO.

    À consideração do Exmo. Sr. Relator Cleber Muniz Gavi, ouvido preliminarmente o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas.

    COG, em de de 2010

      ELÓIA ROSA DA SILVA

    Consultora Geral


1 MILESKI, Hélio Saul. O Controle da Gestão Pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 362.

2 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 23ª ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 310.

3 Disponível no site http://www.mpas.gov.br/conteudoDinamico.php?id=36. Acesso em 15/07/2010.