TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SANTA CATARINA

Gabinete do Conselheiro Luiz Roberto Herbst

Processo nº TCE - 03/06633183
Unidade Gestora Companhia Catarinense de Águas e Saneamento - CASAN
Interessados Sr. Walmor Paulo de Lucca
Responsável Sr. José Carlos Vieira
Assunto Tomada de Contas Especial originária do processo RPJ- 03/06633183
Relatório nº GCLRH/2010/470

Contratação sem concurso público. Irregularidade.

RELATÓRIO

Versam os autos sobre Tomada de Contas Especial originária de Representação encaminhada a esta Corte pelo Exmo. Sr. Juiz do Trabalho Alfredo Rego Barros Neto, informando quanto a supostas irregularidades ocorridas no âmbito da Companhia de Aguas e Saneamento - CASAN.

A conversão em Tomada de Contas Especial ocorreu mediante despacho constante de fls. 43 e 44, com a consequente citação do responsável, o qual remeteu os documentos e justificativas de fls. 69 a 72, analisadas posteriormente pelo Corpo Instrutivo, dando origem ao Relatório de Reinstrução DCE -, elaborado pela Diretoria de Controle da Administração Estadual (fls. 75 a 88), que sugeriu julgar irregulares as contas diante da irregularidade ensejadora de aplicação de multas e determinação à unidade.

A Procuradoria Geral do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas manifestou-se segundo o Parecer MPTC n. 4250/2010, de fls. 89 a 91, no sentido de ratificar o parecer apresentado pela Instrução.

É o relatório.

DISCUSSÃO

OBRIGATORIEDADE CONCURSO PÚBLICO

Tratando expressamente do princípio do concurso público, diz o artigo 37, II, da Constituição da República, em regra que expressamente manda aplicar à Administração Pública "Direta, Indireta e fundacional" que "a investidura em cargo ou emprego público depende da aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração (4).

Evidente, nesta medida, que por meio de uma interpretação literal deste dispositivo constitucional parece evidenciada a intenção da nossa lei maior de submeter não só os órgãos da Administração Direta Federal, Estadual, Distrital e Municipal, mas como também as autarquias, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e as fundações estatais ou governamentais (5) ao princípio do concurso público.

Primeiro, porque tradicionalmente a expressão Administração Indireta empregada no caput do referido artigo 37 que alberga no seu inciso II o princípio do concurso público, seja por definições inseridas em nosso direito positivo (6), seja por firme posição doutrinária, tem sido utilizada, dentre nós, para rotular este particular conjunto de pessoas estatais. Empresas públicas, sociedades de economia mista e as fundações criadas ou mantidas pelo governo estariam, assim, literalmente subordinadas por este dispositivo ao princípio do concurso público (7).

Segundo, porque ainda a literalidade do texto constitucional faz referência a exigência de concurso público para a "investidura em cargo ou emprego público" (grifo nosso).

Ora, é sabido que a expressão emprego público identifica o exercício de atividades funcionais em decorrência de contrato de trabalho, ou seja, por vínculo obrigacional submetido à Consolidação das Leis do Trabalho. Da mesma forma, ninguém desconhece que ao menos para aqueles que como nós afirmam que o regime jurídico único obrigatoriamente imposto pela Constituição da República, no caput do seu artigo 39, a todos os entes da Federação, suas autarquias e fundações públicas, é obrigatoriamente o estatutário (8), a expressão emprego público estaria sempre a indicar uma espécie de exercício funcional que só poderia existir nas empresas públicas, nas sociedades de economia mista e nas fundações estatais ou governamentais de direito privado, por serem estas justamente pessoas privadas.

Deveras, pessoas privadas, lembremos, não podem ter vínculos funcionais submetidos ao regime estatutário, por ser este característico das pessoas de direito público (9).

Com isso não se coloca como difícil concluir que da mesma forma que a expressão cargo utilizada no caput do art. 37 da nossa lei maior diz respeito a exigência de concurso público na Administração direta e nas autarquias, a expressão emprego diz respeito a exigência de concurso público nas únicas pessoas em que pode vir a se configurar, quais sejam, as pessoas privadas que integram a Administração Indireta (empresas públicas, as sociedades de economia mista e as fundações estatais ou governamentais de direito privado).

Todavia, como é sabido, nem sempre a interpretação literal conduz aos melhores resultados hermeneuticos. A necessidade de se integrar o sentido e o alcance das normas jurídicas ao sistemas de regras em que se inserem tem sido admitida como uma tarefa indispensável ao bom exegeta. A interpretação sistemática, sem embargo da utilização de outros meios interpretativos, é a única capaz de integrar um ordenamento jurídico de forma coerente e harmônica, dentro das exigências de previsibilidade, de segurança jurídica e de razoabilidade que as modernas sociedades capitalistas exigem.

Só que in casu, com a devida vênia, inexistirá discrepância entre a literalidade da norma constitucional e a sua interpretação sistemática. Ambas conduzem, irrefutavelmente, ao entendimento de que empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações estatais ou governamentais de direito privado estão submetidas ao princípio do concurso público.

Deveras, nenhum outro dispositivo constitucional existe, direta ou indiretamente, a desconfirmar este entendimento.

Ao revés, só a confirmá-lo.

Os artigos 5º, caput, e 37, caput, da Constituição da República bem o demonstram. Impõem estes à Administração Pública Direta e Indireta o respeito aos princípios da isonomia (art. 5º), da moralidade, e da impessoalidade (art. 37) em todos os seus atos. Por conseguinte, se aplicam também aos atos de escolha de pessoal para a investidura de seus cargos ou para o exercício de seus empregos.

Sendo assim, devemos ter por induvidoso que a realização de concurso público não passa de ser uma decorrência natural destes mesmos princípios. Afinal, a sua realização em nada mais consiste do que a adoção de um procedimento que assegura a igualdade da oportunidade de acesso a cargos e empregos públicos a todos os interessados que atendam aos requisitos legais (isonomia), a serem selecionados por critérios objetivos e não subjetivos ou pessoais do administrador público (impessoalidade), com o objetivo de propiciar a melhor escolha possível sem privilégios ou favorecimentos imorais(moralidade).

Trata-se, nesta medida, o concurso público da forma mais aperfeiçoada e adequada à satisfação plena destes princípios jurídicos no campo da investidura de cargos públicos ou do aperfeiçoamento de contratos de trabalho pela Administração (10). Sua imposição como regra aos órgãos da Administração Direta, como também aos da Indireta, se amolda por inteiro, portanto, a uma interpretação sistemática da Constituição da República.

Ademais, reforçando esta compreensão, como bem nos lembra CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO (11) acompanhando os ensinamentos de MARCIO CAMMAROSANO (12), também se afirma a regra inserida no artigo 71, III, da nossa Carta Constitucional. Estabelece esta, com efeito, que compete ao Congresso Nacional, com o auxílio do Tribunal de Contas da União, "apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de administração de pessoal, a qualquer título, na Administração Direta e Indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, excetuadas as nomeações para cargos de provimento em comissão".

De fato, como pondera o professor titular da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, "para que outra coisa serviria este exame de legalidade das admissões senão para verificar se houve concurso público regular precedendo as admissões ?" E isto, indague-se, de acordo com o texto do aludido preceito constitucional, tanto para a Administração Direta como para a Indireta.

Para sustentar a demonstração de eventual contradita a este ponto de vista, segundo nos parece, em tese, apenas dois argumentos fundados em aparente exegese sistemática poderiam ser lançados. Ad argumentandum tantum, passemos a analisá-los.

O primeiro, seria o de que o inciso II do artigo 37, contrariamente ao levado a efeito nos incisos XVI e XVII do mesmo artigo, não teria feito expressa menção aos entes da Administração Indireta ao consagrar o princípio do concurso público (13). Disto poderia decorrer o entendimento de que se no mesmo artigo o legislador em inciso específico (inciso XVII) determinou expressamente a aplicação do princípio consagrado em outro dispositivo (inciso XVI) à Administração Indireta, seria porque nos demais casos onde não o fez, esta extensão não seria possível. Caso contrário - se poderia perguntar em afirmação a este ponto de vista - por que teria feito então o legislador constitucional referência expressa a Administração Indireta no aludido inciso XVII, se esta mesma referência já estava implícita no inciso XVI ?

A resposta a este argumento não exige maiores esforços. É natural que fazendo menção a Administração Direta e Indireta no caput do artigo 37, todos os incisos deste dispositivo tanto a uma como a outra restam, em princípio, aplicáveis, ressalvada a hipótese de que dos seus respectivos termos resultasse inequivocamente o oposto. Ora, qualquer leitor apressado do texto da nossa Constituição pode verificar que o inciso XVI deste artigo foi redigido de forma restritiva, na medida em que afirma apenas que é "vedada a acumulação de cargos públicos". Mantida esta situação redacional, uma vez que nas empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações esstatais ou governamentais de direito privado não existem propriamente cargos mas apenas empregos públicos, poderia licitamente surgir o entendimento interpretativo de que neste dispositivo o legislador constitucional teria tido a intenção de "liberar" estas pessoas da Administração Indireta da incidência desta regra.

Para evitar o risco desta exegese, optou assim a nossa vigente Constituição por estabelecer de forma complementar o comando do inciso XVII. Não - observe-se - com o objetivo de excepcionar, mas sim de confirmar a incidência do caput do artigo 37 na regra firmada no inciso antecedente (14).

O inciso XVII do artigo 37 da nossa lei maior, por conseguinte, em nada se afirma como apto a abalar a interpretação sistemática anteriormente referida.

Já o segundo argumento se prende à regra firmada no artigo 173, parágrafo 1º, da mesma Carta Constitucional. Segundo este dispositivo a empresa pública, a sociedade de economia mista e outras entidades que explorem a atividade econômica em nome do Poder Público "sujeitam-se ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto as obrigações trabalhistas e tributárias". Com efeito, este dispositivo determina que empresas públicas e sociedades de economia mista que exploram atividade econômica (15) exerçam suas atividades em situação equivalente às empresas privadas em geral, isto é, dentro do mesmo regime jurídico destas.

Claro, pois, que a nossa lei maior comanda que tais empresas estatais não possam atuar com vantagens ou com ônus jurídicos em relação às empresas privadas. E de tal constatação podem decorrer as seguintes indagações: não seria a exigência do concurso público um ônus a colocar estas empresas em desigualdade com a iniciativa privada ? Não seria esta imposição uma descaracterização do regime jurídico próprio das empresas privadas, e por conseguinte, uma desfiguração do artigo 173, parágrafo 1º, da Constituição Federal ? Não seria correto dizer-se então que, em boa interpretação sistemática, as empresas estatais que exploram atividade econômica deveriam ser liberadas do ônus de contratar seus empregados por via de concurso público?

Não nos parece. O fato do caput do artigo 37 não ter feito a distinção entre empresas que exploram atividade econômica de outras (ou seja, as prestadoras de serviços públicos - vide nota 15, supra), não autoriza qualquer interpretação que não fosse amparada em uma sólida lógica sistemática oposta. E tal, a bem da verdade, não ocorre.

Com efeito, admitir-se uma isonomia absoluta de regime jurídicos entre as empresas públicas e as sociedades de economia mista que exploram a atividade econômica e a iniciativa privada seria nivelá-las em tal dimensão que tais entidades estatais haveriam de não ter nenhuma especificidade particular, ou mesmo uma ontologia jurídica própria. Seriam sociedades comerciais comuns que não receberiam qualquer regime especial imposto pelas regras mercantis, ou o que é pior, das próprias normas de direito administrativo. Não seriam, pois, autênticas empresas públicas ou sociedades de economia mista.

Tal interpretação, nesta medida, nos conduziria a uma conclusão totalmente absurda: a Constituição chamaria no parágrafo 1º do seu artigo 173 de "empresas públicas" e de "sociedades de economia mista" certas pessoas a que negaria terminantemente a possibilidade jurídica de serem verdadeiras empresas públicas ou sociedades de economia mista.

Deveras, como já assinalado anteriormente, a existência destas empresas estatais como entidades dotadas de uma ontologia própria, distinta das pessoas mercantis comuns, se prende ao regime jurídico especial que da lei recebem. Se este regime especial não pode existir por força do artigo 173, parágrafo 1º, da Constituição, elas jamais poderiam existir como tais espécies de sociedades.

Aliás, se essa era a intenção do legislador constitucional, haveria de ter dito este que a exploração de atividade econômica por pessoas jurídicas controladas pelo Público deveria ser realizada por sociedades comerciais comuns e não propriamente por "empresas públicas " ou por "sociedades de economia mista" como restou afirmado no dispositivo em comento. Assim, porém, não procedeu.

Ao utilizar, pois, as expressões "empresas públicas" e "sociedades de economia mista" no artigo 173, parágrafo 1º, da nossa lei maior, acabou por determinar o nosso legislador constitucional que o regime jurídico destas empresas estatais quando exploradoras de atividade econômica não deveria ser propriamente isonômico ao das empresas particulares, mas de equivalência jurídica no que concerne ao exercício das atividades que motivam as suas respectivas existências. Ou seja: determinou que pessoas que possuem ontologias jurídicas diversas (de direito privado puro para as sociedades mercantis comuns, e direito privado sujeito a normas especiais de direito mercantil e de controle impostas pelo direito administrativo para as estatais) recebam um tratamento igualitário da ordem jurídica .

Não seria, portanto, o pretendido pela Constituição exigir um tratamento jurídico igual para pessoas iguais, mas sim exigir um tratamento jurídico igual para a atuação, no mundo privado, de pessoas diferentes.

Mas - é forçoso indagar nesse momento - no que consistiria esta equivalência de tratamentos jurídicos?

Como bem ensina novamente CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, esta equivalência de tratamentos jurídicos só pode consistir no "ensejar às empresas estatais exploradoras de atividade econômica as condições operacionais que seriam irrecusáveis para a normal realização de seus fins e impedir que desfrutem de prerrogativas ou vantagens inexistentes no setor privado (16).

De fato, o artigo 171, parágrafo 1º, da Constituição, jamais poderá ser interpretado como um dispositivo que transforme sociedades de economia mista e empresas públicas em sociedades mercantis comuns. Seu sentido jurídico é unicamente o de impedir que na sua atuação as estatais se deparem com óbices capazes de impedir a consecução de seus fins (que poderiam ser satisfatoriamente realizados por uma pessoa privada comum), ou de que usufruam de prerrogativas ou vantagens extraordinárias inaceitáveis dentro dos princípios da ordem privada (que são próprios das pessoas de direito público, ou das pessoas submetidas à sua regência em suas atividades). Repita-se, portanto: seu objetivo é o de estabelecer a equivalência de atuação entre pessoas estatais e pessoas privadas comuns, e não a igualdade absoluta de regimes ou a identidade jurídica entre seres de direito diferenciados (17).

Ora, se assim é, claro deve estar que o artigo 173, parágrafo 1º da Constituição da República, não tem o condão de afastar, em regra, a incidência do princípio do concurso público das empresas públicas e das sociedades de economia mista que exploram a atividade econômica. Deveras, na quase totalidade das situações, é perfeitamente possível que a atuação de tais entidades estatais em nada seja desequiparada da atuação privada apenas por estarem sujeitas a este tipo de exigência para a contratação de seus empregados. O atingimento dos seus fins (exploração das atividades econômicas para as quais foram criadas) poderá ser via de regra alcançado, sem que neste procedimento se veja um obstáculo intransponível ao alcance de tal intento.

Todavia,. excepcionalmente, é importante que desde já se diga, poderá ocorrer que diante de certas hipóteses concretas e excepcionais a realização de um concurso público possa vir a qualificar um obstáculo insuperável para o atingimento dos fins de uma empresa pública ou de uma sociedade de economia mista exploradora de atividade econômica. Nesse caso - e só nesse caso - como adiante se analisará (18) o concurso público poderá ser legitimamente dispensado para tais entes.

Mas, observe-se com rigor, por exceção dispensado. Em condições normais a realização de concurso público em nada obsta a exploração de atividade econômica por empresa pública ou sociedade de economia mista em situação de absoluta equivalência com a iniciativa privada.

A exceção, pois, in casu, apenas se posta no sentido de confirmar a regra.

Isto posto, podemos afirmar em síntese que : o princípio do concurso público incide sobre as empresas públicas e as sociedades de economia mista federais, estaduais, distritais e municipais, diante do disposto no inciso II do artigo 37 da Constituição da República, independentemente destas serem ou não entidades exploradoras de atividade econômica.

PAGAMENTO DE VERBAS RESCISÓRIAS

A contratação de servidor público, após a CF/1988, sem prévia aprovação em concurso público, encontra óbice no respectivo art. 37, II e § 2º, somente lhe conferindo direito ao pagamento da contraprestação pactuada, em relação ao número de horas trabalhadas, respeitado o valor da hora do salário mínimo, e dos valores referentes aos depósitos do FGTS.

Por conseguinte pela análise do texto supra pode-se concluir que ao trabalhador enquadrado na situação narrada é devido tão somente o salário do período em relação ao número de horas trabalhadas e os valores referentes aos depósitos fundiários.

Tal apontamento decorre da utilização e aplicação do entendimento sumulado pelo TST, já que mais benéfico e favorável à empresa sob o ponto de vista do dispêndio econômico, sendo no entanto imperioso lembrar que em nosso ordenamento normativo, a Súmula funciona meramente como fonte hermenêutica de direito, ocupando portanto papel de subsídio na análise e julgamento de situações idênticas, porém NÃO DETENDO EFEITO VINCULANTE.

Assim se pode concluir que no caso específico, o não pagamento de verbas rescisórias com exceção das horas trabalhadas e do FGTS, face nulidade do contrato de trabalho estaria de acordo com o texto da Súmula 363 do TST, no entanto tal não significa absolutismo sob o aspecto de questionamento desta conduta perante a Justiça do Trabalho, como aliás se denota do objeto das diversas ações propostas com tal objeto.

Importante lembrar que em tais casos, em que pese à liberdade do juízo para formação de seu convencimento e a não vinculação do julgado ao texto da Súmula, o TST mantém seu posicionamento sumulado, conforme se denota do seguinte aresto:

130211101 – AGRAVO DE INSTRUMENTO RECURSO DE REVISTA – CONTRATO NULO – EFEITOS – Decorre, do acórdão regional, o entendimento sobre a invalidade do contrato por prazo determinado celebrado em razão de os serviços a ele atinentes serem objeto das atribuições de cargo efetivo e finalidade permanente do reclamado. Assim, é nula, a primeira contratação, em razão do seu objeto, e sua prorrogação se ressente da ausência de concurso público. Aplicação da Súmula 363 do TST: "A contratação de servidor público, após a Constituição de 1988, sem prévia aprovação em concurso público, encontra óbice no seu art. 37, II, e § 2º, somente conferindo-lhe direito ao pagamento da contraprestação pactuada em relação ao número de horas trabalhadas, respeitado o valor da hora do salário mínimo, e dos valores referentes aos depósitos do FGTS. " Agravo de instrumento desprovido. (TST – AIRR 432/2002-071-09-40.3 – 1ª T. – Relª Juíza Conv. Maria do Perpétuo Socorro Wanderley de Castro – DJU 01.07.2005)

Portanto a probabilidade de uma eventual condenação ao pagamento de verbas rescisórias diversas daquelas previstas no Enunciado 363 do TST é bastante remota e de difícil verificação, especialmente se a discussão for levada até a última instância da Justiça do Trabalho.

Todavia, muitas são as hipóteses ou situações onde seguindo determinada premissa, mesmo ante notória nulidade do contrato, a empresa de economia mista por conta da demissão efetiva pagamento a título de verbas que não só as previstas na Súmula 363, especialmente em períodos anteriores à própria edição desta, gerando também discussão quanto a possibilidade ou não de propor ação de cobrança para reaver tais valores.

Assim sendo, importante delimitar eventual condição de credor da empresa face os empregados que se beneficiaram com o pagamento integral das verbas rescisórias.

Por conseguinte necessário que a análise enfrente os temas atinentes à legitimidade e possibilidade jurídica do pedido, a fim de se propiciar uma segura opção quanto ao caminho a ser seguido.

Desta maneira, a legitimidade, conforme aponta o professor Sérgio Bermudes (1), é a coincidência entre a postulação do autor e o esquema de proteção previsto na lei, quase sempre pela enunciação de norma agendi, da qual nasce o direito subjetivo, sendo conhecida segundo orientação doutrinária; há dois sujeitos integrantes da relação jurídica processual: aquele que exercita o poder de agir em juízo e aquele em face do qual se exercita esse poder, figurando o juiz como mero sujeito imparcial.

Transportando esta conceituação ao plano prático para se proceder a análise da legitimidade de determinada empresa de economia mista que efetivou pagamento de verbas rescisórias para empregados demitidos por conta da declaração de nulidade do contrato de trabalho, para propor ações de cobrança, pode-se concluir que tal elemento se demonstra presente, já que a origem ou a causa remota da demanda é a existência de um contrato entre as partes, no caso de trabalho, determinando assim que referida demanda tramite na Justiça Especializada.

Todavia a delimitação da legitimidade para propositura da ação não se demonstra suficiente para propiciar ao administrador uma análise efetiva do caminho a ser seguido, já que além da presença deste requisito, imperioso se verificar a possibilidade jurídica deste pedido e conseqüentemente da ação de cobrança e sua própria efetividade prática.

Segundo palavras do professor Marcato, traduzindo a definição de Liebman, a possibilidade jurídica é a admissibilidade, em abstrato, do pedido, segundo as normas vigentes no ordenamento jurídico nacional, enquanto a impossibilidade jurídica não é apenas relativa ao pedido, mas também pertinente à causa de pedir – impossibilidade jurídica da ação de cobrança fundada em dívida de jogo – ou à própria qualidade da parte – impossibilidade de execução por expropriação forçada contra a Fazenda Pública, entre outras. (2)

Por tal caminho e definição, percebe-se que propor a aludida ação de cobrança, não encontra obstáculo no ordenamento legal, até mesmo porque referida demanda seguirá pelo rito ordinário, pelo qual necessária à produção inequívoca de prova da condição de credor dos valores objeto da demanda.

Portanto pela sistematização supra, pode-se compreender que nenhuma barreira legal se apresenta aparente para a pretensão almejada, até mesmo porque o direito de ação e acesso a Justiça é Constitucional, todavia é preciso analisar com cautela o objeto da demanda e sua efetividade no plano prático

Conforme se verifica nos autos, foi efetuada a instrução regulamentar, oportunizando-se o contraditório e a mais ampla defesa ao responsável.

Contudo, a manifestação do responsável foi insuficiente para descaracterizar as irregularidades outrora detectadas e assim remanescem as restrições, segundo o entendimento do Corpo Instrutivo e Ministério Público Especial.

Dentre as propostas contidas na conclusão do Relatório Final DCE- 260/2007 (fls. 236/268), consta a determinação que segue:

Determinar a retirada da forma de movimentação de pessoal reclassificação do Plano de Cargos e Salários e anulação dos atos em que os empregados foram reclassificados, após a Constituição Federal de 1988, à revelia do concurso público, com o consequente retorno dos beneficiados aos seus cargos anteriores, ou que ocupavam até a data da promulgação da Constituição Federal.

Após parecer do Ministério Público Especial solicitei a remessa dos autos à Consultoria Geral para análise e parecer jurídico acerca da proposição apresentada pela Instrução, constante do item 3.3 do mencionado Relatório DCE quanto à sua real efetividade, considerando-se as atribuições desta Corte de Contas e a segurança jurídica dos interessados, tendo em vista que o Plano de Cargos e Salários da CASAN, objeto da determinação, foi homologado em 05/09/1991.

Em atendimento, a Consultoria Geral apresentou o parecer 772/09, de fls. 234/240, o qual apresentou a seguinte proposta de encaminhamento:

(...)

Assim, no presente caso, entende-se que a determinação possa ser assim exarada:

1. Determinar ao Diretor-Presidente da CASAN que adote providências visando:

1.1 a alteração do Plano de Cargos e Salários da CASAN na parte que prevê a reclassificação como forma de movimentação de pessoal, se abstendo de conceder novas progressões funcionais nela fundamentadas, haja vista sua violação ao princípio constitucional do concurso público, nos termos do art. 37, II, da Constitiução Federal.

1.2 a regularização dos reenquadramentos que caracterizam acesso a emprego público sem prévia aprovação em concurso público, em afronta ao disposto no art. 37, II, da Constituição Federal, indicados às fls. 130 e 131 dos Processo n. TCE 02/10445971, considerando, para as devidas alterações e/ou adequações, o prazo decandecial de 5 anos a partir das respectivas movimentações e o posicionamento do STF na ADI n. 837/DF.

No tocante à proposta de imputação de débito, tal ocorre em face de pagamento a título de diferença de salário a Mário Ari Vieira, servidor da CELESC à época à disposição da CASAN. Contudo, consta do ato de concessão da disposição (fls. 107 a 109) que o ônus do pagamento seria para a origem, no caso, a CELESC, o que caracteriza ato de liberalidade do administrador, sem qualquer amparo legal.

Ante o exposto, acolho a conclusão apresentada pela Consultoria Geral e quanto aos demais itens, também a conclusão do Relatório DCE, para o que seja julgada irregular a presente tomada de contas, com imputação de débito e aplicação de multas em face das irregularidades constatadas e determinação à unidade.

VOTO

CONSIDERANDO o Relatório DCE - 260/2007 e o Parecer MPTC n. 942/2009 emitido pela Procuradoria Geral do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas e parecer COG- 260/2007;

CONSIDERANDO o mais que dos autos consta, proponho ao Egrégio Plenário o seguinte VOTO:

1. Julgar irregulares, com imputação de débito, com fundamento no art. 18, inciso III, alínea "c", c/c o art. 21, caput, da Lei Complementar n. 202/2000, as contas pertinentes à presente Tomada de Contas Especial, que trata de irregularidades constatadas quando da auditoria ordinária realizada na Companhia Catarinense de Águas e Saneamento - CASAN, com abrangência sobre atos de pessoal referentes ao exercício de 2001, e condenar o Responsável Sr. José Carlos Vieira, CPF n. 247.938.929-49, ao pagamento da quantia de R$ 7.733,81 (sete mil, setecentos e trinta e três reais e oitenta e um centavos), referente a pagamento a título de diferença de salário, sem amparo legal, considerado ato de liberalidade praticado pela Administração da Companhia, conforme exposto no art. 154 da Lei 6.404/76 e ferimento do princípio da legalidade e da economicidade, expressos no art. 37, caput, e 70 da Constituição Federal de 1988, conforme apontado no item 2.2 do Relatório DCE 260/2007, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico desta Corte de Contas, para comprovar, perante este Tribunal, o recolhimento do valor do débito aos cofres da CASAN, atualizado monetariamente e acrescido dos juros legais (arts. 40 e 44 da Lei Complementar n. 202/2000), calculados a partir da data da ocorrência do fato gerador do débito, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial (art. 43, II, da Lei Complementar n. 202/2000).

3. Determinar ao Diretor-Presidente da CASAN que adote providências visando:

3.1 a alteração do Plano de Cargos e Salários da CASAN na parte que prevê a reclassificação como forma de movimentação de pessoal, se abstendo de conceder novas progressões funcionais nela fundamentadas, haja vista sua violação ao princípio constitucional do concurso público, nos termos do art. 37, II, da Constitiução Federal.

3.2 a regularização dos reenquadramentos que caracterizam acesso a emprego público sem prévia aprovação em concurso público, em afronta ao disposto no art. 37, II, da Constituição Federal, indicados às fls. 130 e 131 dos Processo n. TCE 02/10445971, considerando, para as devidas alterações e/ou adequações, o prazo decandecial de 5 anos a partir das respectivas movimentações e o posicionamento do STF na ADI n. 837/DF.

Gabinete do Conselheiro, em 17 de março de 2010.

LUIZ ROBERTO HERBST

Conselheiro Relator