ESTADO DE SANTA CATARINA

TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO

GABINETE DO CONSELHEIRO WILSON ROGÉRIO WAN-DALL

Processo n°: LRF - 03/06684411
UNIDADE GESTORA Câmara Municipal de Itapoá
Interessado: Sr. Paulo Alexandre Haponiuk
RESPONSÁVEL: Sr. Wagner Tadeu Faria Marcondes - Presidente da Câmara no exercício de 2002

Sr. César Pereira - Presidente da Câmara Municipal no exercício de 2003

Assunto: Verificação do Cumprimento da LRF - Relatório de Gestão Fiscal do 1º semestres e 2º e 3º quadrimestres, do exercício de 2002
Parecer n° GC-WRW-2009/073/EB

1 - RELATÓRIO

Tratam os autos de verificação do cumprimento à Lei Complementar n.º 101/2000, através dos dados encaminhados por meio eletrônico – Internet, da Câmara Municipal de Itapoá, referente aos dados relativos aos Relatórios de Gestão Fiscal do 1º semestre e 2.º e 3º quadrimestres, do exercício de 2002.

Analisando preliminarmente os autos, a Diretoria de Controle dos Municípios - DMU, elaborou os Relatórios nsº 15494/2002 (fls.02/04), 16086/2002 (fls.05/08) e 16531/2002 (fls.09/10), concluindo por sugerir audiência do Responsável, para apresentar alegações de defesa, acerca das irregularidades constantes nos respectivos Relatórios.

Por despacho às fls. 12, o Relator determinou que se procedesse audiência, para o Responsável se manifestar quanto ao apontado nos Relatórios citados acima.

Em face a ausência de resposta à audiência efetivada, a DMU através da Informação nº 129/2005 (fls. 24) sugeriu audiência por Edital, que foi acolhida pelo Relator (fls. 26/27) e publicada no Diário Oficial de 05/09/2005 (fls. 30).'

Reanalisando o processo a DMU emitiu o Relatório de n.º 714/2007 (fls. 33/42), sugerindo "Conhecer dos Relatórios de Instrução", bem como aplicação de multa.

O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, manifestou-se através do Parecer nº 105/2008 sugerindo nova audiência ao Sr. Wagner Tadeu Faria Marcondes - Presidente da Câmara no exercício de 2002 (fls. 44/46), que foi acolhida por este Relator (fls. 47/48).

A DMU, em face a ausência de resposta à audiência efetivada, através do Memorando nº 093/2008 (fls. 56) sugeriu audiência por Edital do Sr. Wagner Tadeu Faria Marcondes, que foi acolhida por este Relator (fls. 57/58) e publicada no Diário Oficial Eletrônico desta Corte de Contas, de 24/06/2008 (fls. 59).

As alegações de defesa foram produzidas pelo Presidente da Câmara de Vereadores (fls. 60/62), que não serão consideradas, informando, também, que o Responsável estava em lugar incerto e não sabido.

A Diretoria de Controle dos Municípios, reanalisou os dados e emitiu o Relatório de n.º 3077/2008 (fls. 65/75), sugerindo "Conhecer dos Relatórios de Instrução" referente aos dados relativos aos Relatórios de Gestão Fiscal do 1º, 2º e 3º quadrimestres do exercício de 2002, bem como recomenda a aplicação de multa pelo atraso na remessa dos Relatórios de Gestão Fiscal, correspondente ao 2º quadrimestre, ausência da remessa das informações do Relatório de Gestão Fiscal, correspondente ao 3º quadrimestre, bem como pela ausência da publicação do Relatório de Gestão Fiscal, correspondente ao 2º quadrimestre.

O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, manifestou-se por acompanhar o entendimento do Órgão Instrutivo, através do Parecer nº 02/2009 (fls. 77).

2 - DISCUSSÃO

Este Relator, com fulcro no art. 224 da Resolução n. TC-06/2001 (Regimento Interno), com base no Relatório da Instrução, no Parecer do Ministério Público, nas alegações de defesa apresentadas, nos documentos constantes no processo e após compulsar atentamente os autos, passa a tecer algumas considerações para justificar o voto.

Em relação à restrição elencada no item B.1.1.1 do Relatório 3077/2008 da DMU, a Instrução aponta, o atraso de 39 (trinta e nove) dias na remessa das informações do Relatório de Gestão Fiscal do 2º quadrimestre.

Este Relator, sugere a aplicação de multas de acordo com o estabelecido em Sessão Administrativa realizada no dia 27/02/2002 (Ata nº 02/2002), em que os Conselheiros desta Corte de Contas estabeleceram parâmetros aos Poderes Executivo e Legislativo, quando da ocorrência de atraso na publicação ou remessa dos dados dos Relatórios Resumidos de Execução Orçamentária e Relatórios de Gestão Fiscal, nos seguintes termos:

"até 30 (trinta) dias de atraso na publicação ou na remessa ao Tribunal de Contas: advertência; de 31 (trinta e um) a 60 (sessenta) dias: multa de R$ 300,00 (trezentos reais); de 61 (sessenta e um) a 120 (cento e vinte) dias; multa de R$ 600,00 (seiscentos reais); acima de 120 (cento e vinte) dias: multa a ser fixado caso a caso."

Em relação ao apontado no item C.1.1.1, em face a ausência da remessa das informações do Relatório de Gestão Fiscal, correspondente ao 3º quadrimestre, acolho a manifestação do Órgão Instrutivo e do Ministério Público, no sentido de aplicar multa nos termos do artigo 70, VII da Lei Complementar nº 202/2000, com os limites estabelecidos no art. 109, VII do Regimento Interno deste Tribunal.

Por fim, foi apontado no item C.1.1.2.1 do referido Relatório, a ausência da publicação do Relatório de Gestão Fiscal, correspondente ao 2º quadrimestre, sendo sugerida a aplicação de multa de 30% dos vencimentos anuais do Responsável.

No que concerne à irregularidade relacionada à ausência de publicação do Relatório de Gestão Fiscal (item C.1.1.2.1 do referido Relatório), foi sugerida pela Instrução, sendo, posteriormente, corroborada pelo Ministério Público, a aplicação de multa nos termos do art. 5º, inciso I, da Lei Federal n. 10.028/00, com a seguinte dicção:

Art. 5º - Constitui infração administrativa contra as leis de finanças públicas:

I - deixar de divulgar ou de enviar ao Poder Legislativo e ao Tribunal de Contas o relatório de gestão fiscal, nos prazos e condições estabelecidos em lei; [...]

§ 1º - A infração prevista neste artigo é punida com multa de 30% (trinta por cento) dos vencimentos anuais do agente que lhe der causa, sendo o pagamento da multa de sua responsabilidade pessoal.

§ 2º - A infração a que se refere este artigo será processada e julgada pelo Tribunal de Contas a que competir a fiscalização contábil, financeira e orçamentária da pessoa jurídica de direito público envolvida. Grifo nosso

De início, ressalto que, diante da configuração da infração, meu posicionamento é o de aplicar sanção ao gestor municipal. Todavia, entendo pertinente, à luz da moderna doutrina constitucional, tecer algumas ponderações, com relação ao valor da multa a ser cominada, no caso sob exame.

A despeito de a aplicação de sanção no direito administrativo se dar em um âmbito distinto do direito penal, não se pode desconsiderar que determinados princípios que informam este último devem ser observados pela Administração Pública, porquanto ao punir uma infração, impondo sanção ao administrado ou a uma entidade fiscalizada, efetua restrição de direitos. Nesse sentido, o magistério de Daniel Ferreira:

[...] o regime jurídico aplicável ao delito deverá ser diferente do subsumível à infração, por expressa reportabilidade às respectivas sanções: para aquele, o direito penal; para essa, o direito administrativo. Entretanto, que se ressalte uma obviedade: existem princípios que não são específicos do direito penal, como muitos chegam a pensar, mas que atinam a toda e qualquer restrição de direitos num Estado Constitucional contemporâneo. 1

Dessume-se, portanto, plenamente cabível no direito administrativo sancionador a aplicação de determinados princípios atinentes ao direito penal.

Com esta afirmação, pretendo me reportar a um princípio do direito penal que deve pautar a aplicação de penalidade, em relação à infração em tela: trata-se do princípio da individualização da pena, abrigado no art. 5º, XLVI, da Constituição da República.

Nesta senda, o Procurador Carlos Humberto Prola Júnior, assim se manifestou no autos n. LRF-04/03855314:

[...] É certo que uma interpretação literal do disposto no § 1º do art. 5º da Lei 10.028/2000 poderia levar à conclusão de que a multa deve ser aplicada no valor de trinta por cento dos vencimentos anuais do agente que lhe der causa. Entretanto, uma interpretação constitucional desse dispositivo conduz a outros resultados.

Conforme leciona Luis Flávio Gomes:2

O princípio da individualização da pena (CF, art. 5º, inc. XLVI), nos seus três níveis: no momento da cominação, da aplicação ou da execução, faz parte do princípio da proporcionalidade e é, aliás, expressão dele.

Está proibida, dessa forma, a pena exemplar. O fundamento constitucional desse princípio está no art. 5º, inc. LIV, da CF, que cuida do devido processo legal bem como da proporcionalidade. O aspecto substantivo do devido processo legal coincide justamente com o princípio da proporcionalidade.

Tanto o legislador como o juiz acha-se limitado pelo princípio da proporcionalidade. E sempre que o legislador não cumpre o referido princípio, deve o juiz fazer os devidos ajustes.

E, ainda:3

Mas não basta limitar o Estado somente do ponto de vista procedimental, obrigando-o a respeitar o "processo justo" definido em lei. Tão relevante quanto a observância das formalidades legais devidas é a imposição de limites à própria criação jurídica dessas formalidades. De nada adiante estabelecer limites formais à atuação estatal, se ela não conta com barreiras no preciso momento da formulação dessas mesmas regras jurídicas, primordialmente as que se destinam a restringir a liberdade das pessoas. Justo ou devido, portanto, deve ser não só o processo, senão também o próprio procedimento de elaboração da lei, seja no aspecto formal, seja no substancial (material), porque o legislador não pode transformar em "processo devido" o que é, por natureza, arbitrário, desproporcional e indevido.

Duas, por isso mesmo, são as emanações básicas da cláusula original e que chegaram até nossos dias: 1.ª) o "substantive due process of law" e 2.ª) o "judicial due process of law" (também conhecido como "fair trial" ou "judicial process" ou ainda "devido processo procedimental").

Toda pessoa tem direito de reivindicar não somente que qualquer restrição a sua liberdade ou propriedade ocorra rigorosamente consoante os ditames legais ("judicial process"), senão sobretudo que o legislador observe o valor justiça também no momento da construção dessas normas, de tal modo a impedir-lhe que crie um arbitrário e injusto conjunto normativo ("substantive process"). O problema nuclear do due process, em conseqüência, "não residiria tanto no procedimento legal mediante o qual alguém é declarado culpado e castigado por haver cometido uma infração penal, senão no fato de a lei poder transportar a "injustiça" privando uma pessoa de direitos fundamentais". É imperiosa a necessidade de se impor limites ao legislador, que não pode arbitrariamente restringir ou eliminar direitos fundamentais, sem ter razões substanciais para tanto.

Em razão da importância ímpar do princípio do due process of law, que em seu duplo aspecto continua mantendo o sentido de limite à atuação do Poder Público, seja nas suas funções executivas ou legislativas, seja nas funções jurisdicionais, não podia o legislador constituinte brasileiro de 1988 deixar de contemplá-lo expressamente na Magna Carta. É o que foi feito no art. 5.º, LIV, da Constituição Federal, in verbis: "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal".

O significado essencial do substantive process of law (aspecto material) previsto no art. 5.º da CF consiste em que todos os atos públicos devem ser regidos pela razoabilidade e proporcionalidade, incluindo-se primordialmente a lei, que não pode limitar ou privar o indivíduo dos seus direitos fundamentais sem que haja motivo justo, sem que exista razão substancial. O princípio do devido processo, sob este prisma substancial, como se vê, constitui valioso instrumento de controle da atividade pública, principalmente da legislativa. A lei deve ser elaborada não só consoante o devido procedimento legislativo (aspecto formal), senão sobretudo conforme o valor "justiça" (aspecto substancial). Uma lei que não atenda a razoabilidade (reasonableness) é inconstitucional, por ferir a cláusula do due process. E cabe ao Poder Judiciário, desde que foi concebido o judicial review of legislation, a tarefa de aferir a "justiça" da lei.

[...]

Por outro lado, identifica-se, a princípio, um conflito entre a norma do art. 5º, § 1º da Lei 10.028/2000 e o disposto art. 5º, XLVI da Constituição Federal. Como individualizar uma pena definida em um montante fixo?

Dessa forma, a única solução para esse aparente conflito de normas parece ser uma harmonização de seus dispositivos, entendendo que a multa prevista no art. 5º, § 1º da Lei 10.028/2000 configura o limite máximo da penalidade a ser aplicada, podendo essa Corte, na análise do caso concreto, aplicá-la em valor menor, utilizando como limite inferior, na dosimetria da pena, o valor mínimo previsto na Lei Orgânica e demais normas regulamentares do Tribunal de Contas.4 grifo nosso

Além do princípio constitucional da individualização da pena, devem ser invocados os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade na aplicação da sanção.

Ao tratar acerca do princípio da proporcionalidade, Odete Medauar esclareceu que:

[...] O princípio da proporcionalidade consiste, principalmente, no dever de não serem impostas, aos indivíduos em geral, obrigações, restrições ou sanções em medida superior àquela estritamente necessária ao atendimento do interesse público, segundo critério de razoável adequação dos meios aos fins. Aplica-se a todas as atuações administrativas para que sejam tomadas decisões equilibradas, refletidas, com a avaliação adequada da relação custo-benefício, aí incluído o custo social.5

Celso Antônio Bandeira de Mello, por sua vez, leciona que:

[...] As competências administrativas só podem ser validamente exercidas na extensão e intensidade proporcionais ao que seja realmente demandado para cumprimento da finalidade de interesse público a que estão atreladas. [...] Em rigor, o princípio da proporcionalidade não é senão faceta do princípio da razoabilidade.6

Acrescentam, ainda, Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo que:

[...] os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade não se encontram expressos no texto constitucional. São eles, na verdade, princípios gerais de Direito, aplicáveis a praticamente todos os ramos da ciência jurídica.

[...] o Supremo Tribunal Federal, em diversos julgados, tem apontado como sede material desses princípios o princípio do devido processo legal (CF, art. 5º, LIV), ou seja, os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade derivam do princípio do devido processo legal, que é um princípio expresso. Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade vêm sendo freqüentemente utilizados pelo STF no controle da constitucionalidade de leis.

No âmbito do Direito Administrativo, os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade encontram aplicação especialmente no que concerne à prática de atos discricionários que impliquem restrição ou condicionamento a direitos dos administrados ou imposição de sanções administrativas.

[...] o princípio da razoabilidade (citado por alguns autores como "princípio da proibição do excesso") tem por fim aferir a compatibilidade entre os meios e os fins de um ato administrativo, de modo a evitar restrições desnecessárias, arbitrárias ou abusivas por parte da Administração Pública. [...]

O princípio da proporcionalidade representa, em verdade, uma das vertentes do princípio da razoabilidade. Isso porque a razoabilidade exige, entre outros aspectos, que haja proporcionalidade entre os meios utilizados pelo administrador público e os fins que ele pretende alcançar. Se o ato administrativo não guarda uma proporção adequada entre os meios empregados e o fim almejado, será um ato desproporcional, excessivo em relação a essa finalidade visada.7

Com efeito, se o objetivo da aplicação da sanção administrativa é a de "desestimular condutas administrativamente reprováveis"8, deve-se ponderar se a cominação de multa, no percentual de 30% dos vencimentos anuais do agente público, diante do caso concreto, não seria exacerbada ou até mesmo desproporcional, correndo o risco, inclusive, de caracterizar efeito confiscatório sobre a remuneração do gestor.

Releva assinalar que, especialmente no âmbito tributário, o Supremo Tribunal Federal já assentou que a penalidade da multa não pode converte-se em confisco do patrimônio ou rendimentos do contribuinte. É o que se depreende do excerto extraído da ementa abaixo transcrita:

[...]- É cabível, em sede de controle normativo abstrato, a possibilidade de o Supremo Tribunal Federal examinar se determinado tributo ofende, ou não, o princípio constitucional da não-confiscatoriedade consagrado no art. 150, IV, da Constituição da República. Hipótese que versa o exame de diploma legislativo (Lei 8.846/94, art. 3º e seu parágrafo único) que instituiu multa fiscal de 300% (trezentos por cento).

- A proibição constitucional do confisco em matéria tributária – ainda que se trate de multa fiscal resultante do inadimplemento, pelo contribuinte, de suas obrigações tributárias - nada mais representa senão a interdição, pela Carta Política, de qualquer pretensão governamental que possa conduzir, no campo da fiscalidade, à injusta apropriação estatal, no todo ou em parte, do patrimônio ou dos rendimentos dos contribuintes, comprometendo-lhes, pela insuportabilidade da carga tributária, o exercício do direito a uma existência digna, ou a prática de atividade profissional lícita ou, ainda, a regular satisfação de suas necessidades vitais básicas.

- O Poder Público, especialmente em sede de tributação (mesmo tratando-se da definição do "quantum" pertinente ao valor das multas fiscais), não pode agir imoderadamente, pois a atividade governamental acha-se essencialmente condicionada pelo princípio da razoabilidade que se qualifica como verdadeiro parâmetro de aferição da constitucionalidade material dos atos estatais.9

A despeito de o referido pronunciamento relacionar-se à multa fiscal, entendo que o mesmo entendimento é aplicável à infração administrativa apurada nesses autos, posto que igualmente se trata de penalidade imposta pelo Poder Público, que não deve assumir a feição de confisco, porquanto se encontra balizada pelos princípios da proporcionalidade e razoabilidade.

No âmbito do Tribunal de Contas da União-TCU, o Ministro Walton Alencar Rodrigues, ao relatar o Processo n. 017.444/2001-0, pertinente à fiscalização do cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal pelo Tribunal Regional Eleitoral do Amapá, deixou de aplicar o percentual de multa contido § 1º do art. 5º da Lei Federal n. 10.028/00, tendo seu voto sido acolhido pelo Plenário daquela Corte. Nas suas razões, o citado Ministro consignou o seguinte:

[...] Dessa forma, rejeito as razões de justificativa apresentadas pelo Presidente do TRE/AP e aplico-lhe a multa prevista no § 1º do art. 5º da Lei 10.028, de 19.10.2000, conforme proposto pela Semag, com a anuência do Ministério Público.

Com relação aos valores da multa, o § 1º do art. 5º da Lei 10.028/2000 estabelece que a infração "deixar de divulgar" ou de "enviar ao Poder Legislativo e ao Tribunal de Contas" o relatório de gestão fiscal, nos prazos e condições previstos em lei, é punida com multa de trinta por cento dos vencimentos anuais do agente que lhe der causa.

Como toda sanção de natureza punitiva, a medida da punição decorre do juízo de valor a ser feito sobre a gravidade da conduta e dos limites máximos e mínimos definidos em lei. Para evitar injustiças, considero que a multa prevista no art. 5º, § 1º da Lei 10.028/2000 deve ser aquilitada pelo juiz e entendida como de até 30% dos vencimentos anuais do gestor, conferindo ao aplicador da norma a necessária margem de valoração da conduta para fixação do seu valor.

Considero, portanto, por um lado, a reincidência do órgão no descumprimento dos prazos legais e a omissão do gestor, e, por outro, as razões apresentadas, e proponho a fixação da multa no valor de 10.000,00 (dez mil reais).10 grifo nosso

Inconformado com o decisum, o Responsável ingressou com Pedido de Reexame, cuja relatoria coube ao Ministro Adylson Motta, o qual negou provimento ao citado recurso, mantendo incólume a decisão recorrida, apresentando, em seu voto, a seguinte consideração acerca do valor da multa:

[...] Depreende-se do valor da sanção aplicada, que, apesar da circunstância agravante - a reincidência -, este Tribunal impôs ao responsável pena bem inferior ao máximo previsto em lei. Com base na Resolução n. 257, de 10/07/2003, do Supremo Tribunal Federal, que estabeleceu os vencimentos dos magistrados da União, a partir de 01/01/2003, infere-se que o teto da multa que poderia ser aplicada ao recorrente ultrapassaria quarenta mil reais. [...] 11

A meu ver, o TCU serviu-se de solução já aventada nesta Corte de Contas pelo Procurador Carlos Humberto Prola, qual seja, a de que "a multa prevista no art. 5º, § 1º da Lei 10.028/2000 configura o limite máximo da penalidade a ser aplicada, podendo essa Corte, na análise do caso concreto, aplicá-la em valor menor".

Em que pese a redação do preceptivo legal antes referido, que não fornece margem de discricionariedade ao aplicador da sanção, entendo que os princípios da individualização da pena, da proporcionalidade e da razoabilidade, que encontram abrigo na Carta Política, portanto, em norma hierarquicamente superior à Lei Federal n. 10.028/00, fornecem os balizamentos necessários para que o aplicador da lei - no caso os membros das Cortes de Contas - cominem sanção, cujo valor corresponda ao percentual de até 30% dos vencimentos anuais do agente público.

Assim, sopesando os elementos do caso concreto, sem deixar de evidenciar o juízo de reprovação em relação à conduta infratora, é possível aplicar sanção pecuniária, cujo quantum seja suficiente para desestimular o descumprimento da referida norma federal, sem, contudo, erigir-se em confisco dos vencimentos do gestor.

Desta feita, em face da não-divulgação do Relatório de Gestão Fiscal do Poder Legislativo de Itapoá, referente ao 3º quadrimestre de 2002, acompanho a sugestão de aplicação de multa feita pelo Corpo Instrutivo e ratificada pelo Ministério Público, todavia, divirjo de ambos, no que tange ao valor da referida penalização.

Entendo, contudo, que como a sanção é aplicada com fundamento na Lei Federal n. 10.028/00, a qual em seu art. 5º, § 1º adota determinada percentagem para estabelecer o quantum da multa, opto por fixar a multa no valor de R$ 500,00, em consonância com o princípio da proporcionalidade, mas apenas fazendo menção a que percentual equivale em relação aos vencimentos anuais do gestor, já que, na interpretação que proponho, o percentual a ser aplicado pode ser de até 30%.

Esclareço que tal medida não significará maiores embaraços na aplicação da sanção, haja vista que o que realmente importa é o valor da multa cominada ao agente político.

Logo, tendo-se em conta que a Instrução apurou que os vencimentos do Presidente da Câmara, Sr. César Pereira, no exercício de 2002, corresponderam ao montante de R$ 20.960,0012 e considerando que o referido gestor não é reincidente na irregularidade sob comento, aplico a multa no valor de R$ 500,00, correspondente a 2,385% dos citados vencimentos, por entendê-la apropriada, ante o bem jurídico tutelado pela norma sancionadora, isto é, a efetiva divulgação do Relatório de Gestão Fiscal, nos prazos e condições legais.

3 - VOTO

Considerando a competência do Tribunal de Contas em verificar o cumprimento das normas relativas a gestão fiscal e a execução orçamentária;

Considerando o mais que dos autos consta, VOTO no sentido de que o Tribunal adote a decisão que ora submeto a sua apreciação:

3.1. Conhecer dos Relatórios de Instrução, que tratam da análise dos dados dos Relatórios de Gestão Fiscal pertinentes ao 1º, 2º e 3º quadrimestres de 2002, encaminhados a esta Corte de Contas, por meio eletrônico/Internet, pela Câmara Municipal de Itapoá, em atendimento à Instrução Normativa n. 002/2001, deste Tribunal.

3.2. Aplicar ao Sr. Wagner Tadeu Faria Marcondes, Presidente da Câmara Municipal no exercício de 2002, CPF: 026.200.598-01, com fundamento no art. 70, VII, da Lei Complementar n. 202/2000 c/c o art. 109, VII, do Regimento Interno, multa no valor de R$ 300,00 (trezentos reais), em face do atraso de 39 (trinta e nove) dias na remessa dos dados do Relatório de Gestão Fiscal do 2º quadrimestre de 2002 do Poder Legislativo, em descumprimento ao art. 13 da Instrução Normativa n. 002/2001, conforme apontado no item B.1.1.1 do Relatório nº 3077/2008 da DMU, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão do Diário Oficial Eletrônico deste Tribunal, para comprovar ao Tribunal o recolhimento ao Tesouro do Estado da multa cominada, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000.

3.3. Aplicar ao Sr. César Pereira, Presidente da Câmara Municipal no exercício de 2003, CPF: 868.770.389-91, as multas abaixo discriminadas, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão do Diário Oficial Eletrônico deste Tribunal, para comprovar ao Tribunal o recolhimento ao Tesouro do Estado da multa cominada, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000:

3.3.1. com fundamento no art. 70, VII, da Lei Complementar n. 202/2000 c/c o art. 109, II, do Regimento Interno, a seguinte multa:

3.3.1.1. R$ 300,00 (trezentos reais), em face do atraso de 39 (trinta e nove) dias na remessa dos dados do Relatório de Gestão Fiscal do 3º quadrimestre de 2002 do Poder Legislativo, em descumprimento ao art. 13 da Instrução Normativa n. 002/2001, conforme apontado no item C.1.1.1 do Relatório nº 3077/2008 da DMU;

3.3.2. com fundamento no art. 5º, § 2º, da Lei Federal n. 10.028/2000, a seguinte multa:

3.3.2.1. R$ 500,00 (quinhentos reais) equivalente a 2,385% dos vencimentos anuais do Responsável (art. 5º, XLVI, da Constituição Federal), em face da ausência de publicação do Relatório de Gestão Fiscal referente ao 3º quadrimestre de 2002, em descumprimento ao estabelecido no art. 55, § 2º da Lei Complementar nº 101/2000, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico deste Tribunal, para comprovar ao Tribunal o recolhimento ao Tesouro do Estado da multa cominada, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos artigos 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000.

3.4. Dar ciência desta decisão com cópia do Relatório e Voto que a fundamentam, ao Sr. Paulo Alexandre Haponiuk, Presidente da Câmara Municipal de Itapoá, ao Sr. Wagner Tadeu Faria Marcondes, Presidente da Câmara no exercício de 2002 e ao Sr. César Pereira, Presidente da Câmara Municipal no exercício de 2003.

Gabinete do Conselheiro, em 05 de fevereiro de 2009.

WILSON ROGÉRIO WAN-DALL

Conselheiro Relator


1 FERREIRA, Daniel. Sanções administrativas. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 61.

2 GOMES, Luis Flávio. Os Princípios Constitucionais Reitores do Direito Penal e da Política Criminal. Material de leitura da disciplina Princípios Constitucionais Penais e Teoria Constitucionalista do Delito, do Curso de Pós-Graduação em Ciências Criminais - LFG/UVB/UNAMA, 2005. p. 05.

3 GOMES, Luis Flávio. As Garantias Mínimas do Devido Processo Criminal nos Sistemas Jurídico Brasileiro e Interamericano: Estudo Introdutório. Material de leitura da disciplina Teoria do Garantismo Penal, do Curso de Pós-Graduação em Ciências Criminais - LFG/UVB/UNAMA, 2005. p. 01-02.

4 Fls. 72 a 75 dos autos do Processo n. LRF-04/03855314.

5 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno.5.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p.154. 154.

6 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo.15.ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 101.

7 ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito administrativo. 11.ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2006, p. 124 a 126.

8 FERREIRA, DANIEL. op. cit. p. 44.

9 Supremo Tribunal Federal. Medida Cautelar em Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1075-01/DF - Relator. Min. Celso de Mello - Requerente: Confederação Nacional do Comércio-CNC - Requerido: Congresso Nacional - Julgamento: 17/06/1998 - DJ: 24/11/2006.

10 TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. Processo n. 017.444/2001-0 - Entidade: Tribunal Regional Eleitoral do Amapá - Ministro Relator: Walton Alencar Rodrigues - Responsável: Mário Gurtyev de Queiroz - Julgamento:02/04/2003 - Acórdão n. 317/2003 - DOU:11/04/2003.

11 TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. Processo n. 017.444/2001-0 - Entidade: Tribunal Regional Eleitoral do Amapá - Ministro Relator: Adylson Motta - Responsável: Mário Gurtyev de Queiroz - Julgamento: 22/09/2004- Acórdão n. 1.421/2004 - DOU: 05/10/2004.

12 Fl. 74 dos autos.