ESTADO DE SANTA CATARINA

TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO
GABINETE DO CONSELHEIRO WILSON ROGÉRIO WAN-DALL

 

 

Processo nº:

04/00315866

Unidade Gestora:

Câmara Municipal de Águas de Chapecó

Responsável:

Sr. Celso Luiz Hermes

Assunto:

Recurso de Reconsideração – art. 77 da LC 202/2000 – PCA-02/01076764

Parecer nº:

GC/WRW/2008/31/ES

 

Contratação. Escritório de Contabilidade.

Na hipótese de a Câmara ainda não ter criado o cargo de contador em seu quadro efetivo, excepcionalmente, se admite editar lei específica ou promover licitação para contratá-lo temporariamente, até que sejam tomadas as devidas providências, no sentido de inserir o cargo no quadro de pessoal ou ainda atribuir gratificação ao Contador da Prefeitura para exercer a função, desde que em caráter excepcional, justificado e temporário.

Em existindo o cargo de contador e considerando a necessidade permanente e contínua do exercício de suas funções, é devido o seu provimento, mediante concurso público.

 

 

1.    RELATÓRIO

 

Cuidam os autos de Recurso de Reconsideração, interposto pelo Ilmo. Sr. Celso Luiz Hermes, ex-Presidente da Câmara Municipal de Águas de Chapecó, em razão do Acórdão n. 2.387/2003, que lhe aplicou multa em face da contratação indevida de escritório contábil, para elaboração da contabilidade da Câmara, em descumprimento à Lei Municipal n. 789/89, que criou o cargo de Contador no Quadro de Pessoal do Poder Legislativo Municipal.

 

A peça recursal foi examinada pela Consultoria-Geral, a qual, através do Parecer n. COG-393/07, se manifestou pelo seu conhecimento, ante o preenchimento dos requisitos de admissibilidade, e, no mérito, pelo seu não-provimento (fls. 27/42).

 

O Ministério Público se pronunciou, mediante parecer da lavra de seu Procurador-Geral Adjunto, Dr. Mauro André Flores Pedrozo, aquiescendo ao entendimento do órgão consultivo (fls. 43/44).

 

Este o sucinto relatório.

 

Examinando os autos principais, constato que o acórdão recorrido possui na seguinte redação:

 

“6.1. Julgar irregulares, sem imputação de débito, com fundamento no art. 18, III, alínea "b", c/c o parágrafo único do art. 21 da Lei Complementar n. 202/2000, as contas anuais de 2001 referentes a atos de gestão da Câmara de Vereadores de Águas de Chapecó, de acordo com os pareceres emitidos nos autos.

6.2. Aplicar ao Sr. Celso Luiz Hermes - Presidente da Câmara Municipal de Águas de Chapecó em 2001, com fundamento nos arts. 69 da Lei Complementar n. 202/00 e 108, parágrafo único, c/c o 307, V, do Regimento Interno instituído pela Resolução n. TC-06/2001, a multa no valor de R$ 200,00 (duzentos reais), com base nos limites previstos no art. 239, I, do Regimento Interno (Resolução n. TC-11/1991) vigente à época da ocorrência da irregularidade, em face da contratação indevida de escritório contábil para elaboração da contabilidade da Câmara Municipal, em descumprimento à Lei Municipal n. 789/89, alterada pela Lei Municipal n. 1.213/98, que criou o cargo de Contador no Quadro de Pessoal do Poder Legislativo Municipal, conforme exposto no item B.1.1.1 do Relatório DMU n. 935/2003, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial do Estado, para comprovar ao Tribunal o recolhimento ao Tesouro do Estado da multa cominada, ou interpor recurso na forma da lei, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000.

6.3. Recomendar à Câmara Municipal de Águas de Chapecó que, doravante:

6.3.1. discrimine adequadamente nos relatórios de viagem os objetivos dos deslocamentos, nos termos do art. 62, I, da Resolução n. TC-16/94;

 6.3.2. contabilize corretamente os recursos recebidos a título de suprimentos, nos termos dos arts. 36 a 38 da Resolução n. TC-16/94.[...]”

A Consultoria rechaçou os argumentos suscitados pelo Recorrente, em bem lançado parecer, do qual extraio alguns excertos, que servem para fundamentar meu posicionamento:

“A prestação de contas anual da Câmara Municipal de Águas de Chapecó em 2001 foi julgada irregular, com aplicação de multa no valor de R$ 200,00 (com base no art. 239, I, do Regimento Interno vigente à época da irregularidade - a Resolução nº TC-11/1991), em face da contratação de escritório contábil para elaboração da contabilidade da Câmara de Vereadores, em descumprimento à Lei Municipal nº 789/89, alterada pela Lei Municipal nº 1.213/98, que criou o cargo de contador no quadro de pessoal.

O recorrente pleiteia o julgamento regular das contas e a revogação da multa, aduzindo que contratou a empresa Contabilidade e Assessoria Financeira K&K S/C Ltda. para disponibilizar à Câmara um profissional da área sem que isso afetasse o caráter personalíssimo dos atos de contabilidade pública.

Destacou a inviabilidade de realizar concurso público face aos custos advindos de tal procedimento, que afrontariam sobremaneira o princípio da economicidade.

Salientou que o procedimento adotado pelo recorrente baseou-se unicamente na obediência à premissa constitucional da economia e do interesse público, “vez que se optou pela maneira mais onerosa ao Erário Público, ao mesmo tempo em que se tratou de oferecer a melhor prestação dos serviços, no modo mais simples, mais rápido e, principalmente, mais econômico, ressaltando, conseqüentemente, a relação custo/benefício” (fl. 06 do acórdão).

Invocou em seu favor o PCA nº 01/00175856, que contém a prestação de contas da unidade em 2000, já que, lá, elas foram julgadas regulares, tendo sido considerada procedente a contração de escritório contábil, conforme acórdão nº 1010/2003.

Entretanto, razão não assiste ao recorrente.

Mostra-se indevida a contratação de escritório contábil para elaboração da contabilidade da Câmara, tendo em vista que a função deve ser exercida por contador próprio daquele Poder. Esse cargo é tipicamente de provimento efetivo, considerando que tem caráter permanente e corresponde a serviço técnico profissional, o qual só pode ser executado por profissional legalmente habilitado.

Na hipótese de a Câmara ainda não ter criado o cargo de contador em seu quadro efetivo, excepcionalmente se admite editar lei específica ou promover licitação para contratá-lo temporariamente, até que sejam tomadas as devidas providências no sentido de inserir o cargo no quadro de pessoal, ou ainda, atribuir gratificação ao Contador da Prefeitura para exercer a função, desde que em caráter excepcional, justificado e temporário.

Todavia, esse não é o caso dos autos. A situação aqui tratada não pode ser considerada extraordinária, porquanto a mesma irregularidade já foi objeto de apontamento na prestação de contas referente ao exercício de 2000.

Há informação de que a Lei Municipal nº 1.213/98 prevê o cargo de contador da Câmara para ser provido mediante cargo em comissão, classificado no anexo II da referida norma (relatório de reinstrução nº 935/2003, fl. 56).

[...]

No tocante ao PCA nº 01/00175856, que cuidava das contas de 2000, a Relatora afirmou naquela oportunidade que “examinando o processo, (...) os esclarecimentos e argumentos apresentados (...) quanto à contratação de escritório contábil para efetuar a contabilidade da Câmara de Vereadores, são procedentes e podem, excepcionalmente, prosperar” (fl. 13 - grifei). Assim, o Pleno decidiu, no acórdão 1010/2003, pela regularidade das contas, tratando a restrição como recomendação para o gestor.

Tal decisão, contudo, não obriga que este processo seja resolvido no mesmo sentido. Isso porque não há mais como reputar excepcional a situação tratada nos autos, porquanto a irregularidade estendeu-se por tempo suficiente para que fosse providenciada a criação do cargo efetivo.

Confira-se o entendimento deste Tribunal, nos termos dos Prejulgados 1501, 1277 e 0996 [...]

 

Para reforçar o entendimento supra, bem como para afastar a invocação dos princípios da economicidade e do interesse público por parte do recorrente, transcreve-se trecho do parecer emitido pelo Ministério Público no REC 04/05474938, que se encaixa perfeitamente ao caso. Lá, opinou-se pelo desprovimento do recurso, o qual havia sido interposto com o fim de justificar a realização de contratação temporária para efetuar o serviço contábil na Câmara Municipal de Aurora:

[...] As demais alegações do recorrente estão centradas em uma suposta "economia feita aos cofres públicos", pois "os trabalhos de contabilidade não exigem período integral de profissional habilitado" e em caso de concurso público haveria "um aumento no percentual de 200%" da despesa anual da Unidade com relação a essa atividade.

Com relação à suposta "economia" (alegada, mas não demonstrada), não poderia ela, se existente, justificar a burla do princípio fundamental da Administração: legalidade. No regime jurídico-administrativo, os fins não justificam os meios. Além disso, a afirmação da suposta "economia" do serviços de terceiros deve ser confrontada, por exemplo, com a efetividade dos serviços prestados, com a lealdade para com a Administração, com o contínuo acompanhamento das atividades cotidianas da Unidade, realizado por servidores concursados e efetivados. Este Procurador não tem dúvida de que, nesses casos de indevidas "terceirizações", o "barato" pode custar muito caro para a Administração e, até, para os próprios administradores, que, mal orientados, podem vir a ser responsabilizados, no futuro, por ilegalidades praticadas, fruto de indevidas orientações (jurídico-contábeis, por exemplo).

Se a Câmara Municipal não necessita de um servidor trabalhando oito horas diárias para a execução de seus serviços de contabilidade, pode estabelecer uma jornada de trabalho, por exemplo, de 10 horas semanais (duas horas diárias), que supriria as necessidades da Unidade, respeitando os preceitos constitucionais, sem comprometer a economia dos escassos recursos públicos.

(...)

Já no que tange à aplicação do princípio da economicidade, faz-se necessário tecer algumas considerações. A doutrina mais atualizada vem atribuindo status constitucional ao princípio da economicidade, em virtude da dicção do art. 70, caput, da CF, que trata da fiscalização contábil, financeira e orçamentária, verbis:

Art. 70 - A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação de subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder.

Segue essa orientação, a lição trazida por Paulo Soares Bugarin:

É notório que a Constituição Federal de 1988 ampliou significativamente o universo de competências e atribuições do Sistema Federal de Controle Externo (arts. 70 a 75). Nesse novo cenário, a atuação do Tribunal de Contas da União -TCU, como órgão de controle externo, em íntima cooperação com Congresso Nacional, engendra uma avaliação cada vez mais criteriosa dos gastos públicos. A propósito, o texto constitucional inseriu no ordenamento jurídico parâmetro de natureza essencialmente gerencial, intrínseco à noção de eficiência, eficácia e eficiência, eficácia e efetividade, impondo como um dos vetores da regular gestão de recursos e bens públicos o respeito ao princípio da economicidade, ao lado do basilar princípio da legalidade e do, também recém-integrado, princípio da legitimidade (CF, art. 70, "caput”).

Ao tratar do mesmo tema, Marçal Justen Filho leciona que:

A Administração Pública está obrigada a gerir os recursos financeiros do modo mais razoável. O princípio da economicidade pode reputar-se também como extensão do princípio da moralidade.

Significa que os recursos públicos deverão ser administrados segundo regras éticas, com integral respeito à probidade. O administrador público não pode superpor eventuais e egoísticos interesses privados ao interesse público. Não se respeita o princípio da economicidade quando as decisões administrativas conduzem a vantagem pessoal do administrador antes do que ao benefício de toda coletividade.

Mas economicidade significa, ainda mais, o dever de eficiência. Não bastam honestidade e boas intenções para validação dos atos administrativos. A economicidade impõe adoção da solução mais conveniente e eficiente sob o ponto de vista da gestão dos recursos públicos. [...]

O princípio da economicidade adquire grande relevo na disciplina do exercício das competências discricionárias atribuídas ao Estado. O legislador não se encontra em condições de definir, de antemão, a solução mais adequada em face da economicidade. Há escolhas que somente poderão ser adotadas no caso concreto, tendo em vista as circunstâncias específicas, variáveis em face das peculiaridades. [...]

O princípio da economicidade está modelado por três fatores, que produzem uma espécie de delimitação de sua incidência:

O primeiro relaciona-se com a previsibilidade. [...] Avalia-se a economicidade no momento da prática do ato, tendo em vista as circunstâncias e segundo os padrões normais de conduta. [...]

O segundo ponto delimitador do princípio da economicidade reside na relevância de outros valores, de conteúdo não econômico, que possam estar em jogo. O critério de seleção da melhor alternativa não é sempre a maior vantagem econômica. Deve-se examinar se a busca pela maior vantagem não colocará em risco outros valores, de hierarquia superior. [...]

O terceiro tópico característico se relaciona com as formalidades jurídicas. O Estado não está autorizado a escolher certa solução fundando-se exclusivamente no argumento da economicidade. Como regra, a máxima vantagem econômica é insuficiente para validar um ato administrativo infringente das regras acerca da formalidades. O exemplo mais evidente é o da contratação direta, sem prévia licitação: ainda que vantajosa, não pode ser adotada senão nas hipóteses autorizadas pela Lei. (grifei) [...].”

Desta feita, tal qual o Ministério Público, acolho o entendimento da Consultoria, no sentido de negar provimento ao presente recurso.

 

2.                     VOTO

CONSIDERANDO o que mais dos autos consta, VOTO em conformidade com os pareceres da Consultoria e do Ministério Público, no sentido de que o Tribunal adote a decisão que ora submeto à sua apreciação:

 

6.1. Conhecer do Recurso de Reconsideração, nos termos do art. 77 da Lei Complementar n. 202/2000, interposto contra o Acórdão n. 2.387/2003, exarado na Sessão Ordinária de 17/11/2003, nos autos do Processo n. PCA-02/01076764, e, no mérito, negar-lhe provimento, ratificando na íntegra os termos da decisão recorrida.

 

6.2. Dar ciência deste Acórdão, do Relatório e Voto do Relator que o fundamentam, bem como do Parecer n. COG-393/07 ao Sr. Celso Luiz Hermes - ex-Presidente da Câmara Municipal de Águas de Chapecó.

 

 

Gabinete do Conselheiro, em 18 de fevereiro de 2008.

 
 
 
 
WILSON ROGÉRIO  WAN-DALL

Conselheiro Relator