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ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO |
Processo nº: |
REC-04/05095406 |
Unidade Gestora: |
Prefeitura Municipal de São João do Oeste |
Responsável: |
Sr. Rudi
Aloísio Rasch |
Assunto: |
Recurso de Reconsideração (art. 77 da LC 202/2000)
– TCE-02/10880201 |
Parecer nº: |
GC/WRW/2009/160/ES |
Servidor público. Gratificação.
Concessão.
É imprescindível que toda a
gratificação a ser concedida aos servidores públicos esteja prevista em lei.
Forçoso também que haja explicitação acerca dos critérios de sua concessão.
Licença-prêmio.
Conversão.
Em havendo previsão legal, é
possível ao servidor público a conversão em pecúnia da licença-prêmio não
gozada.
Servidor
público. Regime estatutário. Exoneração. Férias proporcionais.
A possibilidade de pagamento de
indenização de férias proporcionais, no caso de exoneração de servidor sob a
égide do regime estatutário, há de estar prevista na lei de regência, isto é,
no estatuto dos servidores municipais.
Adendo
ao Parecer n. GC/WRW/2008/619/ES, diante dos
argumentos apresentados pelo Recorrente em sustentação oral
Na Sessão Ordinária de 29/10/08
os presentes autos foram levados à apreciação do Tribunal Pleno.
Após a leitura do breve relatório
dos autos, o Presidente desta Corte, mencionou a existência de requerimento da
parte do Recorrente, para fazer uso da sustentação oral, o que lhe foi
deferido.
Em seqüência, o Recorrente,
através de seu procurador, defendeu a legalidade das despesas relativas a
indenizações pecuniárias, a título de férias proporcionais, pagas na ocasião de
rescisão de contrato de trabalho, argüindo que se trata de direito baseado em
preceito constitucional (art. 39, § 3º), que determina a extensão de direitos
dos trabalhadores urbanos e rurais aos detentores de cargos públicos.
Argumentou que, após transcorrido
o período de um ano, perfectibilizou-se o direito ao gozo de férias, tendo a
Constituição Federal deixado à legislação infraconstitucional o estabelecimento
da sua forma de aquisição e de indenização na hipótese de rompimento do vínculo
laboral.
A seguir, sustentou a
regularidade da despesa relativa à concessão de vantagem sob o título de
gratificação por merecimento, tida por irregular, ante a ausência de previsão
legal.
Reforçou que o fundamento legal
para a concessão e pagamento da dita gratificação consiste na Lei Municipal n.
494/99, que converteu o adicional de insalubridade em gratificação e autorizou
sua incorporação ao salário.
Por fim, trouxe argumentos para elidir
a irregularidade no tocante ao pagamento de licenças-prêmio não gozadas, sem
suporte legal. Todavia, sublinho que a própria Consultoria-Geral, em sua
manifestação, propôs que a irregularidade fosse sanada, ante a existência de
norma legal autorizando tal despesa.
O Recorrente finalizou sua
exposição aduzindo que não houve qualquer prejuízo ao erário, pois os valores
foram pagos em razão de direito adquirido dos servidores, os quais recorreriam
ao Poder Judiciário, no caso de denegação na esfera administrativa.
Diante desses fatos, solicitei a
retirada de pauta dos autos, para analisá-los à luz da argumentação sustentada pelo
Recorrente.
Em 12/11/2008, o Recorrente
protocolou os memoriais, referentes à defesa feita em Plenário, os quais foram
juntados aos presentes autos.[1]
Passo às minhas considerações.
Tendo-se em conta que a
Consultoria teve por sanada a irregularidade do item 6.1.3 da decisão recorrida
e que, em minha manifestação anterior, já havia acolhido o entendimento do
órgão consultivo, deixo de abordar o tema neste momento.
Restaram as irregularidades dos
itens 6.1.1 e 6.1.2, as quais serão, a seguir, tratadas.
No que tange ao débito, no valor
de R$ 590,89, do item 6.1.1 - relativo a despesas com indenizações
pecuniárias, a título de férias proporcionais, pagas por ocasião de rescisão de
contrato de trabalho, sem previsão legal -, transcrevo, para melhor compreensão
do assunto, excerto do relatório conclusivo do Corpo Técnico:
“Constatou-se,
através do demonstrativo de cálculo de rescisão de contrato de trabalho de
servidores da Prefeitura, pagamento de indenizações pecuniárias a título de
férias proporcionais, no montante de R$ 2.405,75, sem previsão legal.
Destaca-se que a Lei Municipal n.
607/2001 – Estatuto dos servidores públicos municipais de São João do Oeste/SC
– ao tratar das férias (Capítulo IV, artigos 85 e 86 previu apenas que o
servidor fará jus a 30 (trinta) dias de férias, sendo exigidos 12 (doze) meses
de efetivo exercício para aquisição do direito. Não previu ou estabeleceu
pagamento de indenização pecuniária de férias proporcionais ao período
aquisitivo, nem sequer indenização de período aquisitivo integral de férias não
gozada.
Ressalta-se que a indenização pecuniária em questão
não se refere ao pagamento do terço previsto na norma constitucional (art. 7º,
inciso XVII, da CF). [...]
Em que pese os argumentos oferecidos pelo
Responsável, não comungamos com o entendimento de que é devida a indenização de
férias vencidas e/ou proporcionais a servidores públicos subordinados ao regime
estatutário, quando esta não estiver prevista no diploma legal que regula a
relação do trabalho entre o servidor e a administração, vale dizer: quando não
autorizada no Estatuto dos Servidores Públicos Municipais. [...]
Em conseqüência, no caso de restituição dos recursos
havidos de forma ilegal, não há que se falar em enriquecimento ilícito da
Administração Pública. O pagamento de indenização do tipo não tem amparo legal,
não representa direito, nem sequer se refere à contraprestação pelo emprego da
força do trabalho. [...]
Contudo, tendo em vista entendimento reiterado do
Poder Judiciário no sentido de que é devida a indenização pecuniária por férias
não gozadas pelo servidor, em razão de aposentadoria, este Órgão Instrutivo
reconsidera o apontado, no que diz respeito ao pagamento da indenização
motivada pelo ato aposentatório. [...]
Dos 4 (quatro) casos de pagamento de indenização de
férias por ocasião do desligamento de servidor, 3 (três) se referem a
afastamento em decorrência de aposentadoria e 1 (um) a pedido do servidor. [...]
Portanto, levando-se em conta que a despesa é
irregular quando não houver previsão em lei e a causa do afastamento não for em
razão do ato de aposentadoria do servidor, mantém-se a restrição retificando-se
o valor apontado inicialmente para R$ 590,89.”[2] Grifo
nosso
De fato, como argumentou o
Recorrente o art. 39, § 3º da Constituição Federal estendeu aos servidores
ocupantes de cargo público o disposto no art. 7º, XVII, portador do seguinte
teor:
Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e
rurais [...]:
XVII – gozo de férias anuais remuneradas com, pelo
menos, um terço a mais do que o salário normal.
Assim, o direito ao gozo de
férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário,
possui fundamento constitucional.
O Recorrente, em sua sustentação
oral, assim se pronunciou acerca do citado dispositivo constitucional:
Do dispositivo resta claro que o direito ao gozo de
férias é anual, tendo a Constituição Federal deixado à legislação
infraconstitucional o estabelecimento da sua forma de aquisição e de
indenização na hipótese de rompimento do vínculo laboral.[3]
(grifado no original)
Parece-me que a questão da
indenização das férias proporcionais, no caso de demissão ou exoneração do
servidor público, é matéria que deve ser tratada na lei que rege os direitos
dos servidores, ou seja, no seu estatuto.
Assinalo, todavia, que tanto o
Superior Tribunal de Justiça quanto o Supremo Tribunal Federal possuem
entendimento pacífico, no que tange à possibilidade de o servidor público que se aposenta,
sem ter gozado as férias que lhe eram devidas - ante o indeferimento de seu
pedido pela Administração pela necessidade do serviço -, ter direito à
indenização pecuniária correspondente a esse período, conforme demonstra a
ementa dos arestos do STJ e STF, abaixo transcritas:
AGRAVO
REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO.
FÉRIAS NÃO GOZADAS. INDENIZAÇÃO. CABIMENTO. PRECEDENTES. ENUNCIADO Nº 83/STJ.
APLICAÇÃO.
Esta
Corte de Justiça registra reiterados precedentes no sentido de que o servidor público
que se aposenta sem ter gozado as férias
que lhe eram devidas faz jus à indenização pecuniária correspondente a esse
período, pena de locupletamento indevido por parte da Administração Pública. [...]
(AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 487.940 -
RS [2003/0001888-8] - AGRAVANTE
: UNIÃO - AGRAVADO : IVAN RODRIGUES DE AMORIM – Relator Ministro Hamilton
Carvalhido - DJ 07/04/2008) g.n.
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. SERVIDOR
PÚBLICO ESTADUAL. FÉRIAS. PERÍODOS NÃO GOZADOS EM ATIVIDADE. RECEBIMENTO EM
PECÚNIA. ACRÉSCIMO DO TERÇO CONSTITUCIONAL. INCISO XVII DO ART. 7O DA MAGNA
CARTA. ADMISSIBILIDADE. O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, ao
acolher o pedido do autor, apenas conferiu efetividade ao disposto no inciso
XVII do art. 7o da Lei das Leis. Com efeito, se o benefício não é usufruído,
porque a Administração indeferiu requerimento tempestivo do servidor, ao
argumento de absoluta necessidade do serviço, impõe-se a indenização
correspondente, acrescida do terço constitucional. De outra parte, o fato de o
servidor não haver usufruído o direito, não lhe acarreta punição ainda maior;
qual seja, a de deixar de receber a indenização devida, com o acréscimo
constitucional. Procedimento esse que acarretaria, ainda, enriquecimento
ilícito do Estado. Agravo regimental a que se nega provimento. (RE-AgR 324880/SP - SÃO PAULO
AG.REG.NO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO - Relator:
Min. CARLOS BRITTO – DJ 10/03/2006). g.n.
Contudo, no que tange ao servidor que é
exonerado, entendo que assiste razão ao Corpo Instrutivo, no sentido de que há
necessidade de previsão legal autorizando o pagamento da indenização de férias
proporcionais, a exemplo do que dispõe a Lei Federal n. 8.112/90 (Estatuto dos Servidores
Públicos Civis da União), no seu art. 78, § 3º:
Art. 78. Omissis.
§ 3o O
servidor exonerado do cargo efetivo, ou em comissão, perceberá indenização
relativa ao período das férias a que tiver direito e ao incompleto, na
proporção de um doze avos por mês de efetivo exercício, ou fração superior a
quatorze dias. (Incluído
pela Lei nº 8.216, de 13.8.91)
Assim, ante a inexistência de lei municipal
autorizando o pagamento de indenização de férias proporcionais aos
servidores exonerados do serviço público, mantenho o débito constante do item
6.1.1 da decisão recorrida.
Concernente ao débito, no valor de R$ 6.797,82,
relativo a despesas com concessão de gratificação por merecimento sem previsão
legal, o Recorrente alegou que a mencionada vantagem tem amparo na Lei Municipal n. 494/99.
Entendo que a mencionada norma
municipal carece de adequada técnica legislativa, pois, a despeito de
autorizar a conversão do adicional de insalubridade em gratificação, não
menciona que esta gratificação seria a gratificação por merecimento, tampouco
traz os parâmetros para a concessão, o que, ante os princípios da legalidade e
da impessoalidade, seria necessário, para que os pagamentos fossem efetuados.
Ademais, deve-se
considerar que, por sua natureza peculiar, o adicional de insalubridade -
devido ao servidor que está submetido à ação de agentes nocivos e apenas
enquanto estiver exercendo função submetida a tais agentes – não se agrega ao
vencimento nem se compatibiliza com a gratificação por merecimento.
Considerando, no entanto, a lição do Ministro do Tribunal de Contas da União, Benjamim Zymler, no sentido de que:
[...]Freqüentemente, o agente
depara-se com situações em que é chamado a extrair de norma de difícil
interpretação uma conseqüência jurídica. Pode ocorrer, por exemplo, que conclua
pela necessidade de pagamento de gratificação a certos servidores, a partir de
razoável interpretação do preceito legal. Tal interpretação, porém, pode
também, revelar-se, posteriormente, inadequada. Não se poderia, nessa hipótese,
ainda que daí resultasse dano ao Erário, cogitar de apenação do responsável.[4]
Desta feita, posiciono-me pelo
cancelamento do débito, em razão da existência da citada lei municipal, que,
apesar das imperfeições detectadas, serviu ao gestor de supedâneo para
autorizar o pagamento da gratificação por merecimento.
Por outro lado, vejo como
extremamente necessário, para continuar o pagamento da citada gratificação, que
o Poder Executivo adote as providências necessárias junto ao Poder Legislativo
para adequação da Lei Municipal n. 494/99 ou a
edição de novo ato normativo, visando à delimitação dos parâmetros da gratificação
de merecimento, incluindo sua definição e critérios de concessão, em atenção ao
princípio da legalidade, haja vista que citada norma legal, utilizada para
amparar os pagamentos da mencionada vantagem, sequer faz menção, de forma
específica, a tal gratificação.
Considerando o que mais dos autos consta, submeto à
apreciação deste Tribunal a seguinte proposta de decisão:
6.1.
Conhecer do Recurso de Reconsideração, nos termos do art. 77 da Lei
Complementar n. 202/2000, interposto contra o Acórdão n. 1.398/2004 exarado na
Sessão Ordinária de 02/08/2004, nos autos do Processo n. TCE-02/10880201 e, no
mérito, dar-lhe provimento parcial para:
6.1.1.
cancelar os débitos constantes dos itens 6.1.2 e 6.1.3 da decisão recorrida;
6.1.2.
manter os demais termos da decisão recorrida.
6.2. Determinar ao Sr.
Sérgio Luís Theisen, Prefeito do Município de São João do Oeste, que cesse
os pagamentos da gratificação por merecimento, até a adoção de providências junto
ao Poder Legislativo Municipal, para a adequação da Lei Municipal n. 494/99 ou edição
de novo ato normativo, visando à delimitação dos parâmetros da gratificação de
merecimento, incluindo sua definição e critérios de concessão, em atenção ao
princípio da legalidade, haja vista que a citada norma legal, utilizada para
amparar os pagamentos da mencionada vantagem, sequer faz menção, de forma
específica, a tal gratificação.
6.3. Alertar à
Prefeitura Municipal de São João do Oeste, na pessoa do Sr. Sr. Sérgio
Luís Theisen,
acima
qualificado, que o não-cumprimento do item 6.2 desta deliberação implicará a
cominação das sanções previstas no art. 70, VI e § 1º, da Lei Complementar
(estadual) n. 202/00, conforme o caso.
6.4.
Determinar
à Secretaria Geral - SEG, deste Tribunal, que comunique à Diretoria Geral de Controle
Externo - DGCE, após o trânsito em julgado, acerca da determinação constante do
item 6.2 retrocitado, para fins de registro no banco de dados.
6.5.
Dar ciência deste Acórdão, do Relatório e Voto do Relator que o fundamentam,
bem como do Parecer COG n. 172/2008, ao Sr. Sérgio Luís Theisen, Prefeito
de São João do Oeste, ao Sr. Rudi Aloisio Rasch – ex-Prefeito do citado Município,
bem como ao Sr. Orlando Royer, responsável pelo Controle Interno da
Prefeitura do mencionado Município.
Gabinete do Conselheiro, em 14 de abril de 2009.
Conselheiro Relator