ESTADO DE SANTA CATARINA

TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO

 

PROCESSO:                REC 05/00387885

UG/CLIENTE:               Fundação Hospitalar Dr. José Athanázio de Campos Novos

INTERESSADO:           Danilo Buffon

ASSUNTO:                   Recurso de Reconsideração no Processo PCA nº 01/02037299

 

 

 

Recurso de Reconsideração. Provimento parcial. Déficit orçamentário. Fundação Hospitalar. Relativização excepcional à obrigatoriedade de obediência ao princípio do equilíbrio orçamentário. Conflito entre princípios. Ponderação de interesses. Serviços de natureza essencial.

 

O artigo 48, letra “b”, da Lei 4.320/64 enuncia norma de natureza principiológica cujo grau de aplicação deve ser definido mediante a análise de cada caso concreto através da ponderação de interesses.

 

 

I - RELATÓRIO

Tratam os autos de Recurso de Reconsideração interposto pelo Senhor Danilo Buffon – Titular da Unidade à época, em face da Acórdão nº 2.015/2004, proferido pelo Tribunal Pleno na sessão do dia 08 de novembro de 2004, nos autos do processo PCA 01/02037299, que julgou irregulares as contas prestadas e determinou a aplicação de multa ao administrador público.

Eis o teor da decisão combatida:

“(...)

 

6.1. Julgar irregulares, sem imputação de débito, na forma do art. 18, III, alínea "b", c/c o art. 21, parágrafo único, da Lei Complementar n. 202/2000, as contas anuais de 2000 referentes a atos de gestão da Fundação Hospitalar José Athanázio de Campos Novos, no que concerne ao Balanço Geral composto das Demonstrações de Resultados Gerais, na forma dos anexos e demonstrativos estabelecidos no art. 101 da Lei Federal n. 4.320/64, de acordo com os pareceres emitidos nos autos.

 

6.2. Aplicar ao Sr. Danilo Buffon - Gestor da Fundação Hospitalar José Athanázio, de Campos Novos, em 2000, as multas abaixo discriminadas, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial do Estado, para comprovar ao Tribunal o recolhimento das mesmas ao Tesouro do Estado, ou interpor recurso na forma da lei, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos artigos 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000:

 

6.2.1. com fundamento nos arts. 69 da Lei Complementar n. 202/00 e 108, parágrafo único, c/c o 307, V, do Regimento Interno instituído pela Resolução n. TC-06/2001, a multa no valor de R$ 1.000,00 (um mil reais), com base nos limites previstos no art. 239, I, do Regimento Interno (Resolução n. TC-11/1991) vigente à época da ocorrência da irregularidade, em face da ocorrência de déficit orçamentário no valor de R$ 268.715,58, que representa 25,41% da receita arrecadada no Município no exercício em exame, em descumprimento ao art. 48, "b", da Lei Federal n. 4.320/64 (item 2.1 do Relatório DMU);

 

6.2.2. com fundamento nos arts. 70, VII, da Lei Complementar n. 202/00 e 109, VII, c/c o 307, V, do Regimento Interno instituído pela Resolução n. TC-06/2001, a multa no valor de R$ 400,00 (quatrocentos reais), com base nos limites previstos no art. 239, VIII, do Regimento Interno (Resolução n. TC-11/1991) vigente à época da ocorrência da irregularidade, em face do atraso de 218 dias na remessa a este Tribunal do Balanço Anual do exercício de 2000 da Fundação Hospitalar José Athanázio, de Campos Novos, em descumprimento ao estabelecido no art. 25, caput, da Resolução n. TC-16/94, com alteração dada pelo art. 4º da Resolução n. TC-07/99 (item 1.1 do Relatório DMU).

(...).” (grifamos)

Autuado, o processo foi encaminhado à Consultoria Geral que, através do Parecer COG-562/07, de fls. 13 a 26, manifestou-se pelo conhecimento do recurso e, no mérito, dar-lhe parcial provimento para cancelar a multa imposta pelo item 6.2.1 da decisão combatida.

O Ministério Público, por meio do Parecer nº 43/2009, acompanhou a Corpo Instrutivo.

Vieram os autos conclusos.

É o breve relatório.

II - DISCUSSÃO

Trata-se de recurso de reconsideração, proposto com fundamento no artigo 77 da Lei Complementar nº 202/2000, contra acórdão que decidiu pela irregularidade das contas prestadas pelo recorrente no exercício de 2000 com aplicação de duas multas.

O apelo foi protocolizado dentro trintídio legal, está firmado por pessoa legitimada a fazê-lo e, muito embora não nominado pelo Recorrente, é o meio adequado para impugnar a decisão, motivos pelos quais merece ser conhecido.

                        No mérito, o recorrente alegou que o déficit orçamentário verificado na Fundação Hospitalar José Athanázio demonstra a dificuldade enfrentada na administração da Instituição, tendo em vista a falta de recursos públicos. Argumentou que, durante sua gestão, muitas vezes, era preciso optar entre "salvar vidas humanas" ou pagar os débitos do Hospital. Mencionou a falta de apoio financeiro por parte da Secretaria Municipal de Saúde e pediu a aplicação do princípio da razoabilidade. Juntou cópias de ofícios que dão conta da gravidade da situação financeira do Hospital.

                        No que se refere ao atraso na remessa do Balanço Anual do exercício de 2000 da referida Fundação, atribuiu a falha ao afastamento disciplinar do contador e à inexistência de outro profissional habilitado para substituí-lo.

                        Ao final, requereu o cancelamento das multas.

De início, afirmo que a imposição de multa em face do atraso na remessa do Balanço Anual da unidade deve ser mantida.

O recorrente não trouxe em seu arrazoado qualquer motivo ou fato novo capaz de desconstituir ou mitigar a irregularidade evidenciada. Ao tempo do alegado afastamento do contador - ocorrido em 06/03/2001 (fls. 5) - já se encontrava esgotado o prazo para a remessa da documentação a este Tribunal.

Como responsável, o senhor Danilo Buffon tinha obrigação de remeter tempestivamente os documentos exigidos em lei para o exercício da atividade fiscalizatória desta Casa. Não o fazendo merece ser punido.

Quanto à aplicação da multa de R$ 1.000,00 (mil reais) em face do déficit orçamentário de R$ 268.715,58, em descumprimento ao disposto no art. 48, b, da Lei 4.320/64, o recorrente argumentou sobre a falta de apoio financeiro por parte da Secretaria Municipal de Saúde e da difícil escolha entre "salvar vidas humanas" ou pagar os débitos do Hospital, pedindo a aplicação do princípio da razoabilidade.

Inicialmente, antes de chegar a um veredicto, é preciso traçar os parâmetros normativos a que o tema está sujeito.

Cumpre destacar o teor do art. 48, b, da Lei 4.320/64, que enuncia o princípio do equilíbrio orçamentário:

“Art. 48 A fixação das cotas a que se refere o artigo anterior atenderá aos seguintes objetivos:

(...)

b) manter, durante o exercício, na medida do possível o equilíbrio entre a receita arrecadada e a despesa realizada, de modo a reduzir ao mínimo eventuais insuficiências de tesouraria. (g.n.)

O referido artigo, de inspiração constitucional, tem como objetivo determinar aos gestores públicos a perseguição do equilíbrio financeiro entre a receita efetivamente arrecadada e a despesa de fato realizada, evitando, assim, o desequilíbrio das finanças públicas.

Segundo a Consultoria Geral, a gravidade da situação financeira do Hospital está bem retratada pelas cópias de ofícios juntadas pelo recorrente às fls. 06 a 09 dos autos. Aparentemente, parece ter ocorrido defasagem na elaboração do orçamento da Instituição, sendo-lhe destinado verbas insuficientes para o seu regular funcionamento. Devido ao caráter inadiável de várias despesas, o administrador entendeu por bem realizar gastos excedentes à previsão orçamentária e aos repasses feitos à Fundação fiscalizada.

No caso dos autos, o desequilíbrio orçamentário resta patente ante o déficit orçamentário encontrado na unidade no exercício de 2000. Da mesma forma, o descumprimento do artigo 48, fundamento para a imposição da multa ao responsável, também é manifesto.

A questão a ser abordada no presente recurso é saber se em situações excepcionais a obrigatoriedade de obediência ao princípio do equilíbrio orçamentário pode ser suavizada. Ou dito de outro modo: se em situações singulares, a existência do déficit orçamentário pode não implicar necessariamente em multa ao responsável. A Consultoria Geral e o Ministério Público Especial opinaram pela possibilidade desta solução no caso concreto.

O Corpo Técnico entende que é preciso considerar as características da própria entidade fiscalizada, sua natureza jurídica, sua sustentabilidade e seu grau de dependência em face de outros órgãos. Citou, a propósito do tema, o Prejulgado nº 1.200 deste Tribunal de Contas que cogita da hipótese de regularidade das contas públicas, apesar da existência de déficit orçamentário. Entendimento esse costumeiramente utilizado pelo Tribunal Pleno nos julgamentos de contas de Prefeito[1].

Ainda de acordo com a Consultoria Geral, considerando as informações constantes do Balanço Geral, observa-se que a Fundação Hospitalar Dr. José Athanázio apresentava grande dependência financeira em relação a outras entidades: mais de 70% de suas receitas no ano investigado advieram do Sistema Único de Saúde (SUS) e do Município. Tais circunstâncias demonstrariam a fragilidade da situação financeira da entidade, sujeita à desmedida espera pela transferência de verbas, realizada ao talante destes entes repassadores.

Como bem observado no parecer de instrução, o art. 48, b, da Lei 4.320/64 menciona expressamente que o equilíbrio orçamentário deve ser observado na medida do possível, de modo a reduzir ao mínimo eventuais insuficiências de tesouraria. Deste modo, o comando legal admitiria a realização excepcional de despesas que suplantassem a receita arrecadada.

O dispositivo legal mencionado enuncia uma norma de natureza principiológica cujo grau de aplicação deve ser definido mediante a análise de cada caso concreto através da ponderação de interesses. Segundo o relato do recorrente o aparente conflito se deu entre vários princípios albergados na Constituição Federal: o da dignidade da pessoa humana (direito à saúde e à vida digna), o da continuidade do serviço público, o da razoabilidade e do equilíbrio orçamentário.

Considerando o princípio da proporcionalidade, haveria a possibilidade de admitir que o descompasso entre despesa e receita verificado na fundação hospitalar foi medida necessária à administração da coisa pública, em face do objeto de suas atividades. Isto porque um hospital não pode ter seus serviços suspensos sob a alegação de insuficiência orçamentária, porquanto oferece à população serviço essencial, insuscetível de paralisação, em face da continuidade do serviço público. Além disso, não consta dos autos qualquer informação a respeito da inutilidade dos gastos.

Assim, considerando a excepcionalidade do presente caso; considerando os princípios da proporcionalidade, da dignidade da pessoa humana e da continuidade do serviço público; considerando o direito à saúde; considerando a forte dependência financeira da Fundação Hospitalar em relação a outras entidades; considerando a flexibilidade do art. 48, b, da Lei 4.320/64; e, finalmente, considerando os pareceres da Consultoria Geral e do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, dou provimento ao recurso para cancelar a aplicação de multa decorrente de déficit orçamentário.

III - VOTO

Ante o exposto, proponho ao Egrégio Plenário o seguinte voto:

1 - Conhecer do Recurso de Reconsideração, nos termos do art. 77 da Lei Complementar nº 202/2000, interposto contra o Acórdão nº 2.015/2004, exarado nos autos do Processo PCA 01/02037299 e, no mérito, dar-lhe parcial provimento, para:

                        1.1 - alterar o item 6.1 do Acórdão nº 2.015/2004 para dele constar como regulares, com ressalva, com fundamento no art. 18, II, c/c o art. 20 da Lei Complementar n. 202/2000, as contas anuais de 2000 referentes a atos de gestão da Fundação Hospitalar José Athanázio de Campos Novos, dando quitação à Responsável, de acordo com os pareceres emitidos nos autos.

1.2 - cancelar a multa constante do item 6.2.1 do referido Acórdão, imposta em face da ocorrência de déficit orçamentário no valor de R$ 268.715,58, que representa 25,41% da receita arrecada no Município no exercício em exame, em descumprimento ao disposto no art. 48, b, da Lei 4.320/64, porquanto tal comando admite a realização excepcional de despesas que suplantam a receita arrecadada, em casos de subestimação de gastos pelo orçamento, ademais quando se trata de serviços de saúde.

                        2 - Dar ciência deste Acórdão, do relatório e voto que o fundamentam, bem como do Parecer COG, ao Senhor Danilo Buffon – Gestor da Fundação Hospitalar José Athanázio è a Prefeitura Municipal de Campos Novos.

                        Gabinete, em 06 de março de 2009.

 

Cleber Muniz Gavi

Auditor Substituto de Conselheiro

Relator

 



[1] Prejulgado nº 1.200

A situação de déficit orçamentário, resultante da utilização do superávit financeiro do exercício anterior para abertura de crédito suplementar no exercício seguinte, não evidencia desequilíbrio nas contas públicas se o ente manteve situação financeira equilibrada ou superavitária.
(Processo CON-01/02200971, Parecer COG nº 441/02, Decisão nº 2017/2002, Origem: Prefeitura Municipal de Concórdia, Relator Auditor Altair Debona Castelan, Data da Sessão: 21 ago. 2002, Diário Oficial: 23 out. 2002).