|
ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO |
Processo nº: |
REC-07/00327347 |
Unidade Gestora: |
Instituto Municipal de Seguridade Social do
Servidor de Blumenau - ISSBLU |
Responsável: |
Sr. Carlos
Xavier Schramm |
Assunto: |
Recurso de Reexame (art. 80 da LC 202/2000) – SPE-02/04974666 |
Parecer nº: |
GC/WRW/2010/001/ES |
Aposentadoria. Princípio da segurança jurídica.
Decadência.
“A
fluência de tão longo período de tempo [entre a edição do ato de aposentadoria
e o seu exame pelo Tribunal de Contas] culmina por consolidar justas
expectativas no espírito do administrado, servidor aposentado, e, também, por
incutir, nele, a confiança da plena regularidade dos atos estatais praticados,
não se justificando - ante a aparência de direito que legitimamente resulta de
tais circunstâncias - a ruptura abrupta da situação de estabilidade em que se
mantinham, até então, as relações de direito público entre o agente estatal, de
um lado, e o Poder Público, de outro.” (Supremo Tribunal Federal - Decisão de 12/08/2009 da
lavra do Min. Celso de Mello, nos autos do MS n. 28.106-DF, publicada no DJe nº 154, divulgado em
17/08/2009)
O
direito de que dispõe a Administração Pública para anular atos administrativos
ilegais de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco
anos da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé (art. 54 da Lei n°
9.784/99).
Em
razão disso, o Tribunal de Contas, fundamentado
no princípio da segurança jurídica e da decadência do poder de autotutela da
Administração, pode ordenar o registro do ato de aposentadoria editado há mais
de cinco anos.
1. RELATÓRIO
Trata-se de recurso
interposto pelo Sr. Carlos Xavier Schramm, Diretor–Presidente do Instituto
Municipal de Seguridade Social do Servidor de Blumenau – ISSBLU, em face da
Decisão n. 1307/2007, proferida nos autos n. SPE-02/049746666, denegando o
registro do ato de aposentadoria de servidor municipal.
Através do Parecer
n. COG-726/09, a Consultoria-Geral entendeu que a peça recursal preencheu os
pressupostos legais de admissibilidade, podendo, por isso, ser conhecida. No
que tange à matéria de fundo, propôs que fosse dado provimento ao apelo.[1]
O Ministério
Público, em manifestação da lavra do seu Procurador-Geral Adjunto, Dr. Márcio de Sousa Rosa, acompanhou
o entendimento do órgão consultivo.[2]
Este o breve
relatório.
2. VOTO
Inicialmente,
registro que a decisão recorrida possui o seguinte teor:
6.1. Denegar o registro, nos termos do art. 34, II, c/c
o art. 36, §2º, "b", da Lei Complementar n. 202/2000, do ato
aposentatório de José Ambrósio Cristóvão, do Serviço Autônomo Municipal de Água
e Esgoto de Blumenau, matrícula n. 333-6, no cargo de Auxiliar de Operador de
ETA, referência 49, CPF n. 383.155.489-72, PASEP n. 1024727948-7,
consubstanciado na Portaria n. 2071/1998, considerado ilegal conforme pareceres
emitidos nos autos, em face da:
6.1.1. concessão de aposentadoria voluntária com tempo
de serviço de 32 anos em função da averbação de tempo especial convertido para
comum de 08 anos, 01 mês e 25 dias, em desacordo com o art. 40, inciso III,
"c", e §1º, da Constituição Federal (redação anterior à EC n. 20/98);
6.1.2. concessão
de aposentadoria voluntária com tempo de serviço insuficiente, em desacordo com
a Constituição Federal, art. 40, III, "c", em função da averbação de
tempo de serviço rural de 01 ano, sem que houvesse comprovação do efetivo
recolhimento previdenciário, nos termos do art. 202, § 2º, da Constituição
Federal (redação anterior à EC n. 20/98).
6.2. Determinar
ao Instituto Municipal de Seguridade Social do Servidor de Blumenau - ISSBLU a
adoção de providências necessárias visando promover a anulação do ato
aposentatório e o retorno do servidor às suas atividades junto ao Município até
completar os requisitos para se aposentar, em função da denegação do registro
da aposentadoria, comunicando-as a este Tribunal no prazo de 30 (trinta) dias,
a contar da publicação desta Decisão no Diário Oficial do Estado, nos termos do
art. 41, caput, do Regimento Interno desta Corte de Contas, sob pena de
responsabilidade solidária da autoridade administrativa omissa, ou interponha
recurso, conforme previsto no art. 79 da Lei Complementar n. 202/2000.
6.3. Determinar à Diretoria de Controle dos Municípios
– DMU, deste Tribunal, que, após transitada em julgado a decisão, inclua na sua
programação de auditorias a averiguação dos procedimentos adotados, pelo
Instituto Municipal de Seguridade Social do Servidor de Blumenau - ISSBLU,
decorrentes da denegação de registro de que trata o item 6.1 desta deliberação.
6.4. Dar ciência desta Decisão, do Relatório e Voto do
Relator que a fundamentam, bem como do Relatório de Reinstrução DMU n.
645/2007, ao Serviço Autônomo Municipal de Água e Esgoto de Blumenau e ao Sr.
Carlos Xavier Schramm - Diretor-Presidente do Instituto de Seguridade Social do
Servidor daquele Município.
Compulsando os
autos, percebo que as razões esboçadas pelo Recorrente cingiram-se à ocorrência
de decadência do direito de a Administração anular os atos administrativos de
que decorram efeitos favoráveis para os destinatários.
A Consultoria, ao
examinar as razões de recurso, acolheu o argumento do Recorrente, propondo que
fosse dado provimento ao apelo, com espeque no princípio da segurança jurídica,
já que o ato de aposentadoria contestado foi editado em 1998, portanto, há mais
de onze anos.
A meu ver, está
correto o entendimento do órgão consultivo.
Julgo oportuno
mencionar recente decisão proferida pelo Ministro Celso de Mello, nos autos do
Mandado de Segurança n. 28.106, no qual deferiu liminar para suspender a
eficácia da decisão do Tribunal de Contas da União, com fundamento no princípio
da segurança jurídica, na boa-fé do cidadão e no caráter alimentar do valor das
pensões.
Do mencionado decisum, extrai-se o seguinte excerto:
(...) Há, nesta impetração, um fundamento que me parece relevante e que se apóia no princípio da segurança jurídica, considerado o decurso, na espécie, de mais de
09 (nove) anos entre o ato concessivo de aposentadoria (21/08/1998 – publicado em 10/09/1998 – fls. 03) e a
decisão do Tribunal de Contas da
União, que considerou ilegal referida aposentadoria (15/02/2008, mantida por decisão proferida em 03/02/2009 -
fls. 05/06).
A fluência de tão
longo período de tempo culmina por
consolidar justas expectativas no espírito do administrado, servidor
aposentado, e, também, por incutir, nele, a confiança da plena regularidade dos atos estatais praticados, não se justificando – ante a aparência de
direito que legitimamente resulta de
tais circunstâncias – a ruptura abrupta
da situação de estabilidade em que se
mantinham, até então, as relações de direito público entre o agente estatal, de um lado, e o Poder Público, de outro.
Cumpre observar, neste ponto, que
esse entendimento – que reconhece que o decurso do tempo pode constituir, ainda que excepcionalmente, fator de
legitimação e de estabilização de determinadas situações jurídicas – encontra
apoio no magistério da doutrina (...)
A essencialidade do postulado da segurança jurídica e a necessidade de se respeitarem
situações consolidadas no tempo, amparadas
pela boa-fé do cidadão (seja
ele servidor público, ou não), representam
fatores a que o Judiciário não pode
ficar alheio, como resulta da
jurisprudência que se formou no Supremo Tribunal Federal:
“Ato administrativo. Seu tardio desfazimento, já criada
situação de fato e de direito, que o tempo
consolidou. Circunstância excepcional a aconselhar a inalterabilidade da
situação decorrente do deferimento da liminar, daí a participação no concurso
público, com aprovação, posse e exercício.” (RTJ 83/921, Rel. Min. BILAC
PINTO - grifei)
Essa orientação
jurisprudencial (RTJ 119/1170), por
sua vez, vem de ser reafirmada, por
esta Suprema Corte, em sucessivos julgamentos: (...)
Na realidade, os postulados
da segurança jurídica, da boa- -fé objetiva e da proteção da confiança, enquanto
expressões do Estado Democrático de Direito, mostram-se impregnados de elevado conteúdo ético, social e
jurídico, projetando-se
sobre as relações jurídicas, mesmo as de direito público (RTJ 191/922,
Rel. p/ o acórdão Min. GILMAR MENDES), em ordem a viabilizar a incidência desses mesmos
princípios sobre comportamentos de qualquer dos Poderes ou
órgãos do Estado (os Tribunais de Contas, inclusive),
para que
se preservem, desse modo, situações administrativas já
consolidadas no passado.
(...)
As lições da doutrina e da jurisprudência
constitucional desta Suprema Corte (MS 26.405/DF, Rel. Min. CEZAR
PELUSO, MS 26.363/DF, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, v.g.) revelam-se suficientes ao
reconhecimento, em juízo de estrita delibação, de que a pretensão
cautelar ora deduzida nesta sede processual reveste-se de
plausibilidade jurídica.
Cabe assinalar, por relevante, que
também concorre, na espécie, o pressuposto legitimador concernente ao “periculum in mora”, eis que, em cumprimento à deliberação ora
impugnada, o órgão de origem expediu a Portaria nº 269, de 04 de março de 2009,
que alterou portaria anterior que havia concedido aposentadoria ao impetrante
(fls. 12).
Não se ignora
que os valores percebidos por servidores públicos (ativos e inativos) e
pensionistas revestem-se de
caráter alimentar (HELY LOPES MEIRELLES, “Direito Administrativo Brasileiro”,
p. 491, item n. 5.4.3, 34ª ed., atualizada
por Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José
Emmanuel Burle Filho, 2008, Malheiros). Essa
especial natureza jurídica, que caracteriza o estipêndio funcional
(vencimentos e proventos) e as pensões, permite, por isso mesmo, qualificá-los
como típicas dívidas de valor.
É, também, por essa razão que concedo
a medida cautelar ora postulada, pois é
importante ter em consideração, para esse efeito, o caráter essencialmente alimentar das pensões e dos
vencimentos e proventos funcionais dos servidores públicos
(ativos e inativos), na linha
do que tem sido iterativamente proclamado pela jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal (RTJ 110/709 – RTJ 117/1335), inclusive por aquela que se formou sob a
égide do vigente ordenamento
constitucional (RTJ 136/1351 – RTJ 139/364-368 - RTJ 139/1009 – RTJ 141/319
– RTJ 142/942).
A ponderação dos valores em conflito - o interesse
da Administração Pública, de um lado, e
a necessidade social de
preservar a integridade do caráter alimentar
que tipifica o valor das pensões e
dos estipêndios, de outro - leva-me a vislumbrar ocorrente, na espécie, uma
clara situação de grave risco a que estará exposta a
parte ora impetrante, privada de
valores essenciais à sua própria subsistência.[3]
Ressalvo, no que
tange à incidência da decadência nos atos administrativos editados há mais de
cinco anos, que o Judiciário catarinense tem dado guarida a tal interpretação
para, com fundamento no art. 54 da Lei n. 9.784/99[4],
reiteradamente desconstituir decisões deste Tribunal de Contas, que determinam
o retorno do servidor aposentado ao trabalho, após a denegação do ato de
aposentadoria.
Tal situação
ocorreu nos presentes autos, nos quais existem documentos dando conta que o
servidor aposentado ingressou em juízo, visando à desconstituição da Decisão n.
1.307/2007 emanada deste Tribunal, tendo obtido a concessão de tutela
antecipada para suspender os efeitos do referido decisum.[5]
Pelo exposto, considerando
que a concessão da
aposentadoria em questão ocorreu há mais de 11 anos, acolho o
entendimento do órgão consultivo para dar provimento ao presente recurso.
3. PROPOSTA DE DECISÃO
CONSIDERANDO o que mais dos autos consta, em conformidade
com os pareceres da Consultoria-Geral e do Ministério Público, submeto à
apreciação deste Tribunal a seguinte proposta de decisão:
6.1.
Conhecer do Recurso de Reexame, nos termos do art. 80 da Lei Complementar n.
202/2000, interposto contra a Decisão n. 1.307/2007, exarada na Sessão
Ordinária de 14/05/2007, nos autos do Processo n. SPE-02/04974666 e, no mérito,
dar-lhe provimento, para:
6.1.1.
modificar a redação do item 6.1 da decisão recorrida, que passa a ser a
seguinte:
“6.1. Ordenar o registro, com base no princípio da
segurança jurídica e nos termos do art.
34, II, c/c o art. 36, §2º, "b", da Lei Complementar nº 202/2000, do
ato aposentatório de José Ambrósio
Cristóvão, do Serviço Autônomo Municipal de Água e Esgoto de Blumenau,
matrícula n. 333-6, no cargo de Auxiliar de Operador de ETA, referência 49, CPF
n. 383.155.489-72, PASEP n. 1024727948-7, consubstanciado na Portaria n. 2071/1998, por ter operado a
decadência do direito de a Administração Pública anular o referido ato (art. 54
da Lei n° 9.794/99).”
6.1.2.
cancelar os itens 6.2 a 6.3 da decisão recorrida.
6.2.
Dar ciência deste Acórdão, do Relatório e Voto do Relator que o fundamentam,
bem como do Parecer COG n. 726/2009 ao Sr. Carlos Xavier Scharamm,
Diretor-Presidente do ISSBLU.
Gabinete do Conselheiro, em 03 de fevereiro de 2010.
Conselheiro Relator
[1] Fls. 19/26.
[2] Fls. 27/28
[3] Decisão de 12/08/2009 da lavra do Min. Celso de Mello, nos autos do MS n. 28.106-DF, publicada no DJE nº 154, divulgado em 17/08/2009.
[4] Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.
§ 1o No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contar-se-á da percepção do primeiro pagamento.
§ 2o Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato.
[5] Fls. 12/15.