TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SANTA CATARINA

 

                Gabinete do Conselheiro Julio Garcia

PROCESSO nº

:

TCE-11/00485551

 

UG/CLIENTE

:

Prefeitura Municipal de Biguaçu

 

RESPONSÁVEL

:

Vilmar Astrolgido Tuta de Souza e outros

 

INTERESSADO

:

Sr. José Castelo Deschamps

 

ASSUNTO

:

Tomada de Contas Especial instaurada no município de Biguaçu para apuração de supostas irregularidades praticadas no município nos exercícios de 2001 a 2008.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DECISÃO SINGULAR – GC-JG/2012/690

 

 

 

Tratam os autos das Tomadas de Contas Especiais nºs 05 e 06/2011, instauradas no âmbito da Prefeitura Municipal de Biguaçu e encaminhadas a esta Corte de Contas para a devida análise, em atendimento às disposições da Lei Complementar estadual nº 202/2000 (art. 10) e da Instrução Normativa nº 03/2007.

O procedimento foi instaurado[1] visando apurar os fatos, identificar os responsáveis e quantificar eventual dano causado ao erário decorrente da omissão no lançamento e cobrança do Imposto sobre Serviços incidente sobre a construção civil, na liberação de alvará de licença de construção ou do “habite-se” no Município de Biguaçu no período de 01/01/2001 a 01/04/2008.

No relatório conclusivo nº 06/2011 anexado às fls. 09 a 12 do feito, os membros da Comissão concluíram pela responsabilização do Sr. Ivo Delagnelo, Prefeito Municipal de Biguaçu no períofo de 02/04/2008 a 31/12/2008, pelo dano causado ao erário no valor de R$ 328.638,48, em razão da omissão em lançar e cobrar o Impostos sobre Serviços incidente sobre a construção civil na liberação de alvará de licença de construção ou do “habite-se”.

Já no Relatório conclusivo nº 05/2011 (fls. 17 a 21), a Comissão concluiu pela responsabilização do Sr. Vilmar Astrolgido Tuta de Souza, Prefeito Municipal de Biguaçu no período de 01/01/2001 a 01/04/2008, pelo dano causado ao erário municipal no valor de R$ 3.454.600,50, em razão da omissão em lançar e cobrar o Impostos sobre Serviços incidente sobre a construção civil na liberação de alvará de licença de construção ou do “habite-se”.

Autuado nesta Corte sob o número TCE-11/00485551, o processo seguiu para análise técnica da Diretoria de Controle de Municípios (DMU), que por meio do Relatório nº 6084/2011 (fls. 134-139), à luz da Instrução Normativa nº 03/2007, consignou não ter identificado desvios quanto à formalidade do processo administrativo que pudessem comprometer a validade dos autos e dos relatórios conclusivos gerados.

Também, a vista dos elementos constantes dos autos e considerando a necessidade de oitiva dos responsáveis identificados, a DMU sugeriu que fosse determinado a citação dos senhores Ivo Delagnelo e Vilmar Astrolgido Tuta de Souza para apresentarem alegações de defesa acerca da irregularidade evidenciada no feito, qual seja, omissão em lançar e cobrar o Imposto sobre Serviços incidente sobre a construção civil na liberação de alvará de licença de construção ou do “habite-se”, no valor de R$ 3.783.238,98, caracterizando renúncia irregular de receita, em desacordo com o que estabelece o art. 58, da Lei Municipal nº 599/89, item 31 da lista de serviços, artigos 58 e 59 da Lei Municipal nº 2.039/2004, art. 66 da Lei Complementar Municipal nº 03/2007 e art. 14, I, II, §§ 1º, 2º e 3º, I e II, da Lei nº 101/2000.

Por fim, a Diretoria Técnica consignou em seu relatório que tramita no Judiciário catarinense Ação de Reparação de Danos impetrada pelo Município de Biguaçu contra o Sr. Vilmar Astrolgido Tuta de Souza, sob o nº 007.10.0050723, decorrente da irregularidade evidenciada no presente processo.

Após a regular citação, os responsáveis compareceram aos autos para exercerem seu direito de defesa, apresentando justificativas e documentação de suporte (fls. 146 a 191).

Voltando os autos à Diretoria Técnica, foram verificadas situações que demandavam a necessidade de se obterem informações complementares, relacionadas à composição por contribuinte e período de apuração do valor lançado a débito dos agentes políticos decorrentes das Tomadas de Contas Especial nº 05 e 06/2011; e relação dos lançamentos tributários referentes ao Imposto sobre Serviços incidentes sobre a construção civil na liberação de alvarás de licença de construção ou de habite-se, efetuados a partir dos levantamentos realizados pelas Tomadas de Contas Especial nº 05 e 06/2011 (Relatório nº 1.028/2011 – fls. 193-194).

Dessa forma, a DMU procedeu à realização de diligência junto à Prefeitura Municipal de Biguaçu que, por seu atual Prefeito, Sr. José Castelo Deschamps, juntou aos autos os documentos de fls. 201 a 382.

De posse das informações e documentos solicitados, a DMU procedeu ao seu exame e estudo e constatou que existem vários lançamentos tributários pendentes do Imposto sobre Serviços incidente sobre a construção civil na liberação do alvará de licença de construção ou do “habite-se”, referentes aos exercícios de 2007 e 2008 que ainda não foram atingidos pelo instituto da decadência, conforme se pode verificar às fls. 112 e 202 a 205 do caderno processual.

Assim, por meio do Relatório 4.113/2012, de fls. 384-387, a Diretoria Técnica, sem adentrar na análise das defesas apresentadas pelo responsáveis, centrou seu foco na proteção do erário de Biguaçu e sugere, na parte conclusiva do expediente em tela, a concessão de medida cautelar, inaudita altera pars, a fim de que o Prefeito Municipal de Biguaçu, Sr. José Castelo Deschamps e o Secretário da Fazenda, Sr. Manuel Custódio, adotem as medidas necessárias para o lançamento e cobrança do Imposto sobre Serviços incidente sobre a construção civil na liberação de alvará de licença de construção ou do “habite-se”, referentes aos exercícios de 2007 e 2008 que ainda não foram atingidos pelo instituto da decadência, e que totaliza o montante de R$ 1.708.445,10 (valores corrigidos até junto de 2010), vez que presentes os requisitos do fumaça do bom direito (fumus boni iuris) e do perigo da demora (periculum in mora).

Foi apontado pela Área Técnica que no presente caso, quanto ao fumus boni iuris, a legislação municipal prevê o lançamento e cobrança do Imposto sobre Serviços incidente sobre a construção civil na liberação do alvará de licença de construção ou do “habite-se”, conforme o estabelecido no art. 58, da Lei Municipal nº 599/89, item 31 da lista de serviços, artigos 58 e 59 da Lei Municipal nº 2.039/2004, art. 66 da Lei Complementar Municipal n º 03/2007 a seguir transcritos:

Lei nº 599/89 – Código Tributário Municipal – Vigência até 2007

Art. 58 – O imposto será pago tendo por base alíquota proporcional expressa em percentagem sobre o preço dos serviços como (S/P), ou alíquota fixa por ano, vinculada a Unidade Fiscal Monetária, como segue:

31 – Execução, por administração empreitada ou subempreitada, de construção civil, de obras hidráulicas e outras obras semelhantes e respectiva engenharia consultiva, inclusive serviços auxiliares ou complementares (exceto o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador de serviços, que fica sujeito ao ICM)..............3,00%S/P

 

Lei Municipal nº 2039/2004

Art. 58. O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, devido pela mão-de-obra na construção civil, deverá ser recolhido antecipadamente à entrega do alvará de licença para construção, calculado de acordo com a tabela de valores unitários de construção editada por Decreto do Executivo.

§ 1º Terminada a construção é facultado a ambas as partes, sujeito ativo e passivo da relação tributária, exigir o imposto apurado a maior do que a estimativa para a edificação ou a devolução pelo recolhimento a maior, em razão de prestação de serviços insuficientes para alcançar o imposto lançado.

§ 2º O sujeito ativo da relação tributária, de que trata o parágrafo anterior, terá o prazo máximo de 30 (trinta) dias, para efetuar a devolução, ao sujeito passivo, do recolhimento a maior em razão de prestação de serviços insuficientes para alcançar o imposto lançado.

§ 3º A apuração de que tratam os parágrafos anteriores serão efetuadas pela fiscalização tributária do Município.

Art. 59. Não se subordinam as regras do art. 56, os contribuintes, pessoas jurídicas, que estiverem cadastrados como prestadores de serviços, no ramo da construção civil, na Prefeitura Municipal de Biguaçu, e desde que venham recolhendo seus tributos municipais com normalidade.

 

Lei Complementar nº 003/2007 – Código Tributário Municipal

Art. 66. O ISSQN devido pelos serviços de construção civil deverá ser recolhido antecipadamente à execução da obra.

§ 1º O imposto, devido na forma deste artigo, será calculado por estimativa, tendo por base tabela de valores unitários de construção, fixada e atualizada mensalmente pela Secretaria Municipal de Finanças.

§ 2º A liberação da cara de habite-se fica condicionada à comprovação do pagamento total do imposto devido na forma deste artigo.

§ 3º Não se subordinam às regras deste artigo as pessoas jurídicas registradas no Cadastro de Prestadores de Serviços no ramo da construção civil e, desde que, venham recolhendo seus tributos com normalidade.

 

No tocante ao periculum in mora, consignou-se que a legislação municipal prevê os casos de extinção dos créditos tributários, mediante o instituto da decadência, que se opera em 5 anos, o que no caso em análise pode ocasionar severas perdas ao erário municipal:

Lei Complementar nº 003/2007 – Código Tributário Municipal

Art. 232. Extinguem o crédito tributário:

V - a prescrição e a decadência;

Art. 254. O direito de a Fazenda Pública Municipal constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados:

I - do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado; e

II - da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado.

Parágrafo Único - O direito a que se refere este artigo extingue-se definitivamente com o decurso do prazo nele previsto, contado da data em que tenha sido iniciada a constituição do crédito tributário pela notificação, ao sujeito passivo, de qualquer medida preparatória indispensável ao lançamento.

 

Na sequência, os presentes autos vieram-me conclusos, para apreciação do pedido de cautelar constante do Relatório DMU nº 4.113/2012.

É este estado do processo.

As medidas cautelares, no âmbito dos Tribunais de Contas, são instrumentos processuais preventivos aplicados a uma situação de perigo iminente de inviabilidade da realização da auditoria e/ou inspeção, inexecução da decisão definitiva, bem como assegurar que novos prejuízos não venham a ocorrer.

O Pretório Excelso firmou entendimento no sentido de que o comando inserto nos incisos IX e X do artigo 71 da Constituição Federal respalda a emissão de medidas cautelares pelo Tribunal de Contas, presentes os pressupostos de temor plausível diante de iminente ofensa à ordem jurídica (fumus boni iuris), em prejuízo do erário ou de terceiro, e de perigo na demora (periculum in mora)[2].

Importa destacar, nessa discussão, excerto do voto do Ministro Celso de Mello:

Na realidade, o exercício do poder de cautela, pelo Tribunal de Contas, destina-se a garantir a própria utilidade da deliberação final a ser por ele tomada, em ordem a impedir que o eventual retardamento na apreciação do mérito da questão suscitada culmine por afetar, comprometer e frustrar o resultado definitivo do exame a controvérsia. Não se pode ignorar – consoante proclama autorizado magistério doutrinário (...) – que os provimentos de natureza cautelar acham-se instrumentalmente vocacionados a conferir efetividade ao julgamento final resultante do processo principal, assegurando, desse modo, plena eficácia e utilidade à tutela estatal a ser prestada. Assentada tal premissa, que confere especial ênfase ao binômio utilidade/necessidade, torna-se essencial reconhecer – especialmente em função do próprio modelo brasileiro de fiscalização financeira e orçamentária, e considerada, ainda, a doutrina dos poderes implícitos – que a tutela cautelar apresenta-se como instrumento processual necessário e compatível com o sistema de controle externo, em cuja concretização o Tribunal de Contas desempenha, como protagonista autônomo, um dos mais relevantes papéis constitucionais deferidos aos órgãos e às instituições estatais.

 

Portanto, a legitimidade desta Corte de Contas para expedição de medidas cautelares para prevenir lesão ao erário e garantir a efetividade de suas decisões mostra-se inconteste, e também encontra guarida no Código de Processo Civil, artigos 798 e 799[3], que tratam do poder geral de cautela e que se aplicam subsidiariamente no presente caso por força do prescrito no art. 308 do Regimento Interno desta Casa[4].

In casu, tenho que restaram atendidos os requisitos de fumus boni iuris e periculum in mora.

A constatação de que existem situações fáticas que ensejam o lançamento e cobrança do Imposto sobre Serviços incidente sobre a construção civil na liberação do alvará de licença de construção ou do “habite-se”, referentes aos exercícios de 2007 e 2008, que ainda não foram atingidos pelo instituto da decadência, que irá se operar ao findar deste ano e no ano próximo, em razão do lapso temporal de 5 anos prescrito em lei, no total de R$ 1.708.445,10 (valores corrigidos até junho de 2010), conforme apuração realizada por meio das Tomadas de Contas Especiais nºs 05 e 06/2011, enseja a fumaça do bom direito e o perigo da demora, dada a brevidade do tempo para serem adotas as providências necessárias visando o ingresso de receitas.

Caracterizada, portanto a ameaça de grave lesão ao erário, consubstanciado nas razões supracitadas e em caso de urgência, considerando a possível ocorrência de renúncia de receita[5], vez que a decadência está quase se operando quanto aos créditos relativos aos exercícios de 2007 e 2008), como medida preventiva, com fundamento no poder geral de cautela a que alude os arts. 798 e 799 do Código de Processo Civil, deve se determinar ao atual Prefeito Municipal de Biguaçu e ao seu Secretário Municipal da Fazenda que adotem providências administrativas visando o lançamento e a cobrança do Imposto sobre Serviços incidente sobre a construção civil na liberação do alvará de licença de construção ou do “habite-se”, referentes aos exercícios de 2007 e 2008 que ainda não foram atingidos pelo instituto da decadência no total de R$ 1.708.445,10 (valores corrigidos até junho de 2010), conforme apuração realizada por meio das Tomadas de Contas Especiais nºs 05 e 06/2011.

 

Diante disso, acolhendo a proposta da Diretoria de Controle de Municípios consubstanciada no Relatório nº 4.113/2012:

 

1. DETERMINO, CAUTELARMENTE, nos termos dos artigos 798 e 799 do Código de Processo Civil, a adoção das medidas necessárias para o lançamento e cobrança do Imposto sobre Serviços incidente sobre a construção civil na liberação do alvará de licença de construção ou do “habite-se”, referentes aos exercícios de 2007 e 2008 que ainda não foram atingidos pelo instituto da decadência no total de R$ 1.708.445,10 (valores corrigidos até junho de 2010), conforme apuração realizada por meio das Tomadas de Contas Especiais nºs 05 e 06/2011, estando, assim, presentes os requisitos processuais do fumus boni iuris e periculum in mora, conforme exposto nesta decisão, fixando os seguintes prazos ao atual Prefeito de Biguaçu, Sr. José Castelo Deschamps e ao Secretário da Fazenda, Sr. Manoel Custódio, sob pena de responsabilidade solidária:

1.1 – para os créditos referentes ao exercício de 2007, 10 (dez) dias contados da ciência desta decisão;

1.2 – para os créditos referentes ao exercício de 2008, 60 (sessenta) dias contados da ciência desta decisão.

2. Determinar à Secretaria Geral que promova a ciência imediata desta decisão, com remessa de cópia do Relatório nº 4.113/2012, ao Prefeito de Biguaçu, Sr. José Castelo Deschamps e ao Secretário da Fazenda, Sr. Manoel Custódio, para que tomem as necessárias providências no âmbito administrativo.

3. Publique-se.

4. Após, retornem os autos à Diretoria de Controle de Municípios para a devida instrução com posterior envio à Procuradoria de Contas.

 

 

                        Gabinete, em 06 de dezembro de 2012.

 

Julio Garcia

Conselheiro Relator



[1] Comissão municipal instaurada por meio da Portaria nº 1464/2011, de 27/06/2011 – fl. 34.

[2] Mandado de Segurança nº 24.510.

[3] Art. 798. Além dos procedimentos cautelares específicos, que este código regula no Capítulo II deste livro, poderá o juiz determinar as medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação.

Art. 799. No caso do artigo anterior, poderá o juiz, para evitar o dano, autorizar ou vedar a prática de determinados atos, ordenar a guarda judicial de pessoas e depósito de bens e impor a prestação de caução.

[4] Art. 308. Os casos omissos serão resolvidos mediante aplicação subsidiária da legislação processual ou, quando for o caso, por deliberação do Tribunal Pleno.

[5] Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101/2000):

Art. 11. Constituem requisitos essenciais da responsabilidade na gestão fiscal a instituição, previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos da competência constitucional do ente da Federação.

Art. 14. A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições:

I - demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, na forma do art. 12, e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias;

II - estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado no caput, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.

§ 1º A renúncia compreende anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado.