Processo |
REP 15/00235455 |
Unidade
Gestora |
Prefeitura Municipal de Florianópolis |
Responsável |
Vinicius Cofferri |
Interessado |
Diogo Roberto Ringenberg |
Assunto |
Irregularidades no Edital de Concorrência
nº 655/SMA/DLC/2014 - Execução do serviço de táxi no município |
Decisão
Singular |
GAC/HJN – 20/2015 |
DECISÃO
SINGULAR
Trata-se de Representação apresentada pelo
Ministério Público de Contas do Estado de Santa Catarina – subscrita pelo
Procurador Diogo Roberto Ringenberg –, com pedido cautelar, contra possíveis
irregularidades no Edital de Concorrência n° 655/SMA/DLC/2014 da Prefeitura
Municipal de Florianópolis, o qual tem por objeto a contratação do serviço de
táxi no município.
As irregularidades apontadas pelo Ministério
Público de Contas no Edital de Concorrência são duas, assim sintetizadas: a) direcionamento do objeto da
licitação, em razão de que apenas dois veículos alcançariam nota máxima nos
critérios técnicos lançados no Edital, e, destes, considerando o preço de
mercado, apenas um veículo estaria em condições de ser adquirido pelos
proponentes para o serviço licitado; e, b)
limitação em 5% das vagas previstas em Edital as pessoas portadores de
deficiência, quando a Legislação Estadual e Municipal prevêem reserva mínima de
10% das vagas pré-estabelecidas aos portadores de deficiência.
A Diretoria de Controle de Licitações e
Contratações – DLC, em Relatório de Instrução Preliminar[1],
manifesta-se pelo conhecimento da presente Representação, pelo deferimento do
pedido cautelar de sustação do procedimento licitatório e, pela determinação de
audiência do Responsável.
Em sua manifestação, o Corpo Técnico reconhece a
existência das duas irregularidades apontadas pelo Representante, entendendo
preliminarmente que as exigências e critérios utilizados para pontuação e
julgamento das propostas restringem a competitividade e provocam reserva de
mercado para determinada marca de veículo; apontando ainda violação a
dispositivo de Lei Municipal quanto a reserva de apenas 5% das vagas dispostas
em Edital para pessoas portadores de deficiência.
Analisando os termos da Representação e dos
documentos que a acompanham, entendo por acompanhar a manifestação da Diretoria
de Controle de Licitações e Contratações – DLC, o que faço pelas razões que
seguem.
1 – Das
Irregularidades Apontadas pelo Representante
Segundo
o Representante, as irregularidades existentes no Edital de Concorrência
lançado pela Prefeitura Municipal de Florianópolis, na modalidade de
Concorrência, tendo por objeto a contratação do serviço de táxi no município,
são duas: a) direcionamento do
objeto da licitação, em razão de que apenas dois veículos alcançariam nota
máxima nos critérios técnicos lançados no Edital, e, destes, considerando o
preço de mercado, apenas um veículo estaria em condições de ser adquirido pelos
proponentes para o serviço licitado; e, b)
limitação em 5% das vagas previstas em Edital para pessoas portadores de
deficiência, quando as Legislações Estadual e Municipal prevêem reserva mínima
de 10% das vagas pré-estabelecidas aos portadores de deficiência.
Analisando a primeira irregularidade, o Corpo
Técnico desta Corte de Contas assim se manifestou:
Diz o
Representante que as “características veiculares de ‘conforto interno’,
‘segurança – air bag’, ‘porta malas’ e potência de motor” são critérios que
obtém as maiores pontuações, no entanto, somente dois carros do mercado atendem
aos critérios ali apontados, sendo eles o veículo Renault Fluence e o Ford
Fusion. Somente esses dois veículos atenderiam a largura interna mínima de
1.800 mm e capacidade de volume do porta malas de no mínimo 500 litros.[2]
Ademais,
alega o Representante que, diante de tais critérios, a licitação restringiu
ferreamente o número de participantes, e também, acarretou o direcionamento do
certame, tendo em vista que os carros presentes no mercado brasileiro possuem
bastantes diferenças de valor e, como a intenção da licitação é atender ao
interesse público, o automóvel que se consagraria vender seria o Renault
Fluence.
Outrossim,
indica a presença de “alguns funcionários da Empresa/Concessionária Renault” no
momento da abertura dos envelopes de habilitação e das propostas, o que, aos
olhos do Representante, causa aliciamento dos licitantes lá presentes.
Cumpre
ressaltar aqui o disposto no art. 44, da Lei Federal nº 8.666/93:
Art. 44. No julgamento das propostas, a
Comissão levará em consideração os critérios objetivos definidos no edital ou
convite, os quais não devem contrariar as normas e princípios estabelecidos por
esta Lei.
§ 1º É
vedada a utilização de qualquer elemento, critério ou fator sigiloso, secreto,
subjetivo ou reservado que possa ainda que indiretamente elidir o princípio da
igualdade entre os licitantes. (grifo nosso)
Ademais,
os princípios da legalidade e da isonomia, inseridos no art. 37, XXI, da
Constituição Federal, e o art. 3º, da Lei Federal nº 8.666/93, constituem um
dos alicerces do procedimento licitatório, haja vista que este tem escopo não
só possibilitar à Administração Pública a escola da melhor proposta, como
também resguardar a igualdade de direitos a todos os interessados em contratar.
Desse
modo, é defeso o estabelecimento de condições não previstas em lei, que
resultem preferência em benefício de determinados licitantes em detrimento dos
demais concorrentes, conforme determina o art. 3º, § 1º, inciso I, da Lei
Federal nº 8.666/93:
Art. 3o A
licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da
isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a
promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em
estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da
impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade
administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento
objetivo e dos que lhes são correlatos.
§ 1o É
vedado aos agentes públicos:
I -
admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de convocação, cláusulas ou
condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo,
inclusive nos casos de sociedades cooperativas, e estabeleçam preferências ou
distinções em razão da naturalidade, da sede ou domicílio dos licitantes ou de
qualquer outra circunstância
impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato,
ressalvado o disposto nos §§ 5o a 12 deste artigo e no art. 3o da Lei no 8.248, de 23
de outubro de 1991; (grifo nosso)
Nesse
sentido é o entendimento de Marçal Justen Filho:
O ato convocatório da licitação deve
estabelecer condições que assegurem a seleção da proposta mais vantajosa (de
acordo com a concepção de vantajosidade adotada), com observância do princípio
da isonomia. É essencial que a licitação seja um procedimento orientado por critérios
objetivos, sendo ilícita a adoção de cláusulas ou quaisquer práticas que, de
modo parcial ou total, restrinjam, afetem ou dificultem ilegitimamente a
competição.
A regra do art. 3º, § 1º, inc. I, significa que todos os
possíveis interessados devem ser admitidos a participar e que a vitória de um
deles deve resultar da apresentação da proposta mais vantajosa. São inválidas condutas ativas ou omissivas
adotadas pela Administração Pública, formalmente constantes do ato convocatório
ou não, que distorçam a competição. Nenhum licitante pode obter vantagens
injustificáveis ou enfrentar desvantagens indevidas na competição.Os
competidores devem ser tratados com igualdade, o que significa a vedação a
benefícios ou encargos reservados a apenas alguns dos licitantes. Mais ainda,
não se admitem cláusulas que, previstas para aplicação generalizada, criam
efeitos de distorção da competição.
Em suma, a licitação deve assegurar condições para que o
licitante obtenha tratamento correspondente à vantajosidade da proposta
apresentada. A vitória ou derrota do licitante apenas podem decorrer de uma
análise sobre a vantajosidade da oferta apresentada.
Em última análise, a regra examinada subordina todas as
discriminações à proporcionalidade. Diferenciações ou benefícios inúteis,
excessivos ou violadores da proporcionalidade em sentido estrito são ilegais.
(Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 15. Ed. São
Paulo: Dialética, 2012, p. 80)
A respeito
o Tribunal de Contas da União já se posicionou:
(...) quando aplicada à licitação, a igualdade veda, de
modo terminante, que o Poder Público promova discriminações entre os
participantes do procedimento seletivo, mediante a inserção, no instrumento
convocatório, de cláusulas que afastem eventuais proponentes qualificados ou os
desnivelem o julgamento. (BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão n.
456/2000, Relator: Benjamim Zymler. Brasília, DF, Sessão de 31 de maio de 2000)
Como
exposto, o edital de licitação, no item 15.3.II, prevê critérios minuciosos
quanto ao veículo que pontuará mais, ou seja, com tais critérios se restringiu
a competição entre os licitantes, acarretando apenas dois carros disponíveis no mercado que atingem a
pontuação máxima prevista (05 pontos).
Ademais,
apesar de tal previsão não acarretar a inabilitação dos participantes, a
estipulação viola o critério da isonomia, criando vantagem injustificada em
favor dos veículos que possuem maior valor com relação aos demais, eis que
qualquer diferença de valoração acaba afetando o resultado do certame, além de
caracterizar reserva de mercado para determinadas marcas de veículos.
Assim,
considera-se irregular a exigência de critérios utilizados para pontuação e
julgamento das propostas previstos no edital que restringem a competitividade e
provocam reserva de mercado para determinadas marcas de veículo, em desrespeito
ao disposto no art. 3º, § 1º, inciso I, e 44, § 1º, ambos da Lei Federal nº
8.666/93.
A análise feita pela Diretoria de Controle de
Licitações e Contratações – DLC, acima transcrita, aponta preliminarmente pela
ocorrência da irregularidade suscitada pelo Representante, consistente na
restrição à competitividade, pelo fato das exigências técnicas caracterizarem
reserva de mercado para determinadas marcas de veículos.
Quanto a segunda irregularidade, consistente no
desrespeito a reserva mínima de 10% das vagas para pessoas portadoras de
deficiência, em razão do Edital prever a reserva de apenas 5% das vagas
dispostas em Edital, aponta o Corpo Técnico infração ao disposto no § 2°, do
art. 5°, da Lei Complementar Municipal n° 63/2003, bem como infração ao
disposto no Decreto Municipal n° 4.564/2007:
Lei Complementar Municipal n° 63/2003:
Art. 5º (...)
§ 2º - Serão reservados 10% (dez por cento) dos cargos
submetidos a concurso público para classificação à parte das pessoas portadoras
de deficiência física relativamente incapacitante inscritas no certame,
condicionando-se a nomeação à comprovação também de que dispõem do nível mínimo
de capacitação para o exercício do cargo, na forma do regulamento próprio e do
edital.
Decreto Municipal nº 4.654/2007:
Art. 1º. Os portadores deficiência, aprovados em
concursos públicos e/ou processos de seleção, integrarão lista de chamada
especial.
Art. 2º. Os demais aprovados serão relacionados em lista
geral.
Art. 3º. A lista especial será elaborada obedecendo a
ordem de classificação dos portadores de deficiência obtida no concurso público
e/ou processo de seleção pública à qual foram submetidos.
Art. 4º. Para atender o disposto no parágrafo 2º do art.
5º da Lei Complementar 063/03, será reservado 10% (dez por cento) das vagas aos
portadores de deficiência, os quais serão chamados da seguinte forma: para cada
9 (nove) candidatos chamados da lista geral, chamar-se-á 1 (um) aprovado da
lista especial e assim sucessivamente.
Dos
termos da Legislação acima citada, percebe-se que devem ser reservadas 10% das
vagas as pessoas portadoras de deficiência, regra que a priori restou violada no presente caso, em razão do Edital de
Concorrência limitar esta reserva em 5%.
2 – Do
Pedido Cautelar
Pelas
razões acima expostas, tem-se que há plausibilidade nas alegações do
Representante, pois ambas as irregularidades apontadas pelo Representante
foram, a priori, identificadas e
reconhecidas, as quais maculam sobremaneira o procedimento licitatório.
Lado outro, constato que o procedimento se
encontra na fase de análise dos recursos interpostos quanto à habilitação dos
licitantes, de modo que se faz necessária a imediata intervenção desta Corte de
Contas, sob risco de perda da eficácia de decisão de mérito que vier a ser
proferida – acaso esta Corte de Contas, ao final do processo, decida pelo
reconhecimento das irregularidades denunciadas.
Assim, entendo deva o processo licitatório objeto
da presente Representação ser suspenso, de forma cautelar, pois presentes os
requisitos autorizadores de tal medida: fumus
boni iuris (prévia constatação das irregularidades) e periculum in mora (risco de ineficácia de decisão futura).
Anoto que o § 3º, do art. 3º, da Instrução
Normativa nº TC-05/2008[3],
autoriza o Relator, em caso de urgência, havendo fundada ameaça de grave lesão
ao erário ou a direito dos licitantes, bem como para assegurar a eficácia da
decisão de mérito, determinar à autoridade competente a sustação do
procedimento licitatório até manifestação ulterior que revogue a medida ex officio, ou até a deliberação pelo
Tribunal Pleno.
Tal providência deve ser adotada no presente caso,
pelas razões acima expostas.
3 –
Conclusão
Dito
isto, e acolhendo a sugestão proposta pela Diretoria de Controle de Licitações
e Contratações – DLC, DECIDO:
1 – Determinar, cautelarmente, com fundamento no § 3º,
do art. 3º, da Instrução Normativa n. TC-05/2008, ao Sr. Vinícius Cofferri
(Secretário Municipal de Mobilidade Urbana de Florianópolis), a sustação do
procedimento licitatório (Edital de Concorrência n° 655/SMA/DLC/2014) até
manifestação ulterior que revogue a medida ex
ofício, ou até a deliberação pelo Egrégio Tribunal Pleno desta Corte de
Contas; devendo comprovar o cumprimento da presente determinação no prazo de 15
(quinze) dias;
2 – Determinar à DLC a
realização de Audiência do Sr. Vinícius Cofferri, nos termos do
art. 29, § 1°, da Lei Complementar n° 202/2000, para que, no prazo de 30
(trinta) dias, a contar do recebimento desta deliberação, adote as medidas
corretivas necessárias ao exato cumprimento da Lei ou apresente suas
justificativas acerca das seguintes restrições:
2.1
– Exigência de critérios utilizados para
pontuação e julgamento das propostas previstos no edital que restringem a
competitividade e promovem reserva de mercado para determinadas marcas de
veículos, em desrespeito ao disposto no art. 3º, § 1º, inciso I, e 44, § 1º,
ambos da Lei Federal nº 8.666/93;
2.2 – Reserva
ilegal de apenas 5% das vagas editalícias para as pessoas portadoras de
deficiência, em afronta ao disposto no art. 5º, § 2º da Lei Complementar
Municipal nº 63/2003 e Decreto Municipal nº 4.654/2007.
3 – Determinar à
Secretaria Geral que proceda à ciência do presente despacho ao Sr. César Souza
Júnior, Prefeito Municipal de Florianópolis, remetendo-lhe cópia desta Decisão.
4 – Alertar
à Prefeitura Municipal de Florianópolis, na pessoa do Prefeito Municipal Sr. Cesar
Souza Júnior, que o não cumprimento desta determinação implicará na cominação
das sanções previstas na Lei Orgânica e no Regimento Interno deste Tribunal de
Contas (art. 12, da Instrução Normativa n. TC 05/2008).
5 – Determinar
à Secretaria Geral, nos termos do art. 36 da Resolução nº TC-09, de 11 de
setembro de 2002, com a redação dada pelo art. 7º, da Resolução nº TC-05, de 29
de agosto de 2005, que dê ciência da presente Decisão aos Senhores Conselheiros
e Auditores deste Tribunal de Contas.
6 – Depois
de cumpridas as providências acima, encaminhem-se os autos à Diretoria de
Controle de Licitações e Contratações – DLC para instrução complementar.
Publique-se.
Florianópolis, em 27 de maio de 2015.
HERNEUS
DE NADAL
Conselheiro Relator
[1] DLC. Relatório de Instrução Preliminar n° 250/2015, fls. 115/120 e versos.
[2] Edital de Concorrência nº
655/SMA/DLC/2014.
[3] Art. 3º - [...]
§ 3º - Em
caso de urgência, havendo ameaça de grave lesão ao erário ou a direito dos
licitantes, bem como para assegurar a eficácia da decisão de mérito, mediante
requerimento fundamentado do órgão de controle, ou por iniciativa própria, o
Relator, sem a prévia manifestação do fiscalizado, interessado, ou do
Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, determinará, através de
despacho singular, à autoridade competente a sustação do procedimento
licitatório até manifestação ulterior que revogue a medida ex officio, ou até a deliberação do Tribunal Pleno.
Art. 13 – As
disposições dos arts. 3º, § 3º, e 5º ao 8º desta Instrução Normativa
aplicam-se, no que couber, aos processos de Representação contra edital de
Concorrência e de Pregão fundadas no § 1º do art. 113 da Lei n. 8.666/93.