TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SANTA CATARINA

 

                Gabinete do Conselheiro Julio Garcia

PROCESSO nº

:

LCC-16/00299374

 

UG/CLIENTE

:

Prefeitura Municipal de Blumenau

 

RESPONSÁVEL

:

Napoleão Bernardes Neto

 

ASSUNTO

:

Exame prévio (fase de planejamento) da concessão de serviço público de transporte coletivo urbano de passageiros do município de Blumenau.

 

 

 

 

 

 

DECISÃO SINGULAR – GC-JG/2016/122

 

Trata-se de análise da etapa de planejamento de licitação intentada pela Prefeitura Municipal de Blumenau, visando à concessão do serviço de transporte público coletivo urbano de passageiros, na modalidade convencional, julgamento pelo menor valor da tarifa associado a pagamento de outorga fixo, autuada com fundamento na Instrução Normativa nº TC-22/2015.

Por meio do Ofício n° CEEPTC 002/2016, enviado em 02/06/2016 (fl. 03), a Comissão Especial de Estudos e Projetos de Transporte Coletivo de Blumenau remeteu a esta Corte de Contas, em cumprimento ao disposto no art. 7° da referida IN n° TC-22/2015, a documentação de fls. 4-24, dentre os quais consta o Decreto que instituiu a referida Comissão Municipal, cópia do Relatório Final elaborado pela Comissão, DVD contendo a minuta do edital e anexos, dentre outros.

O presente processo foi autuado em 03/06/2016, com fundamento no art. 10 da mencionada Instrução (fl. 02), do qual o Prefeito Municipal, Sr. Napoleão Bernardes Neto foi devidamente notificado (fl. 36).

Anteriormente, em 12/05/2016, a Comissão enviara o Ofício n° CEEPTC-1/2016 (fl. 27), noticiando a realização de audiência pública para debater o tema com a população interessada, nos termos exigidos pelo art. 39, caput, da Lei n° 8.666/93 (fls. 28-35).

De acordo com as atas juntadas ao processo às fls. 25-26v e 37-38v, foram realizadas duas reuniões ao longo do mês de junho entre Auditores da Diretoria de Licitações e Contratações (DLC) desta Casa e integrantes da Comissão especialmente designada para o planejamento da concessão, a fim de que fossem tiradas dúvidas acerca do projeto de concessão apresentado a esta Corte.

Por meio do Relatório n° 306/2016, a DLC pontuou determinadas questões para o melhor deslinde da contratação, sugerindo algumas recomendações ao Prefeito de Blumenau no tocante ao plano de negócios/fluxo de caixa, ao edital de licitação vindouro e às disposições previstas na minuta contratual, conforme se verifica às fls. 39-43v.

Em atenção ao disposto no art. 108, II, da Lei Orgânica do Tribunal de Contas, determinei a remessa dos autos ao Ministério Público de Contas, para manifestação prévia, efetivada por meio do Parecer nº MPTC/43494/2016 (fls. 44-49).

Em seguida vieram-me os autos conclusos.

É o breve relato.

A Instrução Normativa nº TC-22/2015 estabeleceu procedimentos para controle e orientação referente à etapa de planejamento das concessões administrativas e patrocinadas (PPP) e das concessões comuns, a serem exercidos por esta Corte de Contas.

Consta do art. 5º do marco legal já mencionado uma lista não exaustiva de documentos e estudos que devem ser encaminhados pelo Poder Concedente a este Tribunal, no prazo mínimo de 60 dias antes da publicação do edital de licitação, consoante disposto no art. 7º.

Da análise dos documentos encaminhados, observo que foram apresentadas as informações exigidas no art. 5º[1] incisos I (procedimentos preliminares), II (estudos de viabilidade jurídica, técnica e econômico-financeira) e VI (normatização do sistema de fiscalização pelo gestor do processo, com estimativa de gastos com a fiscalização e monitoramento do contrato). Quanto ao inciso VII (atas das audiências públicas e/ou consultas públicas), observo que o Poder Concedente apenas comunicou a data de realização de audiência pública sem, contudo, encaminhar a respectiva ata (fl. 27). Outrossim, restou ausente na mídia apresentada (DVD) o “Anexo I.9 - Sistema de avaliação da qualidade do serviço de transporte coletivo urbano de passageiros do Município de Blumenau”, como bem consignado pela área técnica.

Feitos estes registros, observo que o interesse do Município na delegação do serviço público de transporte coletivo de passageiros, mediante concessão, encontra-se devidamente justificado e em consonância com as disposições constitucionais aplicáveis, notadamente os arts. 30, V, e 175, caput, da Constituição Federal/1988.

Da mesma forma, assim como assinalado pelo Parquet de Contas, entendo que a dimensão territorial e as demais características do Município em questão revelam a coerência da exclusividade pretendida na concessão dos serviços em tela ao particular, “[...] com vistas à compensação das perdas na operação das linhas deficitárias[2] com os ganhos das linhas lucrativas, incrementando a economia de rede para garantir oferta contínua do serviço às áreas periféricas, com modicidade tarifária[3]” (fl. 46).

No que tange à análise do procedimento preliminar da licitação vindoura, estudos e demais documentos apresentados, a DLC identificou algumas questões que devem ser melhor esclarecidas e/ou corrigidas em função do grande impacto que possuem na formulação das propostas por parte dos licitantes e no valor da tarifa a ser praticada, as quais se encontram expostas no Relatório nº DLC-306/2016.

De modo geral, as observações e orientações realizadas pelos Auditores da DLC, com a pertinente contribuição do nosso Ministério Público de Contas, guardam relação com o melhoramento do objeto a ser concedido, estando em consonância com o necessário controle prévio das concessões públicas a ser exercido pelo Tribunal de Contas, não só em termos de legalidade, mas também quanto aos aspectos de legitimidade e economicidade da contratação, a teor do que dispõe o art. 3° da Instrução Normativa n° TC-22/2015.

Assim, encaminho à unidade fiscalizada as conclusões do Relatório nº 306/2016 da DLC e Parecer nº MPTC/43494/2016 da Procuradoria de Contas para as devidas observações.

Desta forma, considerando o que dispõe a Instrução Normativa nº TC-22/2015, DECIDO:

1. CONHECER o Relatório nº DLC-306/2016, que trata da análise preliminar dos procedimentos de planejamento do projeto para concessão da prestação do serviço público de transporte coletivo urbano de passageiros do município de Blumenau, na modalidade convencional, em atenção à Instrução Normativa nº TC-22/2015.

2. RECOMENDAR ao Sr. Napoleão Bernardes Neto, Prefeito Municipal de Blumenau, inscrito no CPF/MF sob o nº 038.738.439-19, com fulcro no parágrafo §1º do artigo 11 da Instrução Normativa nº TC-022/2015, a verificação dos apontamentos preliminares constantes dos relatórios citados na presente decisão, conforme segue abaixo:

2.1. PLANO DE NEGÓCIOS E FLUXO DE CAIXA – os apontamentos a seguir visam ao atendimento à modicidade tarifária prevista no art. 6º, § 1º da Lei Federal nº 8.987/95 (Lei de Concessões) e no art. 8º, VI, da Lei Federal nº 12.587/2012 (Lei da Mobilidade Urbana):

2.1.1. Rever a forma de cálculo das receitas tarifária, que deve ser obtida a partir da projeção do crescimento do volume de usuários (demanda) multiplicado pelo valor da tarifa;

2.1.2. Adequar a definição da TIR, que num projeto de concessão é um “dado da saída” e não “de entrada”, e deve ser oriunda das condições do negócio;

2.1.3. Prever a metodologia de cálculo do Fator ‘X’, a ser aplicado nos ciclos de reajuste e/ou revisão ordinária, com o fito de repartir os ganhos de produtividade e eficiência ao longo da execução contratual, entre concedente e concessionária, e que possam contribuir para possível redução da tarifa, ou aumento inferior ao índice de reajuste, com objetiva definição sobre o modo de cálculo e distribuição dos ganhos de produtividade e eficiência;

2.1.4. Analisar a possibilidade de se efetivar manutenção do equilíbrio econômico-financeiro a partir da fixação da TIR, desde que sejam considerados os ganhos decorrentes de produtividade e da eficiência tecnológica, o aumento ou a redução extraordinária dos custos e/ou despesas da concessionária, bem como as alterações ocorridas no custo de oportunidade do negócio, de acordo com o § 2º do artigo 9º e inciso V do artigo 29 da Lei de Concessões;

2.1.5. Justificar os índices utilizados para definição do consumo dos veículos (combustível, lubrificantes, pneus e peças), demonstrando no Edital/Anexos a fonte dos dados;

2.1.6. Justificar os valores a título de custos fixos e excluir o salário da Diretoria, que deve ser remunerada pela TIR (lucro);

2.1.7. Estabelecer como se dará a manutenção da TIR da concessão na hipótese de queda ou aumento acentuados na demanda, uma vez que, na Matriz de Risco, o risco de demanda foi atribuído ao Poder Concedente, quando seria razoável alocá-lo ao setor privado. Sugere-se a adoção de faixas de variação, de modo que dentro de uma determinada faixa o risco é da concessionária, e acima ou abaixo da faixa o risco é repartido;

2.1.8. Definir os valores já conhecidos de receitas acessórias, de modo que seja considerada uma previsão genérica destas receitas;

2.1.9. Verificar a informação de que todos os valores lançados pelo licitante na Planilha Financeira serão atualizados monetariamente, uma vez que os ativos devem ser reavaliados a preços de mercado, tendo em vista a incidência da depreciação;

2.1.10. Justificar os percentuais colocados a título de valor residual para a frota, indicando no Edital/Anexos qual a sua origem e fonte;

2.1.11. Corrigir a fórmula do VPL na planilha ‘FCD’, procedendo-se ao seu ajuste;

2.1.12. Avaliar a inclusão no fluxo de caixa o valor de R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais) lançado como investimento da concessionária para aquisição de imóvel para garagem a título de terrenos operacionais, pois é bem não reversível, de forma que este investimento seja aquele efetivamente despendido pela concessionária para aquisição do imóvel, devendo a Prefeitura avaliar a pertinência da localização e do valor do imóvel a ser adquirido, ajustando o valor de mercado para o fluxo de caixa da concessão;

2.1.13. Readequar a fórmula para cálculo do reajuste tarifário (Anexo V, item 1.8), que prevê o IPKe em seu denominador, fazendo com que, caso haja diminuição na demanda, o reajuste seja maior, contrário aos princípios da eficiência e modicidade tarifária;

2.1.14. Considerar quais os possíveis impactos no sistema de transporte coletivo dos investimentos previstos junto aos três contratos de financiamento em infraestruturas;

2.1.15. Avaliar a viabilidade de integrar o sistema executivo ao atual projeto, deixando expresso no edital esta possibilidade; e

2.1.16. Corrigir a tabela do Demonstrativo de Resultados do Exercício - DRE (Apuração IR), pois não foi considerada a depreciação (CAPEX operacional – outros), referente à bilhetagem, garagens etc., para a base de cálculo do IR.

2.2. EDITAL DE LICITAÇÃO

2.2.1. Avaliar exigência de que toda frota, já no início da operação, esteja de acordo com a acessibilidade universal, visto que pode afastar potenciais licitantes;

2.2.2. Incluir como bens reversíveis, ao final da concessão, as benfeitorias (melhorias, equipamentos etc.) realizadas nos terminais de integração e estações de embarque;

2.2.3. Excluir o pagamento de valor pela outorga, pois a cobrança conspira contra a modicidade tarifária prevista no art. 6º, §1º da Lei 8.987/95 e no art. 8º, VI da Lei 12.587/12 e favorece a atual prestadora dos serviços, que não precisaria desembolsar tal valor, restringindo o caráter competitivo do certame, em detrimento do que está definido no art. 3º I da Lei 8.666/93. Além disso, não se verifica excesso de lucratividade no fluxo de caixa, nem a possibilidade de receitas acessórias de valor expressivo que possibilitem ganho extra à futura concessionária a ponto de viabilizar tal exigência;

2.2.4. Abster-se de exigir a comprovação, para fins de habilitação técnica, de ter realizado unicamente serviço de transporte coletivo urbano de passageiros, o que pode excluir empresas interessadas e qualificadas, ferindo o art. 30, II, da Lei nº 8.666/93;

2.2.5. Abster-se de exigir comprovação de tempo mínimo de experiência dos licitantes, contrariando o art. 30, §5º da Lei nº 8.666/93;

2.2.6. Abster-se de exigir a apresentação da garantia da proposta em até 3 dias da sessão de julgamento, contrariando o inciso III do artigo 31 da Lei de Licitações (a garantia da proposta deve ser apresentada em conjunto com os demais documentos de habilitação);

2.2.7. Ampliar o prazo para esclarecimentos, pois somente em até 10 dias antes da sessão de julgamento é muito exíguo, em atenção à Decisão nº 3.707/2011 (processo nº ELC-11/00478008);

2.2.8. Atentar-se para o fato de que o efeito da declaração de inidoneidade é diferente do efeito da declaração de suspensão e impedimento de contratar. No segundo caso, fica impedida apenas a licitante penalizada por algum dos órgãos ou entidades do município licitante, não se comunicando o efeito da sanção aplicada por outro órgão ou entidade de outro município, estado ou União, nos termos do Acórdão nº 3.243/2012, do Plenário do TCU (processo TC-046.782/2012-5); e

2.2.9. Prever a obrigatoriedade de prévia solução administrativa de litígio (auto composição – Lei Federal nº 13.140/2015).

2.3. MINUTA CONTRATUAL

2.3.1. Prever as condições para eventual necessidade de prorrogação contratual (inc. XII do art. 23 da Lei nº 8.987/95);

2.3.2. Avaliar a base de cálculo para incidência dos percentuais nos casos de aplicação das sanções administrativas, visto que no caso das multas moratórias o percentual deve recair sobre o valor da parcela inadimplida;

2.3.3. Inserir cláusula a respeito da possiblidade ou não de sub concessão (art. 26 Lei nº 8.987/95);

2.3.4. Inserir cláusula a respeito da possibilidade ou não da transferência da concessão (art. 27 Lei 8.987/95);

2.3.5. Inserir cláusula definindo como será realizado o cálculo da indenização de investimentos não amortizados (inc. XI do art. 23 da Lei nº 8.987/95).

3. DAR CIÊNCIA desta Decisão, do Relatório nº DLC-306/2016 à Prefeitura Municipal de Blumenau e ao órgão de controle interno do Município.

 

Publique-se.

 

Gabinete, em 27 de julho de 2016.

 

Julio Garcia

Conselheiro Relator



[1] Os documentos constantes dos incisos III, IV e V aplicam-se apenas às PPPs, não se aplicando ao presente caso.

[2] Linhas que operam em regiões de baixa densidade populacional e de menor renda, em vias públicas distantes do centro, com precário capeamento (fl. 11).

[3] ARAGÃO, Alexandre Santos. Direito dos Serviços Públicos. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 289.