Parecer no:

 

MPTC/4.350/2008

                       

 

 

Processo nº:

 

PCP 08/00206070

 

 

 

Origem:

 

Município de Ipira – SC

 

 

 

Assunto:

 

Prestação de Contas realizada pelo Prefeito, referente ao exercício financeiro de 2007.

 

 

 

Trata-se de Prestação de Contas efetuada pelo Chefe do Poder Executivo do Município em epígrafe, consoante regra da Constituição Estadual, art. 113, § 1º.

Foram juntados os documentos relativos à prestação de contas em comento nas fls. 02-426

A Diretoria de Controle dos Municípios apresentou o Relatório Técnico de fls. 427-468, consignando remanescentes as seguintes irregularidades:

I – Do Poder Executivo

I – A. Restrições de ordem legal:

I.A.1. Meta Fiscal de resultado primário prevista na LDO não realizada, em desconformidade com a L.C. nº 101/2000, art. 4º, § 1º e art. 9º;

I.A.2. Divergência no valor de R$ 157.533,97, entre o saldo da dívida fundada interna demonstrado no Balanço Patrimonial – Anexo 14 e na Demonstração da Dívida Fundada – Anexo 16 da Prefeitura (R$ 953.054,57) e o apurado nas Demonstrações das Variações Patrimoniais – Anexo 15 da Prefeitura (R$ 795.520,60), evidenciando descumprimento as normas contábeis contidas na Lei Federal nº 4.320/64, principalmente com relação aos artigos 104 e 105;

I.A.3. Ausência de remessa do Parecer do Conselho de Acompanhamento do FUNDEB, em descumprimento ao art. 27, § único da Lei 11.494/2007.

 

Este o relatório.

A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da entidade em questão está inserida entre as atribuições dessa Corte de Contas, consoante os dispositivos constitucionais, legais e normativos vigentes (art. 31, § 1º e art. 71 c/c art. 75 da Constituição Federal, art. 113 da Constituição Estadual, arts. 50 a 54 da Lei Complementar Estadual nº. 202/2000; arts. 20 a 26 da Resolução TC nº. 16/1994 e arts. 82 a 94 da Resolução TC nº. 6/2001).

 

A análise destes autos revela que o Relatório DMU não atendeu aos requisitos da Lei Complementar nº 202/2000 ao deixar de conter as informações previstas no art. 53, parágrafo único, inciso III, relacionadas ao reflexo da administração financeira e orçamentária municipal no desenvolvimento econômico e social do Município.

 

Informação relevante ainda, inexplicavelmente suprimida, este ano, da maior parte dos relatórios produzidos pela DMU, é aquela relacionada às contratações terceirizadas para atividades públicas de natureza permanente.

Sobre os grandes números da administração, cuja análise conforma, por definição constitucional, as chamadas contas anuais apresentadas pelo Sr. Prefeito Municipal, objeto do parecer prévio a ser exarado pela Corte e de futuro julgamento pelo Poder Legislativo, foram apurados pela Diretoria de Controle da Administração Municipal - DMU:

 

1. O déficit apresentado na execução orçamentária do exercício em exame situou-se em patamar que não deve ser considerado suficiente para macular a apreciação geral das contas que é objeto do Parecer Prévio a ser emitido pela Corte;

2. O resultado financeiro do exercício apresentou-se superavitário, atendendo, portando, aos ditames legais aplicáveis;

3. O disposto no art. 212 da Constituição Federal, referente à aplicação mínima de 25% das receitas resultantes de impostos em manutenção e desenvolvimento do ensino revelou-se cumprido;

4. Foram aplicados, pelo menos, 95% dos recursos oriundos do FUNDEB em despesas com manutenção e desenvolvimento da educação básica, conforme exige o art. 21 da Lei nº 11.494/2007;

5. Restou atendido o art. 60, inciso XII, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, e o art. 22 da Lei nº 11.494/2007, que preconizam seja aplicado pelo menos 60% dos recursos recebidos do FUNDEB na remuneração dos profissionais do magistério do ensino fundamental;

6. No capítulo das despesas com saúde, constata-se que foram aplicados em ações e serviços públicos de saúde valores correspondentes ao percentual mínimo do produto de impostos, conforme exige o art. 198 da Constituição Federal c/c o art. 77, inciso III e § 1º, do ADCT.

No que refere aos diversos limites para gastos com pessoal do Poder Executivo ou Legislativo:

7. Os gastos com pessoal do Município no exercício ficaram abaixo do limite de 60% da Receita Corrente Líquida, conforme o exigido pelo art. 169 da Constituição Federal e pela Lei Complementar 101/2000, em seu art. 19;

8. Os gastos com pessoal do Poder Executivo no exercício em exame ficaram abaixo do limite máximo de 54% da Receita Corrente Líquida - RCL, conforme exigido pelo art. 20, III, “b” da Lei Complementar 101/2000.

9. O limite de gastos com pessoal do Poder Legislativo previsto no art. 20, III, “a” da Lei de Responsabilidade Fiscal, situado no percentual de 6% da RCL, foi observado nas despesas próprias da Câmara Municipal do Município em epígrafe;

10. A remuneração máxima do Vereador em relação ao Deputado Estadual, de que cuida o art. 29, VI da Constituição mostrou-se cumprida;

11. O limite de 5% da receita do Município aplicado ao total da remuneração dos Vereadores revelou-se atendido;

 

12. A despesa relacionada à folha de pagamento da Câmara (incluindo o subsídio dos Vereadores) situou-se dentro do limite máximo de 70% admitido pelo art. 29-A, § 1º da Carta Federal;

 

13. Por fim, o limite máximo de transferências de receitas tributárias, previsto pela Constituição, destinadas à manutenção do Poder Legislativo (exceto, dos seus inativados), foi corretamente observado.

 

Quanto à remessa bimestral dos Relatórios de Controle Interno, constata-se que foram observadas as disposições regulamentares.

 

Analisando os dados apresentados nestes autos, em confronto com o disposto na Portaria nº. TC 233/2003, tem-se que as impropriedades apontadas não são consideradas irregularidades gravíssimas.

São os apontamentos tidos como “gravíssimos” pela referida Portaria, em princípio, quando constatados, que justificam o posicionamento opinativo da Corte no sentido da rejeição das contas apresentadas.

Todavia, deverá constar no Parecer Prévio a determinação para a oportuna apreciação em sede da competência para julgamento de atos, privativa da Corte (PROCESSO APARTADO):

1) das despesas com a contratação terceirizada / temporária de serviços (fls. 440-441), que caracterizam fortes indicativos de burla ao concurso público;

2) das divergências entre o saldo patrimonial demonstrado no Balanço Patrimonial e o apurado por meio da Demonstração das Variações Patrimoniais no exercício (item I.A.2 da conclusão do Relatório nº 2.605/2008);

3) das responsabilidades pela ausência de remessa do Parecer do Conselho do Fundeb (item I.A.3 da conclusão do Relatório nº 2.605/2008);

 

Da instauração de processo apartado em razão dos indícios de burla ao concurso público

Sabidamente, muitos Municípios vêm promovendo a contratação terceirizada de serviços que possuem natureza permanente. Tal fato ocorre, muitas vezes, não de forma excepcional, mas costumeiramente, afrontando evidentemente à regra do concurso público preconizada pela Constituição Federal.

As despesas realizadas pela Unidade Gestora evidenciam indícios de que esta pratica também esteja ocorrendo no Município de Ipira.

Somadas, as despesas com a “contratação por tempo determinado” (R$ 540.973,53) e com a “contratação terceirizada de pessoal” (R$ 1.560,00) perfazem a respeitável cifra de 32% do total de despesas com vencimentos e vantagens dos servidores (R$ 1.691.491,02).

Não é aceitável que quase ⅓ das despesas com pessoal ativo do município ocorram fora da regra do concurso público.

Considerando as rubricas “outros serviços de terceiros -pessoa física” (R$ 88.628,01) e “outros serviços de terceiros - pessoa jurídica” (R$ 1.153.535,61), que não raramente escondem também contratações de atividades públicas de caráter permanente, como reiteradamente tem se demonstrado nos processos PCA´s que tramitam na Corte, o percentual atingido com a contratação de serviços sem concurso público atingirá o percentual de 106%!!! Trata-se de um percentual muito alto, que deve merecer alguma atenção por parte do Tribunal de Contas.

Há, pois, fortes indícios de que a Unidade Gestora em epígrafe esteja promovendo a sustentação de atividades de caráter permanente mediante a terceirização das contratações e a contratação por tempo determinado, o que, se confirmado, caracterizaria o desrespeito ao comando insculpido no art. 37, II da Constituição Federal.

tempos que práticas como estas são veementemente combatidas pela Corte:

UNIDADE GESTORA

PROCESSO

DECISÃO

RELATOR

RESUMO DO FATO SANCIONADO

P. M. DE URUSSANGA

APE 04/03819512

1315/06

Clóvis Mattos Balsini

Contratação direta de pessoal como de provimento efetivo, caracterizando burla ao concurso público

P. M. DE SOMBRIO

PDI 01/01552440

1313/07

Wilson R. Wan-Dall

Contratação de servidor sem concurso público

P. M. DE LONTRAS

PDI 00/01775553

1235/07

Gerson dos S. Sicca

- contratação de servidora sem o devido concurso público

P. M. DE JAGUARUNA

PDI01/01195907

1289/07

Wilson R. Wan-Dall

- contratação de servidora sem o devido concurso público

P. M. DE CAXAMBU DO SUL

PDI 00/06036864

1236/07

Gerson dos S. Sicca

- contratação de servidor sem o devido concurso público

P. M. DE ARANGUÁ

PDI982751096

1442/07

Gerson dos S. Sicca

Contratação de servidor sem Concurso Público.

EPAGRI

PDI 01/05256960

0872/06

Wilson R. Wan-Dall

contratação de servidora sem prévio concurso público

COMPANHIA DE URBANIZAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DE TUBARÃO

APE0405129912

1465/07

Moacir Bertoli

Manutenção de contratação de pessoal para prestação de serviços contínuos sem concurso público.

CODEPLA DE CRICIÚMA

APE-04/05921381

0785/06

José Carlos Pacheco

Contratação de pessoal para o Quadro Permanente sem a realização de concurso público.

CIA. DE DESENVOLVIMENTO DE JARAGUÁ DO SUL

ALC0504114387

1413/07

Wilson R. Wan-Dall

Contratação  continuada em contratos de natureza não-contínua, sem concurso público, exercício de 2004.

C. M. DE SÃO MIGUEL DO OESTE

TCE 04/01382320

1354/06

Wilson R. Wan-Dall

Existência de servidores ocupando cargo efetivos de Técnico Contábil e de Acessora Parlamentar sem Concurso Público

C. M. DE PALHOÇA

PCA 05/00585334

1317/07

Wilson R. Wan-Dall

Contratação de Assessoria Contábil sem concurso público

C. M. DE MIRIM DOCE

AOR0500518904

1522/07

Sabrina N. Iocken

Contratação de serviços contábeis sem concurso público.

C. M. DE MIRIM DOCE

AOR0500518904

1522/07

Sabrina N. Iocken

Contratação de serviços advocatícios sem concurso público.

C. M. DE GAROPABA

PCA 05/00592462

1305/07

Moacir Bertoli

Contratação de Assessoria Contábil sem concurso público

C. M. DE GAROPABA

PCA 05/00592462

1305/07

Moacir Bertoli

Contratação de Assessoria Jurídica sem concurso público

C. M. DE BOM RETIRO

PCA0503929999

1396/07

Salomão Ribas Júnior

Contratação de Assessor Jurídico sem concurso público – 2004.

C. M. DE BARRA VELHA

PCA0500581002

1531/07

Wilson R. Wan-Dall

Contratação de assessoria jurídica  sem concurso público.

C. M. DE BARRA VELHA

PCA0500581002

1531/07

Wilson R. Wan-Dall

Contratação de serviços contábeis sem concurso público.

C. M. DE BARRA VELHA

TCE 04/03409373

1325/07

Wilson R. Wan-Dall

Contratação de assessoria jurídica sem concurso

C. M. DE BARRA VELHA

TCE 04/03409373

1325/07

Wilson R. Wan-Dall

Contratação de Assessoria Contábil sem concurso

 

Não vislumbraria a necessidade de maiores lucubrações sobre o tema. São, contudo, tantos os casos em que assistimos órgãos públicos aos quais se confiou a função de tutela do interesse público (do qual não raramente distancia-se muitos quilômetros o “interesse do administrador”) dando as costas a quem lhes conferiu este poder (CF, art. 1º, parágrafo único), que, muitas vezes, chego a preocupar-me em não ter conseguido retratar de forma suficiente em meus pareceres a mazela generalizada da gestão pública que acompanho em nosso dia-a-dia.

Vivemos em um país que, brutalmente, arranca 40% da riqueza nacional para sustentar uma máquina administrativa, muitas vezes, muito próxima da inutilidade completa.

Trabalhamos praticamente 5 meses do ano para alimentar este gigante perdulário.

Nos outros meses então, cuidamos de financiar a educação de nossos filhos, a nossa segurança e a nossa saúde e dos nossos familiares, pagando planos-de-toda-sorte para os males que podem nos acometer, que, sabemos, não adiantará bater às portas do Estado.

Mas esses últimos meses são também fundamentais para que possamos pagar a educação de nossos filhos. Na escola pública seriam obrigados a educarem-se com mestres cansados de não serem reconhecidos; seriam obrigados a conviver com as freqüentes greves, seriam, candidatos, sempre, à segunda linha das oportunidades da vida.

A prática generalizada da contratação sem concurso público, transposta para o cenário nacional que se acompanha recentemente pela mídia, ajuda a explicar o verdadeiro caos que se instalou na gestão da coisa pública Brasil afora.

Na saúde, apenas para exemplificar, e fazendo coro a reportagem especial ontem (02/12/2007) exibida no Programa Estúdio Santa Catarina da emissora RBS[1], há uma verdadeira horda de profissionais a seu serviço, dos quais não se pode esperar verdadeiro compromisso com a idéia do público.

São profissionais recrutados de forma precária, que estabelecem relações precárias com o poder público contratante, poder este que oferta condições de trabalho precárias, o que, fatalmente, vai culminar com serviços muito, muito precários.

Nessa desalentadora coleção de precariedades se traduz a gestão da saúde pública brasileira e, a bem da verdade, de toda a coisa pública!

É preciso que cada um assuma o papel que lhe foi confiado pela sociedade. Aos que devem controlar a gestão pública cabe parcela significativa da responsabilidade pela triste coleção de mazelas que assistimos todos os dias nos noticiários.

Cada centavo de dinheiro público que deixou de ser aplicado, ou foi mal aplicado (contratar sem concurso é uma dessas formas de mal aplicar os recursos públicos), significará uma deficiência a mais a ser retratada pelos jornais. Será o analfabeto funcional que, mesmo depois de passar anos nos bancos escolares, não consegue interpretar um texto simples. Será o médico que por falta de compromisso com a carreira pública, faz do seu trabalho público o “bicoque lhe confere algumtrocado” a mais no fim do mês. Será o posto de saúde no pequeno município que deixou de ser instalado, ou que, se foi instalado, não possui sequer a gaze para confeccionar os curativos, não possui os medicamentos, não possui leitos, não possui médiconem o clínico geral! Não possui nada!

Ao analisar o que descrevo, Maria Sylvia Zanella Di Pietro, assenta sobre essas terceirizações (e, por certo, das supostas contratações temporárias) no âmbito da Administração Pública, que foram “uma das muitas fórmulas que se arrumou para burlar todo um capítulo da Constituição Federal (do art. 37 ao 41), para servir aos ideais de nepotismo e apadrinhamento a que não pode resistir tradicionalmente a classe política brasileira”.[2]

As evidencias destes autos são muito claras no sentido de que esteja ocorrendo em Ipira a contratação de serviços ao arrepio da Constituição Federal. Em razão do percentual revelado por estes autos, entendo deva a Corte promover a instauração do procedimento apartado para a aferição dos referidos indícios de contratação ilegal. Exatamente neste sentido o Tribunal de Contas já decidiu:

Parecer Prévio n.º 0269/2007

Processo n.º PCP - 07/00119400

Prestação de Contas do Prefeito - Exercício de 2006

Prefeitura Municipal de Major Gercino

(...)

“O TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SANTA CATARINA, reunido nesta data, em Sessão Ordinária, com fulcro nos arts. 31 da Constituição Federal, 113 da Constituição do Estado e 1º e 50 da Lei Complementar n. 202/2000, tendo examinado e discutido a matéria, acolhe o Relatório e a Proposta de Parecer Prévio do Relator, aprovando-os, e considerando ainda que:”

(...)

6.4. Determinar à Secretaria Geral – SEG, deste Tribunal, a formação de autos apartados para fins de exame, pela Diretoria Técnica competente, das seguintes matérias:”
6.4.1. Possível ocorrência de burla ao concurso público, em decorrência da contratação de pessoas físicas para prestação de serviços à Prefeitura em atividades consideradas contínuas e permanentes da Unidade (Prefeitura), que deveriam ser exclusivamente exercidas por servidores efetivos previamente aprovados em concurso público, nos  termos do art. 37, II da Constituição Federal, constatadas no Anexo III do Relatório DMU (item 3.1.2 do Parecer           MPjTC);[3]

 

Parecer Prévio n.º 0290/2007

Processo n.º PCP - 07/00121560

Prestação de Contas do Prefeito - Exercício de 2006

Prefeitura Municipal de Brusque

O TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SANTA CATARINA, reunido nesta data, em Sessão Ordinária, com fulcro nos arts. 31 da Constituição Federal, 113 da Constituição do Estado e 1º e 50 da Lei Complementar n. 202/2000, tendo examinado e discutido a matéria, acolhe o Relatório e a Proposta de Parecer Prévio do Relator, aprovando-os, e considerando ainda que:

(...)

6.4. Determinar à Diretoria de Controle dos Municípios - DMU, deste Tribunal, que inclua na sua programação de auditoria a verificação de cumprimento do art. 37, II, da Constituição Federal por parte do município de Brusque, para fins de atendimento do questionamento levantado pelo Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, o qual é pertinente às despesas realizadas com a contratação terceirizada de pessoal, bem como à contratação temporária de pessoal, conforme dados constante do Demonstrativo das Despesas por Elemento segundo os Grupos de Natureza de Despesa.[4]

 

Caso a Corte não entenda necessária ou adequada a constituição de autos apartados, este Ministério Público, considerando os princípios da celeridade, da economia processual e da instrumentalidade das formas, ingressa, por intermédio deste Parecer, com REPRESENTAÇÃO junto ao Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, nos termos do art. 66 c/c o art. 65 da Lei Complementar 202/2000, para que a Corte adote providências visando apurar possível ocorrência de burla ao concurso público, mediante supostas terceirizações e contratações temporárias de serviços públicos de natureza permanente, nos exercícios de 2005, 2006 e 2007, perfazendo, apenas neste último ano, o montante de R$ 1.784.697,15, o que representa 31% do total das despesas correntes da Unidade e 106% das despesas com remuneração dos servidores efetivos. Requer ainda, neste caso, sejam extraídas cópias das peças necessárias destes autos, e também deste Parecer, para serem juntadas ao processo de representação a ser autuado.

 

 

Da instauração de processo apartado para aferir a divergência no saldo patrimonial

Em diversas oportunidades o Tribunal de Contas remeteu para processos específicos a verificação da responsabilidade por esta grave infração às normas contábeis e ao princípio da transparência:

Acórdão n.º 2122/2007

Processo n.º PDI - 07/00008675

Processo Diverso - Autos apartados do Processo n. PCP-06/00102319 - contas anuais de 2005

Prefeitura Municipal de Porto União

ACORDAM os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro no art. 59 c/c o art. 113 da Constituição do Estado e no art. 1° da Lei Complementar n. 202/2000, em:

(...)

6.2. Aplicar ao Sr. Renato Stasiak - Prefeito Municipal de Porto União, CPF n. 216.709.009-91, as multas abaixo discriminadas, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial do Estado, para comprovar ao Tribunal o recolhimento das referidas multas ao Tesouro do Estado, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000:

6.2.1. com base no art. 70, II, da Lei Complementar n. 202/2000 c/c o art. 109, II, do Regimento Interno, a multa no valor de R$ 400,00 (quatrozentos reais), em face das seguintes irregularidades, que contrariaram as normas gerais de escrituração contábil dispostas no art. 85 da Lei (federal) n. 4.320/64:

(...)

6.2.1.2. divergência entre a variação do Saldo Patrimonial Financeiro e o resultado da execução orçamentária, no valor de R$ 1.122,40 - reincidência (item 1.3.1.1 do Relatório n. DMU);

6.2.1.3. divergência no valor de R$ 80.004,07 entre o saldo do Realizável registrado no Balanço Patrimonial e o apurado na movimentação do exercício (item 1.5 do Relatório n. DMU);

6.2.2. R$ 500,00 (quinhentos reais), em face do Balanço Anual Consolidado demonstrando inadequadamente saldos contábeis, apresentando inúmeras divergências entre as peças que o compõem, prejudicando a verificação da compatibilidade entre a execução orçamentária e as variações patrimoniais, implicando na sua total inconsistência, em afronta ao disposto nos arts. 85, 89, 97, 101, 103 e 104 da Lei (federal) n. 4.320/64 (item 1.10 do Relatório DMU);[5]

 

Acórdão n.º 0873/2007

Processo n.º PDI - 06/00014533

Processo Diverso - Autos apartados do Processo n. PCP-05/00975396 - contas anuais de 2004

Prefeitura Municipal de Bom Jardim da Serra

ACORDAM os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro no art. 59 c/c o art. 113 da Constituição do Estado e no art. 1° da Lei Complementar n. 202/2000, em:

(...)

6.2. Aplicar ao Sr. Essiorni Cardoso da Silva, ex-Prefeito Municipal de Bom Jardim da Serra, CPF n. 179.502.879-34, com fundamento no art. 70, II, da Lei Complementar n. 202/2000 c/c o art. 109, II, do Regimento Interno, as multas abaixo relacionadas, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial do Estado, para comprovar ao Tribunal o recolhimento ao Tesouro do Estado das multas cominadas, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos artigos 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000:

(...)

6.2.2. R$ 400,00 (quatrocentos reais), em face de divergência entre variação do saldo patrimonial financeiro (R$ 84.413.61) e o resultado da execução orçamentária (superávit no valor de R$ 83.229,26), no valor de R$ 1.114,35, em desacordo com o art. 85 da Lei Federal n. 4.320/64 (item 2 do Relatório DMU);[6]

 

Acórdão n.º 1660/2005

Processo n.ºPDI - 05/00549613

Processo Diverso - Autos apartados do Processo n. PCP-04/01550214 - contas anuais de 2003

Prefeitura Municipal de Itajaí

ACORDAM os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro no art. 59 c/c o art. 113 da Constituição do Estado e no art. 1° da Lei Complementar n. 202/2000, em:

(...)

6.2. Aplicar ao Sr. Jandir Bellini - ex-Prefeito Municipal de Itajaí, CPF n. 052.185.519-53, com fundamento no art. 70, II, da Lei Complementar n. 202/2000 c/c o art. 109, II, do Regimento Interno, as multas abaixo relacionadas, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial do Estado, para comprovar ao Tribunal o recolhimento ao Tesouro do Estado das multas cominadas, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos artigos 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000:

(...)

6.2.2. R$ 400,00 (quatrocentos reais), em face da divergência de R$ 170.716,21 entre o Saldo Patrimonial demonstrado no Balanço Patrimonial do exercício em análise (R$ 149.975.131,92) e o montante verificado na Demonstração das Variações Patrimoniais (R$ 49.804.415,71), em desacordo ao contido no art. 85 da Lei Federal n. 4.320/64 (item II-2.1.1 do Relatório DMU);[7]

 

Considerações gerais sobre a instauração de processos apartados

Os chamados “processos apartados” oportunizam a concretização do princípio da indisponibilidade do interesse público. Por estes processos a Corte investigará aquilo que não pode ser investigado no processo de contas por não representar matéria passível de exame em sede de contas, ou por não possuir conteúdo suficiente para macular o conjunto das contas anuais, não obstante revele indícios de práticas ilícitas.

Observado sob a óptica interna dos processos de contas, o ditos “apartados” são também a concretização, em alguma medida, do princípio da proporcionalidade, pois não seria sustentável que todo o conjunto de atos que conformam a gestão financeira, orçamentária e patrimonial de todo um ano, e que são apreciados nesses processos, fosse comprometida pela prática de atos isolados, mesmo que ilegais. Estes atos deverão ser apreciados isoladamente em outro processo – o chamado “processo apartado”.

Não é, contudo, facultativa esta apreciação desses atos isolados. Se a matéria está entre as atribuições do Tribunal de Contas ela deverá ser apreciada em sede da competência para julgar conferida às cortes de contas.

O manejo de argumentos relacionados à falta de estrutura para o exercício do múnus constitucional, como comumente tem ocorrido, também reclama maior cautela.

O Tribunal de Contas de Santa Catarina está, por certo, entre os órgãos melhor aparelhados do Estado e, porque não dizer, da Federação, para o exercício de suas obrigações. Nos últimos anos realizou diversos concursos públicos que culminaram com a nomeação de um invejável quadro de altíssima qualidade técnica. Não lhe faltam também recursos de informática ou de qualquer sorte. Trata-se, pois, de um dos mais afortunados órgãos de controle do Brasil e que possui os meios para o exercício pleno de todas as suas atribuições. Poderiam ser melhores e maiores os recursos a serem disponibilizados para os tribunais de contas? Sempre poderiam!

Também o manejo do princípio da razoabilidade, como sustentam alguns (normalmente sem demonstrar a aplicação do princípio...), para afastar a atuação da Corte, não pode ocorrer sem a demonstração clara dos subprincípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade stricto sensu dessa não-atuação do Tribunal de Contas.

 

Em razão do exposto, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas entende que as contas apresentadas pelo Município cuja prestação ora se examina apresentam de forma adequada a posição contábil, financeira, orçamentária e patrimonial da entidade, e, com amparo na competência conferida pelo art. 108, incisos I e II, da Lei Complementar 202/2000, manifesta-se:

1) pela emissão de parecer recomendando à Câmara Municipal a aprovação das contas do Município de Ipira, relativas ao exercício de 2007;

2) por determinar ao Chefe do Poder Executivo municipal que:

2.1) faça promover a regularização, caso ainda não tenha feito, das repercussões contábeis no exercício em curso (2008), originadas das incorreções na inscrição contábil constatadas neste Processo, comprovando a esta Corte no prazo de 30 dias;

3) pela determinação à Diretoria de Controle dos Municípios para que:

3.1) instaure o procedimento adequado à verificação (PROCESSO APARTADO):

3.1.1) das despesas com a contratação terceirizada / temporária de serviços (fls. 440-441), que caracterizam fortes indicativos de burla ao concurso público;

3.1.2) das divergências entre o saldo patrimonial demonstrado no Balanço Patrimonial e o apurado por meio da Demonstração das Variações Patrimoniais no exercício (Item B.1 da Conclusão do Relatório nº 2.605/2008);

3.1.3) das responsabilidades pela ausência de remessa do Parecer do Conselho do Fundeb (item I.A.3 do Relatório nº 2.605/2008);

3.2) acompanhe o cumprimento da Decisão a ser exarada pela Corte e a eventual tipificação de reincidências no exame que processará do exercício seguinte.

4) caso o pedido do item 3.1.1 acima não seja acolhido, seja autuada como representação, nos termos do art. 66 c/c o art. 65 da Lei Complementar 202/2000, para que a Corte adote providências visando apurar possível ocorrência de burla ao concurso público, mediante supostas terceirizações e contratações temporárias de serviços públicos de natureza permanente, nos exercícios de 2005, 2006 e 2007, perfazendo, apenas neste último ano, o montante de R$ 1.784.697,15, o que representa 31% do total das despesas correntes da Unidade e 106% das despesas com remuneração dos servidores efetivos, providenciando-se para tal a extração de cópias das peças necessárias destes autos, e também deste Parecer, para serem juntadas ao respectivo processo;

5) pela solicitação de comunicação do resultado do julgamento e ressalvas propugnados pela Instrução;

6) pela ciência ao Chefe do Poder Executivo nos termos do propugnado pela Instrução Técnica, estendendo-se o conhecimento da Decisão da Corte ao Poder Legislativo municipal.

Florianópolis, 11 de agosto de 2008.

 

Diogo Roberto Ringenberg

Procurador do Ministério

Público de Contas

 



[1] - Crise na Saúde: Estúdio SC mostra o drama de quem todos os dias enfrenta a crise da saúde pública. Profissionais relatam as dificuldades de atendimento. Nossa equipe acompanhou duas madrugadas nos hospitais. http://mediacenter.clicrbs.com.br/templates/player.aspx?uf=2&contentID=7425&channel=47. Acesso em 03/12/2007

[2] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública: Concessão, Permissão, Franquia, Terceirização e outras Formas. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 178.

[3] SANTA CATARINA. Tribunal de Contas do Estado. Relator: Salomão Ribas Junior. Data da Sessão: 17/12/2007. Representante do Ministério Público de Contas: Márcio de Sousa Rosa.

[4] SANTA CATARINA. Tribunal de Contas do Estado. Relator: Luiz Roberto Herbst. Data da Sessão: 22/12/2003. Representante do Ministério Público de Contas: Mauro André Flores Pedrozo.

[5] SANTA CATARINA. Tribunal de Contas do Estado. Relator: Otávio Gilson dos Santos. Data da Sessão: 05/11/2007.

 

[6] SANTA CATARINA. Tribunal de Contas do Estado. Relator: Salomão Ribas Junior. Data da Sessão: 07/05/2007.

[7] SANTA CATARINA. Tribunal de Contas do Estado. Relator: Clóvis Mattos Balsini. Data da Sessão: 17/08/2005.