PARECER  nº:

MPTC/2638/2009

PROCESSO nº:

REC-08/00205774    

ORIGEM     :

Prefeitura Municipal de São João do Oeste

INTERESSADO:

Rudi Aloisio Rasch

ASSUNTO    :

Processo – PDA -05/00865531

 

 

1 – DO RELATÓRIO

Trata-se de Recurso de Reexame, interposto pelo Sr. Rudi Aloísio Rasch, ex-Prefeito de São João do Oeste, em face do Acórdão nº 259/2008, por meio do qual foram aplicadas multas ao recorrente, bem como foi assinado prazo para que a Prefeitura procedesse à invalidação do procedimento de privatização da Companhia de Turismo daquele Município, eivado de nulidade absoluta e insanável, retornando as ações da Companhia à propriedade do Município.

Os auditores da Consultoria-Geral apresentaram o Parecer nº 681/2008, de fls. 89/122, sugerindo o conhecimento do Recurso, para:

1.1. acolher a preliminar de cerceamento do direito de defesa dos interessados, declarando parcialmente nulo o processo, somente em relação ao item 6.3 do Acórdão nº 259/2008;

1.2. cancelar o item 6.2.2 da decisão recorrida;

1.3. manter os demais itens da decisão recorrida.

 

2 – DA ADMISSIBILIDADE

O recurso deve ser conhecido, pois preenche os requisitos do art. 80 da Lei Complementar nº 202/2000.

 

3 – DA PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA

Conforme consignam os auditores da Consultoria-Geral, a irresignação contra o cerceamento de defesa deve prosperar com relação aos terceiros - pessoas que adquiriram as ações da Companhia de Turismo do Município de São João do Oeste, mas que não foram chamadas ao processo.

Isso porque a invalidação do procedimento de privatização corresponde à anulação dos contratos dele decorrentes.

Tenho que os princípios constitucionais, entre eles o direito ao contraditório e à ampla defesa, não são absolutos, podendo ser mitigados em relação a outros princípios constitucionais, como, por exemplo, os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e eficiência, todos previstos na cabeça do art. 37 da Constituição.

Nesse sentido, a seguinte decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo:[1]

 

O Contraditório e a ampla defesa, garantias proclamadas no art. 5º, LV, da CF, devem ser observados, não há dúvida, como regra geral, mas não absoluta, sob pena de ficar desamparado em muitos casos o interesse público, quando, então, impõe-se a prevalência da auto-executoriedade de que gozam os atos administrativos, (...). (TJ-SP – Apelação nº 179373-1 – 8ª Câmara Cível – Relator: Desembargador Antônio Marson – Julgamento: 24-11-92.)

 

         A auto-executoriedade do ato administrativo decorre da prerrogativa de autotutela, por meio da qual é possível que a Administração Pública anule seus próprios atos, quando eivados de ilegalidade.[2]

         A respeito do assunto, cito José dos Santos Carvalho Filho:[3]

 

A autotutela se caracteriza pela iniciativa de ação atribuída aos próprios órgãos administrativos. Em outras palavras, significa que, se for necessário rever determinado ato ou conduta, a Administração poderá fazê-lo ex officio, usando sua auto-executoriedade, sem que dependa necessariamente de que alguém o solicite. Tratando-se de ato com vício de ilegalidade, o administrador toma a iniciativa de anulá-lo (...). Essa sempre foi a clássica doutrina sobre o tema. (Grifo original)

 

Como visto, a Administração Pública pode e deve tomar a iniciativa de anular os atos eivados de ilegalidade.

De acordo com a decisão recorrida, o procedimento de privatização da Companhia de Turismo daquele Município está eivado de nulidade absoluta e insanável.

Daí decorre que tal ato não pode ser convalidado, tendo poucos efeitos a oportunização do direito de contraditório e ampla defesa aos terceiros interessados.

         Todavia, a autotutela de ofício, em certas circunstâncias, não pode ser exercida em sua plenitude, sob pena de ferir-se o estado democrático de direito, com os consequentes riscos advindos de condutas autoritárias.

         Nessa direção, ainda, os ensinamentos de José dos Santos Carvalho Filho:[4]

 

Adota-se tal orientação [o contraditório], por exemplo, em alguns casos de anulação de atos administrativos, quando estiverem em jogo interesses de pessoas, contrários ao desfazimento do ato. Para permitir melhor avaliação da conduta administrativa a ser adotada, tem-se exigido que se confira aos interessados o direito ao contraditório, outorgando-se-lhes o poder de oferecerem as alegações necessárias a fundamentar seu interesse e sua pretensão, no caso o interesse à manutenção do ato.

 

         Dessa forma, ainda que se trate de nulidade insanável, o exercício da autotutela administrativa imprescinde da oportunização do contraditório aos interessados.

Ademais, acerca dos processos que tramitam nessa Casa de Contas, dispõe o art. 75 da Lei Complementar nº 202/2000:

 

Art. 75. Em todas as etapas do processo de julgamento de contas, de fiscalização de atos e contratos e de apreciação de atos sujeitos a registro, será assegurada aos responsáveis e interessados ampla defesa.

 

Como visto, a ampla defesa é assegurada também aos interessados, ou seja, qualquer pessoa que possa ter o direito afetado pela decisão.

Acerca do direito de defesa nos Tribunais de Contas, a seguinte decisão do STF:[5]

 

A incidência imediata das garantias constitucionais referidas dispensariam previsão legal expressa de audiência dos interessados; de qualquer modo, nada exclui os procedimentos do Tribunal de Contas da aplicação subsidiária da lei geral do processo administrativo federal (Lei nº 9.784/99), que assegura aos administrados, entre outros, o direito a ‘ter ciência da tramitação dos processos administrativos em que tenha a condição de interessado, ter vista dos autos (art. 3º, II), formular alegações e apresentar documentos antes da decisão, os quais serão objeto de consideração pelo órgão competente’. A oportunidade de defesa assegurada ao interessado há de ser prévia à decisão, não lhe suprimindo a falta a admissibilidade de recurso, mormente quando o único admissível é o de reexame pelo mesmo plenário do TCU, de que emanou a decisão. (MS 23.550 – Relator: Ministro Sepúlveda Pertence – Publicação: DJ 31-10-2001).

 

         No mesmo caminho trilhou a Súmula Vinculante nº 3 do STF, in verbis:

 

Nos processos perante o Tribunal de Contas da União assegura-se o contraditório e a ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou revogação do ato administrativo que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da ilegalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão.

 

         Dessarte, considerando que a decisão recorrida afeta o direito de terceiros, que não participaram do processo, necessária a declaração de nulidade do item 6.3 do Acórdão recorrido, restituindo-se o processo nº PDA-05/00865531 ao Gabinete de seu Relator, para a adoção das medidas necessárias a uma nova apreciação da matéria; ou seja, para a oportunização do contraditório e da ampla defesa aos vencedores do processo licitatório,[6] para que se manifestem quanto às ilegalidades ensejadoras da invalidação da privatização da Companhia de Turismo do Município, bem como dos contratos dela decorrentes.

 

4 – DA PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DE CONTAS PARA SUSTAR O CONTRATO

         Como bem observado pelos auditores da Consultoria-Geral, a decisão recorrida não invalida o procedimento de privatização (anulação de contrato), mas assina prazo para que a autoridade competente adote as medidas necessárias ao exato cumprimento da lei, conforme previsão do art. 71, IX, da Constituição; e, caso não atendida a determinação, seria efetuada a comunicação ao Poder Legislativo, a quem compete sustar o contrato (art. 71, §§ 1º e 2º, da Constituição).

         Assim, o procedimento desse Tribunal está de acordo com a previsão constitucional, não havendo como prosperar a preliminar.

 

5 – DO MÉRITO

         Com relação às multas impostas, correto o entendimento dos auditores da Consultoria-Geral, no sentido de cancelar a multa constante do item 6.2.2 da decisão recorrida, pois as publicações do resumo do edital atendem aos ditames de Lei de Licitações.

Assim como bem anotada a permanência das multas dos itens 6.2.1, 6.2.3, 6.2.4 e 6.2.5, uma vez que as alegações apresentadas pelo recorrente não tem o condão de infirmá-las.

 

6 – DO PROSSEGUIMENTO DO PROCESSO QUANTO ÀS MULTAS APLICADAS AO RECORRENTE

         Conforme os auditores da Consultoria-Geral, nada impede que esse Tribunal dê prosseguimento ao processo nº PDA-05/00865531, quanto às multas aplicadas ao responsável.

         Concordo com a assertiva, mormente porque o responsável exerceu o direito à defesa, e porque, em tese, as eventuais defesas dos terceiros interessados não afetarão a decisão desse Tribunal, no que concerne às restrições impostas ao ex-prefeito.

         Todavia, a oportunização de defesa aos interessados necessariamente envolverá a discussão da legalidade do procedimento licitatório, o que, na prática, poderá resultar em decisões conflitantes.

         Assim, parece-me prudente outra solução, por exemplo, o sobrestamento da decisão de mérito deste recurso, até a decisão definitiva do processo nº PDA-05/00865531.

 

7 - DA CONCLUSÃO

Ante o exposto, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108 da Lei Complementar nº 202/2000, manifesta-se pela adoção das seguintes providências:

- CONHECIMENTO do Recurso de Reexame, em virtude do preenchimento dos pressupostos do art. 80 da Lei Complementar nº 202/2000;

- ACOLHIMENTO da preliminar de cerceamento do direito de defesa de terceiros interessados, com a declaração de nulidade do item 6.3 do Acórdão nº 259/2008, para restituir o processo nº PDA-05/00865531 ao Gabinete do Conselheiro Relator, visando à oportunização do contraditório e da ampla defesa aos vencedores do processo licitatório, para que se manifestem quanto às ilegalidades ensejadoras da nulidade da privatização da Companhia de Turismo do Município de São João do Oeste e dos contratos dela decorrentes.

 

Florianópolis, 9 de fevereiro de 2010.

 

 

 

                               

Aderson Flores

Procurador do Ministério Público

junto ao Tribunal de Contas

 

 

 

 



[1] Apud CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 156.

[2] A respeito do assunto as súmulas nºs 346 e 473 do STF.

[3]  Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 154.

[4] Ibidem, p. 155.

[5] Apud LIMA, Luiz Henrique. Controle Externo. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008. p. 388.

[6] Relacionados no termo de homologação constante das fls. 85/86 do processo principal.